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11 fevereiro, 2012

Quando Uma Notícia Muda a Vida da Gente

Depois de ter passado um ano longe de trabalho, de licença-maternidade, não é surpresa estar por fora de muita coisa que aconteceu na vida de vários colegas. O ambiente de um centro cirúrgico com 14 salas de operação faz com que seja possível trabalhar todo dia e ainda assim não ter oportunidade de conversar com um colega por meses. Os residentes passam por vários hospitais, então nem sempre a gente se toca que não tem visto algum deles por muito tempo. Mesmo assim, nada pode preparar a gente para certos fatos da vida.

Depois de 3 meses e meio de retorno ao trabalho, você encontra uma residente que não tinha visto havia muito, muito tempo. Uma moça simpática, tagarela, com vários problemas sérios de saúde e que parece estar sempre de bom humor. Estiveram grávidas ao mesmo tempo da primeira vez e depois ela teve um segundo bebê antes de você. Ela esteve seriamente doente na segunda gravidez e foi contra os desejos da família toda, que achava loucura ter um segundo filho com todas as limitações de saúde que o destino lhe impôs. Outrora vizinhas, você se lembra de tê-la encontrado no parquinho com a filha e você com o seu filho, quando eram bem menores. Com a sua memória, até o nome da menina você sabe.

E aí ela diz:
- Faz tanto tempo que não vejo você!
- Pois é, voltei de licença-maternidade em outubro.
- Parabéns!
- E você, como vai?
- Minha filha de 5 anos faleceu dias antes do Natal.

Aquela sensação de soco no estômago. Você mal consegue murmurar um "o que houve?", para ouvir "um tumor no cérebro. Ela passou de uma criança totalmente saudável para alguém que mancava, depois ficou incontinente e faleceu nos meus braços..."

Você precisa sair da sala para chorar. Dá um abraço nela e sai. A serenidade da moça ao explicar o acontecido é impressionante e, de alguma forma estranha, torna tudo ainda mais doloroso. Naquele instante, parece ser só sua a mistura de angústia, tristeza, injustiça da vida, aliadas ao fato de que você não sabia de nada (como assim ninguém comentou que a criança estava doente e por isso a moça estava "sumida"?) e trouxe o assunto à tona. Você teria ido ao "memorial" (uma cerimônia linda comum aqui, em que a vida da pessoa falecida é celebrada, bem diferente dos velórios no Brasil), que por sinal tinha acontecido dois dias antes dessa conversa, como a moça explicou.

Você fica pensando no que passaram estes pais, sabendo que aqueles seriam o último aniversário, a última viagem com a família completa, os últimos dias de uma criança que foi diagnosticada com uma doença incurável e faleceu 5 meses depois. A mãe médica, ciente de que não havia nada que a "Ciência" pudesse fazer para dar alguma esperança, vendo a vida da filha esvaindo-se aos poucos. Você se sente culpada, mas nem sabe o porquê.

Das pessoas que trabalham com você, obviamente todas ficam tristes pela moça, mas é notável a diferença entre os que são pais e os que não são. E, aos poucos, você vai percebendo que não foi a única que sofreu tanto, que ficou tão abalada com a morte de uma criança que só viu uma vez na vida e de quem ouviu alguns casos contados pela mãe em alguns plantões noturnos.

Tantas lições a serem tiradas deste triste episódio que nem dá para colocar em palavras. Cada um com sua crença, de repente parece que há tanto a agradecer e nada para ser pedido.

Ficam aqui as instituições de caridade favoritas do Iglu, que por uma estranha coincidência, já tinham sido eleitas como tal havia algum tempo:

Canuck Place, uma mansão linda, cercada por imensos jardins cheios de brinquedos, num bairro maravilhoso, onde crianças com doenças em fase terminal e suas famílias encontram apoio, cuidados paliativos e carinho de profissionais de saúde e voluntários. Até poucos meses atrás, você nunca tinha visto ou ouvido falar em nada parecido em lugar nenhum e fica admirada da existência de um local onde a criança doente vai, em última instância, para morrer com dignidade e a família, para se despedir dela da melhor maneira possível.

Make a Wish Foundation, que realiza sonhos de crianças e suas famílias passando por situações complicadas de saúde

Que 2012 traga sobretudo saúde a todos.

21 julho, 2011

Coisas de Exilada

Depois de 11 anos fora da terrinha, até você, que nunca foi deslumbrada, jamais achou que a vida no Primeiro Mundo fosse sempre melhor que no Brasil, surpreende-se com algumas atitudes das suas amigas moradoras da terrinha. Provavelmente quem mudou foi você, já que elas são as mesmas amigas da sua infância.

Você viaja mais de 20 horas, com uma criança e um bebê "de colo" (entre aspas porque a pessoa em questão só quer ficar no chão, caminhando enquanto tateia os móveis ou segura nas mãos de alguém), sem a ajuda de outro adulto. Aí, no dia seguinte ao da sua chegada em estado de cansaço extremo (parecia uma torturada mantida acordada para confessar um crime que não cometeu), vai a uma festa. E tem a notícia de que uma de suas amigas não compareceu, porque estava "sozinha" com as crianças, de 5 e 2 anos. Por "sozinha" leia-se só com o marido, sem babá. Coitada, deve ser muito sofrido mesmo passar 3 ou 4 horas numa festa na proporção de 2 adultos para cuidar de 2 crianças.

Mas guarde sua ira para aquelas amigas que conversam sobre festas infantis:

- Ai, gente, fui agendar a festa de Fulaninho no buffet, que trabalheira!
- E não é?
- Eu queria pro dia X, não tinha, terei que fazer no dia Y.
- E quando ligam dizendo que não tem a decoração do jeito que você pediu?
- Nossa, muito estressante organizar festa de criança.

Você, sutil como um hipopótamo numa loja de porcelanas finas, pergunta:

- Quantos docinhos você vai enrolar, quantos balões vai encher e quantas coxinhas vai fritar?

Que achem a vida difícil na terrinha cheia de mordomias para quem pode pagar você até tolera, mas que não venham reclamar das próprias mazelas na sua frente!

01 maio, 2011

Alienação Real



Depois de dois dias e intensa cobertura da mídia, já deveria estar cansada das imagens do casamento real, mas nem de longe!

Se não bastassem o enredo de contos de fadas, com a moça plebeia usando um vestido impecável para casar com um príncipe de verdade, a igreja maravilhosa, a noiva linda com uma irmã igualmente belíssima, ainda teve as carruagens e os cavalos deixando qualquer veículo de transporte das princesas da Disney no chinelo. E o que foi a educação daquela multidão? Nenhum empurra-empurra, ninguém pendurado nas grades, nem sinal de alguém bêbado no chafariz, nem cocô de cavalo puxador de carruagem tinha! Eita povo organizado! Dizem as más línguas, não faltaram nem Anastácia de Grizelda (ou é Drizelda?), as irmãs feiosas da Cinderella, representadas pelas princesas Beatrice e Eugenie, com seus chapéus de gosto duvidoso. Há princesas de fato e outras de direito.



Só eu achei irônico um príncipe casando com uma milionária e dizendo "na riqueza e na pobreza?"

Como a maioria, na torcida por um casamento feliz nesta família.

Chamem-me de alienada. Obama neste momento avisa na que Osama Bin Laden foi morto e só quero ver (de novo) as imagens do casamento do século. Ainda bem que não é toda semana, senão Marido Gringo já pediria o divórcio.

08 fevereiro, 2009

A Faxineira Ideal


Você a descobriu por acaso. Está na casa de uns amigos brasileiros e uma pessoa comenta "a faxineira ontem limpou todos os vidros". Você quase engasga com a picanha deliciosa do amigo gaúcho.

- O quê? Você tem faxineira e não me contou?
- Tenho, ela é ótima.
(uma outra amiga entra na conversa)
- Ela até tira as coisas do lugar para limpar.
- Você também?
(sentindo-se traída, excluída, humilhada, revoltada, você exige o telefone da moça e liga para ela imediatamente)
- Então a gente se vê no próximo sábado. Estou tão feliz que encontrei você!

As amigas comentam "você nem sabe se vai gostar dela". Tolinhas, como se houvesse alguma possibilidade de eu não gostar de uma faxineira (qualquer uma) depois de 9 anos de exílio no Primeiro Mundo. Ha ha ha, esta foi a piada do ano!

Depois da semana mais longa de que se tem notícia, chega o sábado. E, com ele, a moça. Você cata correndo os brinquedos da sala para não matar a santa criatura de susto e lembra, chateada, que não fez uma sobremesa especial para esperá-la. Fica na dúvida se deve oferecer a massagem nos pés antes ou depois da faxina.

