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terça-feira, 16 de agosto de 2011

Apuntes de una risa triste, conto, Hernán Rivera Letelier

Apuntes de una risa triste

Mi risa no sabe de peces de colores. siempre han sido grises sus pocos peces, rigurosamentes grises. Jamás han desplegado lienzo de oreja a oreja mi torpe risa; apenas un estirar de hocico leporino en mitad de un sueño, apenas un rictus de ángel idiota cuando río solo; apenas - nadie se mueve a engaños - la mueca de la Tragedia vueltas patas arribas en mis retratos. Menos todavía sabe de carcajadas mi enferma risa, de esas que al estallar hacen aletear el alma en torno a la cara. las suyas_ de estallar alguna vez-, sonarían como de una boca llena de piezas de oro o insondable de peledas encías: tal y cual deben resonar en los sótanos del cielo de las vésanicas carcajadas de dios riéndose de si mismo.





















- -- - traduzindo


Apontamentos de um riso triste

Meu riso não conhece peixes coloridos. Seus poucos peixes sempre foram cinzas, rigorosamente cinzas. Jamais exibiu um lenço de orelha à orelha meu riso torpe; apenas um estirar de focinho leporino na metade de um sonho, apenas um ricto de anjo idiota quando rio sozinho; apenas - ninguém se move por enganos - a careta da Tragédia envolta com as patas em cima dos meus retratos. Muito menos gargalhas conhece o meu riso enfermo, dessas que ao explodir fazem vibrar a alma ao redor da cara. As suas - explodindo alguma vez - soariam como de uma boca cheia de peças de ouro ou insondável de gengivas nuas: tal qual devem ressoar nos sótãos do céu as gargalhadas insanas de deus rindo de si mesmo.


(do livro de contos "Donde mueren los valientes", Hernán Rivera Letelier, ed. punto de lectura)

sábado, 22 de janeiro de 2011

Teoria das Cores - Herberto Helder, conto...

Era uma vez um pintor que tinha um aquário com um peixe vermelho. Vivia o peixe tranquilamente acompanhado pela sua cor vermelha até que principiou a tornar-se negro a partir de dentro, um nó preto atrás da cor encarnada. O nó desenvolvia-se alastrando e tomando conta de todo o peixe. Por fora do aquário o pintor assistia surpreendido ao aparecimento do novo peixe.
O problema do artista era que, obrigado a interromper o quadro onde estava a chegar o vermelho do peixe, não sabia que fazer da cor preta que ele agora lhe ensinava. Os elementos do problema constituíam-se na observação dos factos e punham-se por esta ordem: peixe, vermelho, pintor — sendo o vermelho o nexo entre o peixe e o quadro através do pintor. O preto formava a insídia do real e abria um abismo na primitiva fidelidade do pintor.

Ao meditar sobre as razões da mudança exactamente quando assentava na sua fidelidade, o pintor supôs que o peixe, efectuando um número de mágica, mostrava que existia apenas uma lei abrangendo tanto o mundo das coisas como o da imaginação. Era a lei da metamorfose.

Compreendida esta espécie de fidelidade, o artista pintou um peixe amarelo.


(do livro "Os Passos em Volta", Herberto Helder, ed. Assírio & Alvim)

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Quando já não era mais necessário - Marina Colasanti, Conto

"Beije-me", pedia ela no amor, quantas vezes aos prantos, a boca entreaberta, sentindo a língua inchar entre dentes, de inútil desejo.

E ele, por repulsa secreta sempre profundamente negada, abstinha-se de satisfazer seu pedido, roçando apenas vagamente os lábios no pescoço e o rosto. Nem se perdia em carícias, ou se ocupava em despir-lhe o corpo, logo penetrando, mais seguro no túnel das coxas do que no possível desabrigo da pálida pele possuída.

Com os anos, ela deixou de pedir. Mas não tendo deixado de desejar, decidiu afinal abandoná-lo, e à casa, sem olhar para trás, não lhe fosse demais a visão de tanto sofrimento.

Mão na maçaneta, hesitou porém. Toda a sua vida passada parecia estar naquela sala, chamando-a para um último olhar. E, lentamente, voltou a cabeça.

Sem grito ou suspiro, a começar pelos cabelos, transformou-se numa estátua de sal. Vendo-a tão inofensivamente imóvel, tão lisa, e pura, e branca, delicada como se translúcida, ele jogou-se pela primeira vez a seus pés.

E com excitada devoção, começou a lembê-la.

(extraído de Contos de amor rasgados, Marina Colasanti, Ed. Record)

domingo, 15 de agosto de 2010

trecho em "Notas de um candidato a suicídio" - Charles Bukowski

claro que não tem explicação para quem tem bom gosto e quem não tem. o que pra um homem é buceta, pra outro é masturbação. não consigo atinar com o motivo da popularidade de Faulkner, dos jogos de beisebol, Bob Hope, Henry Miller, Shakespeare, Ibsen, as peças de Tchekov. G. B. Shaw me faz bocejar do princípio ao fim. Tolstói, idem, Guerra e Paz, pra mim, é o maior fracasso desde O capote, de Gogol. de Mailer, já falei. Bob Dylan me dá impressão de canastronice, ao passo que Donovan parece ter classe mesmo. simplesmente não dá pra entender. boxe, futebol profissional, basquete, são coisas que têm dinamismo. O Hemingway do início era bom. Dos foi um garoto danado. Sherwood Anderson, de cabo a rabo. o Saroyan do início. tênis e ópera, podem ficar pra vocês. carros novos, quero que vão pro inferno. calcinha de nylon, argh. anéis, relógios, argh. Gorky bem no início. D. H. Lawrence é legal. Celine, sem dúvida alguma. ovos mexidos, porra. Artaud, quando fica inflamado. Ginsberg, às vezes. luta-livre - o quê??? Jeffers, lógico. e assim por diante, vocês sabem. quem tem razão? eu, claro. mas evidentemente que tenho.'

(do livro "Fabulário geral do delírio cotidiano. Ereções, ejaculações, exibicionismos - Parte II", Charles Bukowski,ed.J&PM)


segunda-feira, 22 de março de 2010

A Balada do Café Triste, Carson McCullers, Contos

(Railroad Sunset, 1929, Edward Hopper)

Depois de ler Carson McCullers, como em "O Coração é um Caçador Solitário", me invade uma espécie de sutileza, ternura, que não sei explicar. Seu olhar é de uma inocência quase infantil. Tem para com os que descreve um carinho e uma sensibilidade tão grande que nos faz olhar para o gesto mais feio com olhos menos severos, nos dá a possibilidade de reconciliar-se com aquilo que seria "intragável".

Nos sete contos deste livro, McCulleres, trás a visão mais sutil e humana de cada história, as quais fossem narradas por escritores só um pouquinho mais duros, perderiam completamente o encanto. Por exemplo, em "a balada do café triste", a forma com que descreve o amor da gigantesca e rude Srta. Amélia pelo corcunda Lymon que não media mais do que 1,10 metro de altura; ou no jeito com que descreve o Uísque feito pela Srta. Amélia que amenizava a vida de qualquer um daquela cidade nos fins do mundo; ou o também amor de um bandido inescrupuloso. Como não transformar os nossos olhos diante das deformidades, do grotesco, do inusual? Como não ter empatia para/com eles de forma tão natural e delicada sem que essa empatia nos soe estranha ou incômoda? É o que me parece quando a leio. Em "Wunderkind" principalmente e em "O transeunte" trás mais uma vez a sua paixão pelo piano que é também retratada de forma autobiografica na figura de Mick Kelly em "O Coração é um Caçador Solitário", o piano também descrito de forma incomum, nos transpõe quase como dentro da música, mesmo para quem não é familiar ao reino musical. Gosto especialmente de "Wunderkind" pela qualidade como são descritos os pequenos gestos, a mão de um professor de piano, seus dedinhos em movimento, os silêncios enormes que há entre o gesto e outro, dão uma enorme intensidade para o que com um descuido poderia se tornar raso.

Deforminades, meninos prodígio, alcoólotras, apaixonados obsessivos, transeuntes, bandidos, mentirosos, esquizofrênicos etc, sempre ao lado da minoria, são dessas pessoas que falam estas histórias, que com "um mínimo de palavras e um máximo de intensidade" como descreveu o C.F.Abreu, me remetem também à existência de McCullers, curta e intensa. Em dado momento de sua vida teve o seu lado esquerdo do corpo paralisado e já no fim, perto de sua morte aos 50 anos, escrevia deitada em sua cama com apenas um dos dedos. Talvez passe por aí a experiência, a visão tào dócil com que retrata os excluídos, a solidão etc.


"A srta. McCullers e talvez o sr. Faulkner são os únicos escritores depois da morte de D.H. Lawrence com uma sensibilidade poética original. Eu prefiro a srta. McCullers ao sr. Faulkner, porque ela escreve com mais clareza, e a prefiro a D.H. Lawrence porque ela não tem mensagem" Graham Green sobre Carson McCullers.


A Balada do Café Triste
Carson McCullers
Ed. José Olympio
191 págs



(ler sobre Carson McCullers nas postagens anteriores)

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Manual de Instruções, Julio Cortazar


A tarefa de amolecer diariamente o tijolo, a tarefa de abrir caminho na massa pegajosa que se proclama mundo, esbarrar cada manhã com o paralelepípedo de nome repugnante, com a satisfação canina de que tudo esteja em seu lugar, a mesma mulher ao lado, os mesmos sapatos e o mesmo sabor da mesma pasta de dentes, a mesma tristeza das casas em frente, do sujo tabuleiro de janelas de tempo com seu letreiro HÔTEL DE BELGIQUE.

Enfiar a cabeça como um touro apático contra a massa transparente em cujo centro bebemos café com leite e abrimos o jornal para saber o que aconteceu em qualquer dos cantos do tijolo de cristal. Resistir a que o ato delicado de girar a maçaneta, esse ato pelo qual tudo poderia se transformar, possa cumprir-se com a fria eficácia de um reflexo cotidiano. Até logo, querida. Passe bem.

Apertar uma colherinha entre os dedos e sentir seu latejar metálico, sua advertência suspeita. Como custa negar uma colherinha, negar uma porta, negar tudo o que o hábito lambe até dar-lhe uma suavidade satisfatória. Quanto mais simples é aceitar a fácil solicitação da colher, usá-la para mexer o café.

E não é mau que as coisas nos encontrem outra vez todo dia e sejam as mesmas. Que a nosso lado esteja a mesma mulher, o mesmo relógio e que o romance aberto em cima da mesa comece a andar outra vez na bicicleta de nossos óculos, por que haveria de ser mau? Mas como um touro triste é preciso baixar a cabeça, do centro do tijolo de cristal empurrar para fora, em direção ao outro tão perto de nós, inacessível como o toureiro tão perto do touro. Castigar os olhos fitando isto que anda no céu e aceita astuciosamente o nome de nuvem, sua resposta catalogada na memória. Não pense que o telefone vai lhe dar os números que procura. Por que haveria de dá-los? Virá somente o que você tem preparado e resolvido, o triste reflexo de sua esperança, esse macaco que se coça em cima de uma mesa e treme de frio. Quebre a cabeça desse macaco, corra do centro em direção à parede e abra caminho. Oh, como cantam no andar de cima! Há um andar em cima nesta casa, com outras pessoas. Há um andar de cima onde moram pessoas que não percebem seu andar de baixo, e estamos todos dentro do tijolo de cristal. E se, de repente, uma traça pára pertinho de um lápis e palpita como um fogo cinzento, olhe-a, eu a estou olhando, estou apalpando seu coração pequenino, e ouço-a: Essa traça ressoa na pasta de cristal congelado, nem tudo está perdido. Quando abrir a porta e assomar à escada, saberei que lá embaixo começa a rua; não a norma já aceita, não as casas já conhecidas, não o hotel em frente; a rua, a floresta viva onde cada instante pode jogar-se em cima de mim como uma magnólia, onde os rostos vão nascer quando eu os olhar, quando avançar mais um pouco, quando me arrebentar todo com os cotovelos e as pestanas e as unhas contra a pasta do tijolo de cristal, e arriscar minha vida enquanto avanço passo a passo para ir comprar o jornal na esquina.


Trecho inicial, extraído de “Histórias de Cronópios e Famas”, de Julio Cortázar