quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Bom Sucesso.


(Foto DGEMN / IPPAR)

História rocambolesca e triste, esta da casa do Governador do Forte do Bom Sucesso.


(Foto DGEMN /IPPAR)

Breve resenha contada no blogue «O Carmo e a Trindade», em 2006: Cronologia recente: 1983 - aquisição do imóvel pela agência imobiliária SODER, Sociedade de Imóveis do Restelo Lda.; 1993 - penhora pela Fazenda Nacional; 1994 - cancelamento da penhora; 1994 - pedido de informação prévia apresentada à CML pelo gabinete de arquitectos Moura-George, relativamente a projecto de remodelação do imóvel com ampliação de volumetria e demolição das casas anexas, o qual é rejeitado pelo IPPAR por não se enquadrar no Plano de Pormenor da zona do Bom Sucesso, que não admitia alterações na volumetria construída (consta do Inventário Municipal do Património do PDM); 2001 - IPPAR rejeita projecto apresentado pela SODER para renovação e ampliação do imóvel, com vista à construção de um hotel; é entaipado o túnel de passagem, em risco de derrocada; 2003 - a Câmara Municipal de Lisboa impõe obras coercivas, em detrimento do proprietário; é retirada a lápide com inscrição do volume anexo. Seguidamente, o edifício arde espontaneamente.
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Conheço bem a «Casa do Arco», como lhe chamávamos quando a atravessávamos em direcção à Torre de Belém, onde no calor do Verão íamos aos pinhões que tombavam das árvores junto ao Forte do Bom Sucesso. Conhecia aqueles cantos e recantos, o Cinema Restelo na Avª da Torre de Belém, onde vi os meus primeiros filmes para maiores de 18 anos. A praia de Pedrouços, junto ao Forte, antecedia o imenso areal de Algés, onde se alugavam barracas e toldos para nos abrigar da ventania, que era muita. Hoje já não há ventania, nem areal, nem praia. Era uma espécie de fronteira entre a cidade e o campo. Ainda se ia a Algés à Praça de Touros, que também desapareceu, e ao Aquário Vasco da Gama, que resiste. A «Casa do Arco» foi definhando. Resistiu menos aos atropelos do tempo que eu próprio. Um dia, estranhamente, entrou em combustão espontânea. A casa dava para um pátio onde se tinha acesso «por um túnel abobadado em madeira com arco em asa de cesto que a atravessava e permite passagem pública»; ou através das escadinhas com varandas em ferro forjado a partir da Avenida da Torre de Belém; ou ainda a partir da Rua da Praia de Pedrouços ou de uma outra que partia do Jardim do Largo da Princesa. Muitos bailes aqui se dançaram nos arraiais dos Santos Populares, com muitas sardinhas e muitas alcachofras que se queimaram, abrindo caminho a namoricos que manjericos não tinham conseguido.







Que interessa isso agora? Agora, que a deixámos morrer, queremos vê-la morta de pé.
Deu entrada no dia 3 de Julho de 2008, nos serviços da Câmara Municipal de Lisboa, um pedido de demolição dos edifícios situados na: Rua Praia do Bom Sucesso n.ºs 37 a 41 e 43 a 45; Rua da Praia de Pedrouços n.º 1 a 3. A COPORGEST- Companhia Portuguesa Gestão Desenvolvimento Imobiliário, SA tem planos para a Casa do Governador do Forte do Bom Sucesso. Nós não tínhamos planos nenhuns... Apesar de se tratar de uma Zona Especial de Protecção; ou por isso mesmo...


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A «Casa do Arco» vai deixar de ser nossa. No pátio, outra casa apalaçada espera a derrocada. Já tem dísticos a abrirem o caminho: «Aviso. Perigo eminente de derrocada». A fonte já não tem água nem serventia e a lápide de 1851 encontrará, talvez, um antiquário que a queira. Depois, fechar-se-ão as ruas de acesso ao pátio e construir-se-á mais um condomínio fechado com vista para o Forte do Bom Sucesso e para a Torre de Belém.
Bom Sucesso? Adeus.
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7 comentários:

J A disse...

