por LUÍS MANETA,
Existe património que espera, há dezenas de anos, por classificação que o proteja. Mas, por decreto, todos esses processos podem ir para o lixo em semanas.
Um total de 964 monumentos que se encontram em vias de classificação pelo Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Igespar) pode perder todas as protecções legais já em Outubro. Isto porque o Ministério da Cultura publicou, no ano passado, o Decreto-Lei 309/2009, segundo o qual "os procedimentos de classificação de bens imóveis em curso caducam se não for tomada a decisão final no prazo de um ano".
Em termos práticos, a decisão significa que as zonas de protecção criadas de forma automática em torno dos bens em vias de classificação deixam de estar em vigor. E que os processos regressam à "estaca zero".
Estão em causa imóveis como o antigo Liceu Passos Manuel, o Jardim Botânico e um conjunto de cinco edifícios na esquina da Rua da Mouraria com a Rua do Capelão, em Lisboa, a Foz Velha e a Praça General Humberto Delgado, no Porto, o Forte de São Sebastião, em Castro Marim, igrejas e monumentos arqueológicos espalhados por todo o País.
Fonte do Igespar garante ao DN existir a possibilidade de o prazo para a caducidade das candidaturas em curso "ser prorrogado por um ano", através de despacho fundamentado do director do instituto. No entanto, mesmo que o horizonte venha a ser Outubro de 2011, fonte da Direcção Regional de Cultura do Alentejo diz que será "praticamente impossível" ter todos os processos concluídos, "dada a falta de meios humanos".
"Cabe às direcções regionais definir prioridades. Alguns casos arrastam-se há dezenas de anos e até se pode admitir que o bem a proteger já nem sequer se encontre de pé", contrapõe o Igespar.
Para o arqueólogo Manuel Calado, que já instituiu processos de classificação, "não tem sentido decretar a caducidade" das candidaturas, mesmo das que já se arrastam há vários anos, uma vez que isso significa "retirar protecção" aos monumentos. "Há processos em curso que devem ser concluídos. O problema é que o acto de classificar mais património implica uma responsabilidade acrescida para o Igespar e o País tem de se questionar sobre a existência de capacidade financeira para garantir uma real protecção aos sítios classificados."
Trata-se de equacionar até que ponto há "capacidade para garantir que uma figura legal se torne efectiva". Ou, dito de outro modo, se o facto de se acrescentar património à lista de sítios classificados corresponde à salvaguarda desses mesmos monumentos perante a pressão imobiliária ou em relação a actos de vandalismo. "Garantir a preservação de edifícios e locais é complicado, pois exige meios financeiros e humanos que em muitos casos não existem nem nunca existiram, mesmo no património que já se encontra classificado", alerta Manuel Calado.
De acordo com fonte do Igespar, a isenção do pagamento do imposto municipal de imóveis (IMI) é um dos benefícios atribuídos pelo Estado aos proprietários dos imóveis que constem da lista dos monumentos nacionais ou dos prédios individualmente classificados como de interesse público, valor municipal ou património cultural. No caso de edifícios particulares, trata-se de um benefício "residual". Mas da lista dos bens em vias de classificação constam conjuntos urbanos formados por dezenas de edifícios como, por exemplo, o centro histórico de Serpa.
Outro benefício é o reconhecimento do valor histórico e artístico do património classificado, em torno do qual é criada uma zona de protecção de 50 metros onde devem ser "evitadas as obras de construção civil ou a instalação de quaisquer elementos que, pela sua presença, e independentemente do seu valor estético, destruam a harmonia do local". O objectivo é minimizar "impactos construtivos" e salvaguardar solos arqueológicos.
Por outro lado, a Lei do Património atribui aos proprietários privados o "dever especial" de "conservar, cuidar e proteger devidamente o bem, de forma a assegurar a sua integridade e a evitar a sua perda, destruição ou deterioração". Por isso, os projectos de obras de conservação se sujeitam a parecer da entidade responsável pela preservação do património, seja o Ministério da Cultura, governos regionais ou autarquias.
Manuel Calado considera que o arquivamento automático dos processos sem uma decisão final "não põe necessariamente em perigo os monumentos, mas retira-lhes protecção".
(in Diário de Notícias).