Mostrar mensagens com a etiqueta Venerando de Matos. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Venerando de Matos. Mostrar todas as mensagens

23/03/10

A CAVALO PELAS LINHAS



Venerando de Matos, incansável investigador da nossa História Local e sempre atento ao que por cá se vai passando, deixou estes apontamentos no seu VEDROGRAFIAS. Pela sua actualidade e importância aqui o transcrevemos com a devida vénia e agradecimento.
De notar que inclui a reportagem publicada hoje no jornal PÚBLICO.
Chamamos ainda a atenção para o endereço da organização responsável por este Raid. Vale a pena  visitar: http://www.linesoftorresvedras.com/


Decorreu este fim de semana um raid hipico, percorrendo as Linhas de Torres Vedras, que contou com a presença do descendente do Duque de Wellington.



O Público de hoje inclui uma grande reportagem sobre mais esse acontecimento comemorativo das "Linhas de Torres", cuja reprodução integral incluimos em baixo, como mais um documento importante para este ano do bicentenário:



"A cavalo pelas linhas onde começou a derrota de Napoleão


Lord Douro é descendente directo de Arthur Wellesley, o general britânico que entrou para a história como herói das guerras napoleónicas. No sábado, montou a cavalo e visitou as Linhas de Torres, o palco onde começou a derrota final de Napoleão. Foi uma viagem no tempo.
Por Luís Francisco (texto) e Raquel Esperança (fotografia)


Um general inglês, tropas portuguesas e inglesas, mão-de-obra lusitana. A mais antiga aliança militar da Europa produziu os efeitos gloriosos há exactamente dois séculos, quando a terceira invasão francesa partiu os dentes às portas de Lisboa. Em apenas um ano, a visão de Arthur Wellesley (futuro duque de Wellington) e o suor dos portugueses criaram uma das mais notáveis linhas de defesa da História. Para comemorar o feito, decorre um extenso programa de celebrações, que no sábado passado incluiu a visita de Lord Douro, o descendente directo do homem que travou Napoleão. Tal como o seu antepassado, o nobre britânico montou um cavalo castanho (emprestado por um criador português de cavalos de raça árabe). Ao peito tinha o número 33, exactamente o mesmo do regimento do seu tetravô. E foi assim que largou para o Raid dos 200 Anos das Linhas de Torres Vedras, prova de resistência hípica que juntou algumas dezenas de participantes num percurso pelas fortificações erguidas no início do século XIX e que agora vão sendo recuperadas.

É uma viagem no tempo, um relance sobre o passado que em muito deve às tecnologias do futuro. "Os moinhos dão um jeitão", explica Clive Gilbert, vice-presidente da Bitish Historical Society of Portugal. A paisagem explica o resto: nas ventosas cumeeiras das serras do Oeste alinham-se os ciclópicos moinhos da era moderna, os geradores eólicos. Para os colocar no local e garantir a sua manutenção, os proprietários construíram estradas que rendilham os pontos mais elevados. E foi exactamente aqui que Wellington mandou construir as fortificações das Linhas de Torres.

São, na sua esmagadora maioria, redutos escavados nos pontos mais elevados, protegidos por fossos e parapeitos e munidos de seteiras para permitir a instalação de peças de artilharia. Foram construídos às dezenas (152 no total) num curto lapso de tempo e travaram as tropas napoleónicas lideradas pelo general francês Massena.

As invasões francesas

Um pouco de enquadramento. As ambições territoriais de Napoleão Bonaparte levaram-no a assinar um pacto com Espanha (em Outubro de 1807) e a invadir Portugal, cujo destino seria ser dividido pelas nações conquistadoras. A ideia era isolar ainda mais a Grã-Bretanha, histórica aliada dos portugueses. O primeiro acto foi pouco heróico para as cores lusas: os franceses chegaram, a família real fugiu para o Brasil (levando 15 mil pessoas consigo) e o general Junot tomou as rédeas do país.

Mas então a história começou a mudar. Os franceses não respeitaram a autoridade real de Carlos IV de Espanha e, perante a insatisfação popular, tiveram de concentrar forças no país vizinho. O desembarque em Portugal de Arthur Wellesley e 10 mil soldados britânicos permitiu expulsar os franceses, entretanto já acossados por vários focos de rebelião popular. Era o fim da 1.ª Invasão e a segunda, menos de ano e meio depois, quase não teve história.

Mas em 1810 os franceses voltaram à carga. Desta vez, porém, havia um plano específico para os travar antes de chegarem à capital. Wellington decidiu que as populações das Beiras retirariam das suas casas e propriedades, recolhendo-se a sul das Linhas de Torres. Para trás não deixaram nada que pudesse sustentar as tropas de Massena. A política da "terra queimada" era apenas um dos pormenores da estratégia. Outros eram a formação de linhas sucessivas de fortificações e o estabelecimento de sistemas de comunicação que permitiam saber rapidamente o que fazia o inimigo e movimentar as tropas para fazer face à ameaça.

