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Seguro e feliz.
Assim me sinto, assim sempre foi.
Quente e protegido na úmida escuridão rubra.
Ruídos distantes e familiares acariciam meus ouvidos.
Ouço o insistente som do tambor.
A paz é velha conhecida, e sempre bem-vinda.
De repente, sinto algo diferente.
Algo novo.
Uma estranha força me puxa, tentando me tirar da segurança.
Tentando me arrancar da morna paz.
Luto para impedir, mas é mais forte que eu.
O frio é acompanhado de ruídos estranhos.
Sinto uma perda angustiante.
O som do tambor sumiu.
Cores nunca vistas dançam desordenadas.
O líquido quente de meus pulmões é violentamente substituído pelo frio desconhecido.
Nada entendo, mas posso vislumbrar uma luz intensa.
Quero tocá-la. Grito. Choro.
Estico desajeitado os pequenos braços.
A luz me pega no colo e me aquece.
A luz sorri, e o som do tambor novamente eu ouço.
Estou bem de novo.
Seguro e feliz.
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sábado, 18 de agosto de 2007
segunda-feira, 18 de junho de 2007
A CAIXA DE PANDORA
Escrito por
Wilson R.
Sem contar a maneira estúpida e autodestrutiva como o Homem vem se tratando há muito tempo (atualmente, o presidente estadunidense é o maior exemplo disso), a humanidade apresenta um mal muito maior, que não ganha diariamente as manchetes dos noticiários por não dar ibope: o egoísmo de pequenos idiotas mesquinhos.
Por esses dias, estava eu no folclórico Bar do Va-va (está escrito assim mesmo) em companhia do pessoal de sempre: trabalhadores em final de expediente. Professores, carcereiros, vendedores, operários, advogados, engraxates, enfim, pessoas procurando tirar a poeira da garganta acumulada após um dia de trabalho. Cervejinha daqui, cervejinha de lá, um dos presentes (que não vou citar o nome por pura piedade) comentou um incidente com seu animal de estimação. Disse ele: “Meu filho entrou correndo dizendo que o cachorro tinha derrubado um motoqueiro entregador de gás. Eu corri e vi o rapaz caído e desacordado. Levantei-o e dei-lhe alguns tapinhas no rosto para que acordasse...”. Nesse momento, eu o interrompi. Perguntei como ele pode cometer tamanha imprudência, pois o correto é não mexer no acidentado até que chegue o resgate. Para meu espanto, o dito cujo respondeu-me: “Que resgate, o quê? Não deixei que chamassem. Ficou louco? Já imaginou a complicação que poderia dar para mim?”. Diante de tal argumento, achei melhor calar-me para não faltar com o respeito e mandá-lo para algum lugar distante e pouco recomendável.
Esse acontecimento seria apenas deplorável se não fosse tão comum. As pessoas estão preocupadas apenas com os próprios interesses e são raros aqueles que realmente se preocupam com o bem estar do próximo. Essas pessoas freqüentam seus templos religiosos, dão esmolas para crianças quando tem gente olhando, falam sobre Deus ou Nossa Senhora e quando a vida (eu disse: A VIDA!) de outra pessoa depende de um pequeno ato seu, simplesmente fingem que não estão vendo. E não é preciso ser um “cagão” que não chama socorro para um acidentado para inserir-se na qualificação de néscio egoísta. Políticos fazem isso com milhares de pessoas ao mesmo tempo, ao aprovarem, por exemplo, o aumento de tarifas de um transporte (o coletivo) que é extremamente deficiente. Não levam em conta que o cidadão depende do ônibus inclusive para levar seus filhos para enfrentar as intermináveis filas de postos de saúde, também precários por culpa deles. Eu gastaria terabytes para citar as inúmeras irresponsabilidades administrativas cometidas pelos políticos, governantes ou não (bingos, pensões alimentícias, construtoras fantasmas, cassa daqui, cassa de lá) e ainda sobraria assunto aos montes. O fato é: os políticos estão preocupados apenas com os próprios vencimentos e com o que fazer para serem bem votados nas próximas eleições.
Da caixa de Pandora saíram todas as desgraças do mundo: governantes loucos, políticos desonestos, empresários incompetentes e pessoas que se recusam a ajudar alguém que pode ficar aleijado ou morrer, apenas por sua ignorância suspeitar que podem “meter-se em encrencas”.
