quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Dogmas de fé

Não sei quantos de nós desesperaram nos anos de liceu, a tentar explicar aos camaradas do Durão Barroso e do Pacheco Pereira que o paraíso marxista se baseava em dogmas de fé e que bastava ver o que aconteceu à FAI na guerra civil de Espanha - ou ler o livro do Orwell - para perceber que a esmagadora maioria das pessoas abusa sempre que pode e que as ditaduras seleccionam para os cargos de poder os piores de entre nós.

Agora vejo-me exactamente na mesma situação, a viver neste regime desgraçado que é a cleptocracia americana e a ver os miseráveis, que são roubados e abusados todos os dias, a repetirem as mantras da liberdade que ouvem na televisão, com a mesma convicção com que o Cunhal repetia a frase "amplas liberdades" cada vez que falava da Hungria e da Checoslováquia ocupadas.

Os chamados neo-liberais são uma seita que se recusa a ver a realidade, exactamente como os teenagers trotskistas nos anos setenta.  As ideologias servem exactamente para isto: esconder quem explora quem.

E o problema dos dogmas de fé é que não deixam as pessoas pensar.  Os neoliberais baseiam-se na autoridade dos santos evangelistas do liberalismo.  E eu acho que a maioria deles eram (e são) intelectuais de segunda e de terceira.  William Kristol, Richard Perle, David Frum, Paul Wolfowitz, etc., todos os neocons da administração Bush são hoje unanimemente considerados como um bando de idiotas perigosos com ambições fascistas.  Fukuyama disse que eles acreditam que a história pode ser empurrada com doses certas de poder e vontade.  "Leninism was a tragedy in its Bolshevik version, and it has returned as farce when practiced by the United States. Neoconservatism, as both a political symbol and a body of thought, has evolved into something I can no longer support."

A Thatcher desenterrou o Hayek dum esquecimento absolutamente merecido e há poucos anos encontrei uma colectânea de textos do NYT dos anos setenta em que o Milton Friedman era descrito como um economista de slogans, um protegido da extrema-direita e um sociopata que odiava os pobres por razões pessoais - o jornalista dizia que os pais dele tinham uma sweatshop que foi inviabilizada pelos sindicatos.

Não me quero alongar aqui, embora me apetecesse, mas o que interessa é que as pessoas comecem a ver a América pelo que ela é hoje: um sovaco onde todos roubam tudo o que podem porque o estado não existe.  Quando saiu da prisão, o criminoso Jack Abramoff deu uma entrevista em que disse que a dada altura tinha 40 congressistas no bolso, 20 de cada partido.

Se acham que isto é um exagero, não vos posso ajudar.  :o)


quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A extinção da IGAL e outras práticas despesistas e/ou suspeitas

Começo esta adenda à longa compilação do despesismo e corrupção, que tenho vindo a construir desde há quase um ano, pelas notícias de menor importância.
Em termos simbólicos é curioso que o suposto Governo austero seja incapaz de diminuir as despesas dos gabinetes ministeriais, ou que o Ministério das Finanças dê ordens expressas para impedir a aquisição viaturas em segunda mão, preferindo a compra de automóveis novos ao invés. Não são questões importantes, e eu certamente prefiro um Governo que gaste mais nos gabinetes ministeriais para ser capaz de fazer poupanças onde importa fazê-las, e também concordo que os "trocos" que meia dúzia de automóveis representam são pouco face aos milhões e milhões que o Governo tem a responsabilidade de gerir. Mas enquanto caricatura e símbolo da realidade que podemos verificar todos os dias por outros meios - um Governo que anuncia defender a austeridade, mas que aliena o património público de forma gastadora e irresponsável - estas notícias eram demasiado ilustrativas para que não as partilhasse.
Posto isto, passemos ao que importa.

Porque nas questões de corrupção, por envolverem dinheiro a todas as escalas, todos os episódios suspeitos que têm vindo a lume têm já uma relevância indiscutível. Falemos da «coincidência» apontada pelo 5 Dias, de ter sido José Luís Arnaut - ex-ministro do PSD, advogado que presta assessoria à empresa primeira classificada na privatização da ANA - o assessor nomeado pelo Governo para a privatização da TAP; ou da constatação que nos traz o Público, pelas palavras Miguel Horta e Costa, de que os negócios que o actual Governo aceitou como contrapartidas pela compra de dois submarinos a um consórcio alemão são “muito maus”; ou da denúncia de João Semedo, noticiada pelo DN, de que existem "fortes razões" para admitir que BPN financiou PSD.
Todos estes são negócios com custos significativos para o país, e indiciam uma cultura de promiscuidade, compadrio e corrupção que custa muito mais.

