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quarta-feira, 4 de setembro de 2013

O rio




Ser como o rio que deflui

Silencioso dentro da noite.

Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas no céu, refleti-las
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água,
Refleti-las também sem mágoa
Nas profundidades tranquilas.


sábado, 24 de agosto de 2013

O exemplo das rosas




Uma mulher queixava-se do silêncio do amante:
- Já não gostas de mim, pois não encontras palavras para me louvar!
Então ele, apontando-lhe a rosa que lhe morria no seio:
- Não será insensato pedir a esta rosa que fale?
Não vês que ela se dá toda no seu perfume?

Manuel Bandeira

sábado, 6 de julho de 2013

Consoada





Quando a Indesejada das gentes chegar

(Não sei se dura ou caroável),
Talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
- Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.

sábado, 22 de junho de 2013

Tragédia brasileira




Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade,
Conheceu Maria Elvira na Lapa, – prostituída, com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança empenhada e o dentes em petição de miséria.
Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista, manicura… Dava tudo quanto ela queria.
Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado.
Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada disso: mudou de casa.
Viveram três anos assim.
Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa.
Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos…
Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de
inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul.

Manuel Bandeira

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Oração para Aviadores


Santa Clara, clareai
Estes ares.
Dai-nos ventos regulares,
de feição.
Estes mares, estes ares
Clareai.


Santa Clara, dai-nos sol.
Se baixar a cerração,
Alumiai
Meus olhos na cerração.
Estes montes e horizontes
Clareai.
Santa Clara, no mau tempo
Sustentai
Nossas asas.
A salvo de árvores, casas,
E penedos, nossas asas
Governai.
Santa Clara, clareai.
Afastai
Todo risco.
Por amor de S. Francisco,
Vosso mestre, nosso pai,
Santa Clara, todo risco
Dissipai.
Santa Clara, clareai.
Manuel Bandeira


sexta-feira, 6 de julho de 2012

sábado, 5 de março de 2011

Pardalzinho




O pardalzinho nasceu
Livre. Quebraram-lhe a asa.
Sacha lhe deu uma casa.
Água, comida e carinhos.
Foram cuidados em vão:
A casa era uma prisão,
O pardalzinho morreu.
O corpo Sacha enterrou
No jardim: a alma, essa voou
Para o céu dos passarinhos!



Manuel Bandeira

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Neologismo


Beijo pouco, falo menos ainda.

Mas invento palavras

Que traduzem a ternura mais funda

E mais cotidiana.

Inventei, por exemplo, o verbo teadorar.

Intransitivo:

Teadoro, Teodora.


Manuel Bandeira

sábado, 11 de dezembro de 2010

Consoada


Quando a Indesejada das gentes chegar

(Não sei se dura ou caroável).

Talvez eu tenha medo.

Talvez sorria ou diga:

-Alô, iniludível!

O meu dia foi bom, pode a noite descer.

(A noite com seus sortilégios.)

Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,

A mesa posta,

Com cada coisa em seu lugar.


Manuel Bandeira

sábado, 20 de novembro de 2010

O último poema


Assim eu quereria meu último poema

Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais

Que fosse ardente como um soluço sem lágrima

Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume

A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos

A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.


Manuel Bandeira

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Balõezinhos


Na feira do arrabaldezinho
Um homem loquaz apregoa balõezinhos de cor:
- "O melhor divertimento para as crianças!"


Em redor dele há um ajuntamento de menininhos pobres,
Fitando com olhos muito redondos os grandes balõezinhos muito redondos.


No entanto a feira burburinha.
Vão chegando as burguesinhas pobres,
E as criadas das burguesinhas ricas,
E mulheres do povo, e as lavadeiras da redondeza.


Nas bancas de peixe,
Nas barraquinhas de cereais,
Junto às cestas de hortaliças
O tostão é regateado com acrimônia.


Os meninos pobres não vêem as ervilhas tenras,
Os tomatinhos vermelhos,
Nem as frutas,
Nem nada.


Sente-se bem que para eles ali na feira os balõezinhos de cor são a
[única mercadoria útil e verdadeiramente indispensável.
O vendedor infatigável apregoa:
- "O melhor divertimento para as crianças!"


E em torno do homem loquaz os menininhos pobres fazem um
círculo inamovível de desejo e espanto.

Manuel Bandeira

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Teresa


A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna

Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)

Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.

Manuel Bandeira

terça-feira, 30 de março de 2010

Auto-retrato



Provinciano que nunca soube
Escolher bem uma gravata;
Pernambucano a quem repugna
A faca do pernambucano;
Poeta ruim que na arte da prosa
Envelheceu na infância da arte,
E até mesmo escrevendo crônicas
Ficou cronista de província;
Arquiteto falhado, músico
Falhado (engoliu um dia
Um piano, mas o teclado
Ficou de fora); sem família,
Religião ou filosofia;
Mal tendo a inquietação de espírito
Que vem do sobrenatural,
E em matéria de profissão
Um tísico profissional.