Ela começa pelos banheiros, para dar tempo de você colocar a louça na máquina e tornar a cozinha ao menos decente. Você observa, maravilhada, que ela limpa até os lugares situados no universo paralelo: embaixo do sofá (e não é que ele não está parafusado no chão e é removível?), atrás da TV, por cima dos livros na estante, sob o tapete! Você pensa que é impossível juntar poeira debaixo do tapete, mas não discute que, como faxineira, você daria uma ótima madame.

A cada vez que você cruza com ela, agradece pela abençoada presença e pensa em acender uma vela em Ação de Graças.

Ela avisa que, na próxima semana, vai trazer um produto especial para limpar o forno. Isso se você quiser que ela volte, claro. Como assim? Não podemos assinar um contrato vitalício a partir de agora? Você não a agradou o suficiente para que ela cometa o sacrilégio de pensar que você talvez não a queira para sempre?

No final, ela entrega um cartãozinho. Não pode ser real. Você se belisca para ver se não é alguma alucinação visual e auditiva. Além de faxina, ela faz depilação a domicílio! E ainda conversa na saída, com seu filho: "Você é muito educado e estou impressionada de ver como você fala bem português". É perfeita, embora, para os seus padrões, contanto que ela não agrida a criança e limpe, seria maravilhosa.

Dois dias depois, seu Pacotinho de Bagunça procura por um DVD e encontra a caixa vazia:
- Cadê Cebolinha na televisão, Mamãe?
- Não sei, Filhote.
- Sumiu. Vamos procurar, Mamãe?
- Quem foi que perdeu?
- Foi Graciela.
(aquilo é uma facada no seu coração)
- Que isso, Filhote? Graciela pode TUDO nesta casa. Se ela quiser seu DVD do Cebolinha, você oferece também o do Cascão, do Nemo, do Alladin, mas nada de colocar a culpa nela. A partir de hoje, é nossa santa de devoção no Iglu.

O menino não entendeu nada. Ainda não sabe apreciar as maravilhas importadas do Terceiro Mundo.

08 dezembro, 2008

Coisa boa é ter irmã!


Duas irmãs fanáticas por sol, calor, praia e mordomia, mas vivendo em hemisférios diferentes discutem os planos para o fim de ano. Gostam de praia sim, mas são urbanas até o último fio da escova progressiva. A exilada puxa o assunto:

- Vocês vão para onde no Natal?
- Vamos para um resort que Fulano e Beltrana escolheram.
- Que legal!
- Pois é, eles me acham "a fresca", então disseram super empolgados que eu iria amar.
- Por que? É um lugar chique?
- Não, porque é "resort". Eles acham que, se tem a palavra "resort" no meio, faz o meu estilo.
- E existe resort pé-sujo?
- Eu entrei no site, parece bem legal, só tem uma coisa que está me preocupando.
- O quê?
- É um ECO resort.
- Ihhhh...
- Pois é. Eu até tremi quando li "eco". Odeio tudo que seja "eco": trilhas, descida de cachoeira, rapel...
- Perereca, lagartixa, morcego, cobra...
- Pernilongos te deixando anêmica, besouro, aranha...
- Pescaria, minhoca, peixe pulando no balde dentro do barco...
- Subida de morro no sol escaldante, povo fazendo xixi no matinho com o bumbum cheio de carrapicho...
- Tenho até um troço se alguém vier perguntar se quero fazer uma trilha!
- Pode me incluir fora dessa.

Nada como conversar com quem compreende a gente. Quem já ouviu a Santa Irmã descrever as férias em Fernando de Noronha prefere passar a lua-de-mel em Alcatraz.

10 outubro, 2008

Eu AMO Brasília

Faz quase nove anos que me mudei de Brasília e, cada vez que ponho os pés no Planalto Central, tenho a sensação de que nunca saí daqui. Definitivamente, minha alma pertence a esta cidade que, após cinco meses de seca total, fica magicamente toda verde após a segunda chuva, como se a grama tivesse sido plantada na véspera.

Nestas férias não planejadas, tenho agradecido muito ao fato de meu pai morar em Brasília e nunca ter desejado mudar-se para o Canadá. Ele teve um segundo AVC (acidente vascular cerebral, ou no popular, derrame). Os filhos puderam levá-lo a vários especialistas diferentes (alguns marcados e agendados para o mesmo dia) e ouvir mais de uma opinião. Está com uma fisioterapeuta e massagista a domicílio, um fonoaudiólogo que atende aos sábados, uma nutricionista que deu o número do celular para tirar qualquer dúvida entre as consultas, um acupunturista de quem já é paciente há mais de vinte anos e que é professor do doutorado na universidade pública local. Precisou fazer um exame de deglutição, que foi realizado por uma médica e não um técnico e já saiu de lá com o laudo em mãos. Foi ao laboratório e, embora pudesse olhar o resultado dos testes pela internet, preferiu a opção de tê-los entregue em sua casa. Ah! Sem mencionar que várias farmácias entregam medicação na porta de casa também. Nada disso seria possível em Vancouver (não posso falar por todas as cidades canadenses, mas é fácil concluir que muito disso seria sequer cogitado por lá). Ele teria sido visto por um clínico, que depois o encaminharia a um neurologista, sem referência alguma, isso se o primeiro médico não mandasse somente observar. Provavelmente iriam pedir uma ressonância magnética e ele entraria na fila por um fonoaudiológo, talvez dessem um encaminhamento para fisioterapia. Ririam dele se mencionasse um acupunturista, se perguntasse à pessoa que faz a endoscopia se ela é médica ou pedisse para ter em mãos os resultados dos próprios exames.

Obviamente que aqui no Brasil a pessoa que tem plano de saúde ou pode pagar tem mais opções, mas na época do primeiro AVC, ele foi atendido num hospital público que é referência mundial em reabilitação e também ficou de posse de todos seus exames, fez fisioterapia e ressonância magnética gratuitas, entre outros tratamentos. Em Vancouver, nem quem pode pagar tem a opção de ouvir mais de uma opinião de um neurologista numa mesma semana. Tive que lembrar isso a um casal de amigos que já morou lá, voltou para cá e estava se lamentando sobre o calor e a "qualidade de vida". Como só sou realmente feliz quando o termômetro está acima dos 30 graus e isso é muito pessoal, tive que argumentar pelo lado da qualidade de vida.

E, antes que mandem o argumento clássico de que "mas você está comparando o sistema privado de saúde do Brasil com o sistema público do Canadá". O que comparo é a realidade que eu vivia no meu país com a do lugar onde agora vivo. E talvez por trabalhar no sistema de saúde de lá é que dou graças a Deus pelo fato de meu pai estar aqui, melhorando a cada dia.

Ah, se o Marido Gringo não fosse gringo...

10 agosto, 2008

Problemas Inexistentes no Primeiro Mundo - 2

A moça está escalada para o plantão noturno, então aproveita a manhã para resolver umas pendências domésticas. Às 07:30, antes que o filho acorde, já está ela, luvas nas mãos, cabeça dentro do forno, retirando a espuma que havia colocado na noite anterior para limpar as crostas. Isso porque o forno é "auto-limpante", imagina se não fosse... Aproveita e varre a casa, passa aspirador no tapete do escritório e depois prepara o desjejum do filho. A palavra-chave da sua vida é aproveitar. Ela persegue o saltitante ser que corre pela casa e nega veementemente estar com a fralda cheia, embora o cheiro não deixe dúvidas. Lava o bumbum do Pacotinho de Cara-de-Pau, arruma-o para ir à creche, passa a calça que fez o Marido Gringo Amarrotado tirar do corpo para não ser confundido com o rapaz que pede esmola na esquina e, finalmente, quando despacha os homens da casa, tenta passar um tempinho na internet.

O refrão de uma cantiga que era trilha sonora de uma telenovela da sua infância subitamente lhe vem à memória: LERÊ LERÊ LERÊ LERÊ LERÊ...

No caminho da sala para o escritório, depara-se com o sofá todo riscado de giz de cera marrom. Respira fundo e decide que não vai limpar naquele momento. Passará um tempo navegando na internet.

Aí ela clica num fórum de discussão e vê o seguinte debate lá na terrinha (só pode ser um sinal dos Céus), que a faz lembrar da sua sorte de morar no Primeiro Mundo, diante da situação tão caótica no Brasil. Até o título é reconfortante: Por que somos reféns de empregadas e de babás?

Olha que mimoso, gente! A pessoa usa "somos", no plural. Aprecio muito, acho bem solidário quando alguém parte do princípio de que seus problemas gravíssimos são universais. Odiaria ser excluída.

