(Susan Sontag)
"Assim vivemos agora" parece escrito em uma só sentada, inspiração, expiração e fim. Pequeno e quase sem pausas. Parágrafos contínuos. Inúmeros personagens comentam sobre o amigo que está na cama de um hospital depois de contrair e se manifestar o HIV. A voz do paciente nunca aparece a não ser parafraseado por outras vozes, "disseram que ele disse", e nesse diz-que-diz se passam todas as conversas, entre vírgulas infindáveis, parece que vamos perder o ar e o livro acaba.
Como lidar com a gradual morte de um amigo, de uma doença que não se sabe quase nada e a expectativa de que a partir de agora pode ser qualquer um de nós. É para ler de uma só vez, do jeito como foi escrito. Às vozes ficam tão próximas nessa espécie de transe lingüístico que parecem pessoas cochichando ao seu lado e você não consegue distinguir exatamente quem está falando. É muito bonito. Doído. Um dos primeiros registros ficcionais sobre a AIDS.
"Ele disse para Tanya (segundo Greg), quer dizer, se realmente estou doente, o que eu ganho se for ao médico?" p.11
"Bem, todo mundo está preocupado com todo mundo agora, disse Betsy, parece ser assim que vivemos, assim que vivemos agora." p.19
"ele pensava sobre isso, o fim da farra, o fim da loucura, o fim da vida confiante, o fim de ver a vida como uma coisa garantida e de tratar a vida como algo que, feito um samurai, se considerasse disposto a jogar fora de coração leve, despudoradamente;" p.42
"E ele disse certa manhã para Quentin, o medo me rasga, me abre; e para Ira, ele me aperta, me espreme em direção a mim mesmo. O medo tinge, euforiza todas as coisas." p.47/48
Assim Vivemos Agora
Susan Sontag
Tradução de Caio Fernando Abreu
Ed. Cia das Letras
56 páginas
mergulhem-se
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terça-feira, 15 de fevereiro de 2011
segunda-feira, 19 de abril de 2010
O Poço / Para uma Tumba sem Nome - Juan Carlos Onetti, Novelas
É preciso um certo fôlego. O mesmo - ou ao menos muito semelhante - com que buscamos para ler Faulkner ou Kafka. É como um ar quente, abafado. Há uma deliquescência na escrita de Onetti que dissolve uma história na outra, uma prosa na outra, e não nos permite ver com facilidade aonde termina o quê e aonde. É com fôlego que damos algumas braçadas e chegamos ao outro lado do rio - sei lá qual rio, porque até isso soa fosco, esbranquiçado. Mas por isso mesmo é grandioso. Cansativo e grandioso. E respiramos ao final com a vitória de ter acabado e a vitória de não ter chegado precisamente a lugar nenhum - e o que importa não chegar a lugar algum? (De qualquer jeito continuamos os mesmos? Ou só por isso continuamos os mesmos? E por que não continuar? São infinitas perguntas que não necessariamente precisam ser respondidas) É o mesmo desenlace que parecem tomar seus personagens, esse que nós, leitores, tomamos: lugar algum. E estamos bem com isso, mais, estamos satisfeitos. A escrita varia entre o néscio, o lúgrube, escuro, existencial, anelante, lírico, lírico demais.
Nas duas novelas reunidas neste livro, mesmo que em caminhos distintos, revela-se a atmosfera lúdica, ensandecida, ofegante de Onetti. Com exagerada capacidade imagética (porém fugida do realismo), lirismo, bom gosto, cuidado, mau gosto também, lirismo, desdobramento, para os adjetivos. (Lembrem, os adjetivos). Onírico demais.
Em "O Poço" (1939), Onetti conta a história de um homem de 40 anos que angustiado, sozinho e sem tabaco, em um quarto trancado e sujo, resolve escrever a história de sua vida. O narrador-escritor se alterna na exposição da lembrança de sonhos e trechos de acontecimentos vividos em pura assossiação livre. Parece-me às vezes que o sonho aparece como o contraponto, resposta à uma vida por hora fracassada, que não há muito para aproveitar, relatar. Mas por hora, ainda não sei o que de fato é sonho e o que é realidade e até onde se confunde essa fibra fina que Onetti constrói (ou desconstrói) entre os dois.
"Dizem que há diversas maneiras de mentir; mas a mais repugnante de todas é dizer a verdade, a verdade inteira, ocultando a alma dos fatos. Porque os fatos são sempre vazios, são recipientes que vão tomar a forma do sentimento que os preencha." (O narrador-personagem de O Poço, pg 37)
Em “Para uma tumba sem nome” (1959), a história de uma mulher, um homem, e um bode é desnovelada; tenta ser relatada de diversas formas, por diversos ângulos, para um médico que vai juntando seus cacos para compreendê-la e dá também a sua impressão, composição narrativa, sem nunca conseguir chegar à uma versão final. Mas o que importa saber da história de fato? É uma narrativa truncada, que não se encontra, com limites dissolvidos. Há a história dentro da história dentro da história. E por isso mesmo soa fascinante, e por isso mesmo o "lugar nenhum" como citei antes, uma dificuldade um pouco eletrizante: como sair desta coisa nebulosa? E por isso Faulkner, e por isso Kafka. Como descobrir quais os limites, se há limites, para quê limites?
"Não estou mandando que repare nisto ou naquilo; estou sugerindo, simplesmente. Quando lhe peço que repare em algo não o estou ajudando em nada a compreender a história; mas talvez essas sugestões sejam úteis para que se aproxime da minha compreensão da história, da minha história") (Jorge Malábia para o Médico em "Para uma Tumba sem Nome", pag 96)
O Poço / Para uma Tumba sem Nome
Juan Carlos Onetti
Editora Planeta Literário
168 páginas
Juan Carlos Onetti (1909 — 1994) foi um escritor uruguaio. Permaneceu muito tempo inédito, desconhecido (diria quase inóspito) no Brasil, tendo recentemente suas obras lançadas (em nosso português) em função de seu centenário de nascimento em 2009.
Nas duas novelas reunidas neste livro, mesmo que em caminhos distintos, revela-se a atmosfera lúdica, ensandecida, ofegante de Onetti. Com exagerada capacidade imagética (porém fugida do realismo), lirismo, bom gosto, cuidado, mau gosto também, lirismo, desdobramento, para os adjetivos. (Lembrem, os adjetivos). Onírico demais.
Em "O Poço" (1939), Onetti conta a história de um homem de 40 anos que angustiado, sozinho e sem tabaco, em um quarto trancado e sujo, resolve escrever a história de sua vida. O narrador-escritor se alterna na exposição da lembrança de sonhos e trechos de acontecimentos vividos em pura assossiação livre. Parece-me às vezes que o sonho aparece como o contraponto, resposta à uma vida por hora fracassada, que não há muito para aproveitar, relatar. Mas por hora, ainda não sei o que de fato é sonho e o que é realidade e até onde se confunde essa fibra fina que Onetti constrói (ou desconstrói) entre os dois.
"Dizem que há diversas maneiras de mentir; mas a mais repugnante de todas é dizer a verdade, a verdade inteira, ocultando a alma dos fatos. Porque os fatos são sempre vazios, são recipientes que vão tomar a forma do sentimento que os preencha." (O narrador-personagem de O Poço, pg 37)
Em “Para uma tumba sem nome” (1959), a história de uma mulher, um homem, e um bode é desnovelada; tenta ser relatada de diversas formas, por diversos ângulos, para um médico que vai juntando seus cacos para compreendê-la e dá também a sua impressão, composição narrativa, sem nunca conseguir chegar à uma versão final. Mas o que importa saber da história de fato? É uma narrativa truncada, que não se encontra, com limites dissolvidos. Há a história dentro da história dentro da história. E por isso mesmo soa fascinante, e por isso mesmo o "lugar nenhum" como citei antes, uma dificuldade um pouco eletrizante: como sair desta coisa nebulosa? E por isso Faulkner, e por isso Kafka. Como descobrir quais os limites, se há limites, para quê limites?
"Não estou mandando que repare nisto ou naquilo; estou sugerindo, simplesmente. Quando lhe peço que repare em algo não o estou ajudando em nada a compreender a história; mas talvez essas sugestões sejam úteis para que se aproxime da minha compreensão da história, da minha história") (Jorge Malábia para o Médico em "Para uma Tumba sem Nome", pag 96)
O Poço / Para uma Tumba sem Nome
Juan Carlos Onetti
Editora Planeta Literário
168 páginas
Juan Carlos Onetti (1909 — 1994) foi um escritor uruguaio. Permaneceu muito tempo inédito, desconhecido (diria quase inóspito) no Brasil, tendo recentemente suas obras lançadas (em nosso português) em função de seu centenário de nascimento em 2009.
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segunda-feira, 8 de março de 2010
Vinte e quatro horas na vida de uma mulher - Stefan Zweig, Novela
Esta novela evoca completamente a paixão. A rotina de um hotel em Riviera (França) é quebrada após a chegada de um jovem bonito e simpático qual todos ficam encantados. Passados dois dias o jovem vai embora e leva com ele em fuga uma das hospedes - Madame Henriette - a qual acabara de conhecer. Inicia-se uma discussão entre todos no hotel por acharem um absurdo que esta possa ter abandonado marido e filhas por um homem que mal conhecia. O narrador-personagem, entretanto, faz questão de evidenciar os preconceitos alheios e argumentar que ela poderia muito bem ter fugido por uma paixão repentina e violenta. Uma senhora inglesa se interessa e parece entender as argumentações do narrador e o toma como confidente para contar 24h de sua vida em que foi completamente tomada pela paixão, as quais preenchem e descorrem o resto da novela. Assim Zweig evoca o fascínio da protagonista pelas mãos de um homem cativo pelo jogo: "o que me surpreendeu inicialmente de modo tão terrível foi sua febre, sua expressão loucamente apaixonada, este modo convulsivo de se estenderem e lutarem entre si. Compreendi ali imediatamente, era um homem cuja força transbordava e que concentrava toda sua paixão nas extremidades de seus dedos, para que esta não causasse a explosão de todo o seu ser." (Mrs C. em confissão ao narrador)
É impressionante o estado obsecado, intenso, explosivo, pálido (etc), com que são caracterizados os personagens em relação ao objeto de desejo. Ao buscar na memória o significado etimológico de 'paixão' lembro que se refere diretamente ao "sofrimento". (Paixão, do verbo latino, patior, que significa sofrer ou suportar uma situação difícil) Ou seja, dizer-se apaixonado é confessar, sem o saber, a disposição para o sofrimento. O ser mergulhado neste estado encontra-se encharcado, tomado, contra a sua vontade, por um objeto do qual afirma não poder se privar. Zweig molda de forma precisa (ou imprecisa já que falamos de paixão) o modo com que se move o sujeito confrontado pela paixão, chega a ser fúnebre vez ou outra - sim, são casos de vida e morte, do patético à tragédia, do fetichismo compulsivo do colecionador à fixação toxicomana, até o distanciamento da loucura. "A identidade fatal do apaixonado nada mais é do que: eu sou aquele que espera" diz Roland Barthes, e então, apaixonados, terminamos no exílio.
Vinte e Quatro horas na vida de uma mulher
Stefan Zweig
Ed Record
237 págs
(Além da história que dá nome ao título, este livro conta com mais duas novelas, "Confusão de Sentimentos" e "Declínio de um Coração")
Stefan Zweig (1881 - 1942) foi um escritor austríaco. Morou no Brasil, Petrópolis, em sua segunda metade da vida, onde se suicidou.
É impressionante o estado obsecado, intenso, explosivo, pálido (etc), com que são caracterizados os personagens em relação ao objeto de desejo. Ao buscar na memória o significado etimológico de 'paixão' lembro que se refere diretamente ao "sofrimento". (Paixão, do verbo latino, patior, que significa sofrer ou suportar uma situação difícil) Ou seja, dizer-se apaixonado é confessar, sem o saber, a disposição para o sofrimento. O ser mergulhado neste estado encontra-se encharcado, tomado, contra a sua vontade, por um objeto do qual afirma não poder se privar. Zweig molda de forma precisa (ou imprecisa já que falamos de paixão) o modo com que se move o sujeito confrontado pela paixão, chega a ser fúnebre vez ou outra - sim, são casos de vida e morte, do patético à tragédia, do fetichismo compulsivo do colecionador à fixação toxicomana, até o distanciamento da loucura. "A identidade fatal do apaixonado nada mais é do que: eu sou aquele que espera" diz Roland Barthes, e então, apaixonados, terminamos no exílio.
Vinte e Quatro horas na vida de uma mulher
Stefan Zweig
Ed Record
237 págs
(Além da história que dá nome ao título, este livro conta com mais duas novelas, "Confusão de Sentimentos" e "Declínio de um Coração")
Stefan Zweig (1881 - 1942) foi um escritor austríaco. Morou no Brasil, Petrópolis, em sua segunda metade da vida, onde se suicidou.
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010
Obsceno Abandono: Amor e Perda, Marilene Felinto, Novela
Marilene nesta novela abre o corte mais profundo e cavuca expondo todas as entranhas da personagem. Mergulha no chão chão chão fundo do abandono e dilacera tudo o que sente, é sangue, é sexo, é cortante, é doído e é infernal, terrível também. A personagem se abre toda em ódio, amor, abandono, brutalidade. Se entrega e se queixa de maneira completamente inteira - até assustadora. Dilacerar-se a partir do abandono do outro, da não correspondência, do absurdo de não tê-lo, da impotência, da injustiça, da... É disso que fala esta novela. É preciso abrir os olhos e esquecer-se dos preconceitos, clichês ou não, entender que os sentimentos são assim, feios, fundos, lindos, ridículos, absurdos, possessivos, egoístas até, aqui estão escancarados da forma mais crua e densa. Mergulhem-no, mergulhem-nos, mergulhem-se.
(escultura de camille claudel)
"Está machucando? - O doutor perguntou tão perto de mim que era erótico.
Tinha uma voz suave que me arrepiava.
- Se estiver doendo, levante a mão, está bem? Posso anestesiar, se você preferir.
"Doendo". Se ele soubesse o que é dor. Crateras e rombos e vazios e fisgadas de dores profundas era o que não me faltava, é o que não me falta.
O cuidado, a delicadeza, aquele fio de voz, tudo me dava vontade de chorar como uma menina. Por pouco eu não respondi:
- Anestesia, não. Eu vim aqui pra sentir dor física mesmo. Dessas de quando se abrem as crateras e se expõem os nervos inflamados dos dentes. Quero ver se, desse modo, me curo da outra, uma dor abstrata que estou sentindo não sei onde." Obsceno Abandono, pág 58
Obsceno Abandono: Amor e Perda
Marilene Felinto
Ed Record
80 págs
Marilene Felinto (1957) é uma escritora, tradutora, cronista, feminista, brasileira, de Recife.
(escultura de camille claudel)
"Está machucando? - O doutor perguntou tão perto de mim que era erótico.
Tinha uma voz suave que me arrepiava.
- Se estiver doendo, levante a mão, está bem? Posso anestesiar, se você preferir.
"Doendo". Se ele soubesse o que é dor. Crateras e rombos e vazios e fisgadas de dores profundas era o que não me faltava, é o que não me falta.
O cuidado, a delicadeza, aquele fio de voz, tudo me dava vontade de chorar como uma menina. Por pouco eu não respondi:
- Anestesia, não. Eu vim aqui pra sentir dor física mesmo. Dessas de quando se abrem as crateras e se expõem os nervos inflamados dos dentes. Quero ver se, desse modo, me curo da outra, uma dor abstrata que estou sentindo não sei onde." Obsceno Abandono, pág 58
Obsceno Abandono: Amor e Perda
Marilene Felinto
Ed Record
80 págs
Marilene Felinto (1957) é uma escritora, tradutora, cronista, feminista, brasileira, de Recife.
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