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terça-feira, 8 de setembro de 2015

LEIAM, MAS NÃO INALEM


É triste assistir a isto em qualquer parte do mundo dito «civilizado»; e logo num país progressista como a Nova Zelândia. Um livro para adolescentes e leitores mais crescidos (young adults), distinguido pela crítica e premiado em 2013, está a ser agora retirado das estantes das livrarias, bibliotecas e escolas, por força do lobby de um grupo cristão e conservador que se manifestou contra as referências explícitas ao uso de drogas e ao calão aplicado aos órgãos sexuais, entre outros tópicos «quentes». Interessante. Como se sabe, nestas idades, os miúdos inclinam-se mais para o ponto de cruz, o bricolage e a decoração de bolos festivos... Ted Dawe, o autor de Into the River, professor do ensino secundário há 40 anos, diz que o último livro banido na Nova Zelândia se chamava Como Construir uma Bazuca. «Talvez o conteúdo de Into the River seja uma bazuca apontada à oligarquia da classe média que governa este país», afirma. Da ordem do anedótico: uma especialista em direito dos media declarou ao New Zealand Herald que era «legal ter o livro para seu próprio uso, mas não passá-lo aos amigos». A literatura equiparada ao cultivo de marijuana nas varandas e quintais. Portem-se bem, amiguinhos. Leiam, mas não inalem.

(via Scoop it! - Ana Margarida Ramos)

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

MASSACRE CEREBRAL


A instrumentalização do livro para crianças é um fenómeno que se confunde com a própria génese, ou não fossem os livros essenciais para «instruir» e «educar» os delfins de há séculos. Os livros para crianças têm servido para tudo, desde apelar ao esforço de guerra até ajustar contas com o marido infiel. Quando pensamos que já não se pode ir mais longe (Go The Fuck to Sleep é um desses recentes dejectos), eis que surge outra coisa para nos deprimir ligeiramente. Esta alegre família norte-americana explica como é tão bom e tão útil andar armado, num video esclarecedor. Nem é uma novidade (saiu em 2012), mas parece que alguém se lembrou agora de dar uma ajuda às vendas. Carregar armas é um direito, dizem. Pois claro. Segundo a notícia do Observador, «cerca de 10 mil crianças são feridas ou mortas devido a incidentes com armas de fogo nos Estados Unidos».

(Cortesia de Tânia Raposo.)

terça-feira, 1 de abril de 2014

OBVIAMENTE, DISCORDO



Tropecei há pouco neste texto do Fábulas de Leitura e fiquei abismada. Não sei se se trata de um assumido guilty pleasure ou se a autora do blogue, nascida em 1981, faz questão de ignorar qualquer interpretação histórica e ideológica da obra de Odette Saint-Maurice. Chamar-lhe «um tesouro nacional desconhecido das gerações mais novas» seria apenas anedótico, se não fosse um insulto à inteligência e à memória de um país que passou por 48 anos de ditadura (e ainda não recuperou). Andei à procura da crónica que publiquei na LER de Setembro de 2011, aquando da inexplicável reedição desta obra serôdia e inane, mas não a encontrei. Deixo um excerto de um artigo mais recente, publicado no Le Monde Diplomatique, onde cito precisamente a figura e o livro em causa. E não, isto não é uma questão de opinião. É mais sério do que isso.

(...)

O paternalismo (ou maternalismo) do adulto que quer partilhar a sua «criança interior» foi, noutra época, o do «adulto exterior», mais preocupado com o amor à Pátria do que com o amor-próprio. Falamos da época «da mocidade que se dirigia valorosa e radiante para o dia de amanhã», quando as «pessoas da melhor sociedade» se cruzavam com outras, «acanhadas, mas com um ar feliz que nada igualava»; e o mundo se dividia entre «os que estavam muitíssimo bem vestidos e os que apenas vinham decentes e asseados»

Não são páginas da revista O Mundo Ilustrado, por onde alegremente se passeava o jet-set dos anos 1950, mas de Um Rapaz às Direitas, de Odette de Saint-Maurice (1918-1993), recentemente reeditado. A fechar o livro, uma nota biográfica: «À literatura juvenil, de que foi uma das mais notáveis cultoras, dedicou o melhor do seu trabalho, que um critério elevado e uma feição sadia definem e impõem.» Enigmático.


