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Mostrando postagens com o rótulo religião

A pérola de Popper, o bule de Russell

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Imagino que um bom lugar para começar seja com Karl Popper e seu critério da falseabilidade : a ideia de que, para ser digna de escrutínio científico, uma ideia ou hipótese precisa ser, ao menos em princípio, falseável: tem de haver pelo menos um resultado experimental que, se obtido, obrigaria, se não o abandono, ao menos uma profunda revisão da proposta inicial. A falseabilidade está intimamente ligada à ideia de previsão : uma proposta científica deve ser capaz de prever os resultados de experimentos. Uma previsão errada é sinal de que os cientistas têm de cavar mais fundo. Entre as afirmações não-falseáveis, Popper incluiu as alegações estritas de existência . Uma alegação estrita de existência é a afirmação de que alguma coisa existe, mas sem especificar onde, como ou de que forma. O exemplo usado por Popper era a afirmação de que "existe uma pérola que é dez vezes maior que a pérola imediatamente menor". Explica ele: "Uma alegação estrita ou pura de existên...

Ciência e religião: acertando o Ramadã

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O mundo muçulmano entrou no mês sagrado de Ramadã nesta segunda-feira, dia 1° de agosto. A fixação do momento exato do início do Ramadã é, se não exatamente complexa, certamente aberta a alguma controvérsia -- pelo tradicional calendário lunar islâmico, os meses começam com a primeira observação da lua crescente. O instante, portanto, pode variar tanto com a posição geográfica do observador, como com o tipo de equipamento usado para resolver a primeira réstia de luz no canto do disco lunar -- o olho nu sendo, compreensivelmente, capaz de uma resolução menos precisa que um binóculo ou telescópio. (Há um bom artigo sobre o calendário muçulmano, aqui .) O assunto do início do Ramadã, um mês de jejum e orações, é levado muito a sério nos países islâmicos. Os sauditas, por exemplo, foram autorizados a usar telescópios para fazer a determinação apenas em 2009 . Há alguns dias, a suprema corte do país emitiu ordem para que todos os que observassem a lua crescente registrassem o avistam...

O preço do laicismo é a eterna vigilância

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Em termos ideais, um Estado laico é um Estado onde considerações de natureza religiosa são, essencialmente, irrelevantes para a administração do governo e a definição de políticas públicas. Ou, nas palavras imortais de John F. Kennedy (que, espero, um dia algum político brasileiro terá cojones -- ou ovários -- para reafirmar):  Eu acredito em um país onde a separação entre Igreja e Estado é absoluta, onde nenhum prelado católico dirá ao presidente (se este for católico) como agir, e nenhum ministro protestante dirá a seus fiéis como votar; onde nenhuma igreja ou escola religiosa receberá verbas públicas ou favores políticos; e onde nenhum homem será rejeitado para um cargo público apenas porque sua religião difere da do presidente que poderia nomeá-lo, ou da do povo que poderia elegê-lo. Eu acredito em um país que não é, oficialmente, nem católico, nem protestante, nem judeu; onde nenhuma autoridade pública pede ou acata instruções sobre políticas públicas do papa, do Conselho ...

Einstein e Deus: entre cegos e aleijados

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“A ciência sem religião é aleijada, a religião, sem ciência, é cega”. Outra: "não pode, verdadeiramente, haver conflito legítimo entre ciência e religião". As duas são máximas de Albert Einstein, retiradas de um artigo que escreveu em 1941, e recolhido no volume Escritos da Maturidade . Não raro aparecem -- principalmente a primeira -- em discussões sobre, exatamente, os conflitos entre ciência e religião. Geralmente, são invocadas em um tom de finalidade, para definir a conversa, o subtexto sendo: "Einstein, que era um cientista fodão, dizia isso ; e você, palhaço, quem pensa que é?" Não nego, claro, que o argumento tem algum poder heurístico -- a opinião de grandes cientistas sobre o que entra (ou não) em conflito com a ciência tem lá seu valor. Mas mesmo grandes cientistas podem errar, nesse aspecto: Newton e astrologia logo vêm à lembrança. No entanto, citações são de muito pouca valia quando retiradas do contexto adequado. A frase de Einstein sobre não ...