No que diz respeito ao combate à corrupção, deve preocupar particularmente uma decisão do Governo com mais de um ano, que, apesar da sua importância, não tinha ainda sido referida nesta lista: a extinção da IGAL.
Sobre este assunto vale muito a pena ler a carta do Juiz-desembargador Orlando dos Santos Nascimento, que lhe valeu a exoneração do cargo por «por razões relacionadas com a quebra de lealdade institucional». A carta alega que foi o bom desempenho da IGAL na sua missão - acautelar o cumprimento das leis por parte das autarquias locais - a amedrontar os poderosos e a causar a vitória da corrupção consumada na extinção desta instituição.
Uma perspectiva perturbadora, mas consistente com tudo quanto tem sido a acção deste Governo no que diz respeito à corrupção e à boa gestão dos dinheiros públicos - um verdadeiro desastre. 

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Revista de imprensa (8/1/2013)

  • «O Estado vai reforçar o capital do Banif metendo lá 1.100 milhões de euros. Ficarão os contribuintes, através de um empréstimo da troika, detentores de 99,2% do banco. Se toda a gente envolvida nesta negociação se portar bem - coisa que a disputa da herança do antigo líder do banco, Horácio Roque, torna incerta - a percentagem de posse do Estado naquele banco diminuirá para 60.6%, situação que, no entanto, perdurará até 2017. Na melhor das hipóteses. Apesar de responderem pela maior parte do dinheiro que capitalizará esse banco, os contribuintes não terão direito a controlar a administração do Banif, que continuará dominada pelos representantes de alegados "investidores privados" que se comprometem a lá pôr, na empresa que deixaram cair, apenas 250 milhões de euros. Note-se que este banco, de 2000 a 2010, deu aos seus acionistas 216 milhões de euros em dividendos, 41% do total de lucros registados nesse período, dinheirinho que hoje daria muito jeito mas, pelos vistos, ninguém acha dever ser considerado nesta relação desigual entre o nosso proclamadamente falido Estado e os nossos pretensamente ricos capitalistas, cuspidores dessa mão que, afinal, lhes dá sempre de comer e cronicamente os salva dos apuros em que se metem. (...) nestes acordos a oposição afeta ao regime (na circunstância o Partido Socialista), cala-se caladinha pois surge sempre um dos seus (no caso Luís Amado, ex-ministro de Sócrates e atual presidente do Banif), a tutelar este tipo de negócios.» (Pedro Tadeu)

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Uma imagem que explica tudo...

Esta imagem explica eloquentemente a retórica da direita neoliberal com uma clareza espantosa.  Eles não se calam, sempre com a palavra liberdade entre os dentes, vão da Ayn Rand para o Hayek e voltam, citam filósofos, metem o Adam Smith e o John Locke em todos os argumentos, mas no fim do dia o que está em causa é um ataque concertado à democracia e à classe média que a sustenta. 
Os miseráveis vão sempre ser de direita, como têm sido desde o neolítico: querem é bola e Fátima e fado, e serão sempre os primeiros a fazer fila para se alistarem, lutarem e morrerem por reis e por cardeais, pela indústria do petróleo e pela do alumínio. 
Os inimigos da cleptocracia são a classe média.  São as pessoas que lêem livros e jornais e têm aspirações de liberdade, civilização, transparência, justiça, cultura, democracia, paz, sustentabilidade, os que querem deixar um mundo decente aos filhos e aos netos: os que se gostavam de ver representados nos parlamentos e nos governos.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Da ausência de uma cultura de responsabilidade em Portugal

Poucas coisas me custam mais a aturar neste país do que a ausência de uma cultura de responsabilidade. Por exemplo...

Nos EUA, um elemento da CIA foi condenado a prisão efectiva por passar informações a jornalistas, com escândalo nacional e exposição mediática; em Portugal, nem se consegue entender se o elemento do SIS acusado de tráfico de armas para o IRA foi absolvido ou condenado (a notícia é ambígua, e nenhum jornalista se interessou alguma vez em investigar aprofundadamente o caso, nem sequer pela circunstância de ele dizer ter cúmplices no governo português da época, ou por ter usado um contacto da Mossad para montar um esquema de lavagem de dinheiro).

