Mostrando postagens com marcador Exclusivos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Exclusivos. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 16 de março de 2012

Imagens que surpreendem o dia-a-dia

Ana Isa Van Dijk*

Há 10 anos moro em uma pequena vila no interior da Holanda (Houten), e neste tempo, que parece longo, ainda me flagro em encantamento com coisas ainda inusitadas para meus olhos brasileiros. Ontem fez um dia lindo neste final de inverno. Típico de primavera, à tarde abriu um sol encantador convidando a temperatura a chegar aos 14C que estimularam um grupo de crianças de curso primário a ensaiar ao ar livre alguns ensinamentos de sala de aula. Algo em torno das duas da tarde ouvi um fuxico de vozes animadas no jardim público em frente da minha casa; corri pra janela e flagrei estas imagens:

Foto 1- Duas crianças com coletes e bastão com garras (iguais aos usados por funcionários da limpeza da prefeitura), coletando eventual “lixo” presente no gramado público. (Imagem: Ana Isa Van Dijk via iPhone)
Foto 2 - Aqui um dos garotos carrega nos ombros um saco plástico para coleta. (Imagem: Ana Isa Van Dijk via iPhone)
Foto 3 - Pouco depois percebi tratar-se de uma turma inteira a desempenhar a tarefa da limpeza urbana de ruas e jardins. (Imagem: Ana Isa Van Dijk via iPhone).
Foto 4 - Imagem: Ana Isa Van Dijk via iPhone.
Foto 5 - Imagem: Ana Isa Van Dijk via iPhone. 
Foto 6 - Imagem Ana Isa Van Dijk via iPhone.


Fotos 4 e 5 e 6 - Mais adiante os professores esperavam as crianças e pareciam conversar com elas sobre a tarefa desempenhada.

Não deu pra ouvir o que se passava entre os professores e aquelas crianças, mas minha imaginação correu solta, lembrei de Belém e de meu velho sonho sobre educação comunitária nas escolas fundamentais. Um dia quem sabe, a gente chega lá...

Ana Isa van Dijk

Houten/Holanda, 15 de março de 2012.


*Ana Isa Van Djik é arquiteta paraense, Brasileira com muito orgulho sem jamais perder seu valioso senso crítico, casada com Henk Van Djik, tem duas filhas e mora em Amsterdam. Além disso, é contemporânea dos tempos do NPI/UFPA com este poster.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

“Vai aí um fuminho... ou um pozinho?”

Roger Normando*


“O escândalo começa quando a polícia lhe dá um fim”, diz Karl Kraus, jornalista alemão. A referência é para o dia 25 de novembro de 2010, que entrou para história do Rio de Janeiro. Traficantes, após causarem pânico no asfalto, fogem da polícia que começa a ocupar o complexo do Alemão. O escândalo povoou manchetes de jornais do mundo inteiro. Na fuga, os bandidos deixaram armas, munições, meninas gestantes e uma reflexão mordaz sobre o uso de drogas.
Desde quando Neanderthal, os humanos buscam elixires naturais que os alegrem, inspirem, consolem, acalmem, estimulem, façam sonhar, e tirem as dores da alma. Assim nasceram maconha e cocaína - e tantos outros psicotrópicos -, com o objetivo de distanciar o homem da realidade frustrante que o enforca e entedia. A diferença entre o remédio e o veneno, nos aforismos de Hipócrates, é a dosagem, entretanto no seio da sociedade essa dosagem varia com o tamanho da hipocrisia entremeada nas alegrias, inspirações e sonhos mal definidos entre o traficante e o drogadito; o morro e o asfalto.
Mas como ser alegre, inspirador e sonhador sem ser hipócrita? Ou, como tirar as dores da alma sem precisar usar droga? Jamais pensei em achar resposta a esta pergunta, mas garimpando Ferreira Gullar, em Alguma parte alguma, dele achei o que queria: “A poesia é alquimia que transforma a dor em alegria estética. A Arte existe, porque a vida não basta!”
Para os anencéfalos que desconhecem o significado desta arte, o pensamento de Gullar é um estorvo, porém mal sabem que, como consumidores de droga, queimam seus neurônios desde adolescentes por desconhecerem o mais curto caminho para a esquizofrenia.
Uma vez instalado tais distúrbios passamos a rejeitar o doente e tê-lo como produto de uma sociedade desvairada em que o principal culpado é o traficante do complexo do Alemão, que passa a ser mira do Estado. Não só o Capitão Nascimento, mas o próprio Estado sabe que o traficante guarda a soberba num crucifixo de ouro porque os artistas e intelectuais entendem que fumar um baseado ou dar uma cheiradinha não vai virar a pá de ninguém. Ledo engano confeitado com o mais puro cinismo. São esses que começam a consumir desvairadamente e depois se tornam os doentes mentais que destroem famílias, arrasam lares e destroçam futuros... e nós continuamos a despejar a nossa ira para o Morro do Alemão.
Esta cadeia alimentar do tráfico é a centelha que gera a maior violência dos dias atuais, sem poupar os mais pobres e desavisados. Rouba-se, estupra-se, pisoteia-se, assalta-se, fere-se ou mata-se à queima roupa, em plena luz do dia, para pagar o débito. Não obstante, entre os afortunados, diversos artistas e intelectuais ficam apregoando uma espécie de "basta à violência", em que os próprios são consumidores de fuminhos e pozinhos, retro-alimentando a robusta e faminta cadeia do crime e do narcotráfico, em que estes são atores sociais medíocres, mas insistem em se passar por inocentes.  Durante shows, alguns ainda pedem “paz ao mundo, não às guerras” com voz angelical e posando de pop; cantam o clamor pela África aidética e desnutrida (we are the world, we are the children...) com um apelo lacrimoso, mas nos camarins injetam LSD e propofol em suas veias.
Salve a arte de Ferreira Gullar que nebuliza os pulmões, entorpece o encéfalo, abre corações, cura a dor estética e agita o meu e o teu tédio Neanderthalista


* Cirurgião de Tórax, amigo do poster e colaborador cada vez mais frequente do Flanar

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Exclusivo! Entrevista com o @PeriquitodoCAN

Avatar do Periquito do Can
O Twitter é de fato uma maneira muito divertida e viciante de interagir com pessoas no mundo virtual. Se não for a mais interessante de todas. No post Menos, menos, já escrevemos um pouco sobre o que achamos ser a dinâmica particular desta intrigante rede social. Lá, encontramos amigos, fazemos novos amigos e podemos até encontrar um(a) novo(a) parceiro(a), companheiro(a), namorado(a) ou esposa (marido). Mas fazemos também desafetos e magoados. Fala-se inclusive de forma bem humorada, em uma tal "psicanálise do unfollow", que vem a ser a lida com a rejeição, consequência imediata do ato de ser excluído da lista de seguidores de alguém. E também é lugar de honra para pessoas interessadas em criar perfis e atuar como personagens. De fato, alguns integrantes atuam bem como personagens. Seja utilizando perfis autênticos, em seu próprio nome, seja criando personagens bem distintos - quase que alegorias - fomentadas e criadas por pessoas desconhecidas na vida real. Os mais interessantes, são aqueles que fazem menção a elementos marcantes da cidade ou a personagens do imaginário popular. Lá existem o @CangurudaRadiolux, @Índiodapraçabrasil, @Faroldesalinas, @moçadotáxi, @relogiodapraça, entre outros que constituem a fauna do Twitter. Alguns não são bem sucedidos em sua iniciativa. Talvez faltem-lhe um pouco mais de criatividade e conteúdo na constituição do personagem. Mas nenhum parece ser tão amável e sedutor, quanto o @PeriquitodoCAN.
Com 470 seguidores e 4221 twetts, na madrugada de hoje, resolvemos entrevistá-lo. No mínimo, vai se tornar um registro de uma época, que todos poderão relembrar ao voltar por aqui. E ele concedeu a entrevista que terminou por volta de 1:40, com toda a alegria que lhe é peculiar. E em nenhum momento, deixou de fazer as suas inserções regulares na timeline, quando então comanda o que chama de Rádio Samaumeira. Através deste artifício ele regularmente sugere clips do You Tube para seus seguidores. Como sempre, foi amável, bem humorado e educado. Talvez algo histérico. Mas a histeria, de fato parece fazer parte dos periquitos, especialmente quando em revoada, não é verdade? Mas deixemos de texto introdutório e vamos à entrevista. Participou como entrevistadora também, a ótima jornalista Simone Romero, que gentilmente autorizou a publicação de suas inserções. No intervalo entre uma pergunta e outra, o periquito mantinha em atividade a Rádio Samaumeira, que aqui transcrevemos com os links para os clips do You Tube sugeridos por ele. Leiam e tirem suas próprias conclusões.