Mas o que podemos fazer? Conseguiremos um dia mudar isso?
Ah! Bela Pandora. Ainda bem que guardaste em tua caixa a ESPERANÇA.
sexta-feira, 18 de maio de 2007
O ESPÍRITO DO JAGUAR
Escrito por
Wilson R.
A estalagem “Porco do mato” tem esse nome por dois motivos: primeiro, é suja e fica no meio da floresta amazônica, em algum ponto entre o Brasil e a Bolívia; segundo, seu proprietário é grande, sujo e violento – exatamente como um porco-do-mato. Aliás, ele responde orgulhosamente pela alcunha de “Grande Porco”.
A chuva torrencial vence parcialmente sua batalha secular contra o calor dos trópicos e o véu da noite envolve a selva. Algumas dezenas de homens – garimpeiros, seringueiros e pequenos traficantes – entretêm-se com bebidas, cigarros e conversa fiada.
O ruído da chuva aumenta quando a porta da estalagem é vagarosamente aberta e um homem de pequena estatura entra, trajando peles e ostentando uma espessa barba grisalha. Apesar da aparente idade avançada, o visitante caminha com a leveza e a elegância de um garoto. Senta-se lentamente a uma mesa e acena para o estalajadeiro. Este se aproxima, com seus costumeiros maus modos, e pergunta:
– Tem dinheiro, forasteiro?
– Não! – responde o homem – Mas estou disposto a pagar com trabalho.
– Não preciso de ajuda.
– Então, posso contar uma história.
– E o que garante que é uma boa história?
– Se não gostar, poderá me espancar.
O dono da estalagem sorri, perverso. As dúzias de homens presentes fazem chacota.
– Pois bem. Então conte a história.
– Primeiro, traga-me uma garrafa.
Ao sinal do “Grande Porco”, uma jovem negra traz uma garrafa de aguardente e um copo. O velho observa a bela garota e seus olhos ficam marejados de lágrimas. Enche o copo, bebe um grande gole e começa:
“Há incontáveis gerações, quando as ilhas flutuantes finalmente se uniram formando a América Central, homens, animais e deuses caminhavam lado a lado. A nova ponte entre as Américas gerou mudanças de toda sorte, mas o maior impacto foi o encontro de espécies, até então desconhecidas entre si.
Nessa época viveu Wan’sel, um grande leão-da-montanha, poderoso líder de seu bando – sim, porque naqueles dias os grandes felinos andavam em bandos. Wan’sel tinha um grande harém com as mais belas e saudáveis felinas do norte. Seus descendentes chegavam às centenas e ele era muito feliz.
Porém, havia coisas que o intrigavam. Ele notava que os homens adoravam os deuses, apesar de serem idênticos entre si. Se havia alguma diferença entre as divindades e os humanos, o grande puma não a notava.
Certo dia, ele percebeu que havia todo um novo mundo para ser explorado, e seus olhos verdes brilharam com a expectativa de aventura.
Enfim, Wan’sel resolveu explorar a nova terra criada pelas ilhas errantes e enveredou-se em uma longa jornada pela América Central. Caminhou meses a fio vendo seres que nunca havia visto. Caçou animais estranhos – e saborosos – e bebeu de rios maiores que as estepes do norte.
Assim foi, até que uma noite ele a viu. Uma felina, sem dúvida, mas sua beleza era indescritível. O luar refletia em sua pelagem negra, enquanto ela lambia suas patas, com uma sensualidade profana.
Sorrateiro, Wan’sel aproximou-se da bela pantera negra e perguntou:
– Quem é você?
– Juna’ili – ela respondeu.
– Por que você tem sobre si o véu da noite?
– Por que você porta o brilho do sol?
E se aproximaram e se amaram. Pela manhã, Wan’sel despertou e não encontrou Juna’ili. Frustrado, ele continuou sua jornada.
Certo dia, encontrou uma grande aldeia de homens e ficou ao longe, observando horrorizado como aqueles macacos pelados sacrificavam barbaramente animais aos seus deuses. Ele não conseguia entender como a morte de uma criatura poderia servir para alguma coisa, além de aplacar a fome do matador. Em meio à fumaça e aos toques frenéticos do tambor, Wan’sel viu sua doce Juna’ili sendo carregada, amarrada pelas patas a um pau. Era óbvio que estava sendo preparada para o sacrifício em favor dos deuses dos homens, que observavam satisfeitos os atos de covardia de seus seguidores.
