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a possible fairytale


(Espanta-me a existência de lugares assim em que o tempo se suspende e o mundo parece ser o lugar certo para se viver. Apesar do frio que tem gelado estes nossos dias...)
 
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# 2. Decapitados

O problema de se perder a cabeça é que depois esta é muito difícil de encontrar. Para não desesperar, tentei adaptar-me a esta nova situação. As pessoas habituam-se a tudo, não é? A ideia de enfrentar o mundo, assim decapitado, aterrorizava-me. Seria com certeza o centro das atenções de um mau espectáculo, a vedeta de um freak show. Mas alguma vez teria de ser e… finalmente saí de casa. Curiosamente, as pessoas mal reparavam em mim, passavam em passo apressado, ausentes, desatentas. Não sei se não me olhavam por delicadeza, repulsa ou por medo. Deambulei à deriva pelas ruas, tolhido pelo medo de ser reconhecido, com receio de parar e ser apontado, de ser gozado, agredido, talvez preso… Qual não foi o meu espanto quando detectei outros, decapitados. “Impossível, estás com alucinações”, se tivesse olhos tinha-os esfregado mas, e não é que era mesmo verdade? Ali, diante de mim, estavam outros decapitados e, reparando com mais atenção, havia decapitados por todo o lado, no trânsito das ruas, nas esplanadas, a entrar em edifícios, a sair de autocarros… Imaginei a minha boca bem aberta de espanto, afinal há mais como eu. Pensando bem, é lógico que haja mais, porque é que haveria de ser o único. Mas assim tantos?! O tempo passa e começo a habituar-me, as pessoas habituam-se a tudo, não é? Só que sinto cada vez mais a falta da minha cabeça.

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