Olá pessoal, tudo bem? O livro da resenha de hoje é "Amantes: uma história da outra", escrita pela Elizabeth Abbott e publicado em 2016 pela
Editora Record.
Na obra, a autora nos apresenta histórias de amantes desde a Antiguidade até os dias de hoje. A primeira amante citada é Agar, uma escrava que pertencia a Sara, a esposa de Abraão (conhecem eles da Bíblia, né?) por volta de 2000 a. C., como Sara não podia ter filhos e o rico Abraão precisava de um herdeiro, Agar foi obrigada a ter um filho dele. O tempo passou e milagrosamente Sara engravidou aos 90 anos, e agora o filho de Agar era dispensável, de forma que ele e a mãe foram expulsos para o deserto. Creio que essa primeira história (um pouco absurda) já dê uma boa noção de como foi a vida da maioria das amantes mostradas na obra. Algumas eram escravas e não tinham escolha, como Agar ou como as escravas negras que viam seus filhos com os senhores serem tratados como propriedades deles e sendo vendidos.
O livro tem mais de 600 páginas e é uma leitura para ser feita aos poucos, lentamente. Fala sobre mulheres que não tinham outra escolha a não ser a vida de amante, algumas pelo fato de uma segunda união não ser permitida legalmente, como no caso de Mary Ann Evans, editora e escritora que usava o pseudônimo masculino George Eliot, e tinha que viver com o peso e a discriminação de ser chamada de amante apenas pelo fato de não haver a possibilidade de seu companheiro, o também escritor George Lewes, já casado uma vez, voltar a se casar legalmente. Para mim, se um casal se separa, ambos voltam a ser solteiros, e se um deles se casa, essa nova relação é aos meus olhos um novo casamento, mas ainda hoje conheço pessoas que não respeitam tanto uma segunda união de outras pessoas quanto uma primeira, ficam apegadas aquele primeiro casamento que teve um fim, como se ele tivesse mais valor que um segundo casamento que está dando certo, espero que com o tempo isso venha a mudar.
Há os casos mostrados no capítulo 5, dedicado a falar sobre "As consortes clandestinas de padres (nada) celibatários". Inicialmente, o celibato e a castidade não eram obrigatório para papas e padres da Igreja Católica, coisa que mudou com o medo da Igreja de ter que arcar com os custos financeiros das despesas das esposas e filhos desses padres, deixando desamparados inúmeras mulheres e filhos de padres. Há casos de papas que ameaçavam excomungar mulheres que não queriam ser mais suas amantes, e de padres que usavam sua suposta condição divina para forçar psicologicamente suas amantes a lhe obedecerem. É uma leitura recomendada para que passemos a entender que Cristianismo e Igreja Católica não são a mesma coisa, e que a interpretação da Bíblia pode mudar para entender os interesses da Igreja ao longo dos séculos.
A partir de mais ou menos 911, Teodora foi responsável indiretamente por levar 4 papas ao poder; sua filha, Marósia, oferecida pela mãe como amante aos papas, também tornou papa um de seus filhos. Como eu poderia condenar Marósia pelas coisas que ela fez, pelo sangue que trazia nas mãos e pelas deslealdades cometidas, após ter sido usada da forma que foi?
"É realmente uma distorção muito triste que a Igreja, alicerçada nos mistérios e verdades de um menino nascido em circunstâncias tão inusitadas que só pela fé em sua milagrosa concepção pôde ser salvo da condição de bastardo, tenha inventado tantos mecanismos para impedir as tentativas das filhas da Virgem Maria de reivindicar o que lhes é devido." (página 244)
O capítulo 8 fala sobre "As uniões sexuais e a questão judaica", mostra como o nazismo e a Segunda Gerra Mundial obrigou as mulheres a terem seus corpos usados em troca da possibilidade de sobrevivência.
"Hitler não tinha a menor simpatia pela emancipação feminina, que segundo ele era 'apenas uma invenção do intelecto judeu'." (página 307)
O capítulo 2 fala sobre as "Concubinas e haréns no Oriente", onde a pobreza obrigava famílias a enviarem suas filhas para serem amantes (acho que se elas pudessem trabalhar de forma remunerada ao invés disso, seria uma opção mais inteligente), onde por vezes várias mulheres ficavam confinadas em condições desumanas. Para as mulheres do harém chinês, ter um filho do imperador podia ser a única chance de uma vida melhor, chegando ao poder e até se tornando imperatriz.
"As duas imperatrizes estavam na casa dos vinte, inexperientes, ignorantes do protocolo administrativo e só razoavelmente alfabetizadas." (página 100)
O capítulo 3 fala sobre as amantes reais. Os casamentos da realeza na Europa eram, em sua maioria, arranjados, e dois deles chamaram minha atenção: o do imperador austríaco Francisco José com a princesa Elizabeth da Baviera, que para tirar a atenção do marido de si, lhe apresentou a atriz Katharina; e a história do príncipe romeno Carol (casado) e sua paixão pela judia Elena (em plena época de perseguição aos judeus), que o levou a fugir com ela para vários países, inclusive o Brasil.