E, como já é de praxe no Iglu, com a rede de apoio aos que ainda levam uma vida muito sofrida na terrinha, segue aqui o Serviço de Atendimento à Conterrânea Dona-de Casa:

"Minha diarista viajou e não me avisou, fiquei esperando na segunda feira, meu prédio está reformando, tá uma poeira danada, meu filho tem rinite, um monte de camisas do meu marido para passar. Fico pensando como somos reféns dessas pessoas que colocamos na casa da gente para nos ajudar, com a casa e com os nossos filhos.
Postei esse tópico para desabafar, acho que tem a ver com a nossa realidade de mãe, mas se não tiver coerente, entenderei que ele poderá ser deletado."
Mamãe Soterrada na Poeira


Caríssima Mamãe Soterrada na Poeira,
Realmente está tudo de acordo com a NOSSA realidade de mãe e, sendo assim, quem ousaria deletar um tópico tão relevante e universal? Que lave o primeiro copo de cristal quem não se sente refém da própria criadagem. Toda mãe é vítima dos seus serviçais, né? É sabido que a poeira não é eliminada de onde está se não for retirada por um profissional qualificado, com crachá de vassalo. Nem perca tempo tentando por si mesma, viu? É poeira que não sai, dali só a diarista tira. Quanto às camisas do marido, maldita hora que inventaram esses ferros atuais, com sensores que reconhecem imediatamente se a mão de quem os segura é a mesma programada para usá-los! Não há como a roupa ser passada por mais ninguém. Dá saudade do tempo em que qualquer um podia passar uma camisa. Você deve ser muito nova para lembrar-se disso, foi na era pré-Jetsons.

Quanto a ser refém, a situação das patroas no Brasil está vergonhosa. Não há um disque-madame onde você possa fazer sua denúncia? Já não basta ser refém dos criados? Estar refém da poeira e das camisas amarrotadas é tortura!
***

"Entreguei um manual sobre as regras da casa. Abri espaço para ela questionar o que quisesse.... e olha o que me acontece? Direto quebra de regras, falta de consideração!"
Patroa Organizada


Amiga Patroa Organizada,
Você está sendo muito benevolente. Como assim entregou de graça o manual de regras da casa? Deveria ter descontado do polpudo salário, afinal de contas faz parte do material para o curso de especialização em serviços do seu lar, valiosíssimo em qualquer currículo. No resto do mundo, os manuais de regras são vendidos e não doados aos serviçais. Infelizmente, as pessoas não dão valor ao que lhes é dado gratuitamente. Se a situação não melhorar, ameace de tomar o manual de volta, duvido que não surta o efeito desejado. Empregada nenhuma suporta a idéia de perder o manual de regras, fique esperta! Dica: se ela usar uniforme, desconte também.

***
"Ontem foi o primeiro dia da milésima empregada que passa por aqui. A mulher chegou aqui às 9:30 da manhã (acho tarde). Quando já eram 6 da tarde ela ainda ia lavar o banheiro do meu filho, limpou só até a sala de jantar, ficou pra trás sala de tv, cozinha, lavanderia e vidros. Às 7 da noite eu já estava saindo pra ir pra facul e ela me pediu uma toalha PRA TOMAR BANHOOOOOO!!! ISSO MESMOOO: TOMOU BANHO NO BANHEIRO DO MEU FILHO NA MAIOR CARA DURA!!
Eu saí de casa pra ir pra facu e ela continuou aqui, pasmem!!! Só sei que ela foi embora era 7 e meia da noite.

Agora meu marido quer que eu a demita!! Tô passada. E pior é começar a procurar de novo. É o fim!
Dona-de-casa e Estudante Indignada
"

Adorável Dona-de-casa e Estudante Indignada,
Vou colocá-la em contato com a refém das camisas amarrotadas, já que você está passada, assim trocam figurinhas. Eu estou acrílica! Ainda não demitiu a moça? Então a empregada recebe por dia trabalhado e fica fazendo faxina até 19:00? Isso realmente é o cúmulo, que mulher folgada! Veja como é mais justo no Primeiro Mundo: elas cobram por hora de serviço e uma faxina de 3 horas que sai por 45 dólares é considerada barata. Não falei para provocar inveja, tenha fé que um dia o Brasil chega lá.

O fato de ela pedir uma toalha para tomar banho também é preocupante. Quando li as letras em caixa alta, pensei que ela iria enforcar-se com a toalha ou atacar a criança, mas ela tomou banho mesmo, que absurdo! Superou as piores expectativas. Esta parte foi a que mais me chocou. E ainda teve a 'cara dura' de usar o banheiro que ela mesma havia acabado de limpar, isso vai contra o bom senso. Ela não sabe que só se usa um lavatório se ele tiver sido lavado por outra pessoa? Espero que já tenha incinerado a toalha, mas o que fazer com o piso do banheiro? Ah, olha aqui a sugestão criativa de outra refém participante do debate: "Combine com ela para esterilizar o box toda vez que ela utilizá-lo." Que idéia genial, Dona Refém! E eu aqui pensando que instrumentos cirúrgicos precisam passar horas no vapor de uma autoclave para serem considerados estéreis e nos hospitais nem se cogita esterilizar uma mesa de cirurgia, mas o box do banheiro pode e DEVE ser esterilizado a cada uso! Estou muito desatualizada, que debate instrutivo!

Realmente o pior é ter que procurar de novo, depois da milésima. Sua colocação foi perfeita: é o fim!

Seu depoimento me comoveu muito, visto que estão óbvios seus predicados como patroa compreensiva e não há dúvidas de que as 999 serviçais anteriores também tinham defeitos tão graves como os dessa moça. Se bobear, todas tomavam banho no final de um dia de faxina. (Suspiros desconsolados) Sem sugestões, deixo somente meu abraço solidário.

***
Sua criadagem está causando problemas? Seus vassalos não correspondem às suas expectativas? Envie suas reclamações para o CVM - Centro de Valorização da Mordomia, o ombro amigo da dona-de-casa fora do Brasil. No final do ano, será sorteada uma faxina completa para um sortudo ganhador. O Iglu estará bagunçado como sempre e um felizardo terá a oportunidade de finalmente colocar as coisas no lugar. Promoção por tempo ilimitado!

17 julho, 2008

Corteo



Quais são as chances de você ter a oportunidade de ir a pé assistir ao espetáculo do Cirque de Soleil na companhia de alguém do Brasil que veio visitá-la? São idênticas à probabilidade de que seu filho, que não teve uma febre este ano e raramente fica doente, aparecerá com 38,5C meia hora antes de chegarem as babás (leia-se sogro e sogra) que ficarão com ele. E, se você não é daquelas mães que se apavoram com qualquer febre, a chance de que sua sogra seja uma apavorada em potencial é multiplicada por 5000. E não adianta ficar calma, dar um banho na criança, vestir uma roupa fresquinha nela e dar um antitérmico porque isso não vai acalmar a sua sogra. Não adianta deixar recomendações de dar outro banho caso a temperatura não diminua.

E você sai para o circo, confiante de que tudo ficará bem. A sua sogra fica em casa medindo a cada cinco minutos (ou menos) a temperatura da pobre criança que fica condicionada e já levanta o braço e deixa o sovaco à mostra ao menor sinal de um termômetro num raio de 200 km. Antes do intervalo, o celular vibra e a sogra está em pânico. A criança está convulsionando? Não, a sogra que criou 3 filhos (não se sabe como) está preocupada porque a febre não passou. Seu marido é uma santa criatura que sai do espetáculo e volta para casa, tentando acalmar a mãe à beira de um ataque de nervos.

A verdade é que com 39C, a pobre criança fica realmente derrubada, sem energia para levantar-se da cama e isso é de cortar o coração (já seria um prenúncio da habilidade masculina de deixar-se derrubar por qualquer gripe?). E é também verdade que é muita utopia achar que você vai conseguir mudar a mentalidade de alguém muito mais velho que se apavora com febres, tombos, diarréia, falta de apetite... Como pessoas assim conseguem criar os filhos sem desenvolverem uma úlcera a cada susto?

E o espetáculo? Maravilhoso, melhor que o Varekai porque pelo menos no Corteo, os cunhados e genros do dono do circo (aqueles sem talento nenhum para acrobacias, que ficam de palhaços) conseguiram arrancar alguns sorrisos. A turma talentosa das piruetas e malabarismos é de tirar o fôlego.

E a criança? Ficou em casa de molho por 3 dias, agiu como um peixe ensaboado na hora de ser examinado pelo médico que diagnosticou o que Mamãe já achava mesmo que era: virose.

28 junho, 2008

A Viciada

Eu tenho um único vício, que já me acompanha desde o início da adolescência. Daqueles quase incontroláveis, de causar taquicardia e impaciência caso não possa ser satisfeito imediatamente após uma refeição. Os psicanalistas diriam que deve ser algum problema mal resolvido na fase oral, mas o fato é que eu me chamo Flávia e sou uma "gumaholic". Preciso urgentemente me filiar aos Chicletólatras Anônimos.