Num ímpeto que supera o instinto e a razão – chamado amor – Wan’sel invadiu a aldeia e avançou sobre os algozes de sua amada. No primeiro instante, tomados de surpresa, humanos e deuses caíram por terra, vitimados pelas furiosas presas e garras do leão-da-montanha. Wan’sel conseguiu, com seus dentes, libertar Juna’ili e ambos travaram uma feroz batalha contra os humanos e seus deuses.
Porém, a superioridade numérica e o uso de armas logo mudaram o rumo dos acontecimentos e tanto Wan’sel como Juna’ili foram dominados. Em meio a seus mortos, os homens gritavam para seus deuses mesquinhos como iriam vingar os seus, imolando os felinos.
– Sabia que não era possível vencer – disse Juna’ili – Por que deu sua vida para me salvar?
– Não lhe dei nada que já não fosse seu – respondeu Wan’sel.
– Eu também tenho algo seu – a pantera olhou para o abdome, já proeminente.
Numa explosão de fúria, Wan’sel libertou-se e atacou seus captores. Mas foi em vão. Inúmeras lanças e flechas o atingiram e ele caiu, moribundo.
Juna’ili rosnou enlouquecida, enquanto era levada até o lado de Wan’sel, já quase sem vida. Num gesto que pretendia ser cruel, ela seria sacrificada ao lado dele. Os homens levantaram suas lanças e os deuses abriram um largo sorriso perverso.
De súbito, os céus gritaram na língua primal do trovão e a figura gigantesca de Tupã se fez presente. Abraçada a ele, a linda Jaci trazia lagos de lágrimas nos olhos.
– Malditos! – vociferou Tupã.
A um gesto seu, homens e deuses foram incinerados instantaneamente. Jaci tomou Wan’sel nas mãos e o acariciou.
– Por quê? – perguntou o puma.
– Não sabemos – respondeu Jaci.
– Mas vocês são deuses...
– Somos bem mais que isso. Mas as ações dos homens são um mistério para nós.
– Onde está Juna’ili?
A negra pantera aproximou-se, lambendo carinhosamente os olhos de Wan’sel. Suplicou:
– Não parta. Quero que você viva.
– Sabe que não é possível.
– Quero ir com você.
– Sabe que não é possível.
– Mas eu preciso estar eternamente com você.
Tupã interompeu:
– Isso é possível. Se tu quiseres e tiveres coragem.
Juna’ili acenou com a cabeça, concordando.
Tupã levantou o braço e pegou uma estrela do céu. Retirou do útero de Juna’ili um felino pelado. Do puma, ele extraiu o pêlo dourado e cobriu o pequeno rebento. Os buracos das flechas ele preencheu com pedaços retirados da pantera. Como não poderiam suportar as agruras, Wan’sel e Juna’ili morreram. Suas almas foram unidas à estrela e devolvidas ao céu, onde brilham eternamente.
Tendo nas mãos o pequeno filhote pintado, Tupã sentenciou:
– Tu, criatura, és o primeiro de tua espécie. Serás belo, forte e feroz como teus pais e tua semente predominará sobre tuas fêmeas. Porém, a cada dez anos, caminharás entre os homens como um deles, na tentativa de entender a razão de sua loucura. Um dia haverá muitos de tua espécie, mas teu espírito será apenas um”.
O profundo silêncio da estalagem “Porco do Mato” sobressai-se à própria tempestade. O velho continua:
– Então, até os dias de hoje, o espírito do jaguar caminha entre nós, a cada dez anos, tentando entender como pode haver criaturas tão estúpidas como os humanos.
O dono da estalagem grita, pegando forte o forasteiro pelo braço:
– Chama-me de estúpido?
A resposta do velho tem a forma de longos dentes pontiagudos, e um rosnado ameaçador parte de sua garganta. Imediatamente ele o larga, como quem larga um ferro em brasa.
O homem velho se levanta e caminha até a porta. Antes de sair, volta-se para a platéia silenciosa e diz:
– Hoje, tanto os pumas quanto as panteras não andam mais em bandos. Todos os leões-da-montanha procuram, solitários, por sua Juna’ili e todas as panteras negras aguardam, ansiosas, por seu Wan’sel.
