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sábado, 4 de maio de 2024

Considerações sobre "Ayrton Senna do Brasil"


Inesperadamente, numa quinta-feira à tarde, o livro cai no meu colo. Numa livraria, vejo este exemplar numa prateleira e nem hesito em comprá-la. Até calha bem: aproxima-se o 30º aniversário do seu acidente fatal e é a altura ideal. 

Richard Williams escreveu isto em 1995, no rescaldo de uma temporada de pesadelo: mortes, acidentes sérios, alterações de regulamentos em cima do joelho, a Formula 1 colocada em dúvida. Mas o choque maior foi o desaparecimento prematuro do melhor piloto do pelotão, mesmo sabendo que estava a ser contestado por um jovem alemão chamado Michael Schumacher. Os eventos de Imola são frequentemente comparados com os de Hockenheim, a 7 de abril de 1968, quando morreu Jim Clark, numa corrida de Formula 2.

O autor escreveu desde então alguns livros bem interessantes sobre automobilismo, nomeadamente uma biografia de Richard Seaman, o britânico que correu pela Mercedes em 1938, mas vésperas da II Guerra Mundial. 

Este livro foi escrito e reescrito ao longo dos anos, porque entretanto, houve um inquérito, e de uma certa forma, o exemplar que tenho nas mãos é da edição de 1999, altura em que sofreu a sua maior alteração.

Li-o em três dias, entre os dias 1 e 3 de maio. Não foi num fôlego, mas com a calma suficiente para poder desfrutá-lo. O assunto é mais que conhecido, li outras biografias, que contam de uma ponta à outra a sua carreira desde os karts até à aquela tarde de domingo de primavera no centro de Itália. E a conclusão que chego é que, se não é o melhor, é uma das melhores biografias sobre ele. 

A leitura começa com a descrição do funeral, em São Paulo, para depois falar da sua carreira, e dos seus feitos, e da sua atitude em relação aos seus adversários. Mostra que foi tudo um grande plano para alcançar o topo, onde conseguiu cumprir todos os objetivos: a Formula 1, as vitórias, os títulos, os melhores carros do campeonato. 

A parte final tem a ver com o seu acidente e o inquérito italiano sobre as suas causas. O capitulo final é uma sessão do julgamento em Bolonha, com o testemunho de Damon Hill sobre o que aconteceu, e as respostas ambíguas que deu. 

A maneira como o autor o apresentou, para além do distanciamento jornalístico que deu, mostra também um sentido de pragmatismo em relação a ele e nas lutas com os seus adversários. E contou uma coisa que não li em muitas biografias sobre ele: foi o primeiro a trazer um estilo a uma Formula 1 em transição. Até ali, o perigo de morte era palpável, mas em meados da década de 80, com os carros e fibra da carbono, e os depósitos de combustível protegidos, os pilotos poderiam puxar os limites mais um bocado. Senