Hoje ao fim da tarde fui a uma esplanada onde costumo ir. Quase toda a gente já tinha debandado da enchente de domingo à tarde, pelo que disfrutava de uma espécie de exposição pública com privacidade em virtude da falta de audiência. Sentia-me melancólica, como me sinto frequentemente em fins de tarde com a luz a diminuir.
Os sentidos completamente alerta apesar de uma sonolência característica de fim de fim de semana. Os olhos sorviam com prazer o resto de sol, já em tons de laranja antes de se ir aninhar no mar para acordar com toda a força amanhã, dia de trabalho e dar energia e boa disposição a quem trabalha.
Senti cada um dos tons da bebida que pedi, assim como o frio do copo que me beijava as pontas dos dedos e os lambia com a condensação fria e húmida. Soube-me bem. Ouvi com prazer todos os ruídos que diminuiam de intensidade em virtude da acalmia causada pela proximidade da hora de jantar.
Centrei-me no olfacto, um sentido subtil e frequentemente esquecido, sublimemente explorado no genial "O perfume" de Patrick Sueskind, a história do horrível Grenoille. Eu cheirava intensamente a protector solar e vagamente a um dos 50 cremes que coloco nas trombas e restante pele para que esta se esqueça que chegou aos 30 há um tempo e tente ficar mais ou menos onde estava ou menos. Vá ou não à praia, coloco sempre protector solar porque gosto do cheiro e gosto do sol, mas protejo-me dele.
Relaxei os outros sentidos e concentrei-me quase exclusivamente no olfacto. Senti um cheiro a mar e veio-me a nostalgia de quinzenas de praia no Algarve que a minha família fazia antes de ser prática comum. Abrindo as narinas, muito ao estilo Grenoille, o génio maligno do olfacto senti a essência de algo que revirei a minha memória para tentar localizar. Ah! Era certamente o cheiro de um búzio, ainda com o cheiro a mar, a caravelas afundadas com tesouros incalculáveis e grandes aventuras épicas.
Talvez uma lembrança trazida da praia por uma criança que mais tarde, quando eu for velhinha e tiver (mais) cabelos brancos, recordará com idêntica nostalgia os cheiros e sabores do mar e sol. E assim estava a sonhar com tesouros escondidos nas profundezas do mar, sereias e dragões quando sou despertada pelo dono do café que começa a conversar comigo.
- Está aqui um cheiro intenso ainda. É que um dia destes morreu um gato no jardim aí ao lado e ainda cheira um bocado. Não te incomoda?
Envergonhada, paguei à pressa e saí da esplanada. Dois pensamentos: tentar mandar calibrar o olfacto e não tentar arranjar um emprego na indústria de perfumes. A não ser que o aroma a gato morto seja a próxima tendência.
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domingo, 13 de julho de 2008
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