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sexta-feira, 29 de março de 2013

Meu nome todo


Do começo ao fim,
me pronunciou:
Nome Sobrenome.

Da sua boca
ao pé do meu ouvido.
Era eu mesma.

Não me doeu
seus olhos inteiros
sobre mim.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Respirando


Sabe quando a gente lembra que estamos sempre respirando? Quase nunca. Percebi isso ao vê-la morrer. Sabia o que estava acontecendo, sabia que seriam seus últimos goles de ar, acordei naquela manhã sabendo. Cada inspiração e expiração gastava mais tempo do mundo, as maiores pausas, até parar de vez. Soube imediatamente o que tinha acabado de acontecer: ela morreu. Então era assim que acontecia. Seu pulmão não mais buscava ar, seu diafragma aquietava-se pela primeira vez em décadas, seu coração parou. E o sangue nas veias não mais circularia, era tanto sangue e tanta veia. Aquele calor produzido continuamente por todos esses anos rapidamente se dissipara para o ambiente, era daquele quarto agora, não mais dela. Perdeu seu calor.

Perdeu também seu sufoco, mas foram com ele os sorrisos. Com o ar, foi-se a voz. Logo mais iriam também os carbonos. Voltariam pra terra, ela ficaria feliz com isso.

Mas morto amado nunca mais pára de morrer, aprendi isso logo. Admirava minha mãe morta na cama, e daquele segundo em diante não sabia mais o que fazer. Morri também, mas fiquei aqui. Recomecei: eu respiro, ela não. Quanto tempo fico na cama ao seu lado? O que faço entre o acordar e o dormir? Quando o tempo é doloroso - não porque você dói enquanto ele passa, mas porque ele, em si, te causa agudo desconforto com todos esses minutos e horas jogados nas suas mãos, e você, perdida, não sabe como fazê-los sumir - aí sim é dor de tempo.

Era morta a mãe, tentava entender aquilo. E seu peito não mais subia com o pulmão inflado, claro, está morta, não respira mais. Não se percebia mais o batimento cardíaco na sua jugular, claro, está morta, não bate mais. Toquei em sua perna, agora fria, claro, o sangue não te esquenta mais. A gente nunca lembra que é quente, só quando fica frio. Quis tirar o algodão de suas narinas, poderia sufocar. A morta? Morto não morre sufocado.

Desde então fui aprendendo a reaprender, sempre, o já sabido. A admirar-me com o esperado. E a enterrá-la mais de uma vez por dia.

domingo, 29 de abril de 2012

Egocentrismo, vol. I


- Já é seu aniversário novamente?
- É sim.
- Como o tempo passa rápido! Parece que ainda ontem eu era apenas um bebê.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

poeminha infantil


Se frágil estou
culpa minha foi

Me convenci
que garanhão és
e bobinha sou

terça-feira, 29 de novembro de 2011

se eu escrevesse

colocaria aqui no papel um pouco do que tenho sentido. ficaria para a eternidade, compartilharia com amigos e desconhecidos. talvez escrevesse de maneira que até eu compreendesse, ou talvez ajudasse alguém a entender sentimentos-irmãos.

se eu escrevesse, estaria mais perto de compor um conto brilhante! ou quem sabe, num futuro mais próximo, esse conto participasse de um livro. se eu escrevesse, poderia escrever um livro. também faria com que outras pessoas soubessem de tanto que fica escondido nos bom dia, boa tarde e boa noite dos nossos dias, tardes, noites. se eu escrevesse, talvez inventasse uma palavra que ninguém jamais ouviu; quem sabe, talvez, até mesmo uma metáfora inteira nova, uma letra de música, uma onomatopéia brilhante, rapagabum. se eu escrevesse, poderia entender melhor porque meu peito aperta, minha cabeça dói, e às vezes meu ombro pesa. talvez até meu intestino trabalhasse melhor, seria minha escrita capaz de tanto? a dor ficaria bonita, do dia sairia poesia, a alegria causaria riso. os leitores talvez até imaginariam meu perfil, mais bonito que o real, enquanto mirava para baixo, pensativa. será?

se eu escrevesse, você leria, e a gente talvez se entenderia. será?