Num país normal(*), os responsáveis do serviço em causa já teriam vindo a público afirmar que o recrutamento seria mais cuidadoso a partir de agora, e teriam rolado cabeças. Sim: alguém teria sido demitido. Em Portugal, nada.

sábado, 5 de janeiro de 2013

E agora não me interrompam, que eu estou concentradíssimo

Deu muito que falar este desabafo da atriz Maria do Céu Guerra no Facebook:
Vi agora na Televisão que o Paulo Futre acaba de dobrar um filme para crianças. É extraordinário. Num país onde os actores profissionais precisam de contratos e de trabalho, qualquer pessoa que se notabilize em qualquer área pode substitui-los num trabalho que eles sabem fazer, estudaram e treinaram-se para isso e é a sua área profissional. A Lili Caneças já fez Tenessee Williams. Não sei quantas actrizes nesses meses estavam desempregadas. Ou a fazer papelinhos na TV para sobreviverem. Os ex-políticos ocupam cargos da área da Cultura, nas Fundações, etc, etc. Será que não há pessoas de Cultura para esses cargos? Por que é que um Reitor quando se reforma vai para casa e um banqueiro vai para administrador da Gulbenkian? Os criadores, os actores são uma espécie de ursos que vão para o circo presos por uma corda e quem ganha o dinheiro é o dono do circo, o dono do urso e o dono da corda. E se algum deles souber dar cambalhotas manda-o abater. Não será altura de dizermos que assim não vale. Eu estou farta. Não quero que nos dêem emprego, quero que não nos tirem os nossos.
Compreendo as razões da atriz e concordo em certos aspetos, mas no essencial creio que não tem razão. Eu não tenho formação nenhuma em jornalismo, e trabalhei como jornalista científico em 2006; se o critério de Maria do Céu Guerra patente na sua última frase valesse, não teria tido esse trabalho, que muito prazer me deu, e que creio ter desempenhado bem. Mas alguma formação eu tinha (já era cientista, e era um cargo de jornalismo científico). O melhor contraexemplo é o de Susan Boyle, unanimemente considerada um grande talento vocal, descoberta acidentalmente num programa de televisão, e nunca teve aulas de canto. Seria melhor nunca ter sido descoberta? Outro exemplo é o da deputada e advogada Odete Santos, um talento histriónico natural, a atuar numa revista. Desde a célebre conferência do jogador chinês que se percebeu que o Paulo Futre tinha um talento natural para o entretenimento. Esse tipo de talento não requer preparação nem estudo. De resto, creio que entre as profissões intelectuais e/ou não-braçais há que distinguir as que requerem uma vocação (médico, cientista, historiador…) e as que requerem talento (ator, músico, pintor, futebolista…). Ao contrário das primeiras, as segundas podem ser exercidas, a um nível elementar, sem nenhum tipo de preparação que não seja o próprio talento, a ser apreciado pelo público. É claro que um cantor não pode cantar ópera sem anos de estudo; mas não há mal nenhum na Susan Boyle. È evidente que há uma grande diferença entre Lili Caneças representar Tenessee Williams no teatro e a Odete Santos fazer uma revista ou o Paulo Futre fazer uma telenovela ou uma dobragem de um desenho animado, num papel curto (é essa a confusão de Maria do Céu Guerra, que mistura tudo). Não digo que não compreenda a revolta e a frustração de Maria do Céu Guerra ao ver tantos colegas seus desempregados e Futre a desempenhar uma missão que ela acha, legitimamente, que seria melhor desempenhada por eles. Tão pouco irei cair no extremo cinismo de lhe responder que esses seus colegas, tão bem preparados para representarem os melhores dramaturgos, certamente sentir-se-iam frustrados ao dobrarem desenhos animados, como respondem certos engenheiros que dão aulas de física e matemática em politécnicos ao desculparem-se por promoverem mais um assistente e não contratarem mais um doutorado. Não, não direi isso. Apenas lhe faço ver, como já disse, que em profissões criativas para “talentos” estes podem sempre surgir, pelo que não faz sentido falar nos “nossos empregos”. O resto é a frustração normal com as preferências populares, que eu também partilho. Mas a culpa não é do Futre.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

O velho enviesamento da «parede à esquerda»

O Igor Caldeira espanta-se por um índice de Gini ter descido em Portugal desde o início da crise (curiosamente, a partir de 2005, mas enfim). Diz que «só com a crise económica é que nos fomos tornando num país mais igualitário».

Acontece que os rendimentos mais baixos têm um limite inferior (o salário mínimo, o RSI...) enquanto os salários mais elevados não têm um limite superior. Basta aumentar o número de pessoas com baixos rendimentos que algumas das pessoas com maiores rendimentos até podem subir o seu rendimento. (Logo, não é um medidor perfeito das desigualdades.)

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

O ar dele ficou menos respirável

Cavaco Silva iniciou hoje a operação de contenção de danos que permitirá ao PSD, num dia cada vez mais próximo, olhar para o sr. Coelho como um episódio menor da história do partido.