A manipulação de notícias tem sido um dos métodos de
controle e manutenção do poder desde o surgimento da imprensa. Junto com a
omissão das informações inconvenientes ou desagradáveis, distorcer a divulgação
dos fatos de acordo com objetivos pré-determinados sempre funcionou melhor do
que inventar acontecimentos. É menos arriscado do que a invenção pura e simples
porque evita desmentidos que podem ser catastróficos, e permite reajustes em
caso de desmascaramento. Esta regra tem funcionado muito bem para o jornalismo
que pretende moldar a percepção do público no curto prazo. O trabalho de
invenção fica a cargo da outra ponta da estratégia e visa resultados de médio
ou longo prazo.
Quando os objetivos não se resumem a influir em
decisões imediatas e buscam interferir de maneira mais duradoura nas percepções
da audiência, a narrativa ficcional oferece resultados mais interessantes para
os manipuladores. A distorção das notícias pode impactar de modo mais visível e
conseguir respostas praticamente instantâneas, mas a ficção tem a capacidade de
influenciar de maneira muito mais profunda, embora suas consequências possam
aparecer de forma mais lenta.
Conciliar estas duas formas de manipulação costuma
oferecer resultados muito próximos da perfeição. A ficção prepara o substrato
que vai reagir às notícias conforme os interesses não declarados.
No caso do Brasil podemos identificar esta prática
sendo aplicada diariamente. Enquanto as novelas, séries e filmes fornecem a
matéria-prima que vai povoar o imaginário da população, a falsificação de
notícias tende a provocar as reações desejadas, no momento adequado aos
objetivos planejados.
Este método de manipulação que utiliza a ficção e a “realidade” de maneira conjunta para moldar comportamentos e transformar a sociedade pode ser usado por razões políticas, mas funcionam ainda melhor quando dirigidos para questões de ordem moral ou social.
Este método de manipulação que utiliza a ficção e a “realidade” de maneira conjunta para moldar comportamentos e transformar a sociedade pode ser usado por razões políticas, mas funcionam ainda melhor quando dirigidos para questões de ordem moral ou social.
Ainda na década de 1960 tem início um processo de
inserção de pautas contrárias aos valores comuns à sociedade. Mais tarde, com o
fim do governo militar essa técnica foi aprimorada. Dezenas de novelas começam
tratando o tema de forma paralela e expondo seu potencial polêmico, depois
seguem avançando lentamente a sua importância dentro da trama e provocando
debates públicos, colocando no centro da discussão assuntos que antes não
faziam parte dos interesses da população. Em seguida o noticiário pinça
exemplos que confirmam a “tendência” e extrapolam a sua relevância, tornando o
tema cotidiano e inquestionável. Com o imaginário preenchido a aceitação da
notícia encontra terreno fértil e diminui a resistência. Daí em diante a pauta
se mantém, ganha notoriedade e o medo do isolamento atrai até mesmo aqueles que
não concordam com ela, um fenômeno explicado no livro A Espiral do Silêncio, de
Elizabeth Noelle- Neumann.
Em 1992 a TV Globo lançou uma minissérie chamada
Anos Rebeldes. Consistia em uma visão romanceada do regime militar, que ali era
chamado de “Anos de Chumbo”. Muito bem produzida e recheada de mulheres bonitas
e jovens idealistas e corajosos, a peça de ficção rapidamente conquistou grande
audiência. Além dos telespectadores cativos que a emissora sempre teve no
horário, a dinâmica aventureira e a rebeldia embelezada capturaram também a
atenção dos jovens, até então avessos a este tipo de programa.
A série durou dois meses e paulatinamente foi
aprofundando a trama até chegar ao maniqueísmo pretendido: jovens que só tinham
amor no coração lutando contra velhos militares malvados. Com o assunto
instalado na mente das pessoas e, portanto, na pauta das conversas, vieram as
edições do Globo Repórter e especiais do Fantástico confirmando cada detalhe do
roteiro. Primeiro validaram os cenários e o figurino, fortalecendo a
credibilidade do programa, e depois a história inteira. Pronto, estava montada
toda uma narrativa que ainda permanece na mente da maioria da população
brasileira, mesmo para aqueles que não assistiram e nem mesmo ouviram falar da
produção.
O sucesso desta empreitada influenciou diversas
outras iniciativas e foi evoluindo com o passar do tempo, culminando em
Malhação, uma máquina de moldar mentalidades jovens que já existe há 26 anos e
faria inveja a Pavlov, Goebbels ou Mengele. Malhação é o mais eficiente experimento
de lavagem cerebral já produzido no Brasil, e como seu foco é a juventude,
inexperiente, rebelde e imediatista por natureza, seus efeitos podem ser
observados sem muita dificuldade: tudo aquilo que é inserido na novelinha
apresenta resultados praticamente automáticos, bastando apenas um reforço do
jornalismo militante. Todas as tendências e modas “sugeridas” de forma
ostensiva ou sutil tornam-se padrão entre boa parte dos jovens que nem percebem
que estão sendo conduzidos por aqueles que julga odiar. Curiosamente, os mesmos
estudantes teleguiados que, obedecendo a partidos políticos vão à porta da
emissora gritar “o povo não é bobo, abaixo a rede Globo” repetem as gírias,
roupas e penteados lançados em Malhação.
Estes exemplos mostram como a estratégia de
conciliar a ficção ideológica com jornalismo tendencioso tem funcionado com
eficiência notável, especialmente entre os jovens. Mostram também que para
sanear a mente das próximas gerações será preciso muito mais do que melhorar a
propagação das notícias, mas principalmente construir um novo imaginário, um
trabalho infinitamente mais complexo.
Alexandre Costa é autor dos livros Introdução à Nova Ordem Mundial, Bem-vindo ao Hospício e O Brasil e a Nova Ordem Mundial.
Texto publicado originalmente na revista Estudos Nacionais (2018)