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sexta-feira, 1 de maio de 2020

Deriva de Esquerda

Há quase 10 anos publiquei aqui um conjunto de posts sobre a deriva de direita que tem ocorrido nas últimas décadas no mundo ocidental, magistralmente descrita por Freitas do Amaral:

«quer o socialismo democrático quer a democracia cristão viraram tanto à direita (nos últimos 30 anos) que se converteram em aliados das classes superiores, quando a sua doutrina lhes apontava o caminho da aliança com as classes médias e com o povo mais pobre. O resultado global é triste, mas fácil de detectar: enquanto a social-democracia nórdica continua a favorecer os mais desfavorecidos, a generalidade dos governos socialistas e democratas-cristãos protegem sobretudo os mais ricos e poderosos, castigando sistematicamente a sua principal base de apoio - as classes médias.
Voltámos ao capitalismo no seu pior: Leão XII e Bernstein foram esquecidos pelos seus seguidores; quem influencia os políticos de hoje é Adam Smith, na sua versão neoliberal que o desfigura, é Gizot, apesar de não ser bem conhecido, e é Friedrich Hayek, quase sempre mal interpretado. Por isso as desigualdades aumentam, a corrupção alastra e o poder económico deixou de estar subordinado ao poder político. Platão e Aristóteles já explicavam muito bem porque é que as democracias degeneravam em oligarquias, e estas em plutocracias. Mas quem os lê hoje em dia? E quem reflecte sobre os sábios avisos que nos legaram?»

Os posts foram quase proféticos, terminando com um "se a deriva continua, o fascismo vem a caminho..." que antecipou a existência e chegada do CHEGA ao Parlamento, mas também a ascensão política de Trump, Bolsonaro, etc.

No entanto, em paralelo com esta "deriva de direita" no campo económico, deu-se também uma "deriva de esquerda" a que as pessoas de direita, principalmente as mais conservadoras, não param de se referir, e com alguma razão.

Tal como, no campo económico, muito do discurso de Sá Carneiro - considerado um líder de direita - seria hoje considerado "demasiado extremista" na boca das lideranças do BE ou PCP (pelo menos pelos comentadores dos principais órgãos de comunicação social), também posições que eram consideradas "moderadas" ou até "progressistas" são hoje consideradas "extremistas" e "inaceitáveis" por serem vistas como excessivamente conservadoras.

O campo onde esta mudança foi mais evidente foi o das relações entre pessoas do mesmo sexo. Quando o BE surgiu como partido, a reivindicação do casamento entre pessoas do mesmo sexo era ousada, e até extremista. A posição de que o casamento seria aceitável, mas a adopção nem tanto era considerada uma posição entre o progressista e o moderado. Hoje, rejeitar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, ou - aceitando-o - rejeitar a adopção de crianças por parte de casais do mesmo sexo é uma posição que é vista (e bem) como revelando homofobia, é considerada extremista e "inaceitável". 
Esta foi uma extraordinária vitória, e é muitíssimo importante que a esquerda aprenda as lições desta vitória, como das sucessivas derrotas que foi sofrendo. 

Mas esta não foi a única vitória da esquerda nas últimas décadas. Existiram significativas mudanças na representação do género e da etnia no cinema e na cultura popular. O enorme hiato entre homens e mulheres no que diz respeito à formação académica foi-se fechando ao ponto de já se ter verificado uma ligeira inversão, e o pensamento dominante tornou-se bem menos tolerante para com a violência doméstica. E por aí fora... Numa série de questões culturais, ditas "de valores", a esquerda foi conseguindo conquistar um conjunto de vitórias. 

Não é por acaso que a esquerda tenha conseguido obter as suas vitórias precisamente nas questões que não obstavam (ou até poderiam ajudar a promover) os lucros das principais empresas. Há medida que a esquerda ia somando derrotas no campo económico e somando vitórias naquilo a que se foi chamando o "campo cultural", seria de esperar que as vitórias no campo económico se fossem tornando mais fáceis (porque o status quo estaria mais afastado do "centro" anterior), e que as vitórias no campo cultural se fossem tornando mais difíceis (também porque o status quo estaria mais afastado do "centro" anterior). E, no entanto, a esquerda não parou de somar vitórias no campo cultural, e derrotas no campo económico. 