CB: Amigo. Desde quando vc está no twitter?
PC: Consegui estabelecer a nossa conexão wi-fi aqui na Samaumeira a cerca de duas semanas atrás!!! graças um amigo meu da Oi..!!

CB: Sim. mas antes disso, vc já fazia parte da rede, não. Quando entrou no Twitter?
PC: Rádio Samaumeira detona mais uma na madruga | Simple Plan - Perfect |   Pra vc ...curtir
PC:  não...!!! aprendi a mexer nisso tbm a duas semanas...quando ganhei meu BlackBerry e minha mochila para poder voar e twittar

CB: Entendo, querido. Mas tenho a impressão de já ver vc por aqui há mais tempo que meras 2 semanas.
PC: Rádio Samaumeira com vc na madruga | Frejat - Segredos |  beija muito Samaumeira
PC: Doctor..!!! ativei minha internet aqui na Samaumeira e entrei no twitter uma semana antes do Círio...

CB:  Como vc define sua atitude e relacionamento com os tuiteiros de Belém?
PC: Me sinto muito feliz..!!! busco levar muita alegria e respeito á todos meu seguidores..!!! e tenha certeza recebo em dobro!!

CB: Sim. Percebemos que o Twitter está encantado com vc. Quantos anos vc tem?
PC: Tenho 5 anos... e estou adorando tbm todos meus novos amigos...!!!

CB: Maravilha. Penso que nesta idade, já deve estar com alguma periquita e ter alguns periquitinhos, não?
PC: Rádio Samaumeira detona mais uma | Lily Allen -  Smile |  sai dançando no quarto...!!!
PC: Não..!!! ainda não..!!! mas adoraria ter uns periquitinhos para voarem comigo nessa linda cidade..!!! isso é certeza..!!!

SIMONE ROMERO: você sonha em se tornar uma celebridade, igual o Louro José? aliás, voc^^es tem algum parentesco?
PC: não, quero só fazer novas amizades, mas aí, veio o Manto de Nossa Senhora e nosso dueto com meu amigo Pe. Fábio. fiquei famoso

CB: Quais os alimentos que vc mais aprecia?
PC:Arrepia Samaumeira...su su sucesso | Marillion - Beautiful (Live) |  Namora Samaumeira...!!!
PC:  Adoro Esfiha, churros, açaí, sorvete, mamão, abacaxi, banana, uma boa Maniçoba e não esquecendo da minha Cerpinha ...!!!

SIMONE ROMERO: tens algum parentesco com o Louro José?
PC: Não..!!! só vejo ele aqui na televisão do Habib's..!!! parece ser uma papagaio be bacana..!!!! adooro ele e a Ana Maria....!!!

CB:Beleza! Alguma vez foi maltratado por alguém no Twitter. Pessoas que não compreendam sua atitude, por exemplo?
PC: Rádio Samumeira detona mais uma | Maroon 5 - She Will Be Loved  |  pra galera da madruga..!!!
PC: Não, nunca. Pelo contrário sou muito bem tratado por todos, principalmente pelas mulheres. Deve ser meu topete e meu olhar

CB:Rssss. Quais os lugares de Belém que vc gosta de passear?
PC: Rádio Samaumeira arrepiada detona | u2- With or without you (live) |
PC: adoooro ir lá no Mangal, Estação das Docas, Ver-o-Peso, Museu Goeldi...e passear pela Praça Batista Campos..!!! ahh e a Braz

CB: Então vc é um periquito macho?
PC: Pô..!!! Doctor...!!! tá na cara né..!!! se fosse fêmea seria Periquita..!!! eu hein....!!!!

CB: Rssss. É verdade! Mas vc costuma frequentar o twitter mais de madrugada. Isso não atrapalha um pouco a sua vida?
PC: Rádio Samaumeira orgulhosamente detona | Fish - Lavender (live) |   relaxa e viaja Samaumeira
PC: Não..!!! sempre tiro meu cochilo depois do almoço lá no Mangal, e sempre acordo com o barulho aqui na Av. Nazaré..!!! mas acordo cedo 5:00 h

CB: E que horas vc costuma dormir à noite?
PC: Doctor, durmo umas 3 da manhã, mas sempre estou tirando meu cochilo por aí...acordo bem cedo para fazer a revoada.
PC: Rádio Samaumeira a pedidos orgulhosamente rola | Carolina - Chico Buarque de Hollanda |

SIMONE ROMERO: como tá festa ai na samaumeira? já arrumou uma periquita?
PC: Su su sucesso Samaumeira | The Cranberries - Zombie |   para nossos novos amigos! This is for you.
PC: tá bombando..!!! hoje é curtição das grandes personalidades de rock..!!!! vem pra cá..?? ou pede um sucesso para sair dançando

CB:Excelente! Existe alguma reivindicação que vc teria a fazer para as autoridades em favor dos periquitos?
PC:Lógico!!! Cuidem mais de nossas árvores..!!! e adoraríamos instalar uma iluminação aqui na Samaumeira iria ficar o máximo..!

CB: Maravilha! E como vc gostaria de encerrar esta entrevista. Mande sua mensagem.
PC: Rádio Samaumeira, simplesmente detonando | Simply Red - Holding Back The Years |
PC: Queria agradecer a Deus e ao Doctor, por esta oportunidade e dizer á todos que nunca deixem de sorrir.!! temos a obrigação de sermos felizes
PC: a final de contas temos saúde, podemos comer churros quando quiser-mos e bicar nossa Cerpinha lá no Bar do Parque...

CB: Ok. Amigão, obrigado pela entrevista. Divirta-se e boa noite.
PC:  e gostaria de mandar aquele abraço para meus amigões Pe. @pefabiodemelo, @cangururadiloux, @relogiodapraca e pro Cavalinho*..
PC: Rádio Samaumeira rola a saideira | Pearl Jam-Black |  explooodde Samaumeira..!!!

*@tantotupiassu ou o advogado Fernando Gurjão Sampaio

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

“Na moral, na moral. Passa o celular!!!”