O tema da distinção de classes, com o seu séquito de virtudes bem constituído – o dever, a caridade, a docilidade, o patriotismo... –, marcou profundamente a produção literária para a infância e juventude em Portugal, em particular no género da novela de costumes, de que Odette de Saint-Maurice foi, sem dúvida, «uma das mais notáveis cultoras». Porque legitimado pela função educativa desde a sua génese, o livro para crianças sempre foi permeável à moral e às ideologias políticas vigentes, tornando-se facilmente um veículo de instrumentalização.

(...)

sexta-feira, 12 de abril de 2013

AUTO-AJUDA PARA CRIANÇAS?



Não tenho nada contra os livros de auto-ajuda, embora a designação me soe mais apropriada para uma empresa de reboque de automóveis. Termos equivalentes, como «espiritualidades» ou «desenvolvimento pessoal», são igualmente ambíguos, o que diz muito sobre as limitações da nossa linguagem e a extensão dos nossos preconceitos. Neste aspecto, a inteligentsia tende a funcionar como as cartomantes: adivinha pela chancela. As memórias de Auschwitz escritas por Primo Levi são literatura, mas o best-seller do psicoterapeuta Viktor E. Frankl (O Homem em Busca de um Sentido), passado na mesma altura, já é outra coisa. Os estudos do comportamento animal por Konrad Lorenz não provocam a mesma desconfiança que o ensaio de Mark Rowlands (O Filósofo e o Lobo) sobre a sua longa convivência com um lobo. Alunos universitários não percebem Piaget, mas ai do professor que lhe recomende O Elemento, de Ken Robinson.

Denegrir estes livros apenas porque não são literatura é de uma desonestidade intelectual a toda a prova – precisamente porque a maior parte não pretende passar por literatura. Havendo de tudo, desde o muito bom ao execrável, como em qualquer área editorial, resisto apenas ao uso da expressão «auto-ajuda para crianças». Parece-me um contra-senso atribuir às crianças a capacidade de se «auto-ajudarem», fazendo metalinguagem sobre os seus problemas – a morte de um familiar, o divórcio, o abuso sexual, o bullying, etc. Muitos desses livros (os bons, pelo menos) falam de comportamentos, emoções, fenómenos sociais, questões filosóficas, humanidades, criatividade, valores… Porque não chamar as coisas pelos nomes?

A tentativa de juntar os dois géneros que mais vendem – a auto-ajuda e o infanto-juvenil – resulta nestes rótulos descabelados. Há pouco, vi no facebook o anúncio de um workshop de «empreendedorismo para bebés». Que será isso? Os primeiros dentes associados ao espírito de iniciativa? Lápis de cor e a gestão do risco? Cocó na fralda e o negócio da compostagem? É um mundo louco. Chamem o reboque do bom senso.

(Texto de opinião publicado na revista LER nº 123, na rubrica «Boca do Lobo»)

sexta-feira, 18 de maio de 2012

CARTA ABERTA À APEL, POR LUÍS OLIVEIRA



Carta aberta a Miguel Freitas da Costa,
secretário-geral da APEL

Tomei a devida nota das suas declarações a alguns meios de comunicação social acerca da Feira do Livro de Lisboa. É um dado imediato da observação das suas palavras que bate sempre na mesma tecla, isto é, nunca ultrapassou a superficialidade da análise, satisfazendo-se apenas com os resultados comerciais do evento e com a afluência do público. Falou, claro, em nome da APEL e mostrou-se radiante com os excepcionais resultados da feira.
Na realidade, posso confirmar que o número de leitores foi talvez superior ao do ano passado e também me pareceu que houve mais critério na escolha dos títulos.

Face à crise da economia (a economia capitalista foi sempre ela própria a crise) e de valores humanos, as pessoas começaram provavelmente a pensar que o comboio da História deve mudar de direcção. Por isso, foram guardando algumas economias para adquirir livros em detrimento de outras mercadorias supérfluas.

Foi isto que V. Ex.ª não compreendeu ainda, formatado que está para uma sociedade que não conduz as pessoas no sentido do movimento da emancipação humana. É cada vez mais visível que esta perspectiva só poderá conduzir à catástrofe.

A direcção da APEL não manifestou nenhuma solidariedade para com os cerca de quarenta editores que nesta altura foram atirados para a «desgraça» devido à recente falência da distribuidora CESodilivros.

Ora, todos estes editores são sócios da APEL.

Neste sentido, podemos afirmar que a APEL não existe.

