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15/01/10

BADALADAS - TEXTO Nº 45 - 22 JANEIRO 2010


A BATALHA DO CÔA

J. Moedas Duarte

Em Julho de 1809 Napoleão, vitorioso em Essling e Wagram, dominava a Áustria, a Prússia e tinha a Rússia sobre controlo. Considerou que estava na altura de se voltar para a Península Ibérica onde a aliança Luso-Britânica mantinha um foco de resistência. Ponderou vir, ele próprio, resolver o problema militar mas acabou por entregar a um dos seus mais eficientes generais, André Massena ( 1758-1817),  o comando do denominado “Exército de Portugal”, criado em 17 de Abril de 1810. Massena, gasto por muitas batalhas, aceitou contrariado esta missão e mais contrariado ficou com a atitude dos generais seus subordinados, invejosos por se sentirem preteridos. Para muitos autores, estas desconfianças mútuas explicam parte do fracasso de Massena nesta campanha militar.
A primeira acção dos franceses foi contra Ciudad Rodrigo, já muito próximo da fronteira portuguesa. Durante setenta e dois dias esta cidade resistiu heroicamente ao cerco mas acabou por se render face à superioridade do inimigo. Ultrapassado o obstáculo, Massena entra em Portugal em meados de Julho e prepara-se para neutralizar Almeida de modo a garantir linhas de abastecimento com a Espanha, dominada pelos franceses. Não tinha muita pressa pois recebera instruções de Napoleão para que a campanha em Portugal se desencadeasse em Setembro, «depois do tempo quente e sobretudo depois das colheitas». Wellington, ciente da sua inferioridade numérica - o exército francês tinha cerca de 65 000 homens – não acorrera em auxílio de Ciudad Rodrigo e evita agora o confronto directo. Conta com a capacidade de resistência da vila fortificada de Almeida, uma praça-forte construída em forma de estrela, segundo o modelo idealizado dois séculos antes pelo engenheiro francês Vauban, de modo a neutralizar os efeitos da artilharia atacante e a aumentar a capacidade da artilharia defensiva. A estratégia de Wellington assentava em três princípios: desertificação do território, com destruição dos víveres que não pudessem ser transportados para Sul pelo êxodo das populações; acção de guerrilha das milícias e ordenanças, tropas de segunda e terceira linhas formadas por camponeses mas enquadradas por oficiais britânicos; e manobras no terreno, do exército luso-britânico de primeira linha, de forma habilidosa, de modo a encontrar um lugar propício ao embate, em condições de superioridade táctica - o que veio a suceder no Buçaco, em 27 de Setembro. Subjacente a estes princípios estava o segredo das Linhas de Torres Vedras, em construção acelerada mas ainda incompletas. Era vital, por isso, atrasar o mais possível a marcha de Massena sobre Lisboa.


Ponte sobre o Côa





Memorial aos combatentes do Côa


O primeiro grande embate entre invasores e defensores estava reservado para as margens do Rio Côa, perto de Almeida. Deu-se entre uma parte do exército francês, comandada pelo general Ney e a Divisão Ligeira Luso-Britânica comandada pelo general Craufurd. Os testemunhos da época dão-nos conta de um embate terrível, em que as forças aliadas estiveram a ponto de serem completamente aniquiladas pela superioridade numérica do inimigo. Tudo se passou em redor de uma ponte granítica sobre o Côa, que ainda hoje podemos visitar, poucos quilómetros antes de Almeida, na qual foi construído um singelo memorial a recordar as centenas de combatentes que ali perderam a vida. Contrariando ordens do sempre prudente e astucioso duque de Wellington, Craufurd não se limitou a pequenas acções de reconhecimento e diversão táctica. Decidiu enfrentar os franceses, apesar de manobrar em terreno acidentado e declivoso. Só a valentia desesperada dos seus soldados e oficiais subalternos impediu o desastre total, conseguindo a retirada pela ponte para a margem oposta, em sucessivos combates de enorme violência.
O confronto seguinte vai dar-se em Almeida. Dele falaremos em próximo artigo.

25/09/08

Texto 18 ( Jornal "BADALADAS", 26 / 09 / 2008 )



AS AGUADEIRAS DO EXÉRCITO FRANCÊS


Pedro Fiéis*

As cantinières (numa tradução livre – aguadeiras), eram mulheres francesas a quem os regimentos davam uma autorização para a venda de comida e bebida, para além daquilo que eram as rações atribuídas a cada soldado. Tinham como única obrigação a de serem casadas com soldados do dito regimento.
O termo Cantinière veio substituir as Blanchisseuses, que em 1793 poderiam ascender a 4 por batalhão e as Vivandières, cujo número era aprovado pelo comandante de divisão. Quando foi proclamado o Império (1804) já os dois últimos tinham caído em desuso e cada mulher usava uma medalha indicativa da sua posição e que lhes concedia o direito a serem tratadas nos hospitais militares em tempo de guerra.
A sua função primordial era a de vender álcool, geralmente brandy de várias qualidades, que guardavam nos seus cantis (tonnelet) pintados de azul, branco e vermelho e presos em bandoleira por uma correia de couro, onde estavam pendurados os copos de cobre ou latão, em que serviam a bebida. Também efectuavam outros serviços, como cozinhar, lavar e coser a roupa, recolher lenha para as fogueiras e água. Se a oportunidade se deparasse, visitavam as aldeias próximas com o propósito de se abastecerem de víveres e se o produto fosse roubado, melhor, assim só tinham lucro nesta actividade.
Claro que não menos importante era o facto de constituírem uma muito necessária companhia feminina durante os longos meses das campanhas. Um dos mais famosos generais napoleónicos, Lasalle, chegou a dedicar-lhes uma canção nas vésperas da batalha de Marengo. Mas se por acaso se tornassem demasiado desordeiras, uma ordem do dia permitiria que os soldados pudessem pilhar os seus bens.
Muitas serviam até 30 anos no exército e se o respectivo marido fosse morto em combate, casavam com outro soldado para poderem manter a posição. Sobreviviam do salário do homem e dos ganhos com as vendas, mas os preços que podiam praticar eram obrigatoriamente baixos, sob pena de confiscação dos bens e não podiam vender a civis ou membros de outro regimento.
Não deixavam, elas próprias, de serem civis no exército e não tendo direito a uniforme, o garbo pessoal de cada mulher fazia com que envergassem uma mistura de vestidos de camponesa, com casacas militares e por vezes, o chamado bonet de police – o chapéu militar para ser usado nas folgas. Nas pilhagens, o que viesse para às mãos e servisse, era sempre bem-vindo.
Os filhos surgiam naturalmente, numa época em que não se conheciam contraceptivos, e na maioria das vezes acompanhavam as mães durante as campanhas. Existem relatos de mulheres que acompanharam os seus maridos no cativeiro, como foi o caso dos que foram aprisionados na ilha de Cabrera, em Espanha. Afinal, até na derrota sofriam as mesmas agruras, com os roubos, os ferimentos e as doenças, agravados pelas violações.
Apesar disso a sua coragem ficou demonstrada em diversos episódios, quando em plena batalha e a receberem fogo inimigo, corriam as fileiras dando de beber aos homens, carregando os mosquetes e não poucas vezes disparando-os. Ficaram-nos relatos de mulheres que chegaram a transportar os seus maridos feridos em grandes distâncias até chegarem a um hospital ou encontrarem uma ambulância.
Em 1807, na primeira invasão francesa, temos algumas a acompanharem os maridos na penosa marcha através de Espanha até à fronteira portuguesa e nesta altura era-lhes igualmente permitido trocar as mulas em que habitualmente viajavam, por carroças, compradas ou pilhadas, tanto fazia, integrando as outras carroças do regimento e estando sujeitas à autoridade do chefe da coluna.
Uma cantinière bem fornecida poderia ter consigo queijos, enchidos de várias espécies, salsichas, açúcar, tabaco, café, etc. Se possuísse para além disso uma tenda ampla, torná-la-ia no centro de recriação. Algo que na campanha referida só foi possível de efectuar já em Portugal, dada a falta de tudo na marcha até Lisboa.


* Professor e Investigador de História