Exercendo o meu direito de resposta à capa e
aos artigos que foram publicados por este jornal no passado dia 7 de
Junho de 2019 — e que me diziam respeito —, quero começar por dizer que
são um conjunto de confusões, fabricações e calúnias. O cerne deste
exercício do direito de resposta é a demonstração de que essas calúnias
são essencialmente três: a calúnia da aprovação do crédito, a calúnia da
mentira no Parlamento, a calúnia da interferência no BCP.
O absurdo título do PÚBLICO
Consideremos, em primeiro lugar, a capa do PÚBLICO: “Constâncio autorizou Berardo a ir levantar 350 milhões à Caixa.”
Quando, pela primeira vez, li este título, não compreendi sequer a que
coisa poderia referir-se: eu teria autorizado Berardo “a ir levantar 350
milhões à Caixa”? Escrevi imediatamente no Twitter que não era verdade —
pela simples razão de que não poderia ser verdade que um banco central
autorizasse alguém a “ir levantar” dinheiro. Por excesso de zelo
epistemológico, escrevi também que não tinha memória do que era referido
no título do PÚBLICO, e declarei que “iria investigar” o caso, ciente
de que só um grau de iliteracia económica bastante elevado poderia levar
a que se escrevesse que um governador de um banco central autorizara
alguém a levantar dinheiro. E, dado que poderia haver algum outro
assunto que estivesse a ser confundido com uma autorização para levantar
dinheiro, fui, de facto, investigar o caso, começando por ler o artigo.
Quando
li o artigo, compreendi o que queria dizer o absurdo título do PÚBLICO,
assim como a confusão que era feita. A pretensa autorização para “ir
levantar dinheiro” era imputada pelo jornal a uma deliberação tomada em
reunião do conselho de administração do Banco de Portugal (BdP) no dia
21 de Agosto de 2007. O conteúdo dessa deliberação, ou seja, a
deliberação efectivamente tomada pelo BdP, foi (como diz o
próprio artigo) a de “não se opor à detenção pela Fundação Berardo de
uma posição qualificada superior a 5% e inferior a 10% no capital do BCP
e inerentes direitos de voto”
. É esta deliberação que o PÚBLICO
confunde com uma pretensa autorização para fazer uso de um empréstimo de
350 milhões de euros já previamente contratado entre a CGD e a Fundação
Berardo com vista à compra de acções do BCP. Ou seja,
não se opor à
aquisição de uma participação qualificada transformou-se numa
autorização para “ir levantar 350 milhões à Caixa”
.Já depois das minhas
declarações na RTP no dia 8, o PÚBLICO tentou defender (num novo artigo
colocado online
nesse mesmo dia) que, antes da deliberação do BdP, o crédito concedido
pela Caixa seria apenas “uma linha de crédito” ou “uma espécie de conta
corrente”, de forma a poder sugerir que a deliberação do BdP de não se
opor à detenção pela Fundação Berardo de uma posição qualificada
superior a 5% e inferior a 10% seria até a verdadeira e definitiva aprovação desse crédito.
Mas
tal não é assim, não é de todo assim, não pode de modo algum ser
entendido assim. Uma concessão de crédito, qualquer concessão de crédito
é um contrato de direito privado que vigora entre as partes independentemente do que possa deliberar ou decidir ou fazer qualquer outra entidade, incluindo o BdP.
Como tenho dito e repetido, o BdP não aprova créditos decididos pela
gestão comercial dos bancos, e também não pode cancelá-los ou impedi-los
de vigorar depois de terem sido celebrados entre as partes e nos termos
que tenham sido acordados entre elas. É isto que é conforme com todo o
ordenamento jurídico, nacional e europeu, em que vivemos.
A calúnia da aprovação do crédito
Se a Fundação Berardo não tivesse requerido a deliberação de
não-oposição do BdP à detenção por ela de uma participação qualificada,
isso não a impediria, legalmente, de comprar acções do BCP. Quando
muito, isso teria como consequência que a Fundação Berardo poderia ser
privada do exercício do direito de voto correspondente às acções que
excedessem o limite de 4,99%. Por isso, a deliberação do BdP não pode,
repito, ser confundida de forma alguma com a aprovação de um crédito.