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

gestação

Eleanor Davis

gesta-se a si mesma, indo contra a ideia de natureza do homem. e, dentro do inesperado, pare-se a si mesma, inúmeras vezes. são esses os ciclos da vida - dessa vez, no seu dentro. está no 105o trimestre de gestação (o relógio não zera a cada parto), e é gestante e feto. deve precisar e prover, ao mesmo tempo. possui a delicadeza e fragilidade do bebê que está por vir, e a força da mãe, que segura seus kilogramas e divide seu corpo, suas cavidades e seus órgãos, com outro ser (quanta intimidade). possui a força do feto (que se permite frágil), e a fragilidade da mãe (que se cansa como forte). coexistem.

domingo, 29 de maio de 2011

Falaria sobre a morte algumas bobagens

Eu mal sabia o que era a morte a uns anos atrás. Poderia classificá-la entre os mitos e fábulas aos quais ouvíamos atentos, sentados em roda. Me contaram sobre o curupira, o saci-pererê, e que um dia a vida de todos teria um fim. Em conformidade às autoridades, acreditei. Mas, em segredo, duvidava, não havia como não duvidar. Eu presenciava tanta vida ao meu redor: eu só crescia, e meus pais sempre iguais. A horta crescia, meus irmãos se graduavam, eu ia para a segunda-série (e até onde minha vista alcançava eu tinha muitas séries a cumprir). A vida aparentemente era eterna, e seguia para algum lugar grandioso. A lista de compras sempre cheia, almoço sempre na mesa.

Até que enterramos meu vô Jorge, meu querídissimo vô Jorge. Era parte da minha vida chegar em sua casa nos finais de semana, e à primeira vista de minha presença, o velho Jorge ia logo ao seu quintal, lindo e florido, catar um vistoso maço de espinafre para mim e me presentear nutrientes para a semana toda. Eu não gostava de comer, e bolinhos de espinafre com banana eram um dos meus poucos quitutes preferidos. Na minha família, comida e amor são o mesmo.
Enterramos o vô, então entrei num mundo antes completamente desconhecido. Eu desconhecia todo e qualquer ritual acerca da morte. Aprendi que o certo seria dar os pêsames (e recebê-los de tantos desconhecidos). Meu pai e meus tios tinham tantas coisas a resolver, tanto seguia a morte. Avisar os familiares, ligar para a funerária, pagar (como pobre faz pra morrer?). Eu não sabia o que era um velório, e quando descobri achei bem macabro. Entre um cafezinho e outro, ficamos horas sentados ao redor do corpo do meu avô. No interior de Minas Gerais ainda se contrata carro de som para fazer anúncios pela cidade, e enquanto íamos resolver coisas de funerária, cartório, e outras burocracias inoportunas, cruzávamos com um chevette velho dizendo em alto e bom som: meu avô era morto.
Seguimos em procissão até o cemitério, pelas ruas da cidade que meu vô conheceu menino, meu pai ajudando a carregar o caixão, e então vi meu pai chorar a morte do seu. Pela primeira vez aquilo não me dizia respeito, meu pai não me dizia respeito: era apenas um filho, recém-órfão de um pai. O que aconteceria depois daquilo, eu não sabia. Somente acompanhava a procissão, então o caixão foi coberto por concreto. Nada daquela terra bonita de cemitério de filme - ali era cheio, quente e cimentado. Uma família inteira chorando e um trabalhador concretando meu avô para sempre. Ao final, viramos nossas costas ao meu avô, meu vaqueiro e vô Jorge, e fomos pra casa do vô, sem o vô. Ver aquele concreto cobri-lo e virar as costas foi das coisas mais difíceis que fiz.

Depois perdi minha vó, meu outro vô, minha amiga e minha mãe. Aquilo que não conhecia até então se tornou minha vida; a morte era a minha vida, e eu convivia com ela diariamente. Cada ida ao hospital, cada resultado desanimador de exames repetidos, tudo era um pedaço da morte que se aproximava. Há uma certa facilidade em viver a morte quando esta é óbvia; outra história é vivê-la em vida, em conjunto. Eu e minha mãe vivíamos sua morte, ao mesmo tempo em que aproveitávamos tudo que sua maquinaria metabólica, enquanto funcional, nos permitia: abraços, eu te amos, noites estreladas nas areias de Pernambuco. Trocamos palavras de carinho e conforto, manhãs de domingo, e em cada gesto nosso lia-se amor. Aliás, sentia-se amor, físico. Com sua morte redescobrimos a vida, e a dividimos por alguns dolorosos e bonitos anos.

