O caso do BPN está muito longe de ser um fenómeno de contornos nunca vistos. Antes, pelo contrário, ele exemplifica de forma muito flagrante a falta de transparência mínima que deveria ser exigida a todas as instituições e empresas, e, muito particularmente as empresas financeiras pelos incidentes que podem provocar em toda a economia. Mas acontece, precisamente o contrário: por lidarem, sobretudo, com activos desmaterializados, os bancos e outras entidades de intermediação financeira processam as suas operações por detrás de cortinas opacas ao público que nelas confia de um modo que não é consentido, pela especificidade das suas actividades, às empresas e instituições não financeiras. E quando algumas destas, na realização de operações financeiras decorrentes das suas actividades específicas, pretendem escapar aos limites da lei, fazem-no sempre com recurso aquelas.
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A idoneidade do sistema financeiro, que agora foi estrondosamente posto em causa, há muito que dava sinais de grandes abalos. O próprio BPN, um corpúsculo no meio do universo financeiro, há muito tempo que emitia rumores de falta de consistência na sua idoneidade. A Oliveira e Costa, que Nicolau Santos e a sua equipa no Expresso considera, com enorme exagero, ter governado o BPN ao estilo de Kim Il-Sung, o ex-ditador da Coreia do Norte, e que não tem perdão se, por uma vez houver justiça para estes casos, não podem ser assacadas todas as responsabilidades dos golpes cometidos. Não podem os administradores que entretanto sairam e os que transitaram dos tempos em que as golpadas aconteceram, dizer que nada sabiam, fingindo de ingénuos à maneira de Alípio Dias no BCP, por exemplo. Nem muitos accionistas que aproveitaram enquanto puderam, caso contrário nunca teriam aguentado tanto. Nem os órgãos de fiscalização do banco previstos nos estatutos.
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Nem os auditores externos que foram despedidos sem passarem palavra ao regulador.
Nem os revisores oficiais de contas que, salvo raras excepções, realizam as suas principescamente remuneradas funções limitando-se a assinar todos os anos a mesma declaração.
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Aliás, já aqui o dissemos, a irresponsabilidade institucionalizada dos revisores oficiais de contas decorre da imposição da lei para que existam sem que a mesma lei configure essa existência dentro de limites de seriedade. Com efeito, sendo as empresas obrigadas a contratar um revisor oficial de contas, não pode ninguém esperar que, regra geral, estes não assinem a declaração que lhes garante a remuneração e branqueia os resultados apresentados. Podem recusar, evidentemente que podem recusar, mas perdem o lugar. Que outro, pressurosamente, aceitará preencher. Acontece até com os auditores externos, grupos com muito maior dimensão e, supostamente, com muito maiores responsabilidades e riscos.
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Exemplos flagrantes desta abdicação não ocorreram apenas no BPN. Estão a ocorrer todos os dias. E não há modo de alterar esta submissão promíscua sem alteração radical dos vínculos que relacionem auditores e auditados. Enquanto tal não acontecer, não deixarão de ocorrer situações semelhantes e as funções de revisores oficiais de contas apenas se distinguirão do porteiro que carrega as malas pela enormíssima diferença das gorjetas.