Contudo,
o PÚBLICO pretende fazer crer (embora seja absurdo à luz da lei)
que,
no caso particular deste crédito, haveria razões especiais para que ele
tivesse de ser aprovado pelo BdP: era um crédito atribuído a um
“investidor especulativo”, não tinha “garantias reais” ou, como se diz,
em alternativa, noutra parte do texto, tinha uma “garantia real, mas
especulativa”, e sobretudo veio, “tempos depois”, a revelar-se “uma das
mais ruinosas e questionáveis operações de crédito concedidas nos
últimos anos”. Mas tudo isso é, em primeiro lugar, uma ficção; em
segundo, uma falácia histórica; em terceiro, um equívoco sobre a
natureza da supervisão bancária.
É uma ficção pela razão já apontada: o crédito era válido nos termos acordados entre as partes — ponto final.
É
uma falácia histórica porque o carácter tóxico da operação de crédito
só se verificou, como o próprio texto diz, “tempos mais tarde”, sendo
certo que o contrato de crédito permitia ao credor executar os penhores
nos termos descritos pelo próprio artigo do PÚBLICO.
Lembro também que,
há 12 anos, não se descortinavam quaisquer razões para deduzir oposição à
idoneidade da Fundação Berardo para deter entre 5% e 10% do capital do
BCP.
Mas é tudo isto também um equívoco sobre a natureza da
supervisão bancária porque o facto de o BdP não se ter oposto à compra
de acções do BCP não implicou, nem podia, por lei, implicar, um juízo de
valor sobre a operação de crédito. Esta operação fazia parte
da gestão comercial da CGD. Se ela se revelou tóxica “tempos depois”,
isso diz respeito apenas à gestão do contrato pela CGD.
Eis,
porém, que com base nas confusões e fabricações que acabo de descrever o
PÚBLICO publica o que já se percebe agora ser uma calúnia, expressa no
subtítulo da capa: “Banco de Portugal aprovou investimento de Berardo no
BCP com crédito tóxico da Caixa.”
Se o PÚBLICO só tivesse
publicado este subtítulo, não seria eu o visado, mas sim o BdP. Mas o
título, como se viu acima, destacava o meu nome: “Constâncio autorizou,
etc.” E, sobretudo, todo o artigo procura fazer crer que, na verdade,
não teria sido propriamente o Banco de Portugal, mas sim eu, pessoalmente e enquanto governador, quem teria dado a pretensa autorização para “ir levantar” 350 milhões de euros.
Contudo,
já é público desde sábado passado que, como é meu direito, pedi
recentemente ao BdP informações sobre a reunião de 21 de Agosto de 2007,
e que a respectiva acta, que me foi facultada pelo BdP, revela que, por
estar ausente do país, não estive presente nessa reunião e, consequentemente, não apreciei a respectiva documentação nem deliberei sobre ela.
Seria sempre uma fabricação dizer que eu,
enquanto governador, “autorizei” x ou y ou z numa reunião do conselho
de administração, pois as deliberações de tais reuniões são por natureza
colegiais, isto é, tomadas por pares e não por um governador a que os
outros membros do conselho estivessem subordinados e nos quais ele
mandasse. Mas, obviamente, a fabricação é ainda maior num caso em que
uma deliberação é imputada a uma só pessoa e, contudo, essa pessoa nem
sequer participou dela. O processo foi tratado pelos serviços
competentes e a respectiva proposta de deliberação foi apresentada pelo
vice-governador responsável pela supervisão bancária, tendo sido
aprovada pelo conselho.
Não digo isto para me eximir a qualquer
responsabilidade. Digo-o porque é verdade e porque as calúnias do jornal
PÚBLICO passam muito fundamentalmente pela fabricação da impressão
contrária: a de que eu mandava pessoalmente no BdP e, em particular, no
pelouro da supervisão.
