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07/10/10

BADALADAS - TEXTO 56 - 10 SET 2010



TEMPO DE GUERRA
OS BONS E OS MAUS


José NR Ermitão

Ninguém põe em causa a importância dos ingleses no desenrolar da Guerra Peninsular contra os exércitos napoleónicos invasores. Contudo, quando se fala em comportamentos, não se pode identificar os franceses como “os maus” e os ingleses como “os bons”.
É hoje bem sabido que muitos militares ingleses,  soldados e até oficiais, tiveram para com os portugueses um comportamento absolutamente condenável. E tanto mais condenável quanto foram recebidos de um modo caloroso e festivo pela generalidade da população. O próprio Wellington queixava-se de que não havia correio ou relatório que recebesse que não trouxesse um rol de queixas contra violências e desmandos cometidos pelas tropas britânicas...
          No entanto, tão negativo como este péssimo comportamento era a atitude geral de condescendência, de superioridade, de arrogância britânicas relativamente aos portugueses, em muitos casos considerados de forma inferior e como uns incapazes tanto para governar como para defender o seu próprio país. Os ingleses tinham, por exemplo, uma péssima ideia sobre as nossas capacidades bélicas, só começando a alterar esse ponto de vista depois de constatarem a valentia dos soldados portugueses na Batalha do Buçaco.
E divulgaram esse mau conceito sobre nós em livros, em jornais, em revistas: durante e depois das invasões foram publicadas inúmeras obras que criticavam tendenciosamente o país e mostravam os seus habitantes como supersticiosos e ignorantes. E quanto à actuação do nosso exército, sempre a sua actuação foi desvalorizada comparativamente à do exército britânico, apesar de todos os elogios de Beresford e de Wellington à demonstrada capacidade de combate do militar português.   
Mas felizmente que nem todos assim pensavam e agiam. Muitos militares e civis incorporados no exército britânico eram homens de elevada formação cultural e fortes sentimentos humanos que, despindo-se da arrogância e preconceitos dos seus compatriotas, olharam o país e os seus habitantes com outros olhos, mais objectivos; e desse olhar diferente deram o devido testemunho em livros – livros em que descrevem o país destroçado pela guerra e o sofrimento dos habitantes, anotam a beleza das paisagens, tipos sociais e cenas quotidianas características, muitas vezes com ilustrações a complementarem o texto. Noutros casos, militares ingleses houve que praticaram actos de um humanismo raro em tempos de guerra.
Das várias obras publicadas que revelam atitudes diferentes e positivas na relação com os portugueses ou actos de grande humanismo, apresentarei, nos próximos dois artigos, dois exemplos. O primeiro é de Joseph Moyle Sherer, um militar que tanto se sente deslumbrado perante tudo o que vê, desde as cidades às cenas mais triviais – que procura entender como expressões próprias de um povo diferente – como condena as atitudes de sobranceria dos seus compatriotas. 
O segundo texto, de autor não identificado, revela um comportamento de elevado sentido humano por parte de militares ingleses. No texto de Moyle Sherer a guerra está longe embora paire como ameaça; mas no segundo ela está muito próxima: as populações estão em fuga perante o avanço francês e uma criança tragicamente perdida é salva por um militar britânico...

Por último, uma nota para dizer que também houve militares franceses que praticaram actos de elevado sentido humano. Refiro, por exemplo, o caso do general Travot que, durante a 1ª invasão, prestou valioso auxílio aos pescadores de Cascais; ou o caso passado com Guingret durante a 3ª invasão. Próximo de Leiria, um «bravo soldado» apresentou-lhe uma jovem e sua mãe, de uma família «conhecida e respeitada em Portugal», que tinha conseguido arrancar das mãos de soldados que se preparavam para as atacar, sobretudo a filha, da pior maneira. Guingret protegeu-as com todo o cuidado e fê-las conduzir para longe, guiadas pelo digno soldado que as salvou da ignomínia. Vários meses depois, em Espanha, um homem disfarçado de camponês procurou Guingret e entregou-lhe em segredo uma carta. Era da senhora portuguesa que, afectuosamente, lhe agradecia a protecção dada. Juntamente com a carta, ia um presente em ouro para o soldado que tinha salvo a honra da filha – presente que Guingret devolveu, porque o soldado tinha entretanto morrido em combate...
          Enfim, gestos e atitudes de paz em tempos de guerra...