HP Lovecraft e eu, uma longa história

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Quem acompanha a minha  soi-disant  "carreira" há mais tempo sabe que meus primeiros trabalhos como ficcionista foram fortemente influenciados pela obra do americano Howard Philips (H.P.) Lovecraft. Um dos grandes nomes da era pulp, Lovcraft criou uma fusão de ficção científica, terror e fantasia que se encaixava muito bem no que eu queria fazer lá pelos idos de 1990, e portanto bebi a fundo em sua fonte. A obra disponível no Brasil era pequena -- encontravam-se, com alguma facilidade, apenas quatro volumes: três, se não me engano, da Francisco Alves e um da L&PM. Meu primeiro livro de contos, Medo, Mistério e Morte , contém algumas tentativas incipientes de criar um "Arkham Country" (como é chamado o trecho fictício, e mal assombrado, da Nova Inglaterra onde se passam muitas das crônicas lovecraftianas) brasileiro. Meus primeiros contatos literários com o exterior vêm dessa época, com as primeiras traduções de contos meus para o inglês (quem quiser se arris...

Que tal trocar o véu por um escorredor de macarrão?

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Muita gente torce o nariz, mas eu realmente acho que as religiões de paródia, como a Igreja do Monstro de Espaguete Voador e o Discordianismo dizem algo de muito importante sobre a natureza do conhecimento humano. Digo, qual a diferença epistemológica entre se afirmar que o Universo foi criado por uma voz desencarnada que, 14 bilhões de anos depois, resolveu engravidar uma virgem, ou por uma bola gigante de espaguete à bolonhesa? O fato de que a segunda versão parece intrinsecamente ridícula não conta: o que deveríamos nos perguntar é por que a primeira não parece, também. (Pode-se argumentar que espaguete à bolonhesa é algo que surgiu dentro do Universo, e portanto não poderia pré-existir a ele, mas até aí vozes, vontades, personalidades, etc., também estão sujeitas à mesmíssima restrição. E quem garante que os nossos espaguetes à bolonhesa não são apenas imitações baratas do verdadeiro ideal platônico que transcende o devir?) Ambas, afinal, são alegações impossíveis de co...

Outdoors ateus em Porto Alegre, graças a Deus!

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Depois de uma longa série de rejeições em várias cidades brasileiras, a campanha de outdoors da ATEA finalmente encontrou uma capital civilizada o suficiente para acolhê-la: Porto Alegre. Aí os gaúchos ficam se sentindo superiores ao resto do Bananão, e ninguém entende o motivo. Olha ele aí em cima. Sei que muita gente torce o nariz para esse ateísmo, digamos, "in your face", exibicionista, loquaz -- estridente , diriam alguns. Amigos cuja opinião respeito queixam-se de que esse "novo ateísmo", ou "ateísmo afirmativo", acaba sendo tão chato, inoportuno, pentelho, etc., quanto o proselitismo religioso. Será que as pessoas não seriam mais felizes se, simplesmente, parássemos de encher o saco uns dos outros com metafísica? Por mais que eu possa simpatizar com a opinião expressa no parágrafo acima, ela deixa de levar em conta dois fatores -- talvez os fatores -- fundamentais: primeiro, a religião é estruturalmente incapaz de respeitar uma trégua do tip...

Explosão populacional em Ruanda, na Nature

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Este é o tipo de notícia que surpreende por demonstrar a enorme capacidade de resistência da humanidade como espécie – e que entristece ao pôr em evidência a capacidade, aparentemente ainda maior, do ser humano para cavar a própria cova: 17 anos após ser palco de um genocídio que matou 800.000 pessoas, a nação africana de Ruanda vive um boom econômico – ameaçado, no entanto, pela explosão populacional . É o que diz um comentário publicado nesta semana na revista Nature , que traz um dossiê especial sobre a África. De acordo com o artigo, Ruanda tem uma população de mais de 11 milhões de habitantes numa área menor que a da Bélgica, e uma das 20 maiores taxas de natalidade do mundo: na zona rural as mulheres têm, em média, 6,3 filhos; nas áreas urbanas, 4,9. Oitenta por cento da população do país é rural, e a típica família camponesa de oito pessoas geralmente vive numa área de meio hectare. A explosão populacional ameaça a principal indústria do país, o turismo: a falta de terra a...

O Livro dos Milagres vem aí!

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Quem acompanha este blog há mais tempo sabe que dediquei os primeiros meses deste ano a escrever uma obra de não-ficção, O Livro dos Milagres -- uma mistura de ensaio, reportagem e divulgação científica sobre, como o título diz, eventos supostamente "milagrosos". Alguns excertos da obra até já deram as caras por aqui (por exemplo, nesta postagem e nesta outra ). É com inegável orgulho, portanto, que anuncio que assinei, neste fim de semana, o contrato para publicação da obra! Ela até já aparece na página de próximos lançamentos da editora Vieira & Lent . Esperamos (a editora e eu) vê-lo publicado em outubro. O índice de capítulos é este aqui: 1. O problema dos milagres 2. Abrindo o Mar Vermelho 3. Visões e êxtases 4. O nascimento virgem 5. Ressurreição 6. O Sudário de Turim 7. Relíquias de sangue 8. Aparições de Maria 9. O fenômeno de Lourdes 10. Aparições e segredos em Fátima 11. Padre Pio e seus estigmas 12. O poder da oração 13. Falando em línguas 14. Cura pela...