Tal como fiz na comissão de inquérito, quero
reafirmar que, enquanto fui governador, a minha principal função foi a
participação na definição da política monetária europeia como membro do
conselho de governadores do Banco Central Europeu (BCE), o que, além da
respectiva preparação, implicava viagens quinzenais a Frankfurt. Tinha
também o pelouro da auditoria interna do BdP e do Departamento dos
Estudos Económicos, além da presidência e coordenação do conselho de
administração do BdP. Já agora acrescento que outra mentira do artigo do
PÚBLICO (mas uma mentira menor, em comparação com as outras) consiste
em dizer que, no BCE, tive “o pelouro da supervisão”. Tal como esclareci
por escrito na comissão de inquérito ao BES, o BCE só iniciou o
exercício de poderes de supervisão em 2014 (tendo eu sido designado
vice-presidente em 2010). Depois dessa data, não exerci qualquer cargo
no conselho de supervisão ou em qualquer outro órgão do Mecanismo Único
de Supervisão, que foi criado dentro do BCE para exercer as competências
de supervisão dos bancos. Durante os oito anos em que fui o
vice-presidente do BCE a minha principal função foi, de novo, a
participação nas deliberações de política monetária, e tive ao longo do
tempo muitos e diferentes pelouros, incluindo o da Estabilidade
Financeira e o da Investigação Económica.
A calúnia da mentira no Parlamento
A
segunda calúnia do PÚBLICO está na segunda parte do subtítulo da capa
e, depois, no corpo do texto: “Banco de Portugal aprovou investimento de
Berardo no BCP com crédito tóxico da Caixa. Ex-governador disse no
Parlamento que não sabia de nada.”
Em que se baseia o PÚBLICO para dizer
que eu “disse no Parlamento que não sabia de nada”, isto é, que disse
que não sabia aprovação do crédito de 350 milhões concedido pela CGD à
Fundação Berardo? Baseia-se no facto de eu ter dito no Parlamento “ser
impossível” o BdP saber que a CGD iria financiar o Grupo Berardo antes
de o crédito ser dado; ter dito que isso “é óbvio, é natural”; e ter
dito que “o BdP só tem conhecimento [das operações de crédito] depois
[de elas estarem celebradas]”. Mas tudo isto é, de facto, verdade, e é,
de facto, óbvio.
O que o artigo do PÚBLICO faz é confundir duas
coisas: uma é eu ter feito a afirmação genérica (e óbvia) de que o BdP
só pode saber de uma operação de crédito depois de esta estar celebrada
entre as partes, uma segunda coisa é a interpretação que o PÚBLICO faz
daquela primeira, como se ela significasse que eu estivesse a dizer que
não soube nem do pedido da Fundação Berardo para passar a ter mais de 5%
do capital do BCP, nem da deliberação em que o BdP não se opôs a que
tal acontecesse. Mas a primeira coisa é evidentemente muito diferente da
segunda; e, além disso, eu disse repetidas vezes no Parlamento que soube do empréstimo à Fundação Berardo.
Por exemplo, às 2h34 da audição parlamentar disse: “Quando essas operações foram conhecidas, a posteriori
como é evidente...”; ou às 2h36: “Em relação ao tratamento das
operações e ao reforço das garantias... tive conhecimento em todas as
conversas que tive sobre as operações, nessa altura, com o
vice-governador.” (Ver também a audição às 2h12, 2h15, e 2h24, por
exemplo.) Do mesmo modo, disse repetidas vezes na RTP (no passado dia 8)
que soube da deliberação em que o BdP não se opôs à aquisição de acções
— e disse também, sublinhe-se, que esta questão não foi abordada na audição parlamentar, tal como de facto não foi.
O que tudo isto significa é que soube destas matérias nos momentos em que foi adequado que soubesse, e nunca afirmei que não tivesse conhecimento delas ou que não me lembrasse delas. Ao contrário do que cheguei a supor pois tudo isto aconteceu já há 12 anos), não soube logo da
deliberação do BdP no momento em que ela teve lugar, isto é, na reunião
em que foi tomada (pois, como se viu acima, nem sequer estive presente
nessa reunião). Mas tomei conhecimento depois disso, pelo menos através
do projecto de acta apresentado na reunião seguinte do conselho de
administração do BdP.
Portanto, o PÚBLICO acusa-me de ter mentido à
comissão de inquérito, quando a mentira, ou pelo menos o erro, está, de
facto, do lado do PÚBLICO.