Manuel Bandeira

quarta-feira, 17 de março de 2010

Castigo


Aceitar o castigo imerecido
não por fraqueza, mas por altivez.
no tormento mais fundo o teu gemido
trocar num grito de ódio a que o fez.


As delícias da carne e pensamento
com que o instinto da espécie nos engana,
sobpor ao generoso sentimento
de uma afeição mais simplesmente humana.


Não tremer de esperança e nem de espanto.


Nada pedir nem desejar senão a coragem
De ser um novo santo. sem fé num mundo além do mundo.

E então morrer sem uma lágrima que a vida
Não vale a pena e a dor de ser vivida.


Manuel Bandeira

Notícia


Poema Tirado de uma Notícia de Jornal

João gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia
[num barracão sem número].
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.


Manuel Bandeira

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Anel


O Anel de Vidro

Aquele pequenino anel que tu me deste,
- Ai de mim - era vidro e logo se quebrou
Assim também o eterno amor que prometeste,
- Eterno! era bem pouco e cedo se acabou.


Frágil penhor que foi do amor que me tiveste,
Símbolo da afeição que o tempo aniquilou, -
Aquele pequenino anel que tu me deste,
- Ai de mim - era vidro e logo se quebrou .


Não me turbou, porém, o despeito que investe
Gritando maldições contra aquilo que amou.


De ti conservo no peito a saudade celeste
Como também guardei o pó que me ficou
Daquele pequenino anel que tu me deste .


Manuel Bandeira

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Natal


Canto de Natal
O nosso menino
Nasceu em Belém.
Nasceu tão-somente
Para querer bem.

Nasceu sobre as palhas
O nosso menino.
Mas a mãe sabia
Que ele era divino.

Vem para sofrer
A morte na cruz,
O nosso menino,
Seu nome é Jesus.

Por nós ele aceita
O humano destino:
Louvemos a glória
De Jesus menino.

Manuel Bandeira

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Você


O Que Eu Adoro em ti,
Não é a tua beleza.
A beleza, é em nós que ela existe.

A beleza é um conceito.
E a beleza é triste.
Não é triste em si,
Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza.

O que eu adoro em ti,
Não é a tua inteligência.
Não é o teu espírito sutil,
Tão ágil, tão luminoso,
- Ave solta no céu matinal da montanha.
Nem é a tua ciência
Do coração dos homens e das coisas.

O que eu adoro em ti,
Não é a tua graça musical,
Sucessiva e renovada a cada momento,
Graça aérea como o teu próprio pensamento.
Graça que perturba e que satisfaz.

O que eu adoro em ti,
Não é a mãe que já perdi.
Não é a irmã que já perdi.
E meu pai.

O que eu adoro em tua natureza,
Não é o profundo instinto maternal
Em teu flanco aberto como uma ferida.
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.
O que eu adoro em ti – lastima-me e consola-me!
O que eu adoro em ti, é a vida.

Manuel Bandeira

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Idades



Três Idades

A vez primeira que te vi,
Era eu menino e tu menina.
Sorrias tanto… Havia em ti
Graça de instinto, airosa e fina.
Eras pequena, eras franzina…




A ver-te, a rir numa gavota,
Meu coração entristeceu
Por que? Relembro, nota a nota,
Essa ária como enterneceu
O meu olhar cheio do teu.



Quando te vi segunda vez,
Já eras moça, e com que encanto
A adolescência em ti se fez!
Flor e botão… Sorrias tanto…
E o teu sorriso foi meu pranto…




Já eras moça… Eu, um menino…
Como contar-te o que passei?
Seguiste alegre o teu destino…
Em pobres versos te chorei
Teu caro nome abençoei.




Vejo-te agora. Oito anos faz,
Oito anos faz que não te via…
Quanta mudança o tempo traz
Em sua atroz monotonia!
Que é do teu riso de alegria?




Foi bem cruel o teu desgosto.
Essa tristeza é que mo diz…
Ele marcou sobre o teu rosto
A imperecível cicatriz:
És triste até quando sorris…



Porém teu vulto conservou
A mesma graça ingênua e fina…
A desventura te afeiçoou
À tua imagem de menina.
E estás delgada, estás franzina…




Manuel Bandeira

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Amar


DA ARTE DE AMAR

Se queres sentir a felicidade de amar,
esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.

Só em Deus – ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo
Porque os corpos se entendem,
mas as almas não.

Manuel Bandeira