A música das moscas
Começa o meio de Agosto e são as festas em toda a parte. De Senhoras nossas. Da Agonia; da Assunção; do Desespero; da Angústia; da Depressão; das Dores: de todos os castigos imagináveis que possam ajudar a disfarçar o prazer que dão.
É um prazer ouvir a música ao fundo das bandas a ensaiar aqui ao pé, para a festa de amanhã. Das filármonicas mal preparadas que se querem preparar num dia só; das charangas desafinadas que mais ninguém vai ouvir.
Agosto é um mês de partilhas indesejadas. São as pessoas perto de mais. São as estradas e praias que nos fazem sentir parte de um horrendo organismo multicelular. É o bacanal das moscas, esquecidas até do açucar, tal é a febre pela marmelada. Mas, tal com no amor, não é por uma coisa ser indesejada que é desnecessária.
Ouço a filármonica a deglutir a melodia, já de si escassa, do Malhão, Malhão e, atrás da nuvem de moscas, ainda consigo vislumbrar o coreto onde tudo se vai passar. Aqui ao pé, mas longe de mim. E chego a esta chocante conclusão: afinal gosto. Sem participação e com queixume entredentes, a proximidade destas coisas celebratórias até comove um bocadinho. É como se estivéssemos lá sem termos de lá estar. É como concordar que é melhor ser humano a aturar as moscas do que ser mosca a aturar seja o que for.
Faz-nos bem estarmos perto, estando separados. São os erros dos músicos coagidos que tornam bonito o assassinato musical que cometem.
Miguel Esteves Cardoso, Público, 16/08/2009
*Dino Meira - " Meu querido mês de Agosto "