As falhas deontológicas
do PÚBLICO
Em
nenhum momento menti à comissão de inquérito, em nenhum momento omiti
qualquer informação de que tivesse conhecimento e memória. Já o PÚBLICO,
pelo contrário, publicou as duas calúnias que acabo de expor, bem como a
terceira, que irei expor adiante, sem ter cumprido o seu dever
deontológico de procurar falar comigo antes de as publicar. Além disso,
também não pediu, tanto quanto se percebe, quaisquer esclarecimentos
oficiais ao BdP. Pois, se tivesse pedido, talvez tivesse sido informado
de que dizer que “o BdP só tem conhecimento [das operações de crédito]
depois [de elas estarem celebradas]” decorre da lei e da natureza da
supervisão tal como ela existe em Portugal e em toda a zona euro. Não é
uma opinião minha, e muito menos ainda uma mentira que eu tenha dito a
uma comissão de inquérito.
Note-se também que a forma como o
PÚBLICO tratou essa minha afirmação genérica provocou uma grave
associação com outra afirmação minha no Parlamento. Questionado sobre se
em 2002 (há 17 anos!) recebera uma carta do dr. Almerindo Marques —
directamente dele ou remetida pelo ministro das Finanças da altura — e
se falara com o dr. Almerindo Marques sobre essa carta, respondi que não
me lembrava e não tinha memória nem de uma coisa, nem da outra. Mas
disse também que, se essa carta existisse, estaria no registo do BdP.
Entretanto, apurou-se que não há registo da entrada dessa carta no BdP,
pelo que creio poder dizer que fiz bem em ser verdadeiro, como sempre
sou, e dizer que não tenho memória de uma coisa quando não tenho memória
dela. Contudo, conforme me foi reportado, o eu ter dito que não me
lembrava disso (ou seja, da carta que se verificou entretanto
nunca ter dado entrada no BdP) foi usado pelo PÚBLICO para fazer crer
que eu teria dito no Parlamento que não me lembrava do crédito concedido à Fundação Berardo. Esta fabricação, segundo me reportaram, foi plasmada num vídeo colocado online no dia 7, bem como (se bem entendo) no editorial do PÚBLICO do dia 8. Entretanto, o vídeo parece ter sido retirado da edição online do PÚBLICO.
O problema fundamental nem sequer é, porém, esse. O problema
fundamental é antes que, com grave prejuízo para a minha honra, esta
fabricação tem sido repetida por diversos órgãos de comunicação social,
apesar de eu ter chamado a atenção para ela na minha intervenção de dia 8
na RTP.
A calúnia da interferência no BCP
Falta
ainda considerar a terceira calúnia, que é porventura a mais grave.
Escreve o PÚBLICO que eu teria sido “uma peça-chave na polémica
transferência da gestão da CGD — Carlos Santos Ferreira e os executivos
Armando Vara (hoje a cumprir pena de prisão) e Vítor Fernandes (agora
administrador do Novo Banco) — para o BCP”.
Sobre esta acusação quero apenas enumerar os seguintes pontos.
Em
primeiro lugar, na sequência de uma denúncia anónima ao BdP e à
Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), ambas as instituições
abriram, no período em questão, processos a vários gestores de topo
que, potencialmente, estariam envolvidos em graves irregularidades no
BCP. Os dois supervisores, BdP e CMVM, actuaram em todo este caso em
plena convergência de propósitos. Enquanto esses processos estiveram a
decorrer, a ninguém foi, obviamente, retirada a idoneidade para exercer
funções no sistema bancário. Mais tarde, muitos deles vieram a ser
condenados nos processos do BdP e da CMVM e sujeitos a multas e sanções,
após o trabalho dos técnicos e juristas que, com total autonomia,
instruíram os processos. Nenhuma decisão do BdP foi além do estrito
cumprimento da lei, e nenhuma interferiu no processo de decisão de
eleger novos corpos gerentes para o BCP, uma decisão que era da
exclusiva responsabilidade dos accionistas.
Algumas dessas escolhas
incidiram sobre pessoas que já exerciam funções na banca, às quais,
naturalmente, os serviços e o conselho do BdP não tinham, à época,
razões para não reconhecer a respectiva idoneidade. Não interferi na
elaboração interna destes processos, e limitei-me a aprovar em conselho
de administração as propostas que sobre eles foram apresentadas.