Roger Normando*            

Numa quarta-feira nada cinzenta, pelo contrário, em plena atmosfera do círio de Nazaré, eu morri. Levei um tiro no tórax ao reagir a um assalto. “Na moral, na moral, passa o celular!!!”, disse-me o meliante. Não passei. Pensei logo no preço daquele E71, novo. Resisti.
Ele não pestanejou. Só ouvi o estampido ecoar por toda a Antônio Barreto, debaixo daquele semáforo, no início da noite. Ninguém mais ouviu, tão somente eu, jaz morto, com olhos fechados e a boca entreaberta.
O trânsito engarrafado facilitou a ação, mas nada justifica a minha vacilada, de ficar com o vidro aberto, numa zona de perigo, soturna, como é aquela artéria da antiga matinha.
Ao lado havia uma igreja e não uma delegacia para prender bandido. O hospital metropolitano, que me salvaria, estava longe. Portanto, quem chegou primeiro foram anjos. Morri nos braços de um deles. Eu clamei por justiça e ele, ao me recolher, com o corpo já arrefecido, pediu para perdoar, afinal de contas a virgem de Nazaré iria me dar um bom destino e um amparo saudável para a Marina, minha mãe, e meus cinco irmãos. Também clamei por um curativo efetivo, que evitasse perder toda minha volemia. Era a chance de eu ser ressuscitado. Outro arcanjo me relatou que esse vinho derramado não poderia mais voltar à taça, mas poderia ser doado para um necessitado. Alguém a espera de um transplante de medula óssea compatível com o meu A+.
Então me conformei. Tiro no peito é um paradoxo para um cirurgião torácico! Mas se sobrevivesse, quem me operaria? Provavelmente um ex-aluno, bem mais jovem e corajoso. Um bom cirurgião. Um que fosse capaz de afastar minhas costelas, coser meu pulmão ou meu coração com as linhas do sentimento pelo que aprendeu. Se restasse alguma seqüela, seria a única prova do que estou falando, mas o que valeria mesmo seria a comemoração da vida, coincidentemente num segundo domingo de outubro.
Quando ele disse “na moral, na moral...” eu não demorei a entender. Existia um neurônio de plantão, ligadão, que decifrou assim: era apenas um pedinte, desmontado de seu “berro” e sem a intenção de matar. Queria apenas engordar sua caixinha para passar o círio com uma mesa mais farta do que o seu pão de todo dia.
Aí percebi que não morri. Apenas tornei-me um defunto-autor vivo, como diria Machado de Assis. Uma espécie de Braz Cubas da Antônio Barreto, em busca de decifrar o que aquele jovem alto, pidão e descamisado quis dizer com: “na moral, na moral...”. Preferiu-me multar a sacar sua arma e me cravejar de balas. Dei-lhe o celular para pagar a multa da patetice. Valéria, João Pedro e Danilo agradeceram. Só perdi minha agenda, umas frases do Guimarães Rosa, que coleciono, e umas canções do Michael Bublè, que muito lembra o Sinatra. Mas recupero tudo, depois de fuçar aqui e ali, com ajuda de uns amigos. Só não recupero o trauma - a cicatriz da insanidade dos transeuntes à espreita de um pateta, como eu.
Quando tudo acabou, o sinal ficou verde, tão cartesiano como eu se fosse um protagonista de “O seminarista”, na novela policial de Rubem Fonseca. Meio que acelerei o carro, mas ainda não entendia aquilo como vida. Estava vivo realmente? Desmaiei? Ou como sublinhou Braz Cubas: “A vida estrebuchava-me no peito, com uns ímpetos de vaga marinha, esvaía-se-me a consciência, eu descia à imobilidade física e moral, e o corpo fazia-se-me planta, e pedra e lodo, e coisa nenhuma.” Não havia diferença entre aquela pneumonia de Brás Cubas e o tiro que não levei.
Um feliz círio, para você, jovem, que me poupou da morte e me levou aquele celular já meio capenga, cuja tecla “reage” já não funcionava há algum tempo.

*Obervação de Carlos Barretto: este texto, do médico, amigo e colega cirurgião de tórax Roger Normando, como o leitor já deve ter percebido, devia ter sido publicado antes do Círio, no dia em que foi recebido, como sempre o fazemos. Contudo, por uma falha minha, como destinatário do texto, envolvido em inúmeros afazeres pré-cirianos, acabei por esquecê-lo na caixa de entrada do GMail. Um erro imperdoável, pelo qual me desculpo, junto ao autor e leitores. Prometo estar mais atento. E desde já, agradeço a mais esta colaboração de Roger.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

A Ilha da Criação*


Imagem de Carlos Barretto: Praia de Murubira em noite de lua e maré cheia.

por Hilda Regina Medeiros


I.nfinitas lembranças me
L.evam a revestir a singela ilha,
H.á muito deixada ao léu, de uma
A.ura de magia;

D.ias ensolarados das férias passadas...
E...de chuvas em estadas fora da alta temporada...

M.úsicas, amigos, grandes descobertas...
O.s meus tão conhecidos caminhos que a maioria nem
S.onha que possa existir, outros que nem questão fazem.
Q.ue fazer para preservar esta porção idílica que me é tão cara?
U.nir forças?... Com quem?... O desrespeito a este
E.spaço que muitos só lembram que existe nas férias esta
I.nverso ao que representa para mim e para os poucos que
R.etumbam protestos em prol deste local que, mais do que uma ilha, é
O...cenário perfeito da Emoção, onde todos são oriundos da Criação!

Homenagem aos 115 Anos da brejeira Ilha de Mosqueiro/PA
Belém do Pará, terça-feira, 06/JUL/2010, as 20h20

*Acrústico baseado na percepção do que deve sentir o amigo de Twitter @FlanarBarretto sobre a bucólica.

NOTA DO POSTER: minha recente participação no twitter começa a render frutos bem mais interessantes do que esperava. E esta colaboração especial de Hilda Medeiros, Advogada, defensora da Justiça, Ecologia e da tradição paraense (como se define em seu perfil), é fruto dos encontros e reencontros lá observados. Trata-se de um presente aos amigos de Mosqueiro, que o poster tem a honra de publicar aqui. Em nome dos flanares, agradeço a gentil colaboração de Hilda.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Um piscar de olhos sobre Praga

Roger Normando

Vi, pela janela do trem, no caminho para Berlim, num piscar de olhos, uma paisagem que jamais imaginaria existir por aquelas bandas: uma partida de futebol. Um dos times vestia amarelo e tinha uma faixa horizontal vermelha. O outro não deu para gravar. Tomei aquilo como um soco na minha massa cinzenta. Foi uma paisagem no pé de uma montanha que pensei existir somente na vida brasileira. Se disser aos meus amigos peladeiros que isso existe por aqui e que pode ser encontrada nas tardes de um domingo azul qualquer, digo: eles não acreditarão. Vários carros no pé da serra me fazem supor que também havia torcida sem arquibancada. Era minha visão, algo contorcida e fugaz...

Pronto...! Distorcida a imagem, agora confirmo: aquilo era uma “pelada”, sim.

Talvez o espanto tenha me tomado conta e me jogado no contra-pé de uma outra paisagem que parece começar a ficar como lembrança no quarto escuro da minha frágil memória: Praga. Que cidade! Que luz na minha memória. Que paisagem que o homem foi capaz de criar! Com essa fotografia anestesiante não se pode esperar que, passado trinta minutos da estação, seja vista uma partida de futebol. Por isso o nocaute na visão que criei sobre Praga. Estava eu sob a embriaguez que Praga nos destina.

A partir de agora, portanto, deixemos de lado a partida da estação e a partida de futebol e entremos na Capital Tcheca, fincada no centro da Europa e com uma história tão viva quanto a derme clara-quase-transparente de seus habitantes, descendentes em grande parte de Judeus ortodoxos. Se quiserem comprovar a presença semita, basta visitar o bairro com o próprio nome e comprovar, nas ruas e no cemitério judeu, o amontoado de lápides. Dá-nos uma sensação de que a terra está escassa até para os mortos, dada tamanha sangreira jorrada pelos canhões de Hitler.

