A BATALHA DO CÔA
J. Moedas Duarte
Em Julho de 1809 Napoleão, vitorioso em Essling e Wagram, dominava a Áustria, a Prússia e tinha a Rússia sobre controlo. Considerou que estava na altura de se voltar para a Península Ibérica onde a aliança Luso-Britânica mantinha um foco de resistência. Ponderou vir, ele próprio, resolver o problema militar mas acabou por entregar a um dos seus mais eficientes generais, André Massena ( 1758-1817), o comando do denominado “Exército de Portugal”, criado em 17 de Abril de 1810. Massena, gasto por muitas batalhas, aceitou contrariado esta missão e mais contrariado ficou com a atitude dos generais seus subordinados, invejosos por se sentirem preteridos. Para muitos autores, estas desconfianças mútuas explicam parte do fracasso de Massena nesta campanha militar.
A primeira acção dos franceses foi contra Ciudad Rodrigo, já muito próximo da fronteira portuguesa. Durante setenta e dois dias esta cidade resistiu heroicamente ao cerco mas acabou por se render face à superioridade do inimigo. Ultrapassado o obstáculo, Massena entra em Portugal em meados de Julho e prepara-se para neutralizar Almeida de modo a garantir linhas de abastecimento com a Espanha, dominada pelos franceses. Não tinha muita pressa pois recebera instruções de Napoleão para que a campanha em Portugal se desencadeasse em Setembro, «depois do tempo quente e sobretudo depois das colheitas». Wellington, ciente da sua inferioridade numérica - o exército francês tinha cerca de 65 000 homens – não acorrera em auxílio de Ciudad Rodrigo e evita agora o confronto directo. Conta com a capacidade de resistência da vila fortificada de Almeida, uma praça-forte construída em forma de estrela, segundo o modelo idealizado dois séculos antes pelo engenheiro francês Vauban, de modo a neutralizar os efeitos da artilharia atacante e a aumentar a capacidade da artilharia defensiva. A estratégia de Wellington assentava em três princípios: desertificação do território, com destruição dos víveres que não pudessem ser transportados para Sul pelo êxodo das populações; acção de guerrilha das milícias e ordenanças, tropas de segunda e terceira linhas formadas por camponeses mas enquadradas por oficiais britânicos; e manobras no terreno, do exército luso-britânico de primeira linha, de forma habilidosa, de modo a encontrar um lugar propício ao embate, em condições de superioridade táctica - o que veio a suceder no Buçaco, em 27 de Setembro. Subjacente a estes princípios estava o segredo das Linhas de Torres Vedras, em construção acelerada mas ainda incompletas. Era vital, por isso, atrasar o mais possível a marcha de Massena sobre Lisboa.
Ponte sobre o Côa
Memorial aos combatentes do Côa
O primeiro grande embate entre invasores e defensores estava reservado para as margens do Rio Côa, perto de Almeida. Deu-se entre uma parte do exército francês, comandada pelo general Ney e a Divisão Ligeira Luso-Britânica comandada pelo general Craufurd. Os testemunhos da época dão-nos conta de um embate terrível, em que as forças aliadas estiveram a ponto de serem completamente aniquiladas pela superioridade numérica do inimigo. Tudo se passou em redor de uma ponte granítica sobre o Côa, que ainda hoje podemos visitar, poucos quilómetros antes de Almeida, na qual foi construído um singelo memorial a recordar as centenas de combatentes que ali perderam a vida. Contrariando ordens do sempre prudente e astucioso duque de Wellington, Craufurd não se limitou a pequenas acções de reconhecimento e diversão táctica. Decidiu enfrentar os franceses, apesar de manobrar em terreno acidentado e declivoso. Só a valentia desesperada dos seus soldados e oficiais subalternos impediu o desastre total, conseguindo a retirada pela ponte para a margem oposta, em sucessivos combates de enorme violência.
O confronto seguinte vai dar-se em Almeida. Dele falaremos em próximo artigo.