Começou aqui a ideia de que a informação é poder, um princípio basilar da guerra moderna. O primeiro correspondente de guerra, no sentido mais actual do termo, foi Henry Crabb Robinson, que exerceu a sua actividade para o jornal The Times, primeiro na Alemanha e depois na península Ibérica, incluindo Portugal. Diz-se mesmo que, desconfiando dos relatos que lhe eram fornecidos pelos seus generais, Napoleão tinha espiões em Londres cuja missão era ler os jornais ingleses e reportar ao imperador o que realmente se passava no teatro de guerra...


A história a cavalo

Em Portugal, nos idos de 1810, o que se passava era um jogo de xadrez militar. Wellington organizou a defesa nas Linhas de Torres de forma exemplar. "Era um homem extraordinário", explica Clive Gilbert. "Capaz de ver o quadro geral, mas também de estar atento aos pequenos detalhes."

Clive, um inglês nascido em Lisboa - "sou alfacinha, da freguesia de Santa Isabel" -, fala durante o périplo por várias das fortificações instaladas na região. Mostra como as defesas estavam organizadas em duas linhas sucessivas, mas com alguns fortins pelo meio. "Neste [o número 28, tal como o 29], havia forças preparadas para retardar o inimigo se a primeira linha cedesse, permitindo o reagrupamento das milícias na segunda."

O corpo principal do Exército estacionava por perto, pronto a intervir nos pontos críticos. "As Linhas de Torres eram dinâmicas e essa foi a grande diferença", explica Gilbert. Os generais sabiam sempre o que se passava, porque os postos de observação comunicavam entre si através de um sistema de telégrafo visual (com balões e bandeiras) que utilizava os códigos da Marinha britânica. Um código ainda hoje tão secreto que, ao pedir informações para replicar o sistema no alto da serra do Socorro, as equipas portuguesas receberam apenas dois ou três exemplos concretos de mensagens.

Por esta altura, claro, o descendente de Wellington já não vai a cavalo. Ele cumpriu apenas o sector curto da prova, 20 km por montes e vales, menos de metade do que o grande general palmilhava todos os dias durante a guerra. "Já tinha visitado as Linhas, mas fazê-lo a cavalo é muito especial", assume Lord Douro, enquanto petisca qualquer coisa após a chegada. É por esta altura que lhe dizem que foi o vencedor da competição curta, uma vez que o seu cavalo era o que apresentava melhores índices físicos no final do percurso.

É claro que os outros dois "competidores" se limitaram a fazer-lhe escolta e o ilustre visitante não esconde isso. "Mas eu nem corri... Quem quer que tenha visto a velocidade a que passei percebe logo que não se pode usar essa palavra", graceja. Contou com um cavalo de excelente nível, cujo destino será agora o Qatar. "E era da mesma cor do do meu antepassado, o Copenhagen!"


Uma guerra moderna

"Foi uma sensação fantástica, cavalgar pelos locais onde o meu tetravô andou. Ele não deixou memórias, mas era muito prolífico em relatórios e cartas. Por isso, ao ver esta paisagem, foi como se estivesse a reviver o que ele contava." Bom, com algumas limitações... "Não gostei de ver tantos moinhos; sou a favor das energias renováveis, mas não em paisagens belas e históricas como esta. Na Escócia, acontece o mesmo..."

A boa disposição de Lord Douro (nome que adoptou entre os vários títulos honoríficos da família, retirando o "do" da denominação portuguesa) percebe-se. Quando lhe perguntam se a memória de um herói de guerra como Wellington é um fardo ou uma honra, não hesita: "Não pude escolher de quem descendo. Fiz a minha vida independente disso, nos negócios, na política [foi eurodeputado durante dez anos]. Mas a verdade é que me tem sido proporcionada a possibilidade de visitar e conhecer sítios fantásticos, por causa das homenagens ao meu antepassado."

Sempre com um sorriso para as objectivas dos fotógrafos, o herdeiro de Wellington não se coibiu de brincar com os espectadores que se aglomeravam junto de uma descida particularmente íngreme: "Portanto, vieram até aqui só para me verem cair!" Apesar de já não ser um jovem (fará 65 anos em Agosto), não só não caiu como cumpriu aqueles exigentes (e escorregadios) metros na sela, ao contrário de outros participantes, que desmontaram e levaram o cavalo pela arreata.

É tempo de regressar aos carros e continuar o périplo pelas Linhas de Torres, sempre encontrando pelo caminho alguns dos participantes da prova equestre. Entramos no forte do Alqueidão, onde escavações recentes começam a dar melhor uma ideia do que era este grande reduto a mais de 430 metros de altitude, em linha de vista com a serra do Socorro (395 metros), onde, horas depois, se inaugurou uma réplica do telégrafo visual que tanto ajudou no tempo das invasões francesas. "Belo trabalho dos engenheiros portugueses", realça Lord Douro, perante a velha calçada da estrada militar.