Mas o lado funesto da história de Praga não se resume aos efeitos nocivos do século 20, o mais sangrento da história. A cidade já enterrou seus mortos e vive agora sob luz da própria luz. De noite a cidade mais parece um sonho. Todos os homens estão alegres e vestem-se junto com a cidade. Põe uma fantasia que não se tem como explorar cada história. É melhor que ela fique na imaginação de cada um e permaneça como o fósforo aceso de sua visita. As luzes cintilam fortes e contínuas. As únicas que piscam são os reflexos das lâmpadas sobre o Rio Vltava, que contorna a cidade num anatômico formato de joelho. Algumas roupas nas portas lembram velhos cavaleiros, mas hoje os seus cavalos foram transformados em calhambeques brilhantes motorizados flanando pelas estreitas ruas, em cuja placa lê-se a alcunha: PRAHA. Nas calçadas vende-se de tudo, com qualidade, ao peso das coroas do Rei Carlos. Não existe arte tosca, até mesmo porque Franz Kafka não permitiria, diante da metamorfose tão drástica que a humanidade insiste em caracterizar. O teatro Black light não é negro. Tem as cores das caminhadas de Praga pelo mundo revolucionário de drogas, sexo e rock’n roll. Os cantos não são cantos, são vielas de ruas onde tudo vai dar no centro da praça da cidade velha, onde se houve as badaladas e marionetes de 12 apóstolos a cada hora do dia e... da noite também. Amém.

Se Mozart por lá passou e nos apresentou a ópera Dom Giovani, por lá ficou uma história da música, jamais esquecida pelos mais afortunados e intelectuais, que não se cansam das filas quando se trata de uma boa liturgia da palavra e do belo sopro da voz humana.

Certamente, a semente que Carlos plantou na pedra de Praga floresceu em forma de tijolos, sabedoria e melodia, tal como a vizinha Viena, no rumo oeste.

Eu não sei se Praga vem de Deus, ou do reflexo dele diante do espelho do conhecimento, da beleza e da arte, sem a sombra do horrendo. Ou se veio do homem, pela junção de milhares de centelha de seu reflexo, e comportou-se como um Big-bang, ou melhor, foi um caso do acaso. Depois vieram as riquezas dos detalhes, daí foi quando percebemos que somos apenas um cisco no campo visual de Praga; uma letra tosca nas premências de Kafta; a nota atravessada na ópera de Mozart ou, por fim, quando somos o nada diante de tudo que está a brilhar nesta cidade que não dorme... e nem pisca.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Os verdadeiros filhos de Marabá*

Roger Normando
Eu vivo sozinha, ninguém me procura!
Acaso feitura
Não sou de Tupá!
Se algum dentre os homens de mim não se esconde:
— "Tu és", me responde,
"Tu és Marabá!"Gonçalves Dias (1823-1864), em: “Marabá”.

Foi na Marabá dos tempos de guerrilha, a primeira vez que entrei em cinema. Tinha uns seis anos de idade - por aí -, e fui pendurado no dedo indicador de meu pai. Na porta havia enorme um estacionamento de bicicletas, disso não esqueço. A película se chamava “um diamante e cinco balas” e nela um figurante especial: meu pai. Ainda ferve na memória tal lembrança, tal como “pira se esconde”. Ele fazia o papel de um fanfarrão e só vivia embriagado. Numa cena - que bem lembro - ele sacava seu “colt” da cintura e dava alguns tiros para o teto, acertando as lâmpadas acesas. O estampido reverbera até hoje nos meus tímpanos.

Daí para a realidade pouca coisa mudava na desvairada marabá dos tempos de ditadura. No reveillion, da porta de casa, papai dava tiros para o alto junto com vários amigos, para comemorar a virada. Entre eles, bem lembro de nomes como Vavá Mutran, Miguel Pernambuco e Paulo Noleto. Esta imagem batráquia insiste em impregnar minha memória. Reaviva, vez por outra, quando avisto por Belém carros com dizeres: FILHOS DE MARABÁ. São letras garrafais com o desenho de dois revólveres em direções opostas. Na essência, os decalques equivalem a uma tela de 50 polegadas dentro de um cubículo. Tamanho exato da insensatez do autor.

Seria, por falta de criatividade, cópia estéril da logomarca dos roqueiros do Guns N' Roses? Este tipo de apologia à violência, pertencente à minoria dos marabaenses, fritou meus nervos quando me deparei com uma camionete estacionada no Hospital Metropolitano, em Belém, com a tal esquisitice. Diga-se de passagem, aquele é um nosocômio voltado para cuidar de vítimas da violência, daí o paradoxo estupefaciente.

Disfarçadamente perguntei ao porteiro a quem pertencia o “possante”. “Doutor!”, respondeu sem delonga, “É de um jovem médico por nome de...”. Perguntei: com certeza é de um médico? Ele respondeu na bucha: “Sim, mas começou agora a trabalhar neste hospital”. Seja lá quem, era um trabalhador das trincheiras do trauma, como costumo dizer aos que se dedicam a recuperar as vítimas da violência. Além disso, a imagem perturbante transporta Marabá para um faroeste lendário.

A relação entre aqueles marabaenses que conheci no avant-première, crias do cineasta Líbero Luxardo, com os FILHOS de hoje, parece perpetuada como se fora fenômeno hereditário ou representasse ejaculação de masculinidade pela veia do punho armado, como fizera meu pai-ator naquela encenação.

Mas num caminho inverso encontrei “OS VERDADEIROS FILHOS DE MARABÁ”. Era certa manhã de sábado quando avistei a pequena estampa num carro logo a minha frente (Humaitá com Almirante) sem conter a mesma soberba dos FILHOS... Nele, as rosas substituíam as armas, como uma rima anti-rebeldia. Aliviado fiquei. Estava exposta a outra metade da missão do “Guns”.

O símbolo dos roqueiros faz-nos crer na possibilidade, ainda que onírica, da hibridização entre o passado e o presente num formato único e inteligente. Para isso precisam os FILHOS saber que a origem do nome não vem de “Mara-bala”. A alcunha nasceu, de fato, da poesia de Gonçalves Dias, na epígrafe, que inspirou o fundador e também maranhense Francisco Coelho. Ele afixou na porta de sua vendinha a palavra “Marabá” para relembrar seu cordão umbilical e enriquecer com a venda de cauchos. A partir daí a cidade nasce e prospera célere.

Dos cauchos às pepitas de Serra Pelada, Marabá mais vale do que tantos FILHOS pensam. Lembremos aos VERDADEIROS FILHOS que a visibilidade do belo não nasce de uma imagética pirateada, medieval e servil, mas de uma irrefutável história de desbravamento e poesia, a ser contada por filhos altivos de uma cidade muito próspera de se tornar a capital dos sonhos de Francisco Coelho.