WTF é Corpus Christi?

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Esta quinta-feira é feriado de Corpus Christi (ou "Porcos Tristes", para quem acompanha o futebol paulista), mas aposto que poucas pessoas sabem exatamente do que esse negócio se trata. Não é preciso ser um gênio para sacar que o nome em latim, Corpus Christi , significa "corpo de Cristo", mas e daí? Bom, se você teve sua infância marcada pela experiência -- provavelmente não traumática, mas certamente tediosa -- de passar pela suíte católica catecismo-primeira comunhão, há-de lembrar-se de que "corpo de Cristo" é o que o padre (ou diácono, ou ministro) diz antes de oferecer a hóstia. Então: "Corpus Christi" é uma festa católica criada para celebrar a instituição do sacramento da eucaristia -- o consumo do corpo e do sangue de Cristo sob a forma de pão e vinho -- . pelo próprio Jesus, durante a Última Ceia. (A historicidade dos eventos relativos à Última Ceia é questionável, para dizer o mínimo. A primeira menção à instituição da eucarist...

A falácia do ajuste fino

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Finalmente dei conta de terminar The Fallacy of Fine Tuning , do físico Victor Stenger, livro que, com o perdão do pleonasmo, "encara de frente" os argumentos de que as constantes e leis da Física parecem ter sido "escolhidas a dedo" para permitir a existência de vida inteligente baseada em carbono -- ou seja, nós. Stenger é o representante das ciências exatas no time dos "novos ateus", o grupo de personalidades públicas do mundo de língua inglesa que resolveu deixar a clássica timidez do ateísmo filosófico de lado e partir para o ataque contra as religiões. Seu livro God: The Failed Hypothesis , que trata a questão da existência do tradicional Deus judaico-cristão-islâmico como uma hipótese científica (e termina por rejeitá-la) chegou à lista de best-sellers do New York Times . Curiosamente, do grupo dos "novos ateus"  -- Dawkins, Hitchens, Dennett, Harris --, Stenger é o único que continua inédito no Brasil (ao menos, uma busca por seu nome...

O eclipse e a forma da Terra

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Hoje ao entardecer tem eclipse da Lua: a sombra da Terra vai passar pela face de nosso satélite natural, obscurecendo-a (mas não apagando-a de todo: um pouco de luz refratada pela atmosfera terrestre ainda vai chegar à Lua, que deve assumir uma coloração de tom vermelho-escuro). Eclipses lunares são menos interessantes, do ponto de vista astronômico, que os solares, mas o eclipse da Lua tem um importante valor histórico: a forma arredondada da sombra da Terra, projetada sobre a Lua, era uma das provas de que o planeta devia ter formato esférico, citadas pelos antigos gregos. Faz sentido: se a Terra  fosse chata, como um disco, a sombra só seria redonda em ocasiões especiais -- na maior parte das vezes, ela deveria aparecer meio alongada, como uma elipse. Essa observação não só revela o prodigioso poder dos gregos para raciocínio dedutivo (determinar a forma da Terra a partir da sombra na Lua é um feito sherlockiano), como aparece numa frase geralmente atribuída ao navegador F...

Vamos estudar a Bíblia? (2)

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Em uma postagem anterior minha sobre o estudo não-religioso da Bíblia  (uma das mais populares do blog, aliás; sinal de que há uma demanda reprimida por esse tipo de coisa) um comentarista chamou atenção para a duplicação do milagre da multiplicação dos alimentos no Evangelho de Marcos. O primeiro trecho abaixo vem do capítulo 6: 38. Jesus perguntou: “Quantos pães tendes? Ide ver”. Eles foram ver e disseram: “Cinco pães e dois peixes”. 39. Então, Jesus mandou que todos se sentassem, na relva verde, em grupos para a refeição. 40. Todos se sentaram, em grupos de cem e de cinqüenta. 41. Em seguida, Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao céu, pronunciou a bênção, partiu os pães e ia dando-os aos discípulos, para que os distribuíssem. Dividiu, também, entre todos, os dois peixes. 42. Todos comeram e ficaram saciados, 43. e ainda encheram doze cestos de pedaços dos pães e dos peixes. 44. Os que comeram dos pães foram cinco mil hom...