Em
segundo lugar, esta descrição dos factos salienta como funcionam
instituições com as responsabilidades e importância do BdP e da CMVM. É
absurdo supor, e não se verifica na prática, que o respectivo governador
ou presidente ou os conselhos de administração possam impor a seu bel
prazer decisões que vão contra a lei. Tal nunca aconteceu no meu
mandato, nem tenho conhecimento de que alguma vez tenha acontecido na
história do BdP. Após uma longa vida pública de comportamento probo e
íntegro, nunca deixarei de reagir contra quem quer que seja que,
impunemente e sem provas, procure acusar ou simplesmente insinuar que eu
ou o BdP alguma vez actuámos sem isenção e fora da legalidade. Os
portugueses precisam de saber que há instituições em Portugal que,
podendo certamente errar, pois errar é humano, cumprem com probidade as
suas funções.
Em terceiro lugar, quero dizer que tudo o que
demonstrei acima, na exposição das duas primeiras calúnias do PÚBLICO,
demonstra também a falta de fundamento da acusação de que eu teria tido
uma intervenção pessoal no processo de escolha de novos gestores para o
BCP.
Dado que não estive sequer presente na reunião do conselho de
administração do BdP em que foi deliberada a não oposição a que a
Fundação Berardo adquirisse mais de 5% do capital do BCP; dado que,
consequentemente, não apreciei a respectiva documentação, nem deliberei
sobre ela; e dado que essa deliberação (mesmo que eu tivesse participado
dela) nunca poderia, de forma alguma, ser confundida com um aval ou uma
aprovação ou um juízo de valor sobre a concessão de crédito à Fundação
Berardo, na verdade o artigo do PÚBLICO não tem qualquer fundamento
factual para fazer esta terceira acusação. É simplesmente caluniosa a
tentativa de apresentar a deliberação da reunião do conselho de
administração do BdP como uma espécie de prova de que eu teria tomado
partido na “luta de poder” que, segundo a descrição do PÚBLICO, levou à
escolha de novos gestores para o BCP. É esta a terceira calúnia do
artigo de 7 de Junho do PÚBLICO.
Por várias razões complexas, sou
contra o levantamento de processos-crime contra jornalistas e órgãos de
comunicação social. Mas há casos em que o processo cível tem de ser
ponderado — salvo se a verdade for reposta.
Vítor Constâncio, ex-governador
do Banco de Portugal
Nota da Direcção Editorial
Em
momento algum o PÚBLICO coloca em causa a idoneidade do dr. Vítor
Constâncio. Nem há matéria para o fazer. O PÚBLICO não escreve calúnias,
não difama, nem escreve mentiras. O PÚBLICO noticiou, com base em
documentos a que teve acesso, o conhecimento que o mesmo, enquanto
governador do BdP, teve à data da operação de financiamento da CGD e
como aceitou essa operação para efeitos do financiamento do aumento da
participação qualificada pela Fundação Berardo. O artigo do PÚBLICO usa a
linguagem jornalística; o dr. Vítor Constâncio usa conceitos jurídicos e
formalismos próprios de uma entidade de supervisão.
O PÚBLICO
nunca disse que Vítor Constâncio tinha participado no conselho de
administração de 21 de Agosto de 2007, que decidiu pela “não oposição”
ao reforço da participação qualificada de José Berardo no BCP. O que
noticiou foi que o pedido do investidor ao BdP tinha subjacente uma
operação de crédito polémica, cuja execução estava contratualmente
condicionada ao parecer positivo do supervisor. E, ao não se opor, o dr.
Vítor Constâncio autorizou a CGD a financiar Berardo para investir na
bolsa, dando como garantia os títulos cotados.
Vítor Constâncio
diz que, a 28 de Março de 2019, na CPI à recapitalização da CGD, não o
questionaram sobre a operação Berardo. Em momento algum o PÚBLICO o
afirma, apenas refere que, ao ser interrogado pelos deputados sobre se
sabia que a Caixa concedia empréstimos problemáticos, o dr. Vítor
Constâncio não informou que o crédito dado pelo banco público a Berardo
era do seu conhecimento desde 2007.
O PÚBLICO contactou o dr. Vítor Constâncio para o número que lhe foi
disponibilizado: ++++++++++7809. O telefone tocava, a chamada caía. O
PÚBLICO devia ter incluído este dado no texto.
O dr. Vítor
Constâncio tem razão quando lembra que não tinha responsabilidades de
supervisão no Banco Central Europeu. O erro é do PÚBLICO.