Recentemente uma amiga perdeu um dos seus, seu irmão, de maneira trágica e repentina. Fiquei triste, e sem palavras a alguém com quem trocava tantas. Uma expert em morte, eu agora saberia o que dizer, mas não. Fiquei sem palavras, e cheia de sentimentos e pensamentos. Revivi minhas perdas, e os aprendizados que elas talvez teriam me presenteado.

Com a morte aprendi algumas coisas, todas inesperadas. A primeira delas é que a sua vivência não vem acompanhada de entendimento algum. Seria bom se fizesse sentido, mas não faz. Não há sentido em uma pessoa estar ao seu lado em um momento e no instante seguinte não estar mais. Esse acontecimento não cabe no nosso entendimento. Não há nada comparável em nossa experiência; sabemos do fato, sabemos algumas consequências, mas não necessariamente o compreendemos. E a vida não pára, mesmo sem entendermos. Sim, ainda temos que ir ao cartório, agora sem mãe. O que isso significa, não sei.

A vida continua absolutamente igual e completamente diferente, ao mesmo tempo. A bolsa da minha mãe seguiu na cadeira onde estava, mesmo quando deixou de respirar. Nossa cadela ainda sentia fome e precisava ser alimentada, os pratos na cozinha eram os mesmos, seus suplementos alimentares continuavam na geladeira. Nada além de seu corpo havia ido embora, mas isso foi o suficiente para que nada mais seguisse como era - o que a falta de um metabolismo funcional é capaz de causar. Os pratos eram os mesmos, comer não. Eu era a mesma; minha vida, não.

Eu aprendi que a vida não é infinita. Acreditar nessa fantasia tornou-se, no mínimo, improvável. Seu fim é inevitável, apesar de nossos esforços. Essa incapacidade de controlar fica, a pessoa vai. Entende-se como nunca o fato de não termos controle. Isso facilita viver com a morte - não há outra opção. Continuando vivos, a única opção é sentir saudades, e viver esse mundo que não parou porque você perdeu alguém.

Os dias seguintes serão ruins, mas nada que você não dê conta. Se tiver sorte, o ato também não será tão ruim, poderá até ser impresso de uma beleza como poucas vistas. Uma calma, uma beleza quase palpável caiu sobre nós, e não houve outra opção a não ser percebê-la. Na concretização de um dos meus maiores pesadelos, eu achei tudo bonito. Era grande o amor naquele quarto, nada me importava além de seu conforto nesse seu processo, eu queria que minha mãe fosse bem. Disse a ela em seu ouvido que ficaria bem, e a amava. Que poderia ir tranquila e feliz, e ela foi bem. Em uma das nossas maiores declarações de amor, ela confiou em mim, que eu faria uma bonita vida, mesmo sem ela. E eu a deixei ir, feliz pelo fim de sua dor, minha única preocupação. O feio veio depois.

A morte não se restringiu àquele momento da falha dos órgãos. Ela segue acontecendo, dia após dia, no que parece se suceder para o resto de nossos dias. A morte é mais presença que ausência. Será sua companhia, se fará presente quando menos esperar, tomará outras cores e formas. A perceberá em vários momentos, como quando procura por uma receita de bolo. Não poderá mais conversar com o morto. Jamais saberá como estaria; ele jamais saberá como estás. Assim sendo, a morte é um pouco sua também. Ela cristaliza duas existências: a sua e a outra. Também fui com minha mãe, e tudo que é feito hoje é pura reinvenção, com doses cavalares de coragem.

Ela será sua maior companheira, mas não poderá falar dela. Essa grande parte de você é um tabu. Então, que esses segredos todos fiquem entre nós. Podemos deixar alguém desconfortável. Converse com amigos em comum com a dona morte, reúna seus amigos órfãos e faça piadas sobre como seus companeheiros não terão problemas com as sogras e sogros. Dê boas risadas, porque não há nada mais mesmo que possa fazer. Se o fim é inevitável, divirta-se em qualquer pedaço de caminho. Aí levante-se da mesa de jantar, escove os dentes e coloque seu pijama. Vá dormir, que amanhã começa um novo dia.