Estes bandidinhos das combustões, que se crêem no direito de apagar a nossa história, deveriam ser convidados a umas longas férias, em regime fechado aos quadradinhos.

Nuno Castelo-Branco disse...

Isto anda mesmo a precisar de "peixe-espada"!

Unknown disse...

Tambem eu, hoje a residir no minho fico com uma dor que só quem tem saudades dos locais onde passou a sua infancia a vê desaparecer lentamente são as suas lembranças que não poderão ser contadas aos filhos e netos com imagens pois essas deixaram de existir. Eu tambem vivi ai nesse local á 57 anos na rua da Praia do bom sucesso nº 28 1 tambem eu jogava matraquilhos no farol da torre restaurante do meu amigo Rui que naquele tempo ainda era uma taberna, do acabado cinema restelo, da escola de pescadores onde eu ia vender livros de bonecos, da pequena praia de pedrouços onde estive perto da morte, das crianças que iam fazer jogos de futebol na relva do jardim da torre,da farmácia onde entrei para o meu primeiro emprego em 1962 com Sr. Ribeiro e o Ricardo e um ordenado de 200 escudos por mês, pelo menos esta acho que ainda existe Que saudades meu Deus.

Paulo Ferrero disse...

E a canalha acabou por vencer. Não só porque este caso nunca chegou sequer à sindicância, mas porque, claro, já não existe semelhante prédio. Devíamos pôr luto!

Gastão de Brito e Silva disse...

Desde miúdo que conheço esta casa, passava por ela sempre que ia visitar a minha avó, e desde sempre que percebi que não era uma casa vulgar. Não era só a sua arquitectura "bizarra" que o seu arco lhe emprestava, era também a nobreza sóbria da fachada que se impunha a quem passava...até um miúdo como eu percebia a mensagem. Nunca soube a sua história até a ter fotografado, foi quando realizei que o seu papel era ainda mais importante na arquitectura envolvente, pois era a residência do governador do Forte do Bom Sucesso que se situa a escassos metros à beira Tejo. Estas duas estruturas são neste ponto de vista indissociáveis, tiveram o azar de ser separadas por uma burocrática escritura condenando desde então a sua cumplicidade.

Foi uma vez mais vitima da "burrocracia", pelos sucessivos projectos e embargos nas várias tentativas da sua recuperação. Por vezes o excesso de zelo e os complicados processos a que estão sujeitas condena-as a uma morte lenta e inevitável, há vários organismos que devem ser consultados, o IPPAR, a CML, Bombeiros, Arquitectos, Engenheiros, Fiscais e outros tantos que só atrapalham!!!

Porque é que não vão todos ao mesmo tempo?? Ou vão todos na forma de um...uma comissão...

Este palacete foi também, como muitos outros edifícios devolutos vitima de "combustão espontânea", toda a sua estrutura foi afectada tornando a sua recuperação ainda mais difícil e onerosa... como é que estas coisas acontecem num edifício que devia estar emparedado?? O proprietário não deveria ser responsabilizado?? Porque é que ainda não há uma legislação contra estes actos que acabam por "resolver" a favor do construtor?? O património imobiliário devia estar sujeito às mesmas leis das florestas...se arderem, ardeu também o negócio da madeira queimada!!! Só assim se poderá travar estes actos criminosos...os donos deviam ser expropriados imediatamente após um incêndio, ou pelo menos investigados e julgados!!!

Mas já não vale a pena preocuparmo-nos mais com esta nobre e histórica residência...foi demolida recentemente, tal como todo o ambiente envolvente, para dar lugar a mais um condomínio...ficamos todos a perder e alguém ficou a ganhar...

Anónimo disse...

A casa está a ser reconstruída. É um condomínio, é verdade, mas pelo menos respeita a traça original; ver aqui a maquete: http://www.castelhana.pt/empreendimentos_det.asp?id={26E71737-8562-4C1F-86BB-212EA863B952}
Eu acompanhei a demolição e percebi que as pedras foram todas numeradas, pelo que espero que voltem às suas posições originais.

Miguel Jorge disse...

Gostaria de lembrar que a arquitectura não são só fachadas, mas sim um todo. Qualquer dia não há um só edifício com fachada e interiores de época...este país é a minha depressão....