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OPINIÃO
Susana Peralta
A insustentável leveza da regulação da banca
A propósito da escassez de crítica e independência, tivemos esta semana direito a mais um episódio da trágica novela da banca. Depois de ter respondido aos deputados da comissão de inquérito debaixo de uma crise de amnésia, Constâncio escreveu o seu direito de resposta ao PÚBLICO com uma memória minuciosa a detalhes. Ficámos a saber que viajava amiúde para Frankfurt e, por isso, não esteve na reunião que deu luz verde ao aumento da posição da Fundação Berardo no capital do BCP. A verdade é que pouco importa se o governador estava ou não sentado na reunião. O que interessa é perceber como é que o governador não se debruça sobre uma questão tão fundamental como uma tomada de posição acionista no maior banco privado de um país que não tem assim tantos.
Vamos aos factos. Houve um aumento de posição acionista que ia ser financiado com capitais próprios e um crédito, mas afinal o capital próprio evaporou-se e ficou só o crédito. A contrapartida do crédito eram as próprias ações que iam ser adquiridas. Se basta pedir um empréstimo no valor das ações a adquirir e oferecer as ditas como contrapartida, eu também vou começar a comprar bancos. Será que o Banco de Portugal devia aprovar a tomada de posição de Berardo no capital do BCP, conhecendo as condições do malfadado crédito que o sr. comendador ia utilizar para se financiar?
Não é preciso uma equipa de analistas financeiros sofisticados para perceber que as condições do crédito indiciavam que Berardo não tinha património para comprar bancos. No site do Banco Central Europeu podemos ler que um dos critérios para a autorização de aquisição de uma posição qualificada na estrutura acionista de uma instituição financeira é esta: “O potencial adquirente tem capacidade para financiar a aquisição proposta e manter uma estrutura financeira sólida num futuro próximo?”
Quando Constâncio nos diz que “há 12 anos não se descortinavam quaisquer razões para deduzir oposição à idoneidade da Fundação Berardo para deter entre 5% e 10% do capital do BCP” está a ignorar, ou a querer que ignoremos, que o facto de Berardo não ter oferecido garantias patrimoniais à CGD descortinava muita coisa. Constâncio afirma que o Banco de Portugal não aprova créditos da CGD. Mas a questão não é essa. Se o Banco de Portugal tivesse emitido um parecer desfavorável à tomada de posição da Fundação Berardo, o empréstimo à CGD não tinha acontecido, apesar de Constâncio não aprovar diretamente créditos da CGD.
Esta insustentável leveza de quem toma decisões críticas sobre o sistema financeiro português contrasta com o peso no bolso dos contribuintes do dinheiro que o Estado tem injetado na banca. Os números falam por si. Segundo as estatísticas oficiais da Comissão Europeia, o passivo do Estado português no sistema financeiro era no final de 2018 de 25 mil milhões de euros, juntando-se a esta conta quase seis mil milhões de passivos contingentes (associados a garantias várias dadas pelo Estado ao sistema financeiro). A intervenção do Estado no sector financeiro contribuiu para o défice em todos os anos desde 2010, ou seja, desde que a Comissão Europeia começou a recolher esta informação de forma sistematizada. Em 2018, houve apenas dois países – Portugal e Chipre – cujas intervenções no sector financeiro aumentaram o défice público.
Mas o maior problema nem é a dimensão ou frequência das intervenções. É mesmo a falta de transparência do processo e de estudos que convençam as portuguesas e os portugueses de que todo este dinheiro não foi utilizado em vão. Nos Estados Unidos, o Troubled Asset Relief Program, lançado em 2008 no calor da crise financeira, tem direito a uma extensa cobertura no site do Tesouro Americano, onde qualquer pessoa interessada encontra detalhes sobre os montantes injetados nos diferentes sectores da economia, acompanhados de estudos sobre o programa. E até relatórios – sente-se, cara leitora, que esta vai doer! – mensais acerca da evolução do TARP. Leu bem: a cada 30 dias, o Tesouro presta contas sobre o dinheiro dos contribuintes. É com este nível de exigência em mente que temos de avaliar as amnésias de Constâncio e de outros que foram desfilando pelas comissões de inquérito do nosso descontentamento.- c/p aqui