* mais uma bem vinda colaboração de Roger Normando, que este poster recebe por e-mail e publica. Com nossos agradecimentos.

terça-feira, 30 de março de 2010

Flanando num fusca azul-calcinha*


“Há muitos anos eu penso e repito
que o melhor amigo do homem não é o cão
e sim o carro.”
Homenagem de Scylla Lage Neto ao Gemada (in memorian), amigos de 1997 a 2009.
Não sou flamengo, não tenho uma nega chamada Tereza, mas tenho um fusca enferrujado e um violão, sem corda, guardado no quarto do meu filho mais velho. Do violão quase nada tenho para falar, mas do fusca azul-calcinha...
Para começar. O Ajalce, velho parceiro de itinerário, costuma dizer que nunca andará no meu fusca. Não é o risco de colisão, ou capotagem, mas de adquirir tétano, de tanta ferrugem.
Entre outras tantas histórias, a primeira ocorreu numa certa manhã ensolarada de domingo, dia ideal para se passear de fusca em Belém, apesar do calor escalpelante. Neste dia tentei adentrar ao estacionamento de um dos hospitais em que trabalho. Quando acionei o porteiro pedindo que tirasse o cone que impedia o carro de estacionar entre os médicos, ele me acena negativamente. Certamente havia olhado e reprovado o velho carro modelo 85 com para-lama descascado, para-choque enferrujado e com pintura desperolizada, tipo “azul-calcinha”. Eu insisti propositadamente, mas ele me alegou que, se eu ocupasse a vaga de outro médico com aquele carro, os quais muitos deles eram “enjoados”, poderia perder o emprego. O jovem mancebo insistia em olhar para o fusca sem me direcionar o olhar, e eu insisti disfarçadamente, até que ele percebeu a minha indolência e perguntou:
- O senhor é médico? E no platô inspiratório seguinte ele mesmo respondeu...
- Ah! É o doutor Roger... mas ele ficou diferente dentro deste fusca!
Descobri que o jovem trabalhava sob uma pressão imensa para não permitir que pessoas estranhas, com fuscas estranhos, ocupassem a vaga de médicos estranhamente metidos a “enjoados”.
Também fui barrado em mais dois hospitais. Num deles, o público, quando o porteiro percebeu que cometeria a gafe, eis que os seus colegas de trabalho intercedem e gritam, Nãããããão!!! Deixa esse entraaaaaar. É o fusca do Dr. Roger. Dia de Domingo ele não vem com o importado!
Nessa eu descobri que só se importam com você, quando se tem carro novo ou importado.
Aos sábados pela tarde, quando vou jogar minha pelada lá na estrada 40 horas, também costumo ir de fusca. Junto com Pedrinho – o filho que guarda o violão -, apanho meu amigo Neto no meio do caminho e sigo destino. Nos semáforos, na espera do verde, sempre existem flanelinhas dispostos a estender a mão para saborear uma moedinha, mas quando se está de fusca, eles sempre passam direto, e sequer olham para você. Raramente tentam lavar o vidro do carro. Sinto-me desprezado pelos flanelinhas quando ando de fusca enferrujado. Digo que me sinto discriminado. O meu parceiro só faz rir. De fato ele acha o maior barato olhar a vida dos flanelinhas de dentro de uma espelunca de mais de 25 anos.
Mas a melhor aconteceu na Pedro Álvares Cabral com a Júlio César, onde está prestes a nascer um viaduto. Um flanelinha havia simpatizado com o meu fusca e resolveu lavar o vidro. Eu não me opus, até porque me assustei com este momento de raridade urbana. Seria um insano? Um desesperado por uma moeda a ponto de apostar no fusca a sua última carga de água com sabão? Como o vidro é pequeno, o esguio e arisco flanelinha acabou muito rápido. Provavelmente percebeu que, por mais que não ganhasse moeda, certamente não perderia tanto tempo, nem tanto material. Então eu dei-lhe um real. Merecido! Este merecia! Ele olhou, olhou, olhou... e gritou. Égua! O cara do fusca me deu um real! Milagre!!!
Assim descobriu ele, certamente, que, de onde não se espera nada, pode até não vir nada, mas pode vir uma moeda de um real. E isso pode fazer tamanha diferença na sua alegria. É a filosofia de quem vive na rua.
Se meu fusca falasse, ele certamente confirmaria tudo o que estou contando. Nada é lenda. É a pura verdade destilada com a surpresa de se ver, através dos vidros de um fusca azul-calcinha, que existe um esfacelo entre o conceito e o preconceito, independentemente para onde você esteja apontando o seu farol.

*Texto de Roger Normando, médico, cirurgião de tórax, peladeiro e amigo antigo deste poster. Portanto, vade retro safardanas!

segunda-feira, 29 de março de 2010

Direitos Humanos e o Pará

Com a gentileza que lhe é peculiar, o querido amigo Paulo Klautau Filho, Mestre pela UFPa, Master in Law pela New York University (NYU) e Doutor em Direito pela USP escreveu, com exclusividade para o Flanar, um artigo a respeito do acordo firmado pelo Estado do Pará junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA no caso da Fazenda Ubá, e que foi notícia aqui no blog na semana passada.

A íntegra do artigo segue abaixo.

O PARÁ NO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS: ENTRE A BARBÁRIE E A UTOPIA.

O Sistema Interamericano de Direitos Humanos está inserido no processo histórico recente de construção de um Direito Internacional dos Direitos Humanos. Trata-se do esforço de afirmação de uma consciência ética coletiva, sustentada por um sistema institucional capaz de reconhecer, proteger e promover aqueles direitos.

Os marcos iniciais de tal processo são a Carta da Organização das Nações Unidas (1945) e a Declaração Universal de Direitos Humanos (1948).

A Carta da ONU é o primeiro texto normativo com força jurídica vinculante da história da humanidade a reconhecer e a adotar a expressão “direitos humanos” (!). Por isso, no imediato Pós-Guerra, a tarefa inicial da Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) foi preencher de conteúdo a expressão, dizendo quais são aqueles direitos e quem são seus titulares.

Mas a DUDH é uma Resolução da Assembléia Geral da ONU. Isso significa que ela não tem a força de um tratado internacional. Em outros termos, ela não tem “força de lei”. Corresponde a uma exortação moral - o que os internacionalistas chamam de “soft law”. Mas, a partir dela, iniciou-se um amplo e árduo processo de negociação e implementação de tratados e sistemas jurídicos visando a dotar seus princípios e direitos de efetividade, levando-se em conta, cada vez mais, as situações concretas de sujeitos específicos de direitos (por exemplo: mulheres, crianças, minorias étnicas, vítimas de tortura) e a diversidade político-cultural entre as regiões do planeta (daí, os sistemas africano, interamericano e europeu de direitos humanos).

Os tratados internacionais são estruturados a partir da ideia de que não basta declarar direitos. É preciso estabelecer deveres (quem é responsável pela promoção dos direitos? quais os meios?), criar “mecanismos de monitoramento” e “órgãos de monitoramento” para acompanhar a realização de direitos e deveres reconhecidos nos tratados.

A responsabilidade primária pela promoção dos direitos é dos Estados-membros, que aceitam, exercendo a escolha soberana de serem partes do tratado, o monitoramento subsidiário dos órgãos de monitoramento previstos no instrumento. Esta verdadeira jurisdição internacional subsidiária deve atender aos requisitos do esgotamento dos recursos internos ou da injustificada demora por parte do Estado nacional em resolver questões de violação de direitos.

A Convenção Americana de Direitos Humanos ou Pacto de San José da Costa Rica (1969) é o tratado que criou o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, instituindo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos como órgãos de monitoramento deste sistema regional.

O Brasil, por evidentes razões históricas, somente aderiu ao Pacto de San José em 1992 (mais de duas décadas depois de sua adoção) e somente reconheceu a competência da Corte Interamericana para apreciar petições com queixas e denúncias de violações de direitos de seus cidadãos (o mecanismo de monitoramento por excelência do sistema) em 1998. Vale enfatizar, portanto, que esta verdadeira jurisdição internacional de direitos humanos assim como a participação do Estado Brasileiro nela ainda ensaiam seus primeiros passos.