A porta é fechada quando o velho ganha a escuridão úmida da noite.
Vencendo o torpor que os dominava, um pequeno grupo de homens corre para fora. Tudo o que podem ver são as marcas de patas felinas banhadas pela chuva.
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A chuva torrencial vence parcialmente sua batalha secular contra o calor dos trópicos e o véu da noite envolve a selva. Algumas dezenas de homens – garimpeiros, seringueiros e pequenos traficantes – entretêm-se com bebidas, cigarros e conversa fiada.
O ruído da chuva aumenta quando a porta da estalagem é vagarosamente aberta e um homem de pequena estatura entra, trajando peles e ostentando uma espessa barba grisalha. Apesar da aparente idade avançada, o visitante caminha com a leveza e a elegância de um garoto. Senta-se lentamente a uma mesa e acena para o estalajadeiro. Este se aproxima, com seus costumeiros maus modos, e pergunta:
– Tem dinheiro, forasteiro?
– Não! – responde o homem – Mas estou disposto a pagar com trabalho.
– Não preciso de ajuda.
– Então, posso contar uma história.
– E o que garante que é uma boa história?
– Se não gostar, poderá me espancar.
O dono da estalagem sorri, perverso. As dúzias de homens presentes fazem chacota.
– Pois bem. Então conte a história.
– Primeiro, traga-me uma garrafa.
Ao sinal do “Grande Porco”, uma jovem negra traz uma garrafa de aguardente e um copo. O velho observa a bela garota e seus olhos ficam marejados de lágrimas. Enche o copo, bebe um grande gole e começa:
“Há incontáveis gerações, quando as ilhas flutuantes finalmente se uniram formando a América Central, homens, animais e deuses caminhavam lado a lado. A nova ponte entre as Américas gerou mudanças de toda sorte, mas o maior impacto foi o encontro de espécies, até então desconhecidas entre si.
Nessa época viveu Wan’sel, um grande leão-da-montanha, poderoso líder de seu bando – sim, porque naqueles dias os grandes felinos andavam em bandos. Wan’sel tinha um grande harém com as mais belas e saudáveis felinas do norte. Seus descendentes chegavam às centenas e ele era muito feliz.
Porém, havia coisas que o intrigavam. Ele notava que os homens adoravam os deuses, apesar de serem idênticos entre si. Se havia alguma diferença entre as divindades e os humanos, o grande puma não a notava.
Certo dia, ele percebeu que havia todo um novo mundo para ser explorado, e seus olhos verdes brilharam com a expectativa de aventura.
Enfim, Wan’sel resolveu explorar a nova terra criada pelas ilhas errantes e enveredou-se em uma longa jornada pela América Central. Caminhou meses a fio vendo seres que nunca havia visto. Caçou animais estranhos – e saborosos – e bebeu de rios maiores que as estepes do norte.
Assim foi, até que uma noite ele a viu. Uma felina, sem dúvida, mas sua beleza era indescritível. O luar refletia em sua pelagem negra, enquanto ela lambia suas patas, com uma sensualidade profana.
Sorrateiro, Wan’sel aproximou-se da bela pantera negra e perguntou:
– Quem é você?
– Juna’ili – ela respondeu.
– Por que você tem sobre si o véu da noite?
– Por que você porta o brilho do sol?
E se aproximaram e se amaram. Pela manhã, Wan’sel despertou e não encontrou Juna’ili. Frustrado, ele continuou sua jornada.
Certo dia, encontrou uma grande aldeia de homens e ficou ao longe, observando horrorizado como aqueles macacos pelados sacrificavam barbaramente animais aos seus deuses. Ele não conseguia entender como a morte de uma criatura poderia servir para alguma coisa, além de aplacar a fome do matador. Em meio à fumaça e aos toques frenéticos do tambor, Wan’sel viu sua doce Juna’ili sendo carregada, amarrada pelas patas a um pau. Era óbvio que estava sendo preparada para o sacrifício em favor dos deuses dos homens, que observavam satisfeitos os atos de covardia de seus seguidores.