O primeiro passo eu já dei e é o mais importante: admitir o problema. Quem me conheceu na época da universidade dificilmente se lembrará da minha pessoa sem um chiclete na boca. Mal sabem as colegas do curso que isso já era uma evolução para quem, no primeiro grau, morria de pena de jogar o chiclete fora e chegava a colar aquela tripinha mascada disforme, pálida e insípida debaixo da mesa "para uma emergência". Aos poucos, fui diminuindo o vício e atualmente sou como um fumante que precisa de um cigarro após o café da manhã e o almoço, somente. Em casa, posso passar o dia todo sem uma mascadinha (tem escova de dentes), mas se fizer qualquer refeição fora de casa, ai de quem estiver me acompanhando se por acaso a última pastilhinha tiver acabado! Eu quase tenho um ataque de nervos.

Ah, tem isso também: tem que ser chiclete sem açúcar, de tablete. Não me servem aqueles massudos que na minha longínqua infância chamavam-se Ploc, Ping Pong ou Bubbaloo. Nada de tutti-fruti ou de morango, que isso é coisa para iniciantes. Como me disse uma vez um colega no Brasil, quando ofereci um chiclete e ele viu de que marca era "ah, é chiclete bom". Claro, só tenho um vício na vida e vou satisfazê-lo com marcas vagabundas, cheias de açúcar e corantes? Não que minhas gomas de mascar sejam orgânicas, embaladas com papel 100% reciclado, produzidas numa fábrica local que não explora a mão-de-obra infantil e reverte parte do lucro para a preservação da tartaruga-pente no Atlântico, mas também não vem esculhambar o vício alheio(uma característica típica dos viciados é achar que podem parar quando quiserem e que seu vício não faz tal mal assim)!

E, como qualquer chicletólatra que se preze, compro os tabletes por atacado e tenho meus pacotinhos estrategicamente distribuídos pela casa (e no trabalho), escondidos em bolsas, bolsos, armários, gavetas, no carro... Afinal de contas, nunca se sabe quando surgirá uma situação estressante, longe de qualquer estabelecimento civilizado que venda gomas de mascar de qualidade. Na hora de usar uma bolsinha de festa, daquelas em que só cabem o batom e a chave, eu deixo o batom em casa para poder colocar uns tabletinhos.

Pensando bem, não vou me filiar aos CA (Chicletólatras Anônimos) porque ainda não estou disposta a parar. Para quem nunca teve uma única cárie na vida e desconhece o famigerado "motorzinho do dentista", falta encontrar uma razão convincente (ou procurar a tal razão) para abandonar o vício. Quando me perguntam o segredo de não ter uma obturação sequer, eu digo "chiclete".

Se todo o chocolate do planeta desaparecesse, eu levaria um tempão para perceber, mas se houvesse uma falta generalizada de chiclete, eu teria uma violenta síndrome de abstinência. Iria dormir na fila, se houvesse racionamento. Não gosto nem de pensar!

Mais algum viciado em chiclete por aqui? Esta é uma informação sobre imigração que posso compartilhar: imigrantes viciados em chiclete, sintam-se à vontade para tirarem suas dúvidas sobre as melhores marcas e sabores disponíveis no oeste do Canadá. Posso divulgar minha lista de fornecedores. Já adianto que o Trident de menta com melancia é uma delícia, mas tem que ser consumido em meia pastilha, porque é muito massudo.

05 maio, 2008

De Volta ao Planeta

A criatura fica 5 noites seguidas acordada, de plantão. Primeiras duas noites maravilhosas (em termos de sala de cirurgia, leia-se "maravilhosas" quando na verdade é "nenhum caso no livro de emergências"), mas a terceira é com aquele colega gente boa, mas pé frio, cujo carma ela já conhece há 7 anos e, infelizmente, de perto. De manhã, antes do plantão, ela avisa ao marido "vou dormir muito, que hoje meu companheiro de turno é Fulano" e ele, já sabendo da fama, lamenta "ai, vai acontecer de tudo um pouco". Dito e feito. Um monte de apendicites supuradas com o cirurgião mais insuportável da galáxia, cesárea de emergência, alarme de incêndio disparado, elevadores bloqueados, aquelas coisas que só acontecem nos plantões com Zezinho Pé-Frio. Com um suspiro, ela lembra que nos tempos em que trabalhavam juntos no andar do pós-operatório era muito pior, já que os pacientes não estavam anestesiados no plantão do colega e era um tal de velhinho confuso pulando da cama e quebrando o quadril que a pior noite na sala de cirurgia ainda parece um conto de fadas. Algo como se Cinderella precisasse de uma cesárea porque o primeiro gêmeo saiu, mas o segundo entalou ou O Gato de Botas tivesse um apêndice cheio de pus.

Confusa como de costume, depois de 5 dias hibernando e 5 noites acordada, com inspiração para cozinhar idêntica à que sempre tem para fazer faxina, dá graças aos Céus pelo TiVo, que gravou todos os programas de culinária da semana. Ela tira dos seus programas favoritos (Everyday Italian e French Food At Home) uma receita para o jantar. O bom dessas moças é que elas não dão aquelas receitas sem noção, do tipo que são bem simples de fazer em casa, com ingredientes que toda geladeira tem e começa logo com endívias, trufas brancas, óleo de semente de uva verde, folhas de sálvia com estragão e creme de leite fresco de vaquinhas felizes da Suíça que só comem grama orgânica com orvalho puro dos alpes. No fim, sai um peixe assado com batatas torradas na manteiga delicioso (ai do Marido Faminto se não achar divino, vai comer pão com ovo). Claro, não tinha peixe em casa e, no supermercado, a cozinheira exausta torceu para encontrar aquele chef que paga as compras e faz o jantar, mas ele não costuma bater perna no Canadá. Que raiva das americanas sortudas!

Por fim, depois de 5 dias e 5 noites meio que afastada das notícias, descobre que não perdeu tanta coisa assim. Parece que o único grande acontecimento a ser discutido é se pintaram ou não o cabelo daquela fofura que é a Suri Cruise. Fala sério! Próxima leva de plantões noturnos, só em junho e sem o Zezinho Pé-Frio, ainda bem.

29 abril, 2008

O Saci do Iglu


Quando a gente muda do Brasil, traz junto a bagagem de bens materiais e culturais. E, escondido na mala, vem também o Saci. Ou você achava que não havia sacis no Primeiro Mundo? Saiu uma reportagem no Fantástico, avisando que não há muitas empregadas domésticas no Canadá e que sacis não precisam de visto para entrar no país, então eles estão imigrando aos montes.

Sabe-se que sacis não são iguais em todas as casas. Em algumas, eles não aparecem de jeito nenhum, já que correm de boas empregadas domésticas tanto quanto vampiros fogem de alho.

O Saci do Iglu tem suas preferências. Adora meias. Não faz distinção entre meias masculinas ou femininas e, na dúvida, pega um pé de cada par para sua coleção (só tem um pé mesmo, nem perde tempo roubando o par). Não é do tipo vaidoso, então não carrega esmaltes, elásticos de cabelo ou batons, mas é bem friorento. Tadinho, veio só de calção e carapuça do Brasil, precisa se agasalhar, é compreensível. Esconde luvas (às vezes o par, mas também leva uma só de vez em quando, deve ser porque uma mão fica sempre quentinha, a que segura o cachimbo) e gosta de gorros também. É um saci de cabeça pequena, já que não esconde seu favoritismo pelas toucas do Pacotinho de Cachos.

Não sei na casa dos outros, mas aqui, o Saci adora café. Some com as colherinhas de café, não dá a mínima para os outros talheres. E é festeiro que só vendo! Passo todo mês na loja de 1 dólar para abastecer a casa de sacolinhas de presente para festas de aniversário, somente para ter que comprar uma na hora da festa, porque o Saci dá fim em todas elas.

É higiênico meu Saci. Escova os dentes e sempre usa a escova do Pacotinho de Higiene, largando-a nos cantos mais diversos do apartamento, inclusive dentro da geladeira ou da caixa de brinquedos. E é muito letrado, já que mesmo com tantas canetas à volta, nunca há uma disponível na hora de anotar um recado do lado do telefone, porque ele certamente precisa fazer suas anotações.

Tem sacis na sua casa? Se você souber como pegar um saci, por favor, mande dicas de armadilhas para o Iglu.

23 abril, 2008

O Sofá da Santa Ceia

"Se chovesse sopa, pobre nascia sem boca".
(Ditado popular dos mais otimistas)

Meu pai certa vez, achando o apartamento de três quartos muito grande para uma pessoa que morava sozinha, decidiu comprar uma mesa de jantar. Imensa, pesada, trambolhenta, feia de doer. Seria um elefante branco naquela sala pequena, não fosse um detalhe: era escura, estava mais para elefante marrom, quase preto. Embora tivesse SOMENTE 10 cadeiras, seus filhos que desconhecem um senso de humor compreensivo apelidaram-na carinhosamente de "a mesa da Santa Ceia".