O acesso das petições contra o Brasil ao sistema interamericano, atendido o requisito do esgotamento dos recursos internos e/ou da demonstração da injustificada demora, inicia-se sempre pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Esta deverá ouvir o Estado interessado e fazer recomendações pertinentes para remediar a situação examinada. Se o Estado não tomar as medidas adequadas, a Comissão poderá enviar o caso para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, cujas decisões terão força de sentença judicial, podendo ser executadas pelo processo interno vigente contra o Estado.

Em suma, pode-se dizer que, enquanto a Comissão atua com funções de um órgão de conciliação e de ajuste de conduta, a Corte atua com funções de verdadeiro órgão jurisdicional. Toda a ideia de uma jurisdição internacional de direitos humanos é orientada pela busca de efetividade e de superação do paradigma tradicional da soberania absoluta dos Estados nacionais na relação com seus cidadãos. Por esse processo, os cidadãos ganham personalidade jurídica de Direito Internacional e os Estados aceitam que devem prestar contas à comunidade internacional.

É nessa perspectiva mais ampla que se deve situar o primeiro acordo celebrado pelo Estado do Pará, como ente da federação brasileira, perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no caso da Fazenda Ubá (Caso 12.277), reconhecendo responsabilidade pela morte de oito trabalhadores rurais em conflitos fundiários, indenizando familiares das vítimas e comprometendo-se a adotar medidas de não repetição.

Nada disso apaga as perdas humanas e a dor de familiares. E, também, não se produz magicamente a paz no campo e a superação da indignação que a impunidade deste, e de outros crimes, para além do contexto do conflito fundiário em nossa região, despertam nos cidadãos de nosso país.

Contudo, não se deve minimizar a mudança de paradigma na atuação do Estado do Pará, no contexto brasileiro e internacional, concretizada em um acordo desse tipo perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O Estado do Pará agiu como participante ativo no sistema internacional, e como liderança federativa dentro do país, contribuindo para a integração do Brasil a este processo de construção de um aparato institucional e ético que reúna mecanismos internos e internacionais na luta por justiça social.

Vale lembrar que as recomendações feitas ao Brasil pela Comissão Interamericana, no caso “Maria da Penha” (2001), foram fatores decisivos a influenciar o processo interno de promulgação da Lei “Maria da Penha”, em 2006. A lei não acaba com a violência doméstica no país, mas é um duro golpe na crença de que “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. A plena efetividade da Lei depende da interação entre mecanismos de execução e de mudança pedagógica na consciência ética coletiva.

De forma análoga, a violência, a impunidade e a injustiça nos conflitos fundiários em nosso Estado, e nosso país, ainda serão um desafio por muito tempo. Mas entre a barbárie e a utopia, hoje, o Estado do Pará deu um passo em direção à utopia. Para que outros passos sejam dados, este precisa ser compreendido.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

As sangreiras de todos os dias

Roger Normando, cirurgião e professor da UFPA

Nesta manhã domingueira chamou-me atenção, por se tratar de um tema de minha lide, ou mais ainda, do enredo das minhas confissões científicas no itinerário de médico e professor, a “violência” escorrida nos jornais às vésperas do feriado momesco. Os textos deixam-me, de bandeja, vários aspectos da violência (doença traumatismo, no meu dicionário), por isso a necessidade urgente do diálogo, cujo epicentro de minha verve é “a sangreira escorrendo na mídia”, como se referiu certa vez a professora Amarilis Tupiassu em um de seus belos artigos de domingo.
O caderno de polícia só não me derrota porque convivo com a tal sangreira diariamente no papel de cirurgião, mas às vezes, confesso, a naturalidade com que os jornalistas se atiram à retratação deste mal, devora-me o lado esquerdo da alma, pois é por lá que o ritmo cardíaco inicia o sopro da vida. Só descubro que não sou insano, porque a serotonina (aquele hormônio do prazer), em mim, é imediatamente substituída pela adrenalina (aquele do medo). Percebo que ainda não tenho a anodinia digna dos fotojornalistas (e olha que sou cirurgião!), pois lá revejo alguns daqueles meus pacientes socialmente contextualizado: Alguns são vítimas, outros meliantes. Só não esqueço que todos são iguais naquele atendimento em que estamos cegos às barbáries e confessos réus aos juramentos de Hipócrates.
O sangue das notícias lembra-me a estadunidense Susan Sontag em seu livro “Diante da dor dos outros” (Companhia das letras, 2003) em que faz uma citação, talvez surreal em palavras, mas nem tanto quando fitamos atordoados, todas as manhãs, as fotografias nos cadernos policiais: “Nas expectativas modernas e no sentimento ético moderno, cabe uma posição central à convicção de que a guerra é uma aberração, ainda que inevitável. De que a paz é a norma, ainda que inatingível. Não foi assim, é claro, que a guerra foi vista ao longo da história. A guerra foi a norma, e a paz, a exceção”.
Portanto, essa assertiva cabe cada vez mais no meu cotidiano de cirurgião. No outro lado das trincheiras desta guerra civil, uma visão opaca está no meu coração de cidadão, mas bastante translúcida no meu cérebro de cirurgião: fazemos guerra. Se não fazemos, criamos fantasias, damos desfechos, abrimos covas e amontoamos caixões. É isso que vemos no fotojornalismo de todo dia: cadáveres empilhados e lágrimas inundando calçadas de cemitérios no feriado de finados. O comentário é endiabrado, mas ele tem muito de Sontag e da vida que levo como “cirurgião de trincheira” - assim costumo dizer – quando abrimos três abdomes, dois tóraces, um crânio e corrigir umas cinco fraturas, como aconteceu no Hospital Metropolitano numa recente sexta-feira.
Percebemos que os números da desgraça só não são maiores que as tiragens dos jornais, que passaram a vender sangue das vítimas a preços camaradas. Se juntarmos o mês, vai dar quase mil entre os três hospitais de referencia da cidade, conforme a manchete recente de “o liberal”: “Violência interna mil por mês”, cujo tema é apropriado, e que tem uma faceta que não pode estar distante de comentários centrados, como o de Roberto Pompeu de Toledo, em “Woody Allen no Rio” (Veja, 31 outubro de 2009).

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

O fio de história entre Osvaldão e Che Guevara


Roger Normando

“Durmam hermanos ao som das estrelas cadentes
E sonhem que um dia será diferente.”
Edyr Gaya, compositor.


Nos anos de 1960 e 1970 a hélice imperialista das grandes potências mundiais lacerava as cordoalhas da América latina e o continente passava (e continua passando...) por profunda transformação política. Alguns homens sentiam-se incomodados e entendiam que o ideal revolucionário, inexoravelmente, teria que aflorar na antítese do neocolonialismo.

Dois latinos acharam na ideologia trotskista o elemento propulsor para amadurecer a alma antiimperialista: Che Guevara e Osvaldão. Ambos tinham o objetivo de desatar o nó que os prendia ao sentimento de inferioridade capitalista, mesmo que fosse ao peso de derramamento de sangue. No altiplano andino, sob os auspícios ideológicos de Cuba, estava o hermano Che e, no imenso grotão amazônico, às margens do Rio Araguaia, não muito distante dos mesmos ideais, o mineiro Osvaldo Orlando. Ambos, contemporâneos de guerrilhas, foram abatidos por forças militares, dando fim aos sonhos de liberdade de uma América encarcerada pela pobreza.

O que houve em comum entre estes dois guerrilheiros? Um fio, ou melhor, uma teia (cultural, territorial e econômica) interligada entre si. O resultado foi o suor vermelho embrulhado por sonhos a impregnar suas mortalhas de guerras, na tentativa de romper os grilhões da América.