Num ímpeto que supera o instinto e a razão – chamado amor – Wan’sel invadiu a aldeia e avançou sobre os algozes de sua amada. No primeiro instante, tomados de surpresa, humanos e deuses caíram por terra, vitimados pelas furiosas presas e garras do leão-da-montanha. Wan’sel conseguiu, com seus dentes, libertar Juna’ili e ambos travaram uma feroz batalha contra os humanos e seus deuses.
Porém, a superioridade numérica e o uso de armas logo mudaram o rumo dos acontecimentos e tanto Wan’sel como Juna’ili foram dominados. Em meio a seus mortos, os homens gritavam para seus deuses mesquinhos como iriam vingar os seus, imolando os felinos.
– Sabia que não era possível vencer – disse Juna’ili – Por que deu sua vida para me salvar?
– Não lhe dei nada que já não fosse seu – respondeu Wan’sel.
– Eu também tenho algo seu – a pantera olhou para o abdome, já proeminente.
Numa explosão de fúria, Wan’sel libertou-se e atacou seus captores. Mas foi em vão. Inúmeras lanças e flechas o atingiram e ele caiu, moribundo.
Juna’ili rosnou enlouquecida, enquanto era levada até o lado de Wan’sel, já quase sem vida. Num gesto que pretendia ser cruel, ela seria sacrificada ao lado dele. Os homens levantaram suas lanças e os deuses abriram um largo sorriso perverso.
De súbito, os céus gritaram na língua primal do trovão e a figura gigantesca de Tupã se fez presente. Abraçada a ele, a linda Jaci trazia lagos de lágrimas nos olhos.
– Malditos! – vociferou Tupã.
A um gesto seu, homens e deuses foram incinerados instantaneamente. Jaci tomou Wan’sel nas mãos e o acariciou.
– Por quê? – perguntou o puma.
– Não sabemos – respondeu Jaci.
– Mas vocês são deuses...
– Somos bem mais que isso. Mas as ações dos homens são um mistério para nós.
– Onde está Juna’ili?
A negra pantera aproximou-se, lambendo carinhosamente os olhos de Wan’sel. Suplicou:
– Não parta. Quero que você viva.
– Sabe que não é possível.
– Quero ir com você.
– Sabe que não é possível.
– Mas eu preciso estar eternamente com você.
Tupã interompeu:
– Isso é possível. Se tu quiseres e tiveres coragem.
Juna’ili acenou com a cabeça, concordando.
Tupã levantou o braço e pegou uma estrela do céu. Retirou do útero de Juna’ili um felino pelado. Do puma, ele extraiu o pêlo dourado e cobriu o pequeno rebento. Os buracos das flechas ele preencheu com pedaços retirados da pantera. Como não poderiam suportar as agruras, Wan’sel e Juna’ili morreram. Suas almas foram unidas à estrela e devolvidas ao céu, onde brilham eternamente.
Tendo nas mãos o pequeno filhote pintado, Tupã sentenciou:
– Tu, criatura, és o primeiro de tua espécie. Serás belo, forte e feroz como teus pais e tua semente predominará sobre tuas fêmeas. Porém, a cada dez anos, caminharás entre os homens como um deles, na tentativa de entender a razão de sua loucura. Um dia haverá muitos de tua espécie, mas teu espírito será apenas um”.
O profundo silêncio da estalagem “Porco do Mato” sobressai-se à própria tempestade. O velho continua:
– Então, até os dias de hoje, o espírito do jaguar caminha entre nós, a cada dez anos, tentando entender como pode haver criaturas tão estúpidas como os humanos.
O dono da estalagem grita, pegando forte o forasteiro pelo braço:
– Chama-me de estúpido?
A resposta do velho tem a forma de longos dentes pontiagudos, e um rosnado ameaçador parte de sua garganta. Imediatamente ele o larga, como quem larga um ferro em brasa.
O homem velho se levanta e caminha até a porta. Antes de sair, volta-se para a platéia silenciosa e diz:
– Hoje, tanto os pumas quanto as panteras não andam mais em bandos. Todos os leões-da-montanha procuram, solitários, por sua Juna’ili e todas as panteras negras aguardam, ansiosas, por seu Wan’sel.
A porta é fechada quando o velho ganha a escuridão úmida da noite.
Vencendo o torpor que os dominava, um pequeno grupo de homens corre para fora. Tudo o que podem ver são as marcas de patas felinas banhadas pela chuva.
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