Há histórias de casos entre nomes famosos da literatura e suas amantes, como o poeta Byron, que se tornou uma obsessão para Caroline, uma mulher casada, ela gostava muito mais dele do que ele dela, embora não conseguisse aceitar isso. O escritor de "O apanhador no campo de centeio", J. D. Salinger, na casa dos 50 anos, se interessou pela bela adolescente Joyce Maynard, e usando toda a experiência já adquirida em sua vida, conseguiu convencê-la a ter um caso com ele, mas ao ver que a adolescente não era a bonequinha, o brinquedo que ele queria, dispensou-a, um exemplar caso de relacionamento abusivo entre um homem mais velho e uma mulher muito mais jovem, onde os sonhos e os desejos dela são ridicularizados por ele como forma de manter a dependência que ela, insegura, tem dele. Já Voltaire e Émilie (que era casada) tiveram um relacionamento que se iniciou pela sede de conhecimento dos dois.
"Émilie também refletira profundamente sobre a natureza dos homens e das mulheres. (...) Queixava-se de que o único motivo pelo qual nenhuma mulher produzira até então uma boa tragédia, romance ou pintura, um bom poema ou tratado de física era o fato de as mulheres não serem treinadas para pensar. Se fosse um rei, acrescentava, corrigira essa situação estimulando as mulheres a participar de todas as esferas de atividade, especialmente a intelectual. Em muitos aspectos, a vida de Émilie como amante de Voltarie foi uma ligação de igualdade." (página 361)
Fica o aviso de que o capítulo 12,
"Decaídas: As amantes na literatura", conta a histórias de livros clássicos onde há amantes como personagens, o que pode causar
spoilers para alguns leitores que ainda não leram esses clássicos.
Sobre Anna Karenina, personagem de Tolstoi:
"Anna simboliza um tipo de mulher europeia do século XIX que tinha a inteligência subestimada e a criatividade sufocada, de tal maneira que só lhes restava o tédio e a trivialidade de casamentos arranjados nos quais levavam uma vida subalterna e vulnerável." (página 546)
"Amantes: uma história da outra" é uma leitura interessante para quem quer saber uma pouco mais sobre a História da humanidade. Uma parte bem interessante fala sobre Fidel Castro, que assim como Voltarie, enxergava as mulheres como pessoas tão capazes quanto os homens, tendo suas amantes Naty Revuelta e Celia Sánchez desempenhado papéis importantes na revolução. Também é possível conhecer um pouco da história de Marilyn Monroe, que teve uma infância muito sofrida, e acabou se tornando amante do presidente John F. Kennedy
(após a leitura, passei a nutrir certo desprezo por ele). E do triângulo amoroso do príncipe Charles, a falecida princesa Diana e sua atual esposa e namorada de longa data, Camila, Duquesa da Cornualha.
Imagino como deve ter sido difícil para a autora condensar vidas inteiras em poucas páginas, de forma que não podemos usar só o que está na obra
(muitas vezes, versões diferentes das que já conhecemos) para fazermos um julgamento completo das pessoas citadas, mas é uma leitura válida ao trazer coisas que nem sempre encontraríamos na mídia ou em livros de história.
Sobre a parte visual: a capa é bem bonita, as páginas são amareladas e a diagramação é simples, com margens, letras e espaçamento de bom tamanho. No final do livro, há quase 50 páginas com notas de fontes que a autora usou como referências para sua obra, uma prova de que houve uma vasta pesquisa sobre o tema.
Por que há amantes? Talvez seja uma pergunta que motive leitores a conhecer a obra de Elizabeth Abbott. As respostas são muitas. Principalmente, por causa do machismo que não dá às mulheres as mesmas condições que dá aos homens. Pela sociedade, que impunha casamentos arranjados. Pelas leis, que não reconheciam segundas uniões ou pela Igreja, que não aceitava as famílias formadas por sacerdotes. O fato é que a autora mostra que ser amante não é a condição ideal e nem algo a ser glamourizado,
há sim exceções, mas uma hora ou outra as amantes vão sofrer por serem o que são. Felizmente, nos dias de hoje, as coisas melhoraram para as mulheres, mas mesmo assim é possível ver resquícios de outras épocas em nossa sociedade atual, e a leitura certamente contribuirá para uma melhor compreensão das relações extraconjugais.
"A eterna duplicidade de padrões não só condena a mulher muito mais do que seu parceiro masculino de pecado como ainda aumenta sua insegurança." (página 607)
É um livro difícil de resenhar por seu tamanho em número de páginas e por abordar um período longo de tempo, mas espero ter conseguido mostrar para vocês um pouco do que há na obra, trazendo minhas opiniões sobre ela como um todo e sobre alguns casos específicos que me chamaram a atenção. No geral, foi um livro que eu gostei, especialmente por falar de mulheres nem sempre lembradas pela história, mesmo sem reconhecimento e condições justas ou adequadas, tivemos imperatrizes, escritoras, editoras, paisagistas, mulheres que na ausência de maridos que foram para guerra, davam conta de tudo, e até mesmo mafiosas, afinal, somos humanas.
Detalhes: 672 páginas, ISBN-13: 9788501404299, Skoob. Onde comprar online: Saraiva, Submarino, Americanas.
Por hoje é só, espero que tenham gostado da resenha de hoje. Alguém já conhecia a obra?
Até o próximo post!
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