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15/03/10

BADALADAS - Texto 47 - 12 MARÇO 2010

A OPOSIÇÃO AO PLANO DE DEFESA DE WELLINGTON


Rui Prudêncio


Apesar da vitória na batalha de Talavera (27-28 de Julho de 1809) Wellington entendeu que o avanço do exército anglo-luso até Madrid era arriscado devido às discrepâncias com o exército espanhol quanto à adopção de uma estratégia comum e à ameaçadora proximidade do exército francês da fronteira portuguesa. Além disso, a diplomacia francesa obtinha mais uma relevante vantagem para Napoleão com repercussões na Península Ibérica. O tratado de paz entre o império francês e o império austríaco (14 de Outubro de 1809) possibilitava a Napoleão a formação de um grande exército de conquista de Portugal. Com a situação militar controlada em Espanha a terceira invasão seria apenas uma questão de tempo.

Neste contexto político-militar Wellington define um plano de defesa de Portugal. O plano visava preservar o exército, evitando os confrontos directos com o inimigo, de resultados imprevisíveis. Objectivando também a defesa de Lisboa, o plano prevê a invasão das Beiras e Estremadura, retirando destas os meios de subsistência ao invasor como parte da táctica da terra queimada e constrói as linhas de defesa de Torres Vedras. As linhas de Torres Vedras articulavam-se com o primeiro objectivo ao servirem de protecção a uma eventual retirada do exército inglês por mar.

O plano de defesa de Portugal foi apresentado em Fevereiro de 1810 aos governadores do reino. Estes concordaram com a sua execução, aparentemente sem qualquer reserva. Contudo, algum tempo depois, verificou-se uma alteração no elenco governativo, com a nomeação do principal Sousa para o governo. Na opinião do principal Sousa, a defesa de Portugal devia fazer-se em território espanhol, por meio de batalha forte e dura ao invasor para impedir a sua entrada em solo português. Estava persuadido que permitir ao exército francês percorrer o país até às linhas de Torres Vedras era condenar a economia agrária e as populações. Obrigar as populações a abandonar casas e propriedades seria não só desmoralizante como lesivo para as finanças do reino, e consequentemente para o exército pela falta de dinheiro e de homens. Pensamento incompatível com o plano de defesa de Wellington que previa a evacuação da população em grande escala e a destruição de culturas e colheitas para retirar abastecimentos ao exército napoleónico.

Outro ponto discordante dizia respeito aos objectivos militares. Enquanto Wellington tinha por objectivo primordial a defesa de Lisboa e a retirada em segurança do exército inglês em caso de retirada, o principal Sousa pretendia a defesa da integralidade do território português através de acções militares em Espanha. Criticava as premissas militares de Wellington interrogando-se retoricamente: «Há de a fuga ser o meio de resistir ao inimigo? Há de ser a ruína das propriedades o meio de defender o reino? Há de Lisboa só considerar-se o ponto a defender em Portugal, e gostosamente hão de os povos danificar as suas fortunas para defesa desta cidade?» . (Arquivo Histórico Militar-DIV-1-14-002-34)

Queixa-se Wellington a 30 de Novembro de 1810 ao príncipe regente D. João que além dos governadores do reino não terem competências políticas nos planos e operações militares, pois só ele era responsável perante o rei português e inglês pela condução do exército anglo - luso, foram, sobretudo devido à oposição do principal Sousa, demorados em tomar as medidas necessárias para dificultar o avanço do invasor e implementar a táctica da terra queimada. Como consequência desta demora, escreve Wellington, «o inimigo há achado na Estremadura todas as coisas que não somente podiam cooperar para o seu conforto, mas até mesmo para a sua subsistência e para os habilitar a manter a sua posição em Portugal» . Em conclusão, o general inglês responsabilizava o principal Sousa pela sorte dos acontecimentos e pedia ao príncipe regente os devidos resultados políticos da sua acção: «Há sido pois a consequência da oposição ocasionada pelo principal Sousa contra as indicadas medidas que elas hão ficado improcedentes, e parte dos territórios de Vossa Alteza Real assim como do seu povo, estão agora suportando vexames e muitos pesados sofrimentos. A influência do principal Sousa se há em uma tal instância manifestado perniciosa e por isto deixo às sábias determinações de Vossa Alteza Real o decidir se acaso será conveniente que esta personagem continue um dos membros do governo» . Porém, o principal Sousa permanece no governo até à Revolução de 1820.

14/04/09

IMAGENS DA GUERRA PENINSULAR - TEXTO 11 - 16 ABRIL 2009 FrenteOeste






Aguarela grisaille, Luís António Xavier: «La Veritable entrée des protecteurs en Lisbonne le 30 Novembre de 1807». Lisboa, MC. PIN. 284


A PRIMEIRA INVASÃO FRANCESA


Joaquim Moedas Duarte

Estava-se em 1807. Napoleão varria a Europa central com a política do ferro e do fogo. Nada parecia resistir. Mas faltava-lhe aniquilar a Inglaterra. Esta, acantonada na ilha e dominadora dos mares, não se dobrava e tinha em Portugal um ancoradouro fiel.
Dominada a Espanha, o reduto português parecia alvo fácil. Escrevinha-se em Fontainebleau o tratado que retalha Portugal: uma parte para a Espanha, a outra para a França. Em Novembro deste ano, um exército de 25 000 homens põe-se em marcha, atravessa a Espanha e irrompe pela Beira, sob o comando de Andoche Junot, general de Napoleão, que havia estado em Portugal, três anos antes, como embaixador. Tem como objectivos a chegada em triunfo a Lisboa e a prisão da família real portuguesa. Mas uma barreira formidável se lhe opõe: não de exércitos mas de tempestades torrenciais que inundam os poucos caminhos que por aqui havia e transformam a marcha do seu exército numa espantosa calamidade humana. Soldados – homens! – arrastam-se, devoram o que encontram, matam, saqueiam, sobrevivem na lama, no frio, no dilúvio. Raul Brandão, no livro El-Rei Junot, descreve com pinceladas impressionantes este drama que envolve invasores e invadidos.
Que fazem os chefes portugueses? Organizam a defesa? Uma testemunha da época diz que teriam bastado mil espingardas para deter Junot. Mas nem uma se lhe opôs. Ouro e pedras preciosas foram enviados em desespero para comprar a benevolência de Napoleão. De nada serviram. Diplomatas atormentados fingiam aos franceses que estavam contra os ingleses, imploravam aos ingleses que os defendessem dos franceses. Uma decisão é tomada, a conselho da Inglaterra: transferir a família real para o Brasil, então colónia portuguesa, garantindo a continuidade da soberania. Com o Regente D. João (futuro rei D. João VI), sua mãe D. Maria I e seus filhos, fogem cerca de 15 000 pessoas, a elite do país: nobres, clérigos, juízes, militares, comerciantes, políticos, e mais as respectivas mulheres, e os servos, os criados, as bagagens. Indiferentes ao desespero do povo, safavam a pele. Tudo o que navegava foi tomado de assalto por esta horda amedrontada que uma aberta de temporal amainado permitiu sair do Tejo, direcção do Brasil. Junot e os 1 500 homens que sobraram da marcha forçada falharam a captura real por uma tira de horas. Foi nos dias finais de Novembro de 1807.

23/03/09

IMAGENS DA GUERRA PENINSULAR - VI 12 Março 2009 FRENTE OESTE


O príncipe regente passando revista às tropas -Domingos António Sequeira, 1803 - Palácio Nacional de Queluz





FIGURAS HISTÓRICAS

D. JOÃO VI

Maria Guilhermina Pacheco

Filho segundo da rainha D. Maria I e de D. Pedro III, não se encontrava na linha directa ao trono, mas a ocorrência da morte do príncipe herdeiro D. José, garantiu a sua sucessão.
Casou em 1785, com D. Carlota Joaquina, filha do rei de Espanha, Carlos IV, tendo tido nove filhos, destacando-se D. Pedro, D. Isabel e D. Miguel.
A sua mãe, D. Maria I, enlouqueceu, e, em 1792, teve que assegurar o governo do reino, o que se veio a prolongar até 1799. Mas, como a rainha não mostrava melhoras, iniciou-se, a partir daquela data a regência de direito, que se prolongará até 1816, quando por morte da rainha-mãe, é aclamado rei, coM a idade de quarenta e nove anos, na cidade do Rio de Janeiro, para onde a corte portuguesa se deslocara, em 1807, devido à primeira invasão francesa.
O período da regência de D. João é contemporâneo de profundas transformações na vida política da Europa, a Revolução Francesa e as suas consequências, que se fazem sentir também, em Portugal.
Em catadupa, os acontecimentos vão-se sucedendo; Bloqueio Continental, o Tratado de Fontainebleau, as Invasões Francesas, a fuga para o Brasil (elevado a reino em 1815), as conspirações liberais de 1817 (em Portugal e no Brasil), a Revolução Liberal de 1820 e, o posterior regresso da família real e a independência do Brasil. É o declinar de uma época e o nascer de outra, que se opõe à anterior, com novas regras, política, económica, social e culturalmente.
O rei, “testemunha e agente dessa transformação, que não havia sido fadado pela natureza nem com grandes recursos intelectuais nem com vontade firme e esclarecida, que poderia fazer ao longo de toda a sua vida de governante, além de procurar impossíveis equilíbrios, inviáveis mediações entre a rotina e a inovação?” …” tíbio, infeliz e bom, o rei, aos baldões dos acontecimentos, encarnou um período calamitoso da história pátria, em cujos transes se forjou o dealbar do Portugal contemporâneo” (Joel Serrão, D. João VI, in Dicionário de História de Portugal, III volume, Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1975)
No entanto, actualmente, tem havido a tendência para uma reabilitação da figura de D. João VI, apresentando-o como um estadista aberto aos problemas da sua época, e lutando por uma política de neutralidade portuguesa, e de equilíbrio, entre a França revolucionária e o imperialismo inglês. •

29/07/08

Texto 13 ( Jornal "BADALADAS", 25 / 07 / 2008 )

Príncipe regente D. João (futuro rei D. João VI)



O príncipe regente D.João comunica a passagem da família real para o Brasil

JOSÉ NR ERMITÃO *

No dia 24 de Novembro de 1807, com o exército francês já próximo de Abrantes
e com o conhecimento do teor do Tratado de Fontainebleau – segundo o qual a
Casa de Bragança deixava de reinar e o país seria dividido em três partes – O
Conselho de Estado reúne e delibera «acelerar o embarque... da Real Família para
o Brasil». D. João, pelo decreto que se transcreve, comunica o facto ao país, nomeia
uma Junta Governativa, assina um conjunto de instruções (uma delas recomendando
que o exército francês seja bem recebido) e deseja felicidades aos
portugueses.
Do decreto são apresentados unicamente os trechos mais relevantes; parágrafos,
grafia e pontuação actualizadas.

REAL DECRETO DE 26 DE NOVEMBRO DE 1807

Tendo procurado por todos os meios possíveis conservar a neutralidade de que
até agora têm gozado os meus fiéis e amados vassalos, e apesar de ter exaurido o
meu real erário e de todos os mais sacrifícios a que me tenho sujeitado, chegando ao
excesso de fechar os portos dos meus reinos aos vassalos do meu antigo e leal aliado
o rei da Grã Bretanha, expondo o comércio dos meus vassalos à ruína e a sofrer por
este motivo grave prejuízo nos rendimentos da minha coroa, vejo que pelo interior do
meu reino marcham tropas do imperador dos franceses e rei de Itália, a quem eu me
tinha unido no continente na persuasão de não ser mais inquietado, e que as mesmas
se dirigem a esta capital.
Querendo eu evitar as funestas consequências que se podem seguir de uma
defesa que seria mais nociva que proveitosa, servindo só para derramar sangue em
prejuízo da humanidade e capaz de acender mais a dissenção de umas tropas que
têm transitado pelo reino com o anúncio e promessa de não cometerem a menor
hostilidade; e conhecendo igualmente que elas se dirigem contra a Minha Real
Pessoa, e que os meus leais vassalos serão menos inquietados ausentando-me eu
destes reinos, tenho resolvido, em benefício dos mesmos meus vassalos, passar com a
Rainha Minha Senhora e Mãe e com toda a Real Família para os estados da América
e estabelecer-me na cidade do Rio de Janeiro até à paz geral.
E considerando mais quanto convém deixar o governo destes reinos naquela ordem
que cumpre ao bem deles e de meus povos, como coisa a que tão essencialmente
estou obrigado, tendo nisto todas as considerações que em tal caso me são
presentes, sou servido nomear para na minha ausência governarem e regerem estes
meus reinos (
seguem-se os governadores: marquês de Abrantes, Francisco Menezes,
Principal Castro, Melo Breyner, Francisco de Noronha e outros)...Tenho por certo
que meus reinos e povos serão governados e regidos por maneira que a minha consciência
seja desencarregada e eles, Governadores, cumpram inteiramente a sua
obrigação, enquanto Deus permitir que eu esteja ausente desta capital... na conformidade
das Instruções que serão com este decreto por mim assinadas.
(Local, data
e assinatura.)

(Seguem-se as Instruções, constituídas por generalidades sobre a administração
imparcial da Justiça, guarda dos privilégios concedidos, modo de tomada de decisões,
nomeação de pessoas adequadas para os cargos de letras, oficiais da justiça,
fazenda e exército; e pela instrução específica que se segue).

(Os governadores) Procurarão quanto for possível, conservar em paz este reino;
e que as tropas do imperador dos franceses e rei de Itália sejam bem aquarteladas e
assistidas de tudo o que lhes for preciso enquanto se detiverem neste reino, evitando
todo e qualquer insulto que se possa perpetrar e castigando-o rigorosamente quando
aconteça; conservando sempre a boa harmonia que se deve praticar com o exército
das nações com os quais nos achamos unidos no continente.
(...) Confio muito... que meus povos não sofrerão incómodo na minha ausência; e
que, permitindo Deus volte a estes meus reinos com brevidade, encontre todos
contentes e satisfeitos, reinando entre eles a boa ordem e tranquilidade que deve
haver entre vassalos que tão dignos se têm feito do meu paternal cuidado. Palácio de
Nossa Senhora da Ajuda em 26 de Novembro de 1807.
Com a assinatura do Príncipe
Regente.

* Professor
Nota da Coordenação:
Os textos que aqui vimos publicando não obedecem necessariamente
a uma ordem cronológica. Eles resultam da abordagem pessoal e da disponibilidade
dos nossos colaboradores, a partir da imensa bibliografia existente sobre a
Guerra Peninsular. São olhares parcelares e dispersos que, no final da série, em 2010, e
depois de ordenados por temas e datas, poderão constituir a base de um livro que ficará
como testemunho da nossa evocação histórica do Bicentenário das Invasões Francesas.