terça-feira, 29 de março de 2011

Dia vinte e (nada de) nova

Chegou o dia vinte e nove, esse que me convida a escrever e compartilhar, aqui. O meu dia (olha só, um dia inteirinho pra mim, melhor aproveitar). Mas cada vez me sinto menos escritora (minha tarefa de bebedora segue inabalada). Encaro essa página de postagens do blogspot.com por longos períodos, e chega a mim um certo desespero - sou a única? Me canso inclusive de falar sobre minha falta de inspiração, a gente pode mamar da mesma fonte até um certo limite.
Mês passado tive sorte, olha só, não houve vinte e nove - ufa, podia fingir não escrever porque o calendário não deixava. Nos anteriores esperava ansiosamente minha hora de postar aqui, mas a vida foi tomando conta, sabe? Me ocupou de resolver papelada, rever velhos amigos, mudar de cidade e de país, procurar emprego e deixar meu apartamento. Me deixou com teto e sem teto, ao mesmo tempo. Em casa e absolutamente estrangeira, ao mesmo tempo. Diacho de mundo velho sem porteira, diria meu vô, que dizia pouco. Talvez fosse esperto o vô Jorge, quieto ficava enquanto as tias fofocavam, e se ocupava basicamente de sua horta e das missas. Já eu, fico aqui tentando escrever, tentando falar, quando às vezes, mesmo com a vida inteira te circundando, te alfinetando, não tenho nada a dizer.
Espero passar, mas às vezes até me canso de esperar. A gente já sabe que a vida não é fácil e nem sempre te dá o que quer, então aceito tranquilamente os períodos de silêncio. Aceito. Vou viver a vida, e deixo meu blog às moscas. Eu posso, ele é meu. Aceito. Espero. E nada!
Diacho!


(Pô, eu também tenho meus limites, dona fada da inspiração)

sábado, 29 de janeiro de 2011

A triste história da menina que não disse adeus

Desenhava uma vida linda, tinha tudo que uma trama precisa para dar certo. Sabia bem se comprometer, não tomava decisões apressadas, orgulhava-se de não ser capaz de machucar a uma mosca. Despediu-se de muitos caminhos errados, e arduamente talhava sua história nessa vida onde seu sobreviver era viver.

Mas ela não disse o adeus que a libertaria. Não compreendia o tamanho das amarras de suas perfeitas decisões. Teria já idade suficiente para poder culpar seus pais, se rebelar, e seguir em frente; mas ela jamais o faria. Escreveria e seria a personagem principal de uma odisséia de auto-ajuda - na qual, bravamente, sobreviveria às maldições de ser quem era e ainda não despejaria sequer uma gota de sangue. A cada tropeço em seu caminho pré-moldado não culparia o molde; sempre a condutora. Nunca cairia, e a cada obstáculo fincaria seus pés mais e mais profundamente. Sua vida não passaria de uma tentativa de auto-convencimento - testaria sua hipótese em seu corpo, cientista e rato ela mesma, somente para poder dizer: sim, posso confirmar minhas crenças. Sempre as confirmaria.


Nessa história de sempres e nuncas, ao passar por ela uns sorriam, outros choravam.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Tempo Nosso


Ela não o conhece, mas sabe de seu bonito coração. Nenhuma palavra e um sorriso dele a informam que ele ama sua vida, e secretamente o coração dela se alimenta desse amor emprestado. Um olhar ao som do abrir de latas de cerveja é suficiente para dizer a ele que ela está muito feliz exatamente onde está, justo ela, que não é lá exatamente um terreno fértil para alegrias fáceis. Ela sabe que esse seu momento é dele também (um tempo compartilhado), e uma risada vem coroar o feliz segundo seguinte. O perfume dela o faz lembrar que ela é de carne, e o mês é ideal para essas coisas de carne e alegria. Uma cadeira amarela de plástico é trono, e as mãos caladas juntas conversam. Num entendimento mútuo as bocas se beijam, e do silêncio da boca dele ela só ouve bem-querer. Ela não diz, mas sabe que ele escuta. Os corpos tagarelas lamentam ter estado longe, mas logo correm atrás do tempo e sentem os segundos passar, tempo que agora é corpo, um corpo - o pecado mais acertado que poderiam cometer. Uma pele comemora ter encontrado a outra para descansar, como é bom se vestir de pele alheia, e ela poderia ficar embaixo dele por horas. Ele sabe que isso não acontece todo dia, e ela sabe que ele a prefere às outras. O silêncio é como se fosse de reencontro, misturado com despedida. As bocas se calam, mas é só pra deixar os corações, agora quase colados um ao outro, conversarem em alta e boa batida (quantos centímetros separam seus corações?). Os segundos seguem passando, agora correndo, escorrendo entre os dedos que entrelaçados tentam segurá-los. Voam rápido, a deixá-la descabelada. Ele consegue salvar alguns para o dia seguinte, sempre tão bom com essas engenhocas de tempo, e os presenteia a ela, que com um beijo em seu ombro nu agradece. Mas seu estômago sabe que agora a hora é de despedida, são dez-pra-hora-de-ir, e não deixa nem mais a comida entrar (o estômago às vezes tem dessas de inanição companheira - trata de não se alimentar mais de comida quando sabe que ao coração faltará amor). Seu coração sabe que com a distância vai se encher de saudades, mas ele manda na bagagem de mão alegria pra ela. O último beijo a diz que ele tem muitos planos, e sua mala na mão dele esclarece a tristeza que ele nela percebeu. A menina não é feita de pedra. Ela agora segue, sem medo. E ele sabe, ela um dia vai voltar.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Uma introdução