Sem supor que tenha havido qualquer espécie de intenção deliberada neste processo, vale a pena observar que - do ponto de vista funcional - esta actuação por parte da esquerda é precisamente aquilo que os mais ricos e poderosos melhor poderiam desejar. 
Isto não significa, de todo, que tenha sido um erro a aposta nessas lutas. Cada uma das vitórias da esquerda nestas últimas décadas foi um passo em frente para a Humanidade, essencial para nos dar esperança em relação ao futuro. 

Mas neste momento em que a extrema-direita está em ascensão, não podemos deixar de fazer um bom diagnóstico daquilo que aconteceu nas últimas décadas: uma tremenda deriva de direita no que concerne às esmagadora maioria das questões que são decididas no Parlamento, e mesmo assim um discurso que não é considerado absurdo (pelo menos ao ponto de não ser influente) de acordo com o qual "esta é a sociedade que a esquerda construiu". 
É porque, desonestidades e exageros à parte, em paralelo com a deriva de direita, houve também uma deriva de esquerda. 

Às vezes esquecemo-nos disso, e naqueles posts de há 10 anos eu certamente me esqueci disso. 

terça-feira, 19 de novembro de 2019

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Propriedade intelectual - o desequilíbrio fraudulento

No "Vento Sueste" o Miguel Madeira cita Alex Tabarrok ironizando a actual legislação de propriedade intelectual:

«The latest case in point is last week’sextension of copyright in the European Union for design:

"Mid-century design classics, such as Charles Eames chairs, Eileen Gray tables and Arco lamps are set to rocket in price, following EU regulations which came into force this week that extend the copyright on furniture from 25 years to 70 years after the death of a designer. (...)"

Dead people tend not to be very creative so I suspect that the retroactive extension of copyright will not spur much innovation from Eames. The point, of course, is not to spur creativity but to protect the rents of the handful of people whose past designs turned out to have lasting value.
Retroactive extensions of copyright throw the entire reasoning behind copyright into reverse. »

Nem mais.
Os grupos de interesse e outros representantes de grupos rentistas tiveram um impacto legislativo tão perverso e contrário ao interesse público, que fizeram da legislação de protecção da propriedade intelectual uma verdadeira anedota.
Não são precisos estudos para intuir se os actuais prazos são aqueles que equilibram os benefícios de estimular a criatividade e inovação com os prejuízos de dificultar o seu acesso aos que delas podem tirar proveito. Basta um pouco de bom senso para compreender que o "Rei vai nu", e que estes prazos são um exagero que só se justifica pela falta de atenção dos cidadãos a um tema que soa chato.
Aliás, acredito que, só por ter colocado as palavras "propriedade intelectual" no início do título, já perdi metade dos potenciais leitores deste texto.

Ainda assim, para os mais cépticos, o Pedro Romano fez (mais uma vez) um verdadeiro "serviço público" ao referenciar vários estudos que comprovam que a actual legislação relativa à propriedade intelectual é excessiva e, tal como está, perversa:

«


  • Patent thickets and first-time patenting: New evidence: Os autores mostram que o sistema de patentes gerou um aglomerado tão grande e concentrado de ‘áreas controladas’ que algumas empresas desistem pura e simplesmente de investigar e inovar nesses ‘matagais’ de propriedade intelectual.
    • Do patent rights impede follow-on innovation? Este é engenhoso: o paper olha para indicadores de inovação após certas patentes serem declaradas ilegais por um tribunal americano. Os autores têm cuidado para despistar uma série de factores que introduzem ruído, concluindo que “at least on average, patents block cumulative innovation”.
    • Patent laws and innovation: evidence from economic history: Um estudo sobre as patentes ao longo da história, que conclui com: “Historical evidence suggests that in countries with patent laws the majority of innovations occur outside of the patent system. Countries without patent laws have produced as many innovations as countries with patent laws during some time periods, and their innovations have been of comparable quality. Even in countries with relatively modern patent laws, such as the mid-19th century United States, most inventors avoided patents and relied on alternative mechanisms when these were feasible”.
    • The case against patents: Uma recolha densa dos estudos disponíveis acerca do tema. A conclusão (ou, neste caso, a introdução): “The case against patents can be summarized briefly: there is no empirical evidence that they serve to increase innovation and productivity, unless the latter is identified with the number of patents awarded – which, as evidence shows, has no correlation with measured productivity. There is strong evidence, instead, that patents have many negative consequences. Both of these observations are consistent with theories of innovation that emphasize competition and first-mover advantage as the main drivers of innovation and directly contradict “Schumpeterian” theories postulating that government granted monopolies are crucial in order to provide incentives for innovation”.
    Há mais algumas coisas para além disto. Por exemplo, uma série de estudos feitos pelo CEPR (divulgação popular pelo Dean Baker) e uma interessantíssima tabela compilada por Gregory Clark, em que este mostra como uma enorme percentagem de inventores de topo morreu na penúria, por não conseguir colher os frutos do seu trabalho (o takeaway, que não é óbvio à partida, é que a inovação não depende do lucro que dela se possa extrair, dependendo antes de outra classe de motivações).»

    segunda-feira, 21 de março de 2016

    Na morte de Nicolau Breyner

    Em democracia, sempre se assumiu como um homem de direita. Na ditadura, embora não procurasse a disputa política, ela veio ter com ele. No momento decisivo, fez o que tinha que ser feito. Tal como o jornalista do livro "Afirma Pereira" de Antonio Tabucchi. (A adaptação cinematográfica do livro, aliás, contou com a sua participação. E que belo "Pereira" Nicolau teria dado, embora obviamente a personagem tenha sido muito bem entregue.) Só por isto, que diferença para Cavacos e Marcelos!

    sábado, 2 de janeiro de 2016

    quarta-feira, 24 de setembro de 2014

    terça-feira, 16 de setembro de 2014

    O Prós e Contras e a Lei da Cópia Privada

    Não quero com isto tomar posição na questão da lei da cópia privada. Em abstrato a lei parece-me ridícula, embora haja leis ou taxas que são ridículas mas necessárias. Há boas razões do lado de quem defende esta taxa, mas a taxa em si parece-me anacrónica e ridícula, mais uma vez. Não me parece, porém, que os montantes em causa justifiquem esta polémica, e não é ela que quero aqui abordar.
    O momento mais marcante do Prós e Contras desta noite é no final da primeira parte, quando Leonor Xavier, muito genuinamente espantada, de um lado vê uma série de "autores", gente que ela considera que deveria ser "muito conhecida" (mesmo se, tanto quanto sei do caso de Tozé Brito, por exemplo, não compõe uma canção há décadas) e a quem todo o país deveria "reverência". Do outro, umas pessoas que ela nem sabe quem são, uns "professores universitários", blógueres, tudo gente muito esquisita, que ela nunca viu nem ouviu falar. E é isto mesmo que a senhora questiona a apresentadora, nestes termos: "quem é esta gente que você desencantou e que quer discutir connosco, os "autores"?"
    Se eu fosse o André Azevedo Alves ou o Pedro Veiga, teria perguntado à senhora quem é que a conheceria se ela não fosse a viúva do saudoso Raul Solnado.

    sexta-feira, 25 de abril de 2014

    segunda-feira, 28 de outubro de 2013

    quinta-feira, 4 de julho de 2013

    quinta-feira, 25 de abril de 2013

    25 de Abril sempre (?)

    (José Mário Branco, 1982)

    sábado, 22 de dezembro de 2012