Anos depois, a filha exilada reclama dos sofás da própria sala que não combinam. Encontra um anúncio de jornal com uma promoção de móveis na esquina da rua Onde Judas Perdeu as Botas com a Muito Além do Apocalipse. Preços super bons, arrasta o Marido Gringo numa tarde de sábado sob a neve de março. Encontram um sofá muito bom, a cor perfeita, preço em conta, mas como é "final sale", não pode ser trocado. O moço da loja insiste, oferece não cobrar a entrega (considerando a distância, seria o preço do móvel). Voltam para casa, pensam muito e decidem retornar à loja lá na Avenida Fim do Mundo e comprar o sofá.

Dias depois, é entregue o sofá. Ela liga do trabalho para saber do Marido se ficou legal na sala. Ele diz, com voz desconsolada:
- É o sofá da Santa Ceia!
(ela entendeu o que não foi dito)
- Ai, que burrice! A gente não tirou a medida!
- Exatamente. Não pareceu grande no salão gigante da loja, mas aqui...

Ela chega em casa e constata que realmente, depois da ceia, poderiam sentar-se o Mestre e os doze apóstolos, com folga ainda para o garçom (opa, mas é um sofá de Primeiro Mundo e aqui não tem estas mordomias). Chega a dar tristeza. Tentam evitar de passar na sala, mas não dá para ignorar um móvel do tamanho de um Tiranossauro rex.

Pensam em mil possibilidades. O Marido Otimista sugere tentar vender no craig's list (pela internet), mas ela é realista: se o vestido de noiva está há quase 3 anos no armário e não foi anunciado, o que o leva a crer que o sofá teria mais sucesso?

Prática e pessimista como convém a uma capricorniana autêntica, ela conclui que a solução é mandar cortar o sofá.

Várias pessoas que nunca dão as caras aparecem para visitar. Logo, não se fala em outra coisa na cidade. O sofá da Santa Ceia só não vira manchete porque não consegue competir com a corrida presidencial nos Estados Unidos ou com as finais do American Idol. Em plena cesárea de emergência, uma cirurgiã vira-se para ela e diz "estou sabendo que você comprou um sofá" (ai, que raiva de ter vizinha linguaruda que vem pegar a batedeira emprestada - e por sinal não devolveu até hoje - e que é amiga da médica que trabalha no mesmo hospital).

Aparece o cara da loja de estofamento. Dá o orçamento e, resignados, eles aceitam. No fim, sai pelo preço equivalente ao de um sofá feito sob encomenda, mas pelo menos agora só se sentam meia dúzia de apóstolos.

Moral da estória: pode até ser pateta o suficiente para esquecer de tirar as medidas da sua sala e dos móveis que compra, mas não compre nada em promoção que não possa ser devolvido depois.

17 março, 2008

Acabou-se o que era doce

Depois de 10 dias em maravilhosa companhia, tivemos que levar a Santa Irmã ao aeroporto. Em muitas famílias, é um momento emocionante, com pessoas lacrimosas e promessas de um próximo encontro. Na minha família, é sempre um caso memorável.

A turista chega ao aeroporto com 2 horas de antecedência e não 3, porque o Cunhado Gringo bate na tecla "daqui para Toronto é vôo doméstico, não sei para que esta pressa". Os terminais de "self check-in" estão praticamente abandonados, a única funcionária emitindo cartões de embarque tem uma fila quilométrica à sua frente. Entram na fila, que a Santa Irmã é gata escaldada, seus números nunca são aceitos pela maquininha. Ela tem o gene dominante dos "sem sorte em aeroporto", o único homozigoto recessivo para quem dá tudo sempre certo é o Irmão Tranqüilo.

Enquanto espera, a turista sonha com um "brunch" maravilhoso num restaurante ali ao lado, como no ano passado. O atendimento para ser considerado lento precisaria aumentar em 5 vezes a rapidez. Um grupo de 6 indianos de turbante e barba presa por uma redinha está na frente. Muitas malas gigantescas, um tal de tira cueca e mete escova de dente num bolsinho com zíper que só não causa náusea porque está todo o mundo de barriga vazia mesmo. Muito mico não chegar ao aeroporto com a bagagem de mão devidamente arrumada.

Aparece uma menina japonesa, passaporte em mãos, pedindo para furar a fila porque seu vôo estava marcado para 11:40. Eram 11:30 e a coitada até tenta, sem chance.

Às 11:45, chega a vez da Santa Irmã. "Seu vôo está 1 hora atrasado, vou colocá-la em 'standy-by' pro vôo de 12:30, senão você pode perder a conexão para São Paulo. Você tem tantos sobrenomes, qual é o que usa de verdade?". Inútil explicar para norte-americano que basta copiar sempre o primeiro e o último, eles nunca aprendem. Pega cartão de embarque, segue para a esteira de pesar a bagagem.

A passageira brazuca comenta que é esperteza das companhias aéreas canadenses em colocarem somente funcionários bem velhinhos no balcão de entrega das bagagens. "Assim o passageiro fica constrangido de pedir ajuda e carrega ele mesmo os enormes baús cheios de encomendas". Eu digo que ela é santa, nunca disse que era burra ou avessa a mordomias.

E lá vai ela, com a mala mais alta que o Mount Baker. TRINTA E QUATRO QUILOS? O funcionário velhinho dá um grito e diz que é preciso tirar "six pounds" da mala. A Santa Irmã quer pagar o excesso de peso (veio preparada para isso), mas ele diz que mais de 32 kg o avião não carrega. A outra mala, com somente 26 kg, também passa do limite, mas indo para o Brasil, o limite é de 32 kg e não de 20 kg por volume (e ainda tem gente que só vê desvantagem em ser brasileiro).

E aí, a Super Fluente Irmã, que fala inglês muito melhor do que eu, apavora-se e pára de registrar o que diz o velhinho (não que "six pounds" faça algum sentido, mesmo em português). Abre o piano de cauda, digo, a mala, ali no chão mesmo e põe-se a arremessar blusas de gola alta na Saudosa-Irmã-Racional-Que-Fica. Aquarianos são seres de alma elevada, mas falta-lhes a racionalidade e o senso prático típicos de um capricorniano:

- Vou comprar uma bolsa para carregar estas coisas de volta para casa.
- Bolsa, que bolsa?
(Voam várias sacolinhas vazias de loja)
- Para que você carrega este monte de saco vazio na mala?
- Porque sempre pode ser necessário, 'tá vendo?
(Voa um sutiã)
- Ai, que vergonha! Um sutiã!
- Quanto será que isso tudo aí já pesa?
- O sutiã ficou agarrado aqui no carrinho de bagagem, que mico.
- Ai, não quero tirar estas caixas de bombom.
- O pior é que eu conheço aquele menino ali na fila, ele vendo a gente aqui, com sutiã pendurado no carrinho. Está enroscado mesmo. E eu falando da escova de dentes dos indianos, o castigo veio a jato.
(Uma fica engalfinhada com o sutiã, enquanto a outra segue arremessando roupas e poupando as encomendas).
- Tira logo uma garrafa de maple syrup, que só ela já dá 1 kg.
- Ai, mas eu prometi de levar maple syrup.
- Quem mandou prometer 3 garrafas? Deixa o tênis para trás.
- O tênis da NEIDE????
(Como Neide é a amada-idolatrada-indipensável empregada, concordo que tem mais é que deixar os presentes dos filhos e do marido e levar o da insubstituível serviçal. Tanto homem aí dando sopa, tanta criança querendo ser adotada, para que pensar neles? Se eu tivesse uma empregada, traria uma mala cheia de presentes só para ela).

Mala fechada, 3 sacolas plásticas cheias de toucas de banho (sabe-se que toucas de banho de plástico são pesadíssimas e fazem a maior diferença na balança), blusas de lã, uma garrafa de maple syrup e o maldito sutiã, a Santa Irmã tenta voltar para pesar o elefante branco, digo, a mala. Alguém resolve distribuir ingressos gratuitos para o jogo dos Canucks, porque não há outra explicação para a formação daquela fila imensa do nada, ali no guichê de bagagem que estava vazio momentos antes.

A Santa Irmã tenta "furar a fila" (uma lei internacional diz que não é preciso pegar a mesma fila duas vezes), leva um pito de uma gringa. A Saudosa-Irmã-Racional-Que-Fica é barraqueira mesmo, não tem nada da alma elevada dos aquarianos e dá um fora na gringa. O velhinho do balcão aponta para a balança lá no Cafundós do Judas e a mala é arrastada até lá. A gringa dá um sorriso de vitória, não vai ser desta vez que a fila foi furada.

