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Mostrando postagens com o rótulo jornalismo

Alienígenas ecoterroristas ameaçam a Terra?

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Semana passada foi marcada pelo bafafá em torno deste paper , uma revisão de cenários a respeito de um eventual contato entre a Terra e inteligências extraterrestres. O trabalho explora diversas possibilidades -- todas, em princípio, de baixo nível de probabilidade, mas algumas mais baixas (ou muito mais baixas) que outras -- e menciona a ideia de que as mudanças abruptas no ecossistema terrestre podem chamar a atenção de uma civilização alienígena. Mais precisamente, lá pela página 21 (de um total de 28, sem contar as mais de dez páginas de referências bibliográficas) os autores lançam a seguinte hipótese: O aumento na concentração de CO2 na atmosfera da Terra altera a assinatura espectrográfica do planeta (em linhas gerais, uma mudança no equilíbrio dos gases que compõem nossa atmosfera faz com que o planeta passe a ter uma "cor" diferente) e essa mudança pode ser captada pelos instrumentos de astrônomos ETs. A partir daí, surgem dois cenários desagradáveis: (a) Ess...

Tarados por um segredo

Pessoalmente acho que já há blogs demais tratando de política no Brasil, mas como a questão das liberdades de informação e expressão me interessa profundamente, decidi abrir uma exceção temática por aqui e fazer uma postagem a respeito da paixão, quase que soviética, pelo segredo de Estado que parece ter se apossado do governo brasileiro. Primeiro, a questão do "sigilo eterno" dos documentos ultrassecretos. Se entendi direito, a preocupação seria com a reação de países vizinhos ao comportamento do Brasil em situações como a anexação do Acre e a Guerra do Paraguai . Não sei exatamente o que dizer desse argumento -- se devo encará-lo como dissimulação canhestra (isto é, o que se pretende esconder é na verdade outra coisa) ou se como um indicador real do tipo de visão de mundo que nossos líderes têm. Difícil saber qual a situação mais assustadora. Digo, quando eu estava no ensino médio a Dona Berenice, nossa professora de História do Brasil, já ensinava que a tomada do Ac...

Ora, direis, ouvir arcebispos...

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Há muito o que celebrar na decisão histórica do STF sobre a união estável de pares homossexuais, mas aqui eu gostaria de fazer um comentário sobre uma questão paralela, relacionada à cobertura do julgamento pela imprensa: por que, sempre que o Supremo tem que decidir algo sobre direito dos homossexuais ou alguma questão de ética médico-científica (como no caso das células-tronco), os jornalistas correm para entrevistar arcebispos católicos? Em parte pode ser o cacoete do "outro lado", o princípio de que todo fato importante ou opinião momentosa deve vir acompanhado por uma avaliação negativa, um contraponto. Na encarnação anterior deste blog eu já havia criticado a busca irracional pelo "outro lado", que muitas vezes leva a imprensa a abrir espaço para criacionistas ou maníacos antivacinação. Mas reconheço a importância do princípio: em casos como a decisão do STF, ele pode ajudar a pôr os fatos em perspectiva e a evitar o jingoísmo -- a celebração unânime de u...

FNAC Paulista, hoje, a partir das 19h

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Acontece o lançamento de Assembleia Estelar , livro de contos sobre ficção científica e política que inclui, entre outras joias, Vemos As Coisas de Modo Diferente , uma pequena obra-prima de Bruce Sterling sobre o "choque de culturas" entre a democracia ocidental e o islã. Publicado antes dos ataques de 11/9, o conto foi, previsivelmente, tratado como "profético" depois que as torres caíram -- mas hoje, diante dos eventos na Tunísia, Egito e Líbia, convida a uma leitura um tanto quanto diversa. Como os leitores assíduos deste blog sabem, o livro inclui ainda um conto meu, Questão de Sobrevivência . Por conta disso, estarei lá! Os amigos que quiserem aparecer para dar um "oi" em pessoa serão mais do que bem-vindos. Continuando na nota pessoal: ontem enviei meu segundo artigo em inglês para o blog de James Randi -- assim que souber quando (e se) será publicado, aviso. Ao contrário do primeiro texto meu para lá, que era uma tradução/condensação de u...

Atenção, Kassab: o malufo-socialismo foi inventado em Jundiaí

A súbita conversão do prefeito da capital paulista, Gilberto Kassab, ao ideário político de centro-esquerda não me causou espanto -- como parece ter sido o caso de muita gente -- mas déjà-vu.  Meu pensamentos retornaram a março (acho que era março) de 1996, quando eu trabalhava no  Jornal de Jundiaí e chegou a notícia de que um certo vereador estava entrando para o PSB. Agora, esse vereador era uma verdadeira fortaleza do malufismo local. Era sempre um dos primeiros a receber Paulo Maluf em suas visitas à cidade, e fazia questão de ver seu nome associado ao do amado líder. Sua conversão ao PSB devia-se à radicalização da postura oposicionista do partido de Maluf na época (era o PPR?), que havia se integrado a um bloco de resistência à administração municipal tucana, o que provavelmente havia excluído seus filiados (e suas respectivas bases eleitorais) das benesses do poder. (Esse bloco não durou muito, aliás: logo alguns vereadores o abandonaram, em nome de uma "...

Não, Virgínia, a ciência não encontrou provas de precognição

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Confesso que desde novembro do ano passado eu vinha esperando algum veículo da imprensa brasileira resolver divulgar, de forma sensacionalista, o artigo "Feeling the Future: Experimental Evidence for Anomalous Retroactive Influences on Cognition and Affect" , de autoria do pesquisador Daryl Bem e que relata nove experimentos que testaram a capacidade humana de prever o futuro -- alguns dos quais, segundo o autor, obtiveram resultados positivos. Com os meses passando e o relativo silêncio sepulcral na mídia tupiniquim -- entre as exceções, houve um artigo bem ponderado e nada sensacionalista de Hélio Schawrtsman -- eu já estava quase começando a me sentir culpado por esperar o pior. ( Adendo : o iG publicou uma extensa entrevista com Daryl Bem em janeiro; e agora em março a revista Mente e Cérebro  trouxe artigo a respeito. Isso é pra eu aprender a não fazer mais afirmações categóricas sobre o que saiu ou deixou de sair por aqui...)  Mas, confirmando o dito de H.L. M...

Carnaval e o massacre de mídia

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Se você está online lendo blogs, em vez de estar preso na estrada a caminho de tomar chuva na praia e/ou curtindo uma ressaca desgraçada, talvez se identifique com o experimento imaginário que vou propor agora. Suponha que, nos 30 dias anteriores ao carnaval -- também vale copa do mundo ou olimpíada -- os meios e comunicação se abstivessem, não de noticiar o assunto, mas de bombá-lo. (Para quem estiver desconfortável com o jargão: noticiar é divulgar um fato específico de interesse público -- tipo, Geisy Arruda foi vítima de tentativa de agressão -- bombar é insistir no tema mesmo na ausência de novos fatos relevantes -- tipo, Geisy Arruda comprou vestidinho polêmico na loja "X".) Hipótese a ser testada no experimento: afinal, o "brasileiro" -- este estereótipo que os marqueteiros adoram -- realmente se interessa tanto por festas e eventos esportivos? Trata-se de uma tentativa de isolar o real interesse do público do efeito claque: o assunto "A" d...

Telefone celular, seu cérebro e o noticiário seletivo

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Acho que quase todo mundo viu ou ouvir falar, na semana passada, deste despacho da agência inglesa Reuters sobre um estudo que indica que o uso de telefones celulares aumenta o fluxo de sangue no cérebro, especificamente do lado da cabeça onde o aparelho está encostado. Embora o texto tenha tido o cuidado de informar que o "impacto na saúde não está claro", está claro que a frase deixa, no ar, a noção de que algum impacto na saúde há de haver. Curiosamente, no entanto, não vi em nenhum dos grandes "outlets" nacionais de mídia a repercussão deste press-release da Universidade de Manchester , dando conta de um levantamento estatístico que procurou alguma correlação entre a disseminação do uso do celular na Inglaterra e o número de casos de câncer de cérebro. Os cientistas usaram dados de 1998 a 2007. O que eles encontraram? Nichts. Niente. Nichego. Rien. Nishto. Nothing. Nada. (Em alguns pontos da web brasileira mais -- com o perdão do trocadilho -- antenados ...

Pois é, então redescobriram o vídeo do óvni em Jerusalém...

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Há alguns dias (vários dias, na verdade), eu soltei um link no Twitter sobre o desmascaramento de um vídeo forjado que supostamente mostrava um objeto voador não-identificado flutuando sobre a Esplanada das Mesquitas em Jerusalém. Mas, como na internet os boatos nunca morrem (pelas minhas contas, ao longo de dez anos escrevi sete matérias desmentido a história do "livro didático americano que diz que a Amazônia pertence à ONU"), eis que o vídeo não só volta a dar o ar de sua graça como chega ao "mainstream" da mídia brasileira, graças aos inestimáveis préstimos da agência EFE -- como se pode conferir  aqui e aqui . (Se um dia nos encontrarmos numa mesa de chope, lembre-se de me embebedar e depois pergunte-me sobre a experiência de tentar manter um canal online sério de ciência tendo por base o material da EFE e da BBC.) Mas, enfim: Phil Plait, o BadAstronomer , tem uma postagem de 9 de fevereiro em seu blog explicando como o primeiro vídeo foi falsificado . Um...