Foi neste e noutros cenários, como as quintas onde se instalavam os generais, que se decidiu a batalha que marcou o fim das ambições napoleónicas de dominar a Europa. Era uma guerra de antigamente. Uma guerra que parava no Inverno. Nessas alturas, os piquetes luso-britânicos e franceses encontravam-se. "Os franceses queriam jornais, os britânicos brandy...", ri-se Clive Gilbert. Já os generais ofereciam-se outros requintes. "Os franceses convidavam os britânicos para assistirem a peças de Moliére em Santarém; os britânicos recebiam os franceses para corridas de cavalos e jogos de futebol [um futebol arcaico, antecessor do actual]."

Era, de facto, uma guerra à antiga. Mas que lançou muitas das bases da guerra moderna. E o seu testemunho jaz, em tantos casos ainda escondido, nas serranias do Oeste. À espera que os portugueses o descubram".

21/10/09

FOI HÁ 199 ANOS...

Venerando de Matos, no seu VEDROGRAFIAS, recorda um documento importante que está na origem das Linhas de Torres Vedras. Começa assim o seu texto:

Em Outubro de 1809, estando o exército anglo-luso acantonado nas margens do Guadina, Wellington deslocou-se a Lisboa e, na companhia do coronel Murray e do tenente-coronel Fletcher, percorreu durante alguns dias os terrenos a norte de Lisboa (1), deixando instruções para este último, num documento datado de 20 de Outubro de 1809, documento que ficou conhecido pelo “Memorando Fletcher”.

26/12/08

SUPLEMENTO no jornal Badaladas



Em 28 de Novembro foi editado pelo Badaladas um Suplemento de 4 páginas, de que se reproduz a primeira, em fotografia. (Aguardamos a digitalização para reprodução mais fiel).


Transcrição:

A publicação deste Suplemento, da responsabilidade da Associação para a Defesa e Divulgação do Património Cultural de Torres Vedras, está integrada na evocação do Bicentenário das Invasões Francesas, a decorrer entre os anos de 2007 e 2010. Esta iniciativa, que se inscreve num dos objectivos centrais da ADDPCTV – dar a conhecer o património histórico de Torres Vedras – só é possível com a colaboração da Direcção e da Administração do jornal Badaladas, uma e outra bem cientes do papel imprescindível da imprensa regional na preservação da memória colectiva.
A DIRECÇÃO DA ADDPCTV



Tores Vedras e a Primeira Invasão (1807-1808)

(Venerando de Matos)

As tropas de Junot cruzaram a fronteira portuguesa em 19 de Novembro de 1807, entrando em Lisboa no dia 30, três dias depois da família real ter saído a caminho do Brasil.
Segundo Madeira Torres, “Torres Vedras (...) foi a primeira em participar da consternação e saudade (…) pela ausencia do nosso adorado Principe”.
No dia 6 de Dezembro os torrienses “foram constrangidos a franquear quarteis, e munições de bôcca para a tropa de mais de duas brigadas” comandadas pelo Brigadeiro Charlot até à chegada do General Loison, nos dias seguintes. “No dia 8 do mesmo mez adiantou-se para a Praça de Peniche o General de Brigada Thomiers com dois batalhões, e passados alguns dias retrocederam dois para Mafra, onde Loison estabeleceo ordinariamente o seu Quartel General”
Permaneceram em T. Vedras “ os dois Batalhões dos regimentos 12 e 15 de infantaria ligeira”, que eram compostos por cerca de tres mil homens, sob o comando do Brigadeiro Charlot.
“Nos primeiros dias padeceo esta Villa não só os gravissimos incommodos do alojamento, mas quasi todo o pêso das requisições para a inteira subsistencia da tropa”
A moderação do brigadeiro Charlot foi muito elogiada pelo ilustre pároco torriense, até porque “contribuio ella para nunca se interromperem as funcções do Culto, nem mesmo a do Natal, e para se fazerem com boa ordem, e até com esplendor”.
Com a proximidade da Primavera o mesmo brigadeiro aliviou a vila “d’algum pêzo de tropa, mandando destacar duas Companhias para a Lourinhã, e duas para o logar do Turcifal”.
Em finais de Maio “levantou-se o quartel do General Charlot”, partindo com o Batalhão do regimento 12 “para a frustrada expedição do Douro e Porto, commandado por Loison. Pelo mesmo tempo se transferio o Batalhão do Regimento 15 para Mafra, e veio para aqui um dos alojados na Praça de Peniche, de que era Commandante o Major Bertrand, o qual apenas se demorou um dia. Desde então ficou esta Villa alleviada de tropa effectiva; mas não deixou de ser frequentada, e incommodada por alguns destacamentos, pelo transito dos Officiaes do Estado Maior, e tambem de varios corpos do Exercito.”[1]
Até Junho de 1808 as revoltas contra o invasor foram esporádicas e localizadas, não se conhecendo nenhuma neste concelho.
A mais importante, nas proximidades de Torres Vedras, foi a revolta das Caldas da Rainha, iniciada em 27 de Janeiro de 1808 e rapidamente esmagada pelas divisões de Thomiers e Loison, tendo, para esse efeito, a divisão deste último atravessado Torres Vedras.
Foi a partir da Espanha que a revolta popular contra o invasor ganhou contornos de grande insurreição, iniciada no célebre “2 de Maio”, contaminando Portugal onde, a 4 de Junho, se registaram os primeiros motins que tiveram lugar em Chaves.
Segundo Madeira Torres: “principiaram a chegar” (a Torres Vedras) “ as noticias de que a expedição do general Loison se tinha malogrado, e que as provincias do Norte se davam as mãos para destruir o intruzo governo, e proclamar o nosso legitimo Soberano; soube-se depois, que este heroico enthusiasmo já chegava á Cidade de Leiria, e que bem depressa as outras Povoações da Extremadura, (…). Esperava-se com impaciencia a aproximação do exercito Nacional, auxiliado com o socorro que se dizia chegado d’Inglaterra, mas a demora, e a incerteza das noticias concorriam para a geral anciedade”.[2]
A 2 de Agosto Junot tomou conhecimentodo desembarque britânico em Lavos.
Rápidamente procurou reunir as suas tropas, então dispersas a tentar travar as revoltas populares que se espalhavam por várias regiões do país.
Loison, com uma divisão de 6000 homens no Alentejo, foi mandado retirar para Abrantes e daí avançar sobre Tomar.
Delaborde, por sua vez foi mandado de Lisboa a caminho da Batalha e Alcobaça. Uma parte destas forças, comandadas por Thomiers, atravessou Torres Vedras. Foram estas forças que se defrontaram com os ingleses na batalha da Roliça, em 17 de Agosto, ao mesmo tempo que os ingleses entravam em Alcobaça, cortando as comunicações entre Delaborde e Loison.
Mais uma vez Torres Vedras viveu estes acontecimentos à distância, sabendo-se “da batalha da Roliça (...) pelos que se retiravam feridos do Exército, e por alguns prisioneiros, que aqui vieram pernoitar, escoltados por uma patrulha commandada pelo Capitão Picton do Corpo da Polícia”.
Por sua vez, Delaborde aproveitou-se “da noite para largar de todo o campo”, e tomar “a estrada, que diante da quinta da Bogalheira se dirige a Runa, onde descançou poucas horas, prosseguindo a marcha pelo Caminho da Cabeça. Em quanto o Corpo principal seguia, não deixavam de passar pela Villa em toda a noite soldados dispersos, que eram outras tantas testemunhas evidentes da victoria dos nossos alliados: pedio ella sem duvida publicos applausos, porém houve a necessaria prudencia em suffocal-os, o que servio para livrar a Villa d’algum severo castigo”.[3]
Tomando conhecimento da Batalha da Roliça, Junot decide abandonar a capital, determinando “fazer a concentração de todas as suas forças em Torres Vedras”.[4]
Em Torres Vedras, quando“se pensava, que no seguinte dia 18 d’Agosto entraria o Exercito alliado (…), aconteceo ao contrario espalhar-se o susto, e perturbação, pela noticia de que vinha proximo todo o Exercito Francez”, sob o comando de Junot, “e que com rigorosas ordens se mandavam apromptar quarteis, viveres, e forragens. (…). Este General entrou com o seu Estado-Maior pelas tres horas da tarde do indicado dia 18, rodeado dos Generaes quasi todos, e de uma forte escolta de cavallaria, a qual se dividio, e occupou logo as entradas da Villa, não se permittindo a sahida d’alguem, sem guia ou passaporte do Commandante da Praça, (…). Sómente os Officiaes do Estado-Maior tiveram alojamentos, porque os dos corpos ficaram com os mesmos sobre os campos visinhos. Concorreram aqui muitos individuos não militares, uns por empregados, e unidos ao Exercito nas suas diversas repartições, e outros meramente por buscarem o seu abrigo, receosos de serem sacrificados ao seu furor nas pequenas povoações. Ainda que nos armazens existissem alguns sobrecellentes do antigo fornecimento, nada eram para supprir ás urgencias de um Exercito, que se computava em 20$000 sem contar os seus aggregados: por isso foram indispensaveis as requisições violentas para a entrega dos generos necessarios; as quaes para mais prompto effeito se faziam por pregões, ameaçando-se os habitantes que se subtrahissem, com as penas de morte, e do incendio das suas casas, que seriam examinadas”. [5]
Vindo de Rio Maior, atravessando a região com dificuldade, a coluna comandada por Thiébault chega a Torres Vedras no dia 20, embora de forma dispersa.
Nessa data estavam concentradas em Torres Vedras todas as forças sob comando de Junot, num total de 13 mil homens;
Às duas horas da tarde desse dia Junot, inicia a ofensiva, para tentar chegar ao lugar de desembarque das tropas inglesas, em Porto Novo. Ao anoitecer ordena que as suas tropas estacionem junto a Vila Facaia, para descansarem.
No início da madrugada do dia 21 reinicia-se o avanço das suas tropas ao encontro do exército inglês, no lugar do Vimeiro.
A Batalha do Vimeiro foi seguida à distância pela população de Torres Vedras: “pelas 9 horas da manhãa começou a ouvir-se o estrondo d’Artilharia: no primeiro tempo do combate vieram noticias agradaveis aos Francezes: mas não tardou muito, que lhes chegassem outras, com que se mostraram descontentes, (…); enfim correram os boatos d’uma derrota completa, que se viam verificados pelos estragos, e até depois pela propria confissão, dos que se recolhiam do campo. A tropa entrou de noite,” (em Torres Vedras) “ e buscou acampar-se, como antes de ir para a batalha. No dia seguinte viam-se companhias commandadas por um cabo d’esquadra (tal havia sido a carnagem na officialidade): e todo o grande trem d’Artilharia reduzido a tres carretas. Apezar de ser tão vizivel, e avultado o destroço, ainda Junot se occupava com a impostura de fazer illuminar a Villa em aplauso da victoria (…).”
Na manhã do dia 22 Junot chamou “ao seu quartel os Generaes, e lhe propoz pedir capitulação, o que foi adoptado (...)”.[6]
Ficou encarregue de negociar com os ingleses o general Kellerman, partindo para o quartel general do exercito inglês sob pretexto de conferenciar relativamente aos prisioneiros e aos feridos, mas com plenos poderes para propôr um armistício:“Emquanto Kellermann ia desempenhar-se de tão importante missão, as tropas francêsas abandonavam Torres Vedras”.[7]
Kellerman chegou ao Vimeiro por volta do meio-dia do dia 22.No acordo de suspensão de armas ficou decidido que o rio Sizandro formasse “a linha de demarcação entre os dois exércitos” e que Torres Vedras fosse território neutral.[8]
Após a assinatura deste primeiro acordo “o Exercito Inglez se adiantou para as alturas d’aquem Amial (fixando os Generaes os seus quarteis n’esse logar, e ainda mais no do Ramalhal), começou a ser innundada de gente annexa ao Exercito, recebida com vivissimo enthusiasmo, e prazer; e apezar da supposta neutralidade, houve sem demora [em Torres Vedras] sinceras e voluntarias demonstrações de contentamento pela victoria e communicação dos allidos. As auctoridades da Villa foram logo comprimentar os Generaes Inglezes, e de todas as visinhanças concorriam numerosos ranchos de pessoas, até do sexo feminino a observar o campo da batalha, o admiravel espectaculo do Comboio estacionado defronte do Porto Novo, e a brilhante linha e revista do Exercito alliado”.[9]
No dia 24 chegavam a Porto Novo as tropas de John Moore, fundeando no dia seguinte, desembarque que se fez com grande dificuldade, levando cinco dias, afogando-se muitos marinheiros e soldados.
Registando-se algumas divergências na execução do acordo entre as duas partes, temendo-se o reacender do conflito, deram-se ordens “ás tropas de Moore para irem ocupar Torres Vedras, emquanto que os restantes corpos, sob o commando de Wellesley, deixando sobre a sua esquerda a estrada do Ramalhal a Bucellas, iriam tornear a posição de cabeça de Montachique, e o corpo do general Bernardim Freire, avançaria para ir ocupar Mafra.
“De facto, o exercito inglês adiantou-se um pouco, indo estabelecer-se nos logares do Sarge, de Paul e Torres. As tropas portuguesas vieram estabelecer-se na Encarnação (Lobagueira)”.
O tratado final só foi assinado definitivamente a 30 de Agosto e “ratificado por Dalrymple no dia 31 no seu quartel general de Torres Vedras”. Foi este acordo que passou à história, erradamente, como “Convenção de Sintra”, “pois não foi tratada, nem assignada” nesta vila. “Foi comtudo de Cintra que, com a data de 1 de setembro, Dalrymple enviou ao seu governo uma carta com a copia da convenção (...)”, daí a confusão histórica.[10]
Finalmente, no dia 15 de Setembro, o exército de Junot deixou Portugal.
Um pouco por todo o reino festejou-se a restauração do reino. Em Torres Vedras “foram grandes as demonstrações d’alegria pela gloriosa restauração do Reino em 1808. Logo no mez de Setembro do dicto anno os seus habitantes a festejaram com muitos dias de luminarias, e em seguida a Camara fez celebrar uma solemne Festividade em acção de graças na Matriz de Sanctiago, com mais tres dias de luminarias, prestito pelas ruas com o seu Estandarte (que já dias antes se tinha arvorado nos Paços do Concelho) dando vivas a S.A.R. o Principe Regente”.[11]
Torres Vedras, apesar de carregar em poucos dias “o pêso de tres Exercitos (…) e apezar dos estragos causados nos fructos, que ainda se recolhiam, e estavam pendentes, tal é a fertilidade do terreno, e tal foi a particular abundancia d’aquelle anno”, conseguiu suprir “ao fornecimento da tropa”, sem “padeceram falta” os seus habitantes.[12]


NOTAS

[1]Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), pp.164 a 171
[2] Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), p. 171
[3] Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819, pp. 171-172
[4] Victoriano J. Cesar, Invasões Francesas em Portugal - 1ª parte (...) Roliça e Vimeiro, Lisboa 1904, pp. 112-113
[5] Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), pp. 172-173
[6] Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), p.174).
[7] Victoriano J.Cesar, Invasões Francesas em Portugal - 1ª parte (...) Roliça e Vimeiro, Lisboa 1904, p.139
[8] O documento do armistício do Vimeiro foi publicado por José Acúrsio das Neves, no tomo V da sua História Geral da Invasão dos Franceses em Portugal e da Restauração deste Reino, pp.433 a 435 da reedição dessa obra pelas Edições Afrontamento,s/d
[9] Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), pp.175-176
[10] Victoriano J.Cesar, Invasões Francesas em Portugal - 1ª parte (...) Roliça e Vimeiro, Lisboa 1904, pp.141 a 143
[11] Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), nota (a) dos Editores, p. 177
[12] Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), pp.175-176


:-:-:-::-:-:-:-:-:-:-:-:-.-:-:


CURIOSIDADES HSITÓRICAS RELACIONADOS COM AS GUERRAS NAPOLEÓNICAS.

(Pedro Fiéis)

O açúcar chegava ao mercado francês proveniente das suas colónias nas Caraíbas e na América do Sul. A importância crescente deste produto, nomeadamente na conservação dos alimentos que as tropas consumiam, ditaram o aumento da procura, mas o prolongado bloqueio marítimo por parte da Inglaterra fez com que fosse um bem escasso.
Havia que encontrar uma solução alternativa e esta estava nos trabalhos realizados no século XVIII por um alemão, Marggraf, que com um seu discípulo descobriu o processo que permitia a extracção do açúcar das beterrabas. Em 1811 Napoleão ordena então o cultivo de 80.000 hectares e incentiva a criação de escolas e fábricas para poder melhorar um processo que era caro e lento.
Os frutos desta iniciativa vieram logo no ano seguinte, atribuindo-se a Legião de Honra a Benjamin Delessert, pelos avanços técnicos que registou e que tornaram finalmente a produção viável. Em 1814 já existiam 40 fábricas em França, mas também em território da actual Bélgica, Áustria e Alemanha.
Com o fim do conflito veio também o declínio desta indústria, pois o açúcar de cana inundou novamente os mercados e a preço muito mais baixo

A varíola era em séculos passados uma epidemia terrível que todos os anos reclamavam milhares de vítimas e marcava para sempre os que lhe sobreviviam. Em desespero para se encontrar uma cura, vários foram os métodos utilizados, oriundos de todos os pontos do planeta, mas sem grandes resultados.
Até que apareceu Edward Jenner, um inglês, que na sua juventude tinha sido submetido a sangrias, purgativos e dietas muito estranhas como forma de combater a doença, a que se juntava uma inoculação na qual se utilizavam as pústulas de alguém infectado.
Convencido de que este não era o caminho a seguir, dedicou-se ao estudo da medicina e reparou que o gado tinha sintomas semelhantes que se contagiavam aos humanos, mas cujas lesões que provocavam desapareciam espontaneamente e traziam consigo a imunidade contra a varíola.
Durante 20 anos recolheu dados, até que em 1796 realizou a primeira experiência com sucesso absoluto. Apesar de tudo, muitos foram os entraves e preconceitos que teve de enfrentar. A ajuda acaba por vir do inimigo existente do outro lado do canal, já que Napoleão segue o seu processo e manda vacinar todo o exército, tornando-o imune, algo crucial para quem queria conquistar a Europa.
Jenner acaba por ter o reconhecimento merecido e em duas ocasiões diferentes (1802 e 1807) recebe prémios monetários do parlamento inglês. É um dos heróis do seu tempo.

Uma disputa gastronómica subsiste nos dias de hoje entre portugueses e espanhóis, referente à origem da “Perdiz à Alcântara”. Não me vou debruçar sobre o que dizem os espanhóis, pois faltam-lhes muitos factos concretos, que sobram no nosso caso.
Assim no Convento do Sacramento em Alcântara, como em muitos outros, existiam grandes receituários, onde estavam compilados anos de sabedoria gastronómica. Ávido dos tesouros que a Igreja possuía, o general Junot encarregou logo membros do seu staff de descobrirem o que de mais precioso existia, não descurando nada, nem mesmo as bibliotecas, onde se sabia estarem obras com incrustações de pedras preciosas.
Seja por esta via ou tendo sido ofertada pelos monges, o certo é que a sua esposa divulga muitas das receitas nos salões da capital francesa. Algumas alterações são depois introduzidas, para satisfazer o gosto francês e à marinada com vinho do Porto acrescentam-se trufas e paté de pato.


:-:-:-:-.-:-:-:-:-:-:-:-:-:-:-:


CRONOLOGIA DA PRIMEIRA INVASÃO FRANCESA

(Pedro Fiéis)

1807:

Julho
9 – Tratado de Tilsit.
Setembro
15 – Junot chega a Bayonne para comandar o Primeiro Corpo de Observação da Gironda, futuro Armée du Portugal.
Outubro
22 – Convenção secreta assinada entre Portugal e Inglaterra.
27 – Tratado de Fontainebleau
Novembro
16 – A embocadura do Tejo é bloqueada por uma frota inglesa.
19 – Primeiras tropas francesas passam a fronteira em Segura.
27 – Embarque da família real no cais de Belém.
30 – Entrada de Junot em Lisboa
Dezembro
4 – Decreto de confisco dos bens dos ingleses e proibição de armas de fogo.
6 – Dois batalhões franceses chegam a Torres Vedras.
13 – O Porto é ocupado pelo general Taranco.
17 – Decreto de Berlim que confirma e agrava o Bloqueio Continental.
22 – São dissolvidos a maioria dos regimentos portugueses.

1808:

Janeiro
10 de Janeiro – A primeira família real europeia, a portuguesa, passa a linha do equador.
27 de Janeiro – Motim nas Caldas da Rainha.
Fevereiro
1 – Junot assume o título de Governador de Portugal.
9 – Fuzilamentos dos condenados das Caldas.
13 – Morre o Cardeal Patriarca de Lisboa.
Março
7– Chegada de D. João ao Rio de Janeiro.
19 – Motim de Aranjuez, prisão de Godoy.
23 – Joachim Murat entra em Madrid com 30.000 franceses.
Abril
14 – Napoleão em Bayonne.
22 – Ataque inglês ao Bergantim Gaivota.
26 – Deputação portuguesa é recebida por Napoleão.
Maio
1 – Erupção vulcânica em S. Jorge, Açores.
2 – Revolta de Madrid.
5 – Carlos IV e seu filho Fernando abdicam em favor de José Bonaparte, revolta geral em Espanha.
Junho
7 – Ballesta retira do Porto, primeira tentativa falhada de revolta.
16 – Revolta de Olhão, a primeira a aclamar o Príncipe Regente.
18 – Proclama-se no Porto a Junta Provisional de Supremo Governo.
17 – Loison sai de Almeida em direcção ao Porto.
21 – Patriotas forçam ao recuo dos franceses em Mesão Frio.
Julho
5 – Margaron reprime a revolta de Leiria.
22 – Rendição do Segundo Corpo da Gironda sob comando de Dupont em Bailén.
29 – Combates de Évora que terminam com a pilhagem dessa cidade por Loison.
Agosto
15 – Escaramuça de Brilos.
17 – Combates da Roliça.
19 – Junot chega a Torres Vedras.
21 – Batalha do Vimeiro.
22 – Preliminares do Armistício.
30 – Assinatura da Convenção, dita de Sintra, no palácio de Queluz.
Setembro
15 – Embarque das últimas tropas francesas em Lisboa.
25 – Junta de Aranjuez centraliza a revolta espanhola.
26 – Junta do Porto suspende actividade reconhecendo conselho de regência de Lisboa.
Outubro
8 – A guarnição francesa de Almeida embarca no Porto.
29 – Napoleão sai de Paris em direcção a Espanha.


:-:-:-:-:-:-:-:-:-.-:-:-:-:-.-:


LIVROS





NAPOLEÃO E PORTUGAL
Nicole Gotteri
Ed. Teorema, Lisboa, 2006

A invasão de Portugal, em 1807, corresponde a um momento decisivo da guerra entre a França e a Inglaterra. A maioria dos livros que abordam este acontecimento incide sobretudo nas operações militares. Este livro, na tradição das grandes obras de história diplomática, procura compreendê-lo no contexto geopolítico da época. A autora, doutorada em História, é arquivista-paleógrafa, antigo membro da escola Francesa de Roma.




1808
Laurentino Gomes
Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2008
Sub.título: “Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil”.
O autor, jornalista brasileiro e investigador, coligiu dados durante dez anos para fazer esta obra de divulgação histórica.





HISTÓRIA GERAL DA INVASÃO DOS FRANCESES EM PORTUGAL E DA RESTAURAÇÃO DESTE REINOJosé Acúrsio das Neves
Edições Afrontamento, Porto, 2008
Trata-se da reedição de uma obra clássica, que há muito estava esgotada, sobre a primeira invasão francesa, e cuja primeira edição data de 1810 /11.O autor, contemporâneo dos acontecimentos, era formado em Leis pela Universidade de Coimbra e exerceu funções de juiz nos Açores. Mais tarde ocupou cargos de gestão económica e foi de deputado, dedicando-se simultaneamente à investigação história.


:-:-:-:-:-:-:-:-:-:-:-:-:-.-:-:-:




CARTA DE UM SOLDADO INGLÊS A WELLINGTON,
ESCRITA NO VIMEIRO EM 21 DE AGOSTO DE 2008

(Poema evocativo, Luís Filipe Rodrigues)


Bem sabemos como a raposa te quis devorar, como
esse Junot pensava entrincheirar-te entre o descampado
e as águas do Atlântico. Nenhum dos teus cavalos
te foi infiel, nem os soldados infantes ou artilheiros,
nem os paisanos, todos foram dique e seta
e canhoneira a suster a turba napoleónica. Enquanto
essa chusma galgava penhascos e ribeiros em solo português
sempre com o mesmo intento: destruir para intimidar,
sendo cada aldeia livrée aux flammes em sentença sumária,
tu, meu amado Duque, de fronte alteada e viseira pronta,
ao lançares o brado inicial ficávamos um só na mesma saga,
um nó na mesma dança.

Vim para visitar os sítios em que outrora juntos lutámos
por esta terra derradeira. De sabre em punho vi desbaratar
quem te viesse ao caminho e foram dezenas entre o planalto
e o vale. Eu tinha vinte anos e lembravas-me Ulisses
ou Alexandre, por combateres o bom combate como disse
Paulo em seu ocaso, por servires quem sempre te serviu,
este que reclina a cabeça e pede mais um pouco de lembrança.
As ruas do Vimeiro nesse tempo não eram ruas mas caminhos
para o mar. Esse mar aqui tão perto não era Egeu
mas Porto Novo de barcas prontas para nos livrar
do Loison, o touro desembolado que atacava cegamente
o povo simples e ordeiro.

A nosso lado o aldeão manejava tão habilmente a foice
e os trilhos do monte como a espada, perdendo-se
em benquerenças para nos salvar. Nessa manhã de vinte e um
não fosse ele estancar-me o sangue da perna com garrote
de serapilheira e dar-me a beber a água do seu pote
não estaria aqui hoje. Não fosse ele a carregar as munições,
a procurar cereal e víveres, a dizer aqui há uma fonte
por esse carreiro uma gruta onde descansar da tormenta
não estaria aqui a evocar tais escaramuças,
com os cavalos e os granadeiros franceses em fuga
antes do pôr do sol. Oxalá tua voz e as investidas de corcel
ainda possam abrir uma brecha em qualquer parte do mundo.

Vim para visitar o que outros antes visitaram, ouvir falar
das mesmas águas em que as fragatas e os navios de carga
caminharam e depois arfantes no porto de desembarque,
das encostas e vales onde as forças aliadas acamparam
e montaram guarda. Venho sem um nó na garganta,
o que escrevo não é por mim mas por seres um
guevara de antigamente. Por ti vou em frente
na dor e no combate, que o corpo sofrido há tanto
da memória destes sítios se desvaneceu.
O que escrevo é para imaginar ver-te aqui onde estou
atravessando a ponte do alcabrichel na Maceira
e sentir ainda a pele colada às casas do tempo em que

eu de carabina ao peito na linha da frente a um passo dos teus olhos
tão diferentes de olhos tantos meu general e tua guarda
no sopé do outeiro entre os arbustos do cabeço
atacando à queima-roupa recuando ripostando assestando
à esquerda e à direita os regimentos de Delaborde
a salvas de mosquete e disparos de sharpnell
foi uma manhã de fogo e pânico e manobras de artilharia
até os flancos dos franceses arquearem na encosta
de ambos os lados cada um à espera do mesmo final
mais mortos que vivos após a peleja que nunca tal se viu
de manhã e ao anoitecer, tu a subir o monte escarpado
com a arma e a vitória que era tua e nossa.

Isto dura há dois séculos, contigo sempre por companhia.
Foi a sorte que nos uniu nesta embrulhada. O que vejo agora
é chama bruxuleante, paisagem que esmorece ao lembrar
o desenlace cruel ao fim da tarde.
Isto dura há dois séculos. Sendo horas para o fim do guerrear.
Nada se perdeu dentro de mim. Nem um só verso,
nem a cinza no peito, nem o que sofri para chegar até aqui,
às sete da manhã dezoito mil desde a costa
e por todas as colinas sobranceiras, armados de carabinas
granadas e cavalaria, contra os catorze mil franceses
golfando poeira e ruína. Estou aqui a tempo e a destempo
para saudar teu nome e teu morrer em cada coração que morria.



FICHA TÉCNICA:

Coordenação de Joaquim Moedas Duarte

Colaboradores:
José N R Ermitão
Pedro Fiéis
Venerando de Matos

Organização gráfica:
José Pedro Sobreiro

Execução gráfica:
Carlos Ferreira