Quase duas semanas após o acidente trágico de Ken Block, e na semana em que começa o Mundial de Ralis, a FIA e o WRC decidiram que o número 43, o número que o piloto americano usou ao longo da sua carreira, não seria mais usado. É o primeiro número a ser retirado no Mundial de ralis, porque isto é algo que começou muito recentemente, a dos números fixos. Creio que seja algo com pouco mais que uma década, e são ainda poucos os números identificativos. Por exemplo, tirando o 69 de Kalle Rovanpera, quem acompanha o Mundial de ralis há quase quatro décadas, como eu, não conhece qualquer piloto com determinado número. Colin McRae? Durante muito tempo andou com o número 3, nos tempos da Subaru, mas quando foi para a Ford, usou o 4. É um exemplo.
Mas faço a pergunta: que razão alguém como a FIA e o WRC decide tomar uma atitude destas, de um piloto que só conseguiu 18 pontos no total e como melhor resultado um sétimo lugar no Rali do México de 2013? Um piloto cuja carreira foi muito marginal, que começou muita tarde, nunca foi um piloto oficial de qualquer marca e sequer foi campeão nacional na América?
A resposta foi uma: impacto. Ou se preferirem, as "Ghynkhanas".
A primeira aconteceu, salvo erro, em 2008. Block, um dos fundadores da DC Shoes e com experiência no skate, tinha-se apaixonado pelos ralis e começara a experimentar graças ao seu contacto com Travis Pastrana, descobriu o poder das redes sociais, em especial, do Youtube. A primeira experiência foi um sucesso, mas no ano seguinte, mostrou-se ao mundo graças à sua passagem pelo programa Top Gear, quando guiou James May num percurso feito de propósito para ser visto na televisão. Foi outro enorme sucesso, e Block regressou em 2015, para andar pelas ruas de Londres a bordo de um Mustang modificado de primeira geração, e sempre com o 43.
Pelo meio, outra grande acrobacia, mas esta... involuntária. Quando em 2010 decidiu inscrever-se no Mundial de ralis, numa altura em que Sebastien Loeb dominava e tinha a presença de Kimi Raikkonen, que tinha tirado férias da Formula 1, Block, no alto dos seus... 42 anos, seria mais outra curiosidade para arrastar fãs que já tinha conseguido um pouco por todo o mundo, do que alguma ameaça para os pilotos profissionais.
Quando se preparava para o rali de Portugal, que naquele ano era no sul do país, Block estava a dar cem por cento no "shakedown" quando exagerou numa parte e capotou o carro algumas vezes no ar, acabando totalmente destruído. Os estragos foram mais que suficientes para impedir de alinhar na prova, ainda antes de começar, e o vídeo do seu acidente deu a volta ao mundo.
Com o passar dos anos, Block dividiu-se pelo rallycross - com alguns pódios - e um melhor palmarés que o WRC. A sua última participação foi em 2018, no rali da Catalunha. Não deixou de tentar a sua sorte no Rally America, tendo até a temporada de 2022 sido filmada para fazer (mais um) documentário no Youtube. Podia não ser o melhor piloto do mundo, mas sabia mostrar-se e "vender-se" aos apreciadores de emoções fortes. E no tempo onde ver é tudo, fazer parar as imagens para ver o pneu a milímetros do abismo é o que conta.
Ultimamente, tinha trocado os carros da Ford pelos Audi elétricos e um Hyundai WRC de 2021 na sua última aventura americana. E até começava a passar a ideia de que haveria uma sucessora na sua filha mais velha, que agora tem 15 anos. Até a mais recente "ghynkhana" já nem foi ele como protagonista, acabou por ter Travis Pastrana como piloto.
Apesar do escasso palmarés, e tentar encontrar algo que justifique tal decisão, entende-se o gesto da FIA e do WRC: conhecem alguém que tenha colocado os ralis de forma tão mediática como ele? Parecendo que não, será o legado de Ken Block para o resto dos tempos.