Se por um lado, na Cordilheira do Andes, Che Guevara lapidou o reconhecido mito. Cá, dois mil metros abaixo, o desconhecido Osvaldo Orlando, passou acromático pela história. Por ter sido o primeiro militante comunista a chegar na região do Araguaia, num período que coincidiu com a chegada de Che à Bolívia, ele se transformou em líder de uma guerrilha ainda inconfessa até os dias atuais. O brasileiro tinha a missão de implantar a luta armada valendo-se da linha de Guevara, ou seja, conquistando a população com atitudes simples, até o ponto de seus objetivos de liderança. Chegou como garimpeiro e pescador e se tornou em pouco tempo, o maior conhecedor da área e querido pelos nativos.

Mas Osvaldo, assim como Che, morreu em combate. Che morreu em pé, brandindo bravura em seu último desejo, apesar da crise asmática e estado de desnutrição: ”Atirem, covardes. Matarão apenas um homem”. Osvaldão, com quase dois metros de altura, robusto, se esvaiu enquanto tirava uma sesta à sombra de uma frondosa árvore à beira de um remanso. O sangue escorrido do torso tingiu o rio e, sem ter tempo de dizer adeus, deixou-nos moucos ao seu último desejo, abafado por um FAL M-1964. Por conta disso Marcos Quinan e Eudes Fraga gorjeiam que o Araguaia é um rio que sente dor, pois desce ferido e sem memória na direção norte.

Enquanto neste nove de outubro foi lembrada 40 anos da morte de Ernesto Che Guevara, na contra-mão, Osvaldo Orlando da Costa não teve sequer data definida de sua partida, não teve o seu retrato em foto 3x4, não foi capa de caderno de adolescente, e a sua cor negra e a forma como foi trucidado, esconderam a bravura do guerrilheiro que teve, por fim, a cabeça separada do tronco como prêmio de seu algoz. Conta a lenda, lá pelas bandas daquela região, que Osvaldão se transforma em borboleta, cachorro ou pernilongo, dependendo de quem queira contemplar ou agredir o lugar.

O fio de História que liga a aldeia de La Higuera, próximo a Santa Cruz de la Sierra, onde Che Guevara morreu, até o Sul do Pará, era tênue e se rompeu com os devaneios latinos. Os mártires, pacíficos à derrota armada, fizeram-nos recuar à idéia de que, sob a efígie dos fuzis, lutar é uma prece amaldiçoada. Che e Osvaldão, com suas argüições, foram dois extremos que se atraíram tal como sombra e luz, numa só pessoa, mas seus sonhos bravios, até então guardados numa caixa de pandora, se extenuaram junto com seus companheiros.

A distância entre santa Cruz e Xambioá é pequena, basta pegar um trem, seguir em linha reta e cortar por dentro do pantanal que se acha estes dois destinos, porém no caminho há de se perceber ainda o zunido das balas transfixando o mediastino daqueles almejadores, enterrados sob o som das estrelas cadentes que embalam a América algemada e resignada.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

Vic e a banda larga

O Deputado Federal Vic Pires Franco parece ser um internauta compulsivo, a exemplo de muitos brasileiros digitalmente incluídos. Além de ser frequentador assíduo da blogosfera, (onde não raro dirige-se pessoalmente aos comentaristas de inúmeros blogs paraenses como o Quinta Emenda e também o Flanar) é usuário de Blackberry onde mantém sua comunicação digital em dia.
Além disso preside a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara Federal. Cultiva o saudável hábito de responder a todas as afirmações feitas a seu respeito na blogosfera, participando ativamente das discussões, encaminhando seus posicionamentos até de madrugada. Como já tivemos oportunidade de afirmar em outros momentos, não somente em relação ao deputado do PFL, mas em relação aos políticos em geral, podemos até divergir de suas posturas em variados momentos do cenário político local e nacional. Mas não podemos deixar de ver com bons olhos a participação do deputado Vic na blogosfera paraoara, sempre disposto a dar pessoalmente a sua versão sobre os mais variados assuntos discutidos em blogs.
E mais uma vez o deputado não deixou por menos 3 perguntas que tivemos oportunidade de formular a ele no post Cara Pálida de 6 de dezembro de 2006, sobre o perfil atual da internet em banda larga em Belém. Como todos sabem, banda larga por estas bandas é sinal de Velox e recentemente o iJet, serviço da ORM à cabo. Não falamos aqui de outros tipos de serviços também tidos como banda larga (como os via rádio disponíveis em condomínios e apartamentos), tendo em vista que nestes, o preço da solução é rateado entre os moradores diminuindo seu custo final e possivelmente também a velocidade de acesso resultante.
Publicamos então, de acordo com o prometido, suas respostas em forma de entrevista, para que os leitores do Flanar possam se manifestar sobre o assunto e quem sabe, formular sugestões que possam ser acolhidas na melhoria destes serviços aos usuários do norte. Desde já, com os agradecimentos a gentileza do deputado Vic em uma vez mais, responder a nossos leitores.

Flanar - Como vai a questão da Lei Azeredo? Seu voto ia ser apoiando a integralidade do projeto, incluindo os tópicos que atentam contra a privacidade dos usuários da internet, ou o senhor a apoiaria com a exclusão/revisão deste tópico?