'Todo mundo é contra a liberdade de expressão'

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A frase que dá título à postagem era usada por um professor de Jornalismo da ECA-USP, lá se vão bem uns 20 anos, para chocar os estudantes de primeiro ano. Ele a sustentava com uma série de exemplos escabrosos -- e se alguém escrever um artigo defendendo a volta da escravidão? e se alguém escrever que mulher que trai o marido tem mais é que levar tiro na boca? e se alguém defender o extermínio dos índios? -- até que a classe acabasse concordando que, sim, liberdade de expressão é legal, mas peraí. Confesso que nenhum desses exemplos (e outros ainda piores) jamais foi capaz de mudar o meu xiitismo em defesa da mais plena liberdade de expressão. Sim, que se escreva em defesa da volta da escravidão; sim, que se escreva em defesa da lapidação extrajudicial das adúlteras; sim, que se argumente pelo genocídio. Que essas ideias venham a público, que sejam expostas como as bobagens que realmente são, e que seus autores sejam reduzidos às devidas proporções, seu nanismo moral e intelectual ...

'A quem isto serve?', ou o uso crítico do senso crítico

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Pegando carona nesta postagem do blog Rainha Vermelha, e também na avalanche de comentários que o Amálgama recebeu depois de reproduzir este meu texto sobre homeopatia , queria comentar algo sobre o triste estado em que se encontra o chamado "senso crítico" hoje em dia. Como Descartes já havia dito a respeito de "bom senso", "senso crítico" é um item extremamente raro, na medida em que é valioso e, ao mesmo tempo, todas as pessoas parecem satisfeitas com o tanto que têm. Ao contrário da maioria das coisas a que a humanidade dá valor -- dinheiro, fama, saúde ou beleza, por exemplo -- e das quais muito nunca parece chegar a suficiente , com o "senso crítico" tudo mundo está satisfeito. Infelizmente, a amostra disponível no mundo virtual sugere que quase todo mundo se contenta com muito pouco. As ocorrências do que passa por "senso crítico" nas caixas de comentário de blogs e reportagens me lembram do meu tempo de faculdade de Jorna...

Exemplos e personagens: convencendo idiotas

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O título desta postagem -- mais um da minha longa DR com o jornalismo, cujos lances iniciais você pode conferir aqui e aqui --  ia ser "vieses cognitivos na imprensa", mas aí me lembrei de uma passagem da Arte Retórica de Aristóteles, onde o filósofo diz (estou parafraseando) que os idiotas se deixam convencer por exemplos, enquanto que as pessoas inteligentes só são persuadidas por argumentos. A razão disso é simples: podem-se encontrar exemplos a favor de ou contra praticamente qualquer coisa. Sem controles adequados e um tratamento estatístico honesto e competente, um monte de exemplos acumulados de qualquer coisa não serve para provar nada. Ou, como se diz, "o plural de anedota não é dados". ("Anedota", nesse contexto, não é usada com o sentido de piada, mas algo mais próximo do original grego, anékdota , "coisas que não foram publicadas": relatos esparsos, desorganizados, que não formam um conjunto coerente.)  A mente humana, no ent...

Saúde, jornalismo e a febre da correlação

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A frase, creio, é do colunista britânico Ben Goldacre : a missão do jornalista que escreve sobre saúde é dividir todas as substâncias do Universo, sejam de origem animal, vegetal ou mineral, em duas e apenas duas categorias: as que causam câncer e as que evitam câncer. A piada é boa e, tendo militado um pouco na área, não tenho como negar que contém aquele grão de verdade que define as formas mais sofisticadas de humor, transmutando o mero chiste em valioso  insight . Neste caso específico, há, de fato, múltiplos insights . O primeiro é de que esse jogo de "provoca/evita" não é difícil de fazer, principalmente quando se perde de vista a velha máxima de que "correlação não é causação" -- isto é, de que coisas que variam de forma semelhante ao longo do tempo não estão necessariamente relacionadas por causa e efeito. Veja, por exemplo, o gráfico abaixo: Ele mostra que o número de mortes por câncer no Brasil aumentou junto com crescimento da economia ao longo de ...

Publicidade no jornalismo impresso: o rabo que abana o cachorro

Um dia depois da série de tragédias causada pelas fortes chuvas em São Paulo, os dois principais jornais do Estado chegam para os assinantes com uma capa de... 1861. Uma propaganda de página inteira, reproduzindo uma edição bicentenária  sesquicentenária do Jornal do Commercio . O belo trabalho das equipes de primeira página dos dois veículos ficou escondido pela peça publicitária. O próprio propósito jornalístico da capa de um jornal -- convidar à leitura, organizar hierarquicamente os fatos do dia anterior, emocionar -- é neutralizado pela artimanha. Tá, óquei. Mesmo este blog está cheio de anúncios, na vã esperança de que parte do investimento de tempo e conhecimento feito possa ser recuperado. Publicidade é importante, é o comercial que paga o leite das criancinhas, etc, etc. Certo? Apenas  numa perspectiva míope. Em última instância, o que paga o leite das criancinhas é a qualidade do conteúdo, a credibilidade e a tradição do veículo -- que são os fat...