Veredicto da balança: 68 pounds. A Santa Irmã tenta descobrir o quanto é isso em kg, enquanto olha com pena para a tralha socada em sacolinhas plásticas e quer ir colocando uma por uma, até chegar exatamente a 32 kg. A Saudosa-Irmã-RACIONAL-Que-Fica lembra-a de que, às 12:15, antes de passar pelo portão de embarque, com vôo marcado para 12:30, seria uma loucura.

Vão para o portão de embarque, famintas. Abraços apertados, não dá tempo de comprar nem uma rosquinha. A Santa Irmã entra na fila, dá uns 5 passos, olha o cartão e sai da fila.
- Ai, meu Deus!
- Que foi?
- Escreveram meu nome errado no cartão de embarque.
- Mulher lesa do check-in! Colocou seu sobrenome de solteira?
- Não. Colocou Prabhjit Singh.
- Deve ser o nome de uma daquelas indianas na sua frente. Quem manda você casar com um brasileiro que tem o sobrenome mais comum da Índia e ainda ter cabelo preto? Ela achou que você fosse um deles.

Volta, fura fila, uma meia dúzia de brasileiros no balcão presta solidariedade. Um rapaz comenta:
- Eu te conheço de algum lugar.
- Eu também tenho esta impressão, você é de Brasília?
- Não, já te vi aqui em Vancouver, só não sei onde.
(Aí me lembro de onde conheço o menino, foi garçom de uma festa da única amiga podre de chique e colunável que tenho aqui. Só de ter garçom em festa de criança, dá para imaginar o alto nível).
- Vi vocês tirando as roupas da mala, excesso de peso é uma droga.
(Sem chance de ele não ter visto o sutiã, a gargalhada no final da frase entrega).

Confusões no aeroporto causam taquicardia e estresse, mas são melhores do que despedidas deprimentes. Já estou pensando se decido inventar uma cirurgia (plástica de pelancas, talvez), se devo casar novamente ou arrumar outra gravidez para ter a Santa Irmã aqui de volta no ano que vem. Com mil encomendas, malas gigantescas, um senso de organização e uma calma que eu jamais tive, minha irmã aquariana é tudo de bom.

12 março, 2008

Faltando um pedaço, mas nem tanto...

Minha cirurgia foi na sexta-feira. No sábado de manhã, menos de 24 horas depois, fui com a Santa Irmã fazer compras para a sua inevitável e longa lista de encomendas (se alguém consegue vir ao Canadá sem encomendas, avise o segredo). Depois de 2 dias, nem tomei mais medicação para dor. E olha que depois do parto, eu me achava uma "wimp" (mole para dor) !

Hoje, vários dias depois, estou querendo ir ao hospital, levar um cartão de agradecimento e alguns bolos que comprei para o café da tarde da equipe (foram necessários três, que a loja não faz bolos grandes e eu trabalho com um bando de famintos). Ah, você achava que, se estou tão bem para sair batendo perna na rua, deveria fazer os bolos eu mesma, né ? Até gosto de cozinhar, mas a vontade de arrumar a bagunça depois estava concentrada na metade que foi arrancada da tireóide (eu sou aquela que usa a última colher da gaveta e meia dúzia de pratos para fazer um ovo mexido e ainda tem o fato de que lavar a louça enquanto prepara a comida é completamente contra a minha religião). Pois é, mas mesmo tendo feito a cirurgia lá no hospital onde trabalho e todo o mundo saber que não estou inventando desculpa para usar uns dias de folga, não tenho coragem de aparecer por lá alegre e faceira, carregando caixas de bolo. Vai sobrar pro Marido Gringo, que dúvida ! Não tem um tal de "na saúde e na doença" que pode ser usado em qualquer circunstância, sem limite de vezes ?

Daqui a 2 meses vou fazer uma dosagem hormonal para ver se será necessária reposição. O médico acha que não. Do jeito que sempre fui ligada no 220V, é provável que a metade restante trabalhe para compensar o que falta, mas só o exame mesmo para saber. Se fosse no Brasil, eu já teria feito uma meia dúzia de exames, mas aqui não pediram nem hemograma, que dirá dosagem hormonal antes da cirurgia ! O mantra é "não vou comparar, não vou comparar" (nem o atendimento, nem os exames, até porque não há nenhum para ser comparado).

Até agora, não houve diferença alguma na vida com uma tireóide inteira ou somente meia. Uma leve coceira no pescoço, mas só. Não me deu uma vontade incontrolável de fazer faxina, não me tornei uma pessoa econômica (ou você pensou que eu estava somente acompanhando a Santa Irmã nas compras dela ?), não fiquei gostosona do dia para a noite (o bumbum continua não sendo uma amostra representativa de um dos orgulhos nacionais), não parei de amamentar (e olha que o Pacotinho de Maior Idade já anda, fala e passa aspirador na casa - faz faxina tão bem quanto a mãe dele). Daqui a dois meses, vamos ver como fica.

08 março, 2008

Tratamento VIP

Modéstia à parte, acho que fui a paciente ideal. Não fiquei ansiosa antes da cirurgia, dormi bem na noite anterior, cheguei ao hospital na hora marcada, calmíssima. Bem que eu tentei me esconder no meio dos outros pacientes, mas fui descoberta por uma meia dúzia de colegas mais atentos. Não reclamei da demora de quase uma hora e meia para ser admitida, nem usei meu crachá para conseguir furar a fila. Reparei que erraram meu nome no prontuário, para corrigirem a tempo. Avisei ao meu anestesista favorito que eu não fico enjoada nem vomito nunca, nem grávida, nem em trabalho de parto e que não iria dar este trabalho para ele (promessa cumprida). A cada vez que alguém vinha perguntar se eu tinha conseguido dormir na véspera, o Marido Ansioso respondia que ele tinha passado a noite em claro. A minha pressão estava baixa como sempre, mas ainda bem que não mediram a dele !

Claro que entrei na sala de cirurgia de meias e não tirei a calcinha, afinal de contas era uma cirurgia de tireóide e não de períneo !

Eu tinha preparado uma imagem mental de Cancún, para sonhar enquanto estava nos braços de Morfeu, mas a anestesia bateu tão rápido que nem deu tempo de escolher com o que sonhar. Lembro que o anestesista pediu para eu abrir a boca e eu perguntei "am I a grade one ?" (os graus de dificuldade de entubação variam de 1-4, sendo 4 o mais difícil) e ele disse "you're a grade zero". O Santo Midazolam não me deixa lembrar de mais nada, já acordei na sala de recuperação pedindo gelo para chupar. Nada como ter amigos influentes, porque pedi gelo e ganhei picolé de laranja. Trabalho há cinco anos no centro cirúrgico e nunca vi um paciente ganhar picolé (só no Children's Hospital), mas eu ganhei dois. Graças ao cobertor elétrico, não tive aquela tremedeira bem comum depois de uma cirurgia. Como nem tudo pode ser perfeito, tive uma coceira por conta da morfina, mas que nem se compara com o que eu passei com os efeitos da analgesia durante o parto. Nada como um parto muito ruim para fazer a gente ver que uma cirurgia com anestesia geral não é um drama.

Coisas do destino, a enfermeira que cuidou de mim na sala de recuperação é a número um na lista das mais odiadas pela equipe do centro cirúrgico. Encrenqueira, arruma confusão com todo o mundo, mas tratou de mim como se eu fosse uma celebridade. Quando eu finalmente acordei de vez e vi que era ela quem estava cuidando de mim, nem acreditei. Nada a reclamar. Aliás, vou até olhá-la com olhos mais pacientes quando ela der seus chiliques aparentemente sem motivo no plantão noturno. Só não garanto que sem o Midazolam nas idéias eu vou conseguir enxergá-la da mesma forma. Não é à toa que alguns pacientes acordam e dizem "como você é linda, enfermeira !"

Do meu lado, na sala de recuperação, estava uma estudante de enfermagem que havia desmaiado enquanto assistia a uma cirurgia. A coitada chorava, dizendo-se envergonhada e eu a consolava, tentando não respingar meu picolé na cama.

Continuo a mesma, só que com metade da tireóide, a garganta ainda arranhada pelo tubo, uma cicatriz no pescoço e uma dor totalmente suportável. Feliz da vida por ter a minha santa irmã comigo.

Não perderei a oportunidade de conversar com a chefe sobre como melhorar o sistema de admissão dos pacientes e garantir que todos tenham direito a um picolé na sala de recuperação. Eu já trazia o cobertor quente para todos os pacientes, até para os que se dizem calorentos (são na verdade sem noção, coitados). Se todos eles saírem da cirurgia sentindo-se como eu me senti, a missão da equipe estará cumprida. Nunca tive tanto orgulho de trabalhar num lugar como eu tive quando passei para o outro lado da maca.

PS: Parabéns à mulherada hoje ! Um abraço especial àquelas que estiveram ao meu lado nestes dois últimos dias, garantindo um cobertor quente, um picolé e muito carinho.

01 março, 2008

Pequenas Alegrias

Será que o Bill Gates fica feliz quando encontra uma nota de 20 dólares esquecida no bolso de um casaco ou isso é coisa só de pobre ?

Como diria Pollyanna, uma vantagem de não ser milionário é curtir cada aquisição material, já que não acontece todo dia. Você até fez uma moqueca para várias amigas no dia em que chegou seu sofá da sala (não havia mesa, o sofá era de dois lugares e todas as outras doze amigas sentaram no chão e comeram aquele "Brazilian fish stew" sem reclamar). Então, depois de 5 anos dormindo na cama feinha que já era do marido desde solteiro, você passa uma semana de férias num hotel em Cancún e volta achando que cama "king size" é um bem de primeira necessidade. Depois que descobre que os pontapés do filhote sonolento às 06:00 são imperceptíveis na cama gigante, não dá mais para voltar a dormir naquele colchãozinho "double". Ainda mais que desde a gravidez você pegou a mania de dormir de lado, com um travesseiro entre as pernas, outro para os braços, ocupando muito espaço (aqui eles chamam gente assim como você de "high maintenance").

De repente o marido aparece com uma dor na coluna, vai ao "quiropractor" (tem isso no Brasil ?) e volta dizendo que a recomendação é trocar de colchão. Claro, os muitos quilos a mais na barriga e a vida sedentária não estão relacionadas com problemas de coluna, somente o colchão e a azeitona na última empada.

Assim que aparecem um bônus inesperado e uma restituição razoável do imposto de renda (para compensar o ano passado, em que depois de ficar de licença-maternidade, recebendo a merreca do seguro-desemprego sem estar desempregada, você morreu numa cacetada do leão), a cama "king size" vira uma realidade. Já que está gastando mesmo, você escolhe um colchão ecologicamente correto, 100% biodegradável, feito de fibra de bambu que não mofa e uma outra planta anti-alérgica-sei-lá-das-quantas. A sua cara de "me amarrota que eu estou PASSADA" quando descobre que o colchão é bem mais caro que a cama é impagável. Você confessa que não tinha a menor idéia de que colchões custavam tanto. Isso sim é coisa de pobre. Não viu no programa da Oprah que a gente deve trocar de colchão a cada cinco anos ?

E mede daqui, mede dali, o marido descobre que não há espaço no quarto para duas mesas de cabeceira. Aliás, mal haverá lugar para caminhar e chegar até a cama, a mulher ainda vem querer encaixar cômoda ? A TV terá que ficar suspensa, mas com as paredes de caixote de maçã, como pendurar qualquer coisa ?

Calma, você joga na loteria toda semana e comprou o bilhete para "1 milhão de dólares por ano por 25 anos". Ainda há esperança. A cama só será entregue daqui a uma ou duas semanas, quem sabe até lá você tem grana para comprar um quarto onde caiba a cama decentemente ? Não é para querer desanimar não, mas do jeito que anda o preço dos imóveis em Vancouver, seu 1 milhão de dólares compra só isso: um quarto grande num dos bairros melhores. O resto da casa virá com os milhões dos anos seguintes...

Para quem já estava feliz da vida porque ganhou um TiVo de presente do Papai Noel, uma cama grande, mesmo que não haja muito espaço no quarto, é alegria garantida. Coisas de pobre, fazer o quê ?

25 fevereiro, 2008

A Saga do Caroço

Confirmado: meu caroço no pescoço está com os dias contados. Mais precisamente, 12 dias. Continua grande, mas incrivelmente ninguém nota à primeira vista. A biópsia foi "inconclusiva", mas pelo tamanho e pelo fato de ser "mais sólido do que líquido" (parece descrição de mãe de primeira viagem falando com o pediatra sobre seu assunto favorito: como está o cocô do neném), o médico acha que tem indicação de ser removido. Claro que ele queria fazer outra biópsia, bla bla bla, mas se precisa tirar mesmo, então prefiro que seja logo.

A cirurgia em si não me assusta. Algumas pessoas falam que têm medo de "não voltarem da anestesia", como se Anestesia fosse Bagdá em plena guerra. Tenho a sorte de conhecer todos os anestesistas e poder escolher a dedo quem me trará "de volta". Outros pacientes têm receio de que o médico esqueça uma gaze dentro do corte. Como medo costuma ser algo muito pessoal e irracional (eu tenho mais medo de barata que de urso), nem dá para julgar que eu fico mesmo pensando se vou ser daquelas que acordam agitadas da anestesia, falando um monte de besteira e sendo empurrada na maca até a sala da recuperação com o bumbum à mostra. O medo é tanto que, como a cirurgia é no pescoço, vou usar uma bermuda por baixo do camisolão e, como trabalho lá, duvido a enfermeira vetar. Pular da mesa eu sei que não vou conseguir, porque há cinto de segurança (quando estou do outro lado, meu maior receio é de um paciente cair da mesa durante ou no final da cirurgia, coisa que nunca vi acontecer ao vivo, mas volta e meia há um caso do estilo na justiça).

O pós-operatório, com uma criança pequena e ativa é o que me preocupa. Mas, como nem tudo é gelo neste longo inverno, a Santa Irmã mais uma vez vem quebrar meu galho. Estou tão feliz com a chegada dela, que ando pensando mais na companhia que na dor física dos primeiros dias. Acho que deveria ser proibido ter uma filha só. As meninas deveriam ver sempre em dupla, no mínimo, assim todas teriam irmãs. "Esperta" mesmo foi esta argentina, que aos 16 anos, teve logo duas barrigas de trigêmeas, para adicionar ao menino que já tinha em casa. Acho que nem eu topo !

07 fevereiro, 2008

Problemas Inexistentes no Primeiro Mundo

A solução definitiva para muitas das aflições que perturbam a vida dos moradores do Brasil é a imigração para um país de Primeiro Mundo mas, enquanto isso não acontece, poderíamos criar uma rede de apoio a estas pessoas que levam uma vida tão sofrida na terrinha:

"Minha nova empregada é muito gulosa. Hoje ela já comeu meio panetone no café da manhã, acabou com um doce de figo que a minha sogra fez (levou 4 dias para ficar pronto) e tomou todo o suco de polpa de fruta congelada que eu compro somente para mim. Ainda traçou um pacote de doce de abóbora em rodelas. Você não acha um abuso ? É mesquinharia mandá-la embora, sendo que ela é eficiente ?"

Dona-de-casa Confusa

Prezada Dona-de-casa Confusa,
Esta sua sogra é uma piada mesmo, hein? Fala sério! Se houve abuso, foi da parte da sogra. Com tanta receita maravilhosa que inclui leite condensado, ela aparece na sua casa com um doce de figo! Foi depois de alguma discussão ? Imagina só ficar 4 dias tramando isso! Ela é gringa, por acaso? Está parecendo a minha, que faz uma "baklava" cheia de castanhas, sem um pingo de leite condensado e chama de "sobremesa". E quem foi que comprou doce de abóbora? Vou adivinhar: a sua cunhada, né? Acertei? Olha, tenho uma amiga que diz que cunhada é pior do que sogra... Opa! O assunto aqui é empregada e não família do marido.

Anyways, uma empregada que come um doce de figo feito pela sogra (e que leva 4 dias para ficar pronto) não se acha em qualquer esquina. Doce de abóbora dispensa comentários (foi a cunhada quem trouxe, aposto). Panetone, principalmente aqueles queimados por fora, nesta época do ano, é difícil achar quem queira. Se ela é eficiente, acho que você deveria sim relevar este gosto duvidoso da coitada. Nem todos têm o seu paladar refinado, não é mesmo? E, com uma sogra dessas, é melhor ter alguém por perto caso ela resolva dar uma de "chef" novamente. Quanto à polpa de frutas, quem tem empregada em casa precisa mesmo comprar fruta em polpa no Brasil? Fruta custa tão barato por aí, por que não comprar um saco imenso de laranjas, um monte de abacaxi no caminhão e colocar a moça para trabalhar?

***

"Domingo, que é a folga da empregada, iremos a um churrasco e 'pedi' a ela pra ir com a gente pra ela me ajudar com o meu filho. Oferecemos até um dinheirinho a mais pra ela ir. Ela disse não. Mas poxa, custava ela ir? Vamos conversar com ela e ser duros. Tipo dizer que SE a gente precisar, vai sair com a gente sim, mesmo no domingo. Será que estamos sendo duros demais?"
Patroa Chateada

Querida Patroa Chateada
,
Você tem toda razão de estar assim. Então a empregada trabalhou a semana inteira e quer tirar uma folga no domingo? Que cara-de-pau! Diga a ela que, se ela quisesse folgar toda semana, deveria ter esperado para nascer em outro século, quando a escravidão já estivesse abolida (dizem que vai ser, mas também dizem que haverá viagens tripuladas a Marte, então quem garante?). Enfim, ela tem que ir sim, onde já se viu um casal ir sozinho a um churrasco com uma criança? Três adultos para cuidar de uma criança é o mínimo que as leis internacionais exigem, até por questões de segurança. O Unicef já foi comunicado?

***
"Estou contratando uma babá. Eu tenho três filhos e não trabalho fora, mas gostaria que alguém me acompanhasse em passeios, viagens e festas. Ela é bem mais alta que eu, novinha, tipo morenão. Ela é gostosa pra caramba, tem um bundão lindo e NENHUMA celulite ! (E veste 36!). Meu marido faz questão que ela nos acompanhe de branco, deixando claro que ela é a responsável pelas crianças. Eu quero é sombra e água fresca, sem precisar ficar correndo atrás dos meninos. Não quero me sentir ameaçada por um morenaço seminua ao meu lado (decote, calça apertada e transparente, com fio dental aparecendo) mas não quero bancar a fresca. Qual a sua opinião para o meu dilema?
Mamãe Preocupada

Cara Mamãe Preocupada,
Você não está bancando a fresca. Babá gostosona é um perigo. Você corre o risco de ter tempo de sobra para sair, malhar na academia, ir ao salão de beleza, fazer umas massagens, passear pelas lojas e voltar linda e descansada para casa. Já pensou ter a chance de sair sozinha com o marido para um programinha apimentado a dois, toda noite, porque ela é quem é responsável pelas crianças? Que medo! E nada de uniforme branco. Tente convencê-la a usar um hábito de freira, daqueles pretinhos básicos e vá levando as coisas assim até vocês se mudarem do Brasil. No Primeiro Mundo, com três filhos e sem emprego, você certamente não terá tal problema. Aliás, com o seu perfil, a adaptação por aqui será moleza. Nada como um pouco de civilização!

Só uma dúvida: se ela é tão irresistível assim, por que precisa trabalhar como babá? Quando eu morava no Brasil, as mulheres que correspondiam à sua descrição eram chamadas de modelo/cantora/atriz, assim mesmo, com barras entre uma palavra e outra.

***
Sua criadagem está causando problemas? Seus vassalos não correspondem às suas expectativas? Envie suas reclamações para o CVM - Centro de Valorização da Mordomia. No final do ano, será sorteada uma faxina completa para um sortudo ganhador. O Iglu estará bagunçado como sempre e um felizardo terá a oportunidade de finalmente colocar as coisas no lugar. Promoção por tempo ilimitado!

05 fevereiro, 2008

Going Green At Work (or trying, at least)



Estou atrasadíssima para escrever alguma coisa sobre a campanha deste ano para preservação do meio-ambiente (alguns líderes mundiais já deixaram recado na secretária eletrônica, cobrando minha participação). Vi umas fotos lindas da campanha no blog do Danilo.




Um dos melhores hábitos que adquiri com os canadenses é o de reciclar o lixo. Com triturador na pia, fica fácil dar fim nas cascas de laranja e restos de comida. Aí é só separar as garrafas, latinhas e papéis (há 3 latas diferentes de "lixo" na cozinha). Também carrego minhas sacolinhas reutilizáveis para o supermercado, tentando diminuir a quantidade de sacos de plástico, já que eles são super férteis e reproduzem-se numa velocidade impressionante embaixo da pia da cozinha.

Ainda estou longe de ser a garota-propaganda da preservação ao meio-ambiente. No fim dos tempos, imagino que eu vá arder na fogueira do inferno das fraldas descartáveis. Não dá vontade de fazer nada com uma fralda imunda a não ser jogá-la no lixo. Nem se eu tivesse criadagem e área de serviço com tanque, conseguiria imaginar baldes com fraldas fedidas submersas. Há empresas que recolhem as fraldas sujas e repõem com outras limpas, mais ou menos pelo mesmo custo das fraldas descartáveis. Uma amiga gringa garante que a caixa não espalha uma catinga pelo apartamento até o dia da reposição. E fora de casa então ? Duas mães do grupo de bebês da biblioteca saíam de casa com uma mochila daquelas de escalar o Everest, que invariavelmente voltava cheia de fraldas sujas e eu não as invejava nadinha. Se eu tivesse um bebê alérgico, que vivesse com o bumbum assado, talvez cogitaria a idéia (da empresa que entrega fraldas limpas, porque sem chance de eu esfregar fralda de cocô na pia do banheiro !).

Outra idéia que também não me apetece é a dos tais "bioabsorventes". Eu sou do tempo em que "quem ficava incomodada era a sua avó", imagina se vou usar e lavar paninho ! A alternativa mais ecológica seria ficar eternamente grávida, mas aí o neném nasce e é mais fralda descartável no planeta.

O hospital onde eu trabalho foi provavelmente o último estabelecimento da cidade a aderir à reciclagem, no mês passado. Ordens superiores, porque a cúpula interna sempre foi contra. Logo no primeiro dia, uma hora depois do início do plantão, o único baldinho servindo as 14 salas de cirurgia já estava lotado (o meu da cozinha é do mesmo tamanho e três pessoas enchem-no em meia hora depois da compra do supermercado, imagina num lugar onde trabalham mais de 80 pessoas somente no turno da manhã). Passa a enfermeira que há 30 anos é responsável pelas compras e adivinha com quem ela resolve implicar:

- A gente não vai reciclar tudo quanto é papel não !
- Como assim ? O responsável pela reciclagem falou que, se rasgar, é papel e pode ser reciclado.
- Pois é, mas se a gente reciclar tudo, o balde enche muito rápido.
- A gente precisa de mais baldes !
- Flávia, você sabe quanto custa um balde desses ?
- Os lá de casa são idênticos e comprei na loja de 1 dólar.
- De forma alguma vamos comprar mais baldes ! É um balde só e pronto.

Como o paciente anestesiado não tem culpa alguma do preço dos baldes e está no hospital para ter a válvula mitral substituída e não reciclada, tive que deixar para lá.



No plantão noturno, enquanto separo os plásticos dos papéis, vira meu colega filipino:
- Eu não sabia que de noite a gente também tinha que reciclar !

Não sei como é no resto do país, mas aqui em Vancouver, depois da meia-noite, os materiais recicláveis transformam-se em abóbora. E abóbora, como todos sabem, é matéria orgânica, portanto, não reciclável.

23 janeiro, 2008

Cor de pele é relativa ?

Ela suga todo o sol possível naqueles seis dias longe das terras congelantes, onde habita a maior parte do ano. Fica lá deitada na areia feito uma lagartixa, acumulando o máximo de vitamina D que uma mãe com filho pequeno (e meio branquelo, que não pára quieto na sombra) pode dar-se ao luxo de obter. Depois retorna para casa e para o frio, já sentindo dor nas pontas dos dedos das mãos e dos pés no caminho do trabalho, no primeiro dia de volta. Embrulhada literalmente da cabeça aos pés, só fica o rosto de fora. E aí passa uma colega de trabalho (canadense, claro):

- Você está tão bronzeada ! Estava esquiando na semana passada ?

PS para os tropicais: como a neve reflete o sol, é muito comum que os esquiadores que não usam protetor solar e esquiam em dias ensolarados queimem o rosto (o resto está coberto por diversas camadas de roupa, claro).

***

Por coincidência, a irmã dela, que está em pleno verão brasiliense, passou a mesma semana de férias num "resort" no Ceará (é mal de família, todos gostam de conforto e detestam casas de praia alugadas cheias de louça para lavar, chão para varrer e camas para arrumar. Já são contra fazer isso o ano todo, que dirá nas férias).

Ela manda um e-mail para a irmã, com meia dúzia de fotos das férias e recebe a seguinte resposta:

"Vi as fotos de vocês na praia. Se você vir as nossas, nem parece que somos da mesma família. O bebê está parecendo um bonequinho de cera... Você, então, parece aqueles mímicos de praça que se pintam de branco! Deu para pegarem alguma cor depois? Tinham que ter aproveitado no México, pois aí acho que a cor só tende a branquear mais."

Não contente, ao telefone, a autora do e-mail pergunta sobre a "michaeljacksonização", já que a ex-morena irmã ultimamente anda tão pálida, irreconhecível.

Seria exagero ou excesso de licença poética o outro mal da família ?