Vic Pires Franco - Em relação ao Projeto de Lei do Senado nº 76, de 2000, que tramita em conjunto com o PL do Senado 137/2000 e o PL 89/2003 (este já aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados em 2003), os quais foram objeto do Substitutivo do Relator Eduardo Azeredo no Senado Federal, alvo de grande repercussão na imprensa, é importante considerar alguns aspectos.
Preliminarmente, é importante ressaltar que o Brasil precisa contar com uma legislação moderna sobre delitos digitais. Esse tema é objeto de debates e estudos em Parlamentos de vários países do mundo, e existe inclusive um Tratado Internacional que rege o assunto, denominado “Convenção de Budapeste”, assinado por todas as nações da União Européia e também por Estados Unidos, Canadá e México, entre outros.
O texto apresentado pelo Senador Eduardo Azeredo é convergente com muitos dispositivos da Convenção de Budapeste, e permitiria o Brasil assinar a Convenção, permitindo que a Polícia Federal brasileira participasse de uma rede de cooperação internacional de combate a cibercriminalidade. Nesse sentido, concordo que o Brasil precisa urgentemente aprovar uma legislação, a fim de garantir maior segurança aos internautas brasileiros e permitir que as autoridades policiais e judiciais possam trabalhar com eficiência na persecução e investigação dos delitos digitais.
O Substitutivo do Senador Azeredo, de uma forma geral, atende a essas necessidades do Brasil, porém considero que as disposições previstas no art. 20 e art. 21 poderiam sofrer aperfeiçoamentos no sentido de manter a possibilidade de identificação de criminosos digitais – garantido a segurança de todos os internautas – porém cuidando para que a privacidade dos cidadãos – direito fundamental garantido em nossa Constituição Federal – não seja prejudicado.
Sendo assim, eu estou sugerindo os seguintes aperfeiçoamentos para os dispositivos polêmicos:
Art. 21 – Identificação
Neste artigo, acredito que se poderia substituir a identificação positiva e presencial pela obrigatoriedade de manutenção de dados relativos aos meios de pagamento utilizados pelo usuário para pagar pelo serviço de acesso à Internet. Esse tipo de disposição é utilizada nos Estados Unidos, pois considera-se que o meio de pagamento (conta-corrente/cartão de crédito) já passou por um processo de identificação presencial. Nesse sentido, uma vez que os dados de identificação do meio de pagamento estão armazenados e disponíveis às autoridades policiais, é possível a identificação física do usuário com pouca margem de erro ou fraudes.
Além disso, considero que uma disposição dessa natureza permite que o esforço feito pelo sistema financeiro em coibir fraudes seja apropriado automaticamente pela sociedade brasileira, praticamente sem custos, no sentido de prevenir os crimes e permitir a identificação dos criminosos digitais, preservando a privacidade dos internautas que não comentem crimes na Internet – que são, por sinal, a grande maioria.
Art. 22 – Preservação dos dados x Conservação expedita de dados
Neste artigo, acredito que se está tratando a exceção como se fosse a regra: a obrigatoriedade de preservação de dados de todos os usuários não é, ao meu ver, uma medida eficiente. Nós sabemos que são pouquíssimos os usuários da Internet que comentem crimes, então não podemos prejudicar a maioria dos usuários pelo delito que é praticado por uns poucos. Os custos de preservação de todas as informações de todos os usuários, certamente elevadíssimo, será transferido para os usuários, tornando o acesso à Internet mais oneroso.
Nesse sentido, acredito que tal disposição poderia ser substituída por uma determinação de natureza processual. Explicando. Uma alteração no Código de Processo Penal a fim de conceder à Polícia Federal a prerrogativa de solicitar ao provedor de acesso a guarda de dados relativos a uma conexão específica a partir de um processo de investigação.
É importante salientar que tal prerrogativa não significa quebra dos sigilos dos dados de comunicações das pessoas, mas apenas a autorização para que a Polícia Federal solicite que o provedor de acesso armazene em seu próprio sistema os dados que permitam a identificação de determinado usuário sob investigação policial, por um determinado período. O acesso a tais dados, porém, continuaria a ser obtido por meio de autorização judicial.
Qual a vantagem dessa alteração? Evita que os provedores de acesso incorram em grandes custos de manutenção de informações, que, em 99,99% dos casos serão inúteis, tendo em vista que a maioria dos usuários da Internet não pratica crimes na Internet. Ou seja, obrigar os provedores de acesso a armazenar todas as informações de todos os usuários seria fazer com que a maioria dos usuários e cidadãos de boa fé seja prejudicada pelo crime de uma minoria criminosa.
Sendo assim, ao invés de armazenar todos os dados de todos os usuários, armazena-se apenas os dados dos usuários que estão sob investigação da Polícia Federal. Além disso, temos que tomar o cuidado de prever no texto legal a obrigatoriedade de sigilo de tais pedidos, a fim de preservar a possibilidade de a Polícia Federal não ter seu processo de investigação prejudicado.
Conclusão
Com essas duas alterações, acredito que se mantém a eficácia da legislação, além de excluir os custos econômicos e financeiros que a legislação iria incorrer, que certamente seriam transferidos para os usuários, prejudicando inclusive o processo de inclusão digital no Brasil, e garante a preservação da privacidade e da intimidade de todos os internautas brasileiros, aumentando, porém, sua segurança.

Flanar - Em relação a banda larga, como usuários, pagamos muito caro pela sua utilização em Belém. Comparado com outras regiões do Centro-Sul do país onde pelo valor pago por um link de "até" 1000 mbits/s no Velox (com garantia de apenas 10% da banda contratada) seria possível contratar um link de até 8000 mbits/s. Em Manaus a situação é pior ainda. A Telemar alega custos elevados de manutenção, além da procura pelo serviço ser menor na região, alterando assim desfavoravelmente ao consumidor esta regra básica do capitalismo. Sabemos contudo que a boa e velha concorrência, traria estes preços para baixo, mesmo com "todos os custos alegados". Mas pesquisando outras opções de banda larga em Belém, constatamos que a ORM a cabo com seu serviço iJet, cobra até mais caro do que isso oferecendo menos banda embora garanta a integralidade da banda contratada. Mesmo assim ainda achamos os preços praticados por ambas verdadeitamente abusivos tendo em vista um serviço de má qualidade. Como resolver esta questão para os usuários paraenses? Qual sua posição a este respeito?

Vic Pires Franco - A questão da banda larga é, no Brasil, bastante complexa. Isto porque a Lei Geral de Telecomunicações , quando foi elaborada, em 1997, deu atenção especial ao telefone fixo, o único serviço de telecomunicações prestado em regime público. O telefone celular, dada sua grande procura por parte da população, conseguiu uma rápida expansão, mesmo em se tratando de um serviço prestado em regime privado.

A banda larga porém, não constou da Lei porque sua importância em 1997, era bastante pequena. Hoje, principalmente se olharmos para o futuro, a banda larga é o serviço de telecomunicações mais importante, mesmo porque todos os outros serviços podem ser prestados por meio de uma conexão banda larga.

Hoje, no Brasil. os prestadores do serviço de banda larga são as prestadoras de serviços de telecomunicações, que dominam quase 80% do mercado. As prestadoras do serviço de TV a Cabo são o segundo segmento importante de prestação de serviço de banda larga, com cerca de 18% do mercado. Os demais prestadores, por enquanto, tem participação muito pequena.

Para baixar os preços – tendo em vista que se trata de um serviço em regime privado, com liberdade na fixação dos preços – a solução é o governo e a Anatel estimular a concorrência. Felizmente, há boas perspectivas, pois o desenvolvimento tecnológico oferece, especialmente com a tecnologia Wi-Max que começou a ser ofertada no mercado nesse ano de 2006, boas perspectivas de aumento da concorrência.

É necessário, porém, que as freqüências necessárias sejam leiloadas pela Anatel, coisa que a Agência não está conseguindo fazer, seja por problemas judiciais com o Edital de venda em andamento, seja pelo que julgamos uma certa lentidão e a falta de uma visão correta por parte da Agência e do Ministério das Comunicações.

Temos esperança, porém, que com o início do próximo Governo, a Anatel, completado o seu quadro de conselheiros, possa agir, assim como o Governo .

Veja-se que com a venda das freqüências previstas no suspenso Edital da Anatel em cada cidade brasileira poderão se instalar, a curto prazo, até 6 prestadores do serviço de banda larga sem fio, o que instalará uma forte concorrência e fará os preços baixarem imediatamente.

Flanar - E quanto a obrigatoriedade de contratar provedor de acesso além da operadora de banda larga? Será que já não está na hora de derrubá-la? Será que poderíamos trazer este serviço mais ao sabor dos interesses dos consumidores e menos ao sabor de interesses de supostos provedores de acesso? Será que eles já não tiveram tempo suficiente para diversificar suas atividades econômicas, liberando os usuários de pagamento de suas mensalidades?

Vic Pires Franco - Do ponto de vista legal, a cobrança em separado dos serviços de banda larga e de provimento de acesso à Internet se fundamenta na Lei Geral de Telecomunicações, que desautoriza as concessionárias de telefonia a prestarem serviços de valor de adicionado, categoria na qual se insere o serviço de provimento de acesso à Internet. A solução adotada pelas operadoras para transpor esse obstáculo foi a abertura ou aquisição de provedores de Internet. Com o objetivo de modificar essa situação jurídica, tramitam na Casa alguns projetos para aperfeiçoamento da LGT. O PL nº 3.076, de 2004, por exemplo, autoriza as operadoras de telefonia a executarem o serviço de provimento de acesso à Internet e, ao mesmo tempo, as obriga a fornecê-lo gratuitamente para os assinantes do serviço de conexão à Internet em alta velocidade. Atualmente, a proposição se encontra na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, onde aguarda elaboração do parecer do Relator, Deputado Walter Pinheiro.