Fui convidada para me sentar à mesa com vocês, e com alegria aceitei o convite. Perguntei ao Giovani se meu estilo estava bom, ele me respondeu dizendo que o espaço é livre. Sempre tive muitos motivos para duvidar do meu estilo, talvez todos fictícios (mas que existem, existem).

Não sei para quê escrevo, nem como. Sento e escrevo. Não sei por quê quero ser lida, mas quero. Minha escrita não tem manual. Por isso a julgo inevitável – no sentido de que não há muito que possa fazer, a não ser sentar e escrever. À parte disso, não compreendo mais nada, o que me causa uma alegria e ansiedade enormes. Por não compreendê-la, temo que um dia ela se vá, e a fonte se esgote (mas uma voz otimista que me forcei a criar diz: calma, se é sobre a vida, matéria não há de faltar).

Aprendi a escrever enquanto criança, na escola. Meu primeiro livro fiz antes disso. Na minha escola aprendi que pra contar história não precisava saber escrever, e ditei para a professora, palavra por palavra, a fantástica história do melão chorão que fazia xixi. Apesar de tantas faltas de liberdade inerentes à escola, muito era possível naquela, onde aprendi também a fazer amigos e a discordar (às vezes) de (algumas) autoridades. Me lembro de discussões sem fim com o professor de história sobre nosso otimismo ingênuo, e anos depois fui encontrar um pedacinho de papel entre meus materiais escolares que dizia:

Carta para mim aos 21 anos
Eu acredito que se cada um fizer a sua parte o mundo será melhor.

Esse foi o fim de um debate acirrado sobre nossas visões de mundo: os alunos da sexta série A acreditavam que de gota em gota poderíamos mudar o mundo; o professor nos garantiu que aos 21 anos já não pensaríamos bem assim, e nos orientou a escrever esse lembrete para quebrar nossas pequenas caras no futuro. Emputecidos, escrevemos, certos de que jamais mudaríamos de ideia.

Mas ouvíamos atentos. Entre detalhes sórdidos sobre os cintos de castidade e aqueles incríveis desenhos de feudos completos no quadro-negro, via-se naquele professor um leve tom de foda-se para aquilo tudo que nos intrigava. Era interessante porque esse desinteresse se misturava com uma preocupação conosco e com o mundo – só quem se preocupa defende ativamente sua revolta. Aprendemos ao menos que havia debate; nem todos concordariam sempre. Aprendemos o que era anarquia, pois ele dizia ser anárquico. Detestava crianças. E nos prometia que em pouquíssimos anos seríamos amigos, e conversaríamos de igual para igual.

Ainda hoje acho uma loucura conversar de igual para igual com gente grande. Tenho pretensões muito tímidas com relação à minha escrita – tão pequenas que nem sei quais são. Somente escrevo, do jeito que aprendi. Desde a escola. Como aquele professor, me preocupo o suficiente para me guardar o meu direito de escrever minhas baboseiras nas quais não vejo sentido algum. E publico da maneira que tanto me agrada, num blog, porque numa boa conversa você fala e ouve, assim como acontece aqui, no bar do escritor. Para uma boa bebedora que conversa melhor por escrito, quer lugar mais aconchegante?


Mestre Gigio, é um prazer poder, finalmente, conversar com você!