Vamos estudar a Bíblia?

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Foi tão traumático que me lembro disso até hoje: a única vez, no meu tempo de estudante da USP, em que uma jovem bonita e desconhecida tomou a iniciativa de puxar conversa comigo foi para me convidar para um grupo de estudo bíblico. Em minha defesa, digo que resisti bravamente. Não que a Bíblia não possa ser um objeto de estudo fascinante -- como, por exemplo, a Ilíada ou o Épico de Gilgamesh . O problema é que, quando o livro é abordado com um viés religioso, o resultado é um raciocínio circular: cada leitor encontra lá exatamente o que já trazia consigo, ou seja, seu próprio sabor peculiar de cristianismo.  Isso não significa, no entanto, que não existam estudos sobre a Bíblia que se valem das mesmas ferramentas filológicas, históricas e arqueológicas a que outros grandes textos da Antiguidade são submetidos. Só o que significa é que esses estudos têm muito pouca divulgação. Por exemplo, desde o século XVIII que estudiosos reconhecem que os Evangelhos de Mateus e Lucas são...

James Randi e cirurgia espiritual

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E já que hoje estamos no tema da cura pela fé, um quadro clássico do James Carson Show, estrelando James Randi (no fim do vídeo há um pequeno quadro humorístico sobre o governo Reagan que eu realmente não sei por que está lá...):

Enfim, que mal que há?

Parágrafo extraído da edição de segunda-feira do New York Times : Ao nascer, a menina, Alaynia, era um pacotinho de bochechas rosadas, mas aos seis meses, um tumor do tamanho de uma bola de beisebol tinha consumido sua face esquerda, empurrando o globo ocular para fora da órbita. Os Wylands, membros da Igreja dos Seguidores de Cristo, uma seita que acredita em cura pela fé e cujos membros desprezam a medicina, recusaram-se a levá-la ao médico. A notícia do NYT é de que os pais, Timothy e Rebecca Wyland, estão sendo levados a julgamento e podem pegar até cinco anos de cadeia. Já Alaynia, hoje com 18 meses e em um lar adotivo, pode ficar cega. Este não é, claro, o primeiro caso do tipo registrado nos Estados Unidos. Em 2009, outro casal havia sido condenado a seis meses de cadeia por rezar em vez de tratar a filha que sofria de diabete. A menina, no caso uma pré-adolescente de 11 anos, ficou "fraca demais para falar, comer ou caminhar". Do grupo de orações reunido em...

Afinal, o que os cristãos têm contra os gays?

Sou só eu que estou achando espantosa a virulência da reação de grupos religiosos contra as iniciativas legislativas e do Executivo de mitigação da homofobia?  Parêntese.  Eu, pessoalmente, me vejo numa situação engraçada nos debates sobre o tal "PL da homofobia" que, fundamentalmente, apenas inclui a orientação sexual na lista de itens protegidos pela lei contra discriminação em vigor no Brasil.  Isso porque sempre achei a lei contra discriminação, da forma como está, uma espécie de Espada de Dâmocles pairando sobre a liberdade de expressão, e agora tenho um bando de cristãos coléricos concordando, de certa forma, comigo. Mas meu ponto é contra a lei em geral, não contra a lista de grupos protegidos por ela, então nossa concordância não vai, realmente, muito longe. Fecha parêntese. Voltando ao tema principal da postagem: há um trecho do Velho Testamento que declara a homossexualidade uma "abominação", mas até aí o Velho Testamento também diz que mariscos e cam...

Extra! Extra! Fim do mundo remarcado!

Óquei, povo, podem parar de sacanear o messias moderno Harold Camping: ele não só reconheceu seu erro ao marcar o fim do mundo para 21 de maio, como já refez os cálculos e chegou a uma nova data, 21 de outubro . Isso significa que terei tempo de gastar a restituição do Imposto de Renda e, mais importante, que os brasileiros poderão pedir perdão de seus pecados em Aparecida, no dia 12. De acordo com a versão revisada de Camping, na verdade em 21 de maio Jesus iniciou o julgamento da Terra; veredicto e sentença saem em outubro. Se você acha que essa estratégia é nova, está enganado: vários estudiosos, como o teólogo alemão Gerd Lüdemann , já chamaram atenção para como os textos do Novo Testamento vão mudando a ênfase sobre a promessa da Segunda Vinda de Jesus, que começa sendo tratada como um evento definitivo e imediato e aos poucos vai se transformando num processo de milênios. Camping está apenas reutilizando uma velha técnica, testada e aprovada por bilhões de cristãos de ...