Por último, e voltando à feira, quero dizer-lhe que ela nunca mais será realizada no Parque Eduardo VII, no mês de Abril, porque a maioria das editoras não autoriza esta irracional data.

Se V. Ex.ª não tivesse a cabeça dura, pensaria no local privilegiado que é o Parque Eduardo VII quando o tempo está quente: em tardes de sol, os visitantes aproveitam para se sentarem na relva daquele excepcional jardim, lendo e namorando, numa partilha lúdica da qual têm sido privados nos últimos anos.

Estas palavras são apenas uma tentativa de vos chamar à razão para tantos aspectos da feira, nomeadamente os horários escravizantes (mais de doze horas por dia) que ali são praticados.

Há períodos completamente mortos na feira, mas há interesses dos grandes grupos na abertura ainda de manhã para venderem livros infantis às crianças, configurando uma atitude não democrática e inaceitável da APEL.

Luís Oliveira
Editor da Antígona

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

CELEBRIDADES E BESTAS CÉLERES


Escrever livros para crianças tornou-se uma actividade integrada no star system, encarada com a mesma benevolência que antes se reservava à passagem devastadora de uma banda rock pela suite de um hotel de luxo. Em ambos os casos, é uma questão de fazer as contas. Outros campos do sistema literário têm fronteiras mais rígidas; mas a literatura infantil, à semelhança dos hotéis e aeroportos, ainda é vista como um não-lugar nesse sistema, um território devassado por onde meio mundo passa e outro tanto faz a sua perninha. Tudo bem. Também não defendo a Arábia Saudita como paradigma da liberdade de expressão. Convém apenas lembrar que as crianças não estão no mesmo pé de igualdade que os adultos; e, em especial, dos adultos cuja intenção é escrever livros para elas. Entre outras coisas, porque não possuem as mesmas capacidades cognitivas e emocionais, as mesmas competências leitoras, a mesma experiência de vida que lhes dá a possibilidade de distinguir o muito bom do puro trash. Dizer que são as crianças, em última instância, a determinar a qualidade dos livros que lhes são dirigidos é de uma desonestidade intelectual a toda a prova, quando é óbvio que essa «decisão» só se faz a posteriori; isto é, com o livro nas mãos, sob a influência dos adultos, da televisão, do marketing e de outros factores externos. Dito de forma mais simples: as crianças não são tontas, mas são facilmente manipuláveis (salvo as que entram nos filmes do John Carpenter) e raramente são os primeiros decisores. Quem frequenta os espaços infantis das livrarias sabe que assim é. Quando a oferta é qualitativamente pobre e os livros não são vistos como imprescindíveis, sobretudo em tempos de crise, o poder de escolha diminui. Novamente, é tudo uma questão de fazer as contas.

(Texto publicado na coluna de opinião “Boca do Lobo” da última LER, secção “Leituras Miúdas”.)

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

UMA PRENDINHA DE NATAL...


Seguindo a recente sugestão dada pelo nosso PM aos professores desempregados, inicialmente enviei este curioso item para uns happy few. Dado que a coisa começa a tomar proporções de concertação e estratégia nacional, parece-me que, mais tarde ou mais cedo, todos nós, detentores de passaporte português, seremos convidados a procurar melhor sorte noutras paragens. É bom termos governantes assim, que nos moralizam, que nos entusiasmam, que nos dão confiança e fé no futuro quando mais precisamos! O kit fica à disposição de todos os frequentadores do Jardim Assombrado, com a possibilidade de substituirem a Super Bock por Sagres e a sandocha de presunto por torresmos ou coisa parecida. (Imagem retirada do blogue Sud Express.)

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

HÁ TONTOS E TONTOS


"O Sr. Tonto vive na Terra dos Disparates, que é um sítio muito engraçado para se viver. Na Terra dos Disparates é tudo disparatado até mais não." Há tontos inofensivos e há tontos perigosos. Os segundos ganham eleições, os primeiros votam neles. É uma grande anedota, pois é.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

GO THE FUCK TO WORK


Adam Mansbach é um tipo esperto. Uns tantos como ele devidamente entronizados nos lugares certos e o mundo seria outra coisa – parecida com o que é hoje, mas ligeiramente mais asquerosa. Diz que Mansbach é um escritor sério e premiado, autor de ensaio e ficção, professor universitário e palestrante, além de membro fundador de uma publicação dedicada ao hip hop; e se o leitor nunca tinha ouvido falar é só porque anda distraído.

Mas Mansbach é, principalmente, um tipo esperto. Ele é como a minhoca que acorda o pássaro madrugador: o que outros pensaram, Mansbach fez; onde outros capitularam, Mansbach triunfou. O seu grande contributo para o avanço civilizacional, já inscrito nos anais da história da edição, é um livro para crianças chamado Go The Fuck to Sleep. Uma versão lida em voz alta por Samuel L. Jackson está a bater records de downloads. Há outra versão, igualmente bera e rufia, protagonizada por um imitador de Christopher Walken. É escolher. O white trash americano exulta. E Adam Mansbach já tem casa nova. Go The Fuck to Sleep é o best-seller do momento e, segundo a Amazon, “um dos livros mais falados da década”. Olha a nossa sorte.

Peço desculpa: acabei de ouvir uma entrevista do autor à ABC e parece que, afinal, Go The Fuck to Sleep não é um livro para crianças. Parece mesmo, mesmo, mesmo – mas não é. Ca burros ca malta somos, perdão, semos... O formato, as ilustrações, as cores, as rimas em verso, os tigres-cordeirinhos na capa, tudo aquilo é só para enganar o leitor desavisado que depois deixa comentários na Amazon. Como aquele papá que leu o livro à hora de dormir – pronunciando bem as sílabas “go the fuck to sleep”, esperemos – e pôs a miúda de quatro anos a chorar. Ele há putos sem nenhum sentido de humor, bolas. Um pai esforça-se, esforça-se, e depois é isto. Apre. Cambada de ingratos.

Entendamo-nos, portanto: Go The Fuck to Sleep é um livro para adultos. A partir dos três anos, mais ou menos. Na entrevista, Adam Mansbach recomenda que o coloquem numa prateleira bem alta, longe do alcance das crianças – que é precisamente o que todos vão fazer, nas livrarias e tudo. Assim, bem lá no alto, onde ninguém chegue senão com um escadote.

Adam Mansbach podia ter escrito um romance ou um ensaio sobre a difícil e debilitante condição da paternidade, mas sabia que ninguém lhe ia ligar pevas. Sobretudo, daria muito trabalho. Por isso, entre duas cervejas e o sumário das aulas, escreveu Go The Fuck to Sleep. Escreveu-o a pensar nos milhões de pais atormentados que se sentem “identificados” com o problema de pôr as crianças a dormir (poderemos chamar-lhe uma “issue”?), e agora estão muito mais aliviados, porque finalmente alguém os compreende. Taditos. Sentiam falta de “empatia”. Já não sabiam o que fazer com tanto sentimento de culpa, com esses momentos em que a bílis sobe ao esófago (a bílis, o cansaço, a pressão do trabalho, o vizinho a martelar, as contas por pagar, os fritos que caíram mal e todas essas coisas chatas da vida), provocando um súbito e premente desejo de torcer aqueles pescocinhos alvos que se recusam a tombar na almofada, pelo menos até à manhã seguinte. Aí, entra o bom do Mansbach. Os papás pegam no livro e riem-se muito. Ele também.

terça-feira, 31 de maio de 2011

MAU COMEÇO


“Mafalda Moutinho decidiu-se pela literatura juvenil por pensar que seria mais fácil para começar.” (in Notícias Magazine, 29/5/2011). Começa assim o artigo de três páginas sobre a autora da colecção Os Primos. Um mau começo, porque gerador de tremendos equívocos – o pior dos quais é a convicção generalizada de que a literatura para crianças e adolescentes é essa coisa vulgar e desinteressante que qualquer um consegue fazer. Às vezes pergunto-me quantas pessoas escrevem para crianças guiadas pela presunção ilusória da facilidade, quando no fundo desejariam escrever romances "sérios" e integrar o catálogo da Quetzal. A ser verdade, é melhor decidirem-se a trabalhar e pararem de contar historinhas a si próprios.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O OSCAR QUE NÃO FOI UM ACIDENTE



À partida, sou devota de qualquer filme que tenha acento very british e Colin Firth no elenco, mas o Oscar que me deu mais satisfação foi para o melhor longo documentário: Inside Job – A Verdade da Crise, uma reconstituição do megaprocesso de engenharia financeira, económica e política que, desde os anos 1980, perpetrou a desregulamentação e o colapso do sistema bancário tal como o conhecíamos, originando a famosa “crise”. Não, não foi uma crise acidental, como pensa a minha mãe. Sim, houve culpados, desde altas figuras de Estado e eméritos professores de Harvard e Columbia até aos patos-bravos de Wall Street; gente sem consciência nem vergonha na cara que ontem coleccionava jactos privados e hoje responde com a maior cara de pau às perguntas que lhes fazem, apalpando no bolso as carteiras recheadas de indemnizações chorudas. Money, money, money. Dirty money. Sabiam que experiências científicas demonstram que ganhar dinheiro e consumir cocaína activa a mesma parte do cérebro? Curiosa coincidência. Como escreveu um crítico do Boston Globe, o filme é “mais assustador do que qualquer coisa que Wes Craven e John Carpenter já tenham feito”. Para que serve? Por exemplo, para que o Zé-pagante comece a pensar duas vezes antes de aceitar um folheto de propaganda de qualquer coisa e assinar de cruz. Subscrevo o que diz Eduardo Pitta no Da Literatura: era bom que o Oscar trouxesse o filme de volta às salas de cinema. Que passasse na televisão a horas decentes. Que fosse dado nas escolas. Infelizmente, o programa vigente é o da idiotização geral. Dá muito jeito, pois claro. Segurem-se e vejam o trailer.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

PRÉMIOS LIMÃO 2010


Algumas coisas incompreensíveis, delirantes, inanes ou de gosto duvidoso que foram dadas à estampa em 2010, com o pretexto de serem “para crianças”:

Prémio “a Ferreirinha dos pequeninos”

– Pode trazer mais uma garrafa disto?
– Vinho do Porto?
– Exactamente. Aqui o meu colega hipopótamo tornou-se apreciador.
– Revela bom gosto – retorqui delicadamente. – O Vinho do Porto é um dos grandes orgulhos de Portugal.

(Francisco Moita Flores, As Aventuras de Maresia do Mar e Outras Histórias para Aprender)


Prémio “Vais acabar nas Novas Oportunidades, ai vais, vais”

Se António admirava os grandes campeões desportivos, não admirava menos os heróis das histórias e os escritores que tinham sido capazes de as inventar.
– Ainda por cima – gabava-se o avô Francisco, à conversa com os amigos –, o miúdo também adora ler. Vamos lá a ver o que sai dali, porque ele, afinal, tem jeito para tudo.

(José Jorge Letria, A Magia do Círculo Azul)


Prémio “O camisinha amarela”

[Útero]
É resguardado e secreto
com a lição aprendida
pois é nele que começa
o mistério desta vida.
E os espermatozóides
nele encontram ambiente
para que a promessa de vida
possa enfim seguir em frente.

(José Jorge Letria, O Alfabeto do Corpo Humano)


Prémio “Puto, enriquece o teu vocabulário”

Deixem que lembre ainda
O m de merda: dá tanto jeito
Para mandar alguns mm dos tais…
E é nome escorreito:
Vem no Morais.

(José Carlos de Vasconcelos, Arco, Barco, Berço, Verso)


Prémio “E se for só à expressão já vais com muita sorte”

– Vamos agora. Isto vai ser sem espinhas – disse o Tição sem perceber porque é que os outros não acharam graça à expressão.

(Luís Represas, A Coragem de Tição)


Prémio “Assim também eu votava nas presidenciais”

Na cidade de Cata-vento viviam-se dias de grande agitação. Chegara a hora de escolher um novo Presidente que servisse com honra e inteligência toda a comunidade.

(Carmen Zita Ferreira, O Bicho-de-Sete-Cabeças – História de uma eleição democrática)


Prémio “Os malefícios do álcool e do tabagismo”

O António, que tinha tido todas as oportunidades na vida mas nenhuma cabeça para as aproveitar, acabou mal, precocemente envelhecido, com hábitos alcoólicos e sem saber fazer nada, porque nunca tinha aprendido nem querido aprender, e revoltou-se contra o mundo em vez de se revoltar contra ele próprio. Teve a sorte de ir parar a uma instituição social mesmo sem pagar a mensalidade.

(Maria de Belém Roseira, in Contos Pouco Políticos)


Prémio “Depois de ler este livro também já bebia qualquer coisa”

O Riscas não precisou de pensar muito para formular o primeiro desejo, a viagem estava a ser cansativa e precisava de beber algo para seguir a caminhada. Sim, beber era de facto o primeiro desejo.
Largar o grito seria o segundo e talvez o mais importante desejo.

(Sónia Borges, O Riscas)


Prémio “Conselhos aos meus amigos caçadores”

– Os homens são perigosos mas também são estúpidos, Ismael. Eles estão sempre a fazer barulho, estão sempre a falar uns com os outros e em voz alta, ao contrário de nós, coelhos. Depois, eles não sabem caminhar no mato silenciosamente: fazem sempre tanto ruído que, se estiveres atento, vais poder esconder-te antes que eles cheguem próximo de ti.

(Miguel Sousa Tavares, Ismael e Chopin)


Prémio “Não estive em Woodstock, mas já fui ao Andanças”

Alana aproximou-se das outras ninfas e viu que elas estavam mais alegres. Cantavam com mais vigor, bailavam com mais energia, procuravam as essências mais activas, teciam grinaldas maravilhosas e túnicas delicadas e esvoaçantes…
– A Primavera é como uma festa diária nos nossos corações, explicou a rainha das ninfas. – A festa da alegria e da cor!

(Alice Cardoso, Alana e a Festa da Cor)


Prémio "O problema é que os fios de lã se metem nos dentes"

A menina Adélia era amiga da sua avó e recepcionista do museu. Por ano produzia quilómetros e quilómetros de cachecóis de lã para ajudar meninos carenciados.

(Mariana Roquette Teixeira, O Pintor Desconhecido)


Prémio "Sir Richard Attenbourough de sacristia"

Mas a verdade é que há cobras más, cobras boas e cobras mais ou menos boas e mais ou menos más. O mesmo acontece com os outros animais e também com as pessoas. E por isso devemos sempre olhar e ouvir com atenção, antes de dizermos se uma cobra, animal ou pessoa são maus ou são bons.

(Francisco Alegre Duarte, Joana Serpentina)

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

A RESIDÊNCIA ESPANHOLA, 23


Num mapa em forma de puzzle, recomendado para crianças maiores de cinco anos, Espanha e os seus muitos clichés (a catedral de Burgos, os moinhos da Mancha, o arroz à valenciana, o vinho Rioja…) são ladeados por França e Portugal. O autocolante esconde parte da vergonha. Mas ela aí está, a bola vermelha e verde, símbolo maior do desígnio nacional, critério de aferição da nossa actual importância no mundo. Um país de futeboleiros. Ao menos podiam ter mantido o galo de Barcelos.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

GENIOZINHO


“Na altura dizíamos-lhe que se trabalhasse muito ainda ia conseguir publicar um livro e isso passou a ser um sonho para ela. No verão passado, quando estávamos de férias ela estava a ler O Rapaz de Bronze de Sophia de Mello Breyner Andresen e disse-nos que não sabia como a autora tinha conseguido publicar o livro porque escrevia como ela”, contou Emília.

Emília é a mãe da menina de nove anos que acaba de publicar um livro de histórias para crianças, a que deu o nome de A Grande Máquina do Tempo. Uma editora de Coimbra, Temas Originais, aceitou publicar o texto; que, segundo se diz nas notícias (aqui e aqui), não encontrou resposta noutras casas. Sinceramente, só espero que a moda não pegue. Não acredito em geniozinhos da literatura infantil que gostam de brincar às casinhas e vão à natação todos os dias, e muito menos em pais babados que admitem que a filha possa escrever como a Sophia de Mello Breyner Andresen. Se a catraia fosse minha, mandava-a já ler The Book of Virtues, do William J. Bennett, com posterior resumo de todos os capítulos.

Esclareço que a imagem acima não é da menina de Vila Real. Fui agora buscá-la à minha colecção de postais pirosos.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

quinta-feira, 3 de junho de 2010

DA HUMILDADE INICIAL DA ESCRITA

“Infelizmente, a literatura infantil continua ainda a ser para muitos adultos campo fértil para exercícios de expiação. Incapazes de se salvarem da sua hipocrisia, agarram na bonecada do costume e lançam ao mundo a sua mensagem pelo tal mundo melhor que são incapazes de construir e pelo higiénico exemplo que nunca o serão.” Ler aqui.

Confesso: não sabia que Sarah The Duchess of York Ferguson tinha uma carreira tão prolixa como escritora de livros para crianças, até deparar com este post no blogue da Bruaá. Logo fui confirmar à Amazon e constatei que sim, que Sarah The Duchess of York Ferguson já escreveu imensos livros para crianças. Que grande talento tenho andado a perder.