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segunda-feira, 7 de maio de 2012

O exílio do Imaginário, Roland Barthes

1. Tomo Werther nesse momento fictício (na própria ficção) em que ele teria renunciado a se suicidar. Só lhe resta então o exílio: não seria se afastar de Charlotte (ele já o fizera uma vez sem resultado), mas se exilar da sua imagem, ou pior ainda: interromper essaenergia delirante que se chama Imaginário. Começa então "uma espécie de longa isônia". Esse é o preço a pagar: a morte da imagem contra minha própria vida.


(A paixão amorosa é um delírio; mas o delírio não é estranho; todo mundo fala dele, ele fica então domesticado. O que é enigmático é a perda de delírio: se entra em quê?)


2. “No luto real, é a “prova de realidade” que me mostra que o objeto amado não existe mais. No luto amoroso o objeto não está morto, nem distante. Sou eu quem decido que a sua imagem deve morrer (e ele talvez nem saberá disso). Durante todo o tempo de duração desse estranho luto, terei que suportar duas infelicidades contrárias: sofrer com a presença do outro (continuando a me ferir à sua revelia) e ficar triste com a sua morte (pelo menos tal como eu o amava). Assim me angustio (velho hábito) por causa de um telefone que não toca, mas ao mesmo tempo devo me dizer que esse silêncio é de qualquer jeito inconseqüente, porque decidi elaborar o luto dessa preocupação: é a imagem amorosa que deve me telefonar; desaparecida essa imagem, o telefone, toque ou não, retoma sua existência fútil.


(O ponto mais sensível desse luto não será que devo perder uma linguagem - a linguagem amorosa? Acabaram os "Eu te amo".)

3. Quanto mais eu fracasso no luto da imagem, mais fico angustiado; mas, quanto mais eu consigo, mais me entristeço. Se o exílio do Imaginário é o caminho necessário para a “cura”, convenhamos que o progresso é triste. Essa tristeza não é uma melancolia, pois não me acuso de nada e não fico prostrado. Minha tristeza pertence a essa faixa de melancolia onde a perda do ser amado fica abstrata. Falta redobrada: não posso nem mesmo investir minha infelicidade, como no tempo em que eu sofria por estar apaixonado. Nesse tempo, eu desejava, eu sonhava, eu lutava; diante de mim havia um bem, apenas retardado, atravessado por contratempos. Agora, não há mais repercussão; tudo está calmo e é pior. Embora justificado por uma economia - a imagem morre para que eu viva – o luto amoroso tem sempre um resto: uma palavra volta sem parar: Que pena!”
 
 
4. Prova de amor: te sacrifico meu Imaginário — como se dedicava o corte de uma cabeleira. Assim talvez (pelo menos é o que dizem) terei acesso ao "verdadeiro amor". Se há alguma semelhança entre a crise amorosa e a cura analítica, elaboro então o luto de quem eu amo, como o paciente elabora o luto do seu analista: liquido minha transferência, e parece que, assim, a cura e a crise terminam.Entretanto, como já foi dito, essa teoria esquece que o analista também deve elaborar o luto do seu paciente (sem o que a análise corre o risco de não terminar nunca); do mesmo modo, o ser amado — se eu lhe sacrifico um Imaginário que estava entretanto grudado nele -, o ser amado deve entrar na melancolia de sua própria decadência. É preciso prever e assumir essa melancolia do outro ao mesmo tempo do meu próprio luto, e sofro, pois ainda o amo.
 
O ato verdadeiro do luto não é sofrer a perda do objeto amado; é constatar um dia o aparecimento de uma manchinha na pele da relação, sintoma de morte certa: pela primeira vez faço mal a quem amo, sem querer é claro, mas sem me desesperar.

5. Tento me soltar do Imaginário amoroso: mas o Imaginário queima por baixo, como um fogo mal apagado; cria brasa novamente; ressurge aquilo a que se renunciou; um longo grito irrompe bruscamente do túmulo mal fechado.


(Ciúmes, angústias, posses, discursos, apetites, signos, o desejo amoroso queimava de novo por todo lado. Era como se eu quisesse abraçar pela última vez, até a loucura, alguém que fosse morrer — para quem eu fosse morrer: eu procedia a uma recusa de separação.)


.....

trecho de Fragmentos de um Discurso Amoroso, Roland Barthes





de Egon Schiele

quarta-feira, 1 de junho de 2011

"Que é o amor? .... Baudelaire, poema

Que é o amor?
A necessidade de sair de si.
O homem é um animal adorador
Adorar é sacrificar-se e prostituir-se
Assim, todo amor é prostituição.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Conto de Fadas - Robert Desnos

Era uma vez e muitas outras
Um homem que amava uma mulher
Era uma vez e muitas outras
Uma mulher que amava um homem
Era uma vez e muitas outras
Uma mulher e um homem
Que não amavam aquele e aquela que os amava.

Era uma vez somente
Uma só vez talvez
Uma mulher e um homem que se amavam.

domingo, 12 de setembro de 2010

Paludes - André Gide

Pequeno romance para ler em uma tarde. A escrita lenta e ao mesmo tempo fluida (longe de algumas chatices do realismo) trás muito mais a sensação do que a significa do que a estrutura de um pensamento filosófico (que de fato há, mesmo que Gide nem o saiba). Parece de fato uma critica/sátira ao mundo simbolista de Paris que Gide frequentava, os grandes encontros entre literatos e intelectuais num retrato também de discussões modorrentas. Dizem que Gide, em sua vida, e em todas as suas obras esteve a procura de uma verdade interior onde pudesse se igualar à si mesmo; Paludes parece um prenúncio desta busca onde questiona a inércia e a falsa felicidade dos homens (que fecham os olhos para a sua infelicidade e não se movem). Em romances posteriores Gide parece se apoderar mais destes questionamentos ao falar sobre o "ato puro".

Paludes é também um exemplo de "reduplicação" na obra artística, já que o personagem-narrador do livro está justamente escrevendo um romance que se chama "Paludes" e ao citá-lo vez ou outra no livro não sabemos à qual dos dois romances (o que estamos lendo x o que o personagem escreve) o autor está se referindo. Uma situação parecida ocorre em "Os Moedeiros Falsos" de Gide em que o personagem também escreve um romance homônimo.

Prefácio de Gide para o livro:

"Antes de explicar meu livro aos outros, espero que outros mo expliquem. Querer explicá-lo primeiro é limitar-lhe desde já o sentido; pois se sabemos o que queríamos dizer, não sabemos se estávamos dizendo apenas isso. Sempre dizemos mais do que ISSO. E o que me interessa acima de tudo é o que eu coloquei nele sem saber, essa parte de inconsciente, que gostaria de chamar a parte de Deus. Um livro é sempre uma colaboração, e o livro vale tanto mais, quanto menor é a parte do escriba e maior a participação de Deus. Esperemos de todos os lados a revelação das coisas; do público, a revelação de nossas obras."


Paludes
André Gide
Ed. Nova Fronteira
125 págs


domingo, 18 de julho de 2010

L'accent grave - Jacques Prevért

Le professeur
Élève Hamelet!

L'élève Hamelet (sursautant)
...Hein... Quoi... Pardon... Qu'est-ce qui se passe...
Qu'est-ce qu'il y a ... Qu'est-ce que c'est?...

Le professeur (mécontent)
Vous ne pouvez pas répondre "présent" comme tout le monde ? Pas possible, vous êtes encore dans les nuages.

L'élève Hamelet
Être ou ne pas être dans les nuages!

Le professeur
Suffit. Pas tant de manières. Et conjuguez-moi le verbe être, comme tout le monde, c'est tout ce que je vous demande.

L'élève Hamelet
To be...

Le professeur
En Français, s'il vous plaît, comme tout le monde.

L'élève Hamelet
Bien, monsieur. (il conjugue:)
Je suis ou je ne suis pas
Tu es ou tu n'es pas
Il est ou il n'est pas
Nous sommes ou nous ne sommes pas...

Le professeur (excessivement mécontent)
Mais c'est vous qui n'y êtes pas, mon pauvre ami !

L'élève Hamelet
C'est exact, monsieur le professeur,
Je suis "où" je ne suis pas
Et dans le fond, hein, à la réflexion,
Être ou ne pas être
C'est peut-être la question.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Uma vez - Paul Celan, poesia

Uma vez, estando a Morte repleta de clientes,
tu em mim te abrigaste.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

A Porta Estreita, André Gide, Romance

Não me lembro de ter chorado em outro livro como me lembro de ter chorado nesse. Conheci-o mais por destino(?) do que por acaso. De alguns tempos pra cá eu vinha encontrando diversas citações de André Gide em diferentes livros, na maioria de meus autores preferidos. Na mesma época ganhei por coincidência dois livros dele no original em francês, mas impossíveis de ler ainda para minha pouca compreensão dessa língua. Fiquei tão curiosa para lê-los que passei os dois meses seguintes e outros intercalados procurando algum de seus livros em português despreocupadamente nas livrarias. Ao não ter nenhum êxito me esquecia por um tempo deles até que me deparava mais uma vez com os benditos livros em francês na estante e recomeçava a busca. Da última vez em que me deparei com eles empenhei-me em não esquecê-los e na mesma hora fui atrás de vários sebos a sua procura. Enfim consegui meu primeiro exemplar em português, A Porta Estreita. Talvez possa dizer que esse livro seja mais uma leitura de inverno do que uma leitura de verão (Acaso isso existe?). Me impressionou muito com seu aspecto leviano e ao mesmo tempo triste, pesado. Aliás, é exatamente assim que a história se passa, numa mistura de paixão louca entre dois primos no fim do século 19, início do 20, e um puritanismo enorme dado à moral daquela época. O romance se arrasta e agoniza o leitor que não sabe que às veses a única solução para o amor é esperar.

André Gide (Paris, 22 de novembro de 1869 - 19 de fevereiro de 1951) foi um escritor francês, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 1947. Originário de uma família da alta burguesia, foi o fundador da Editora Gallimard e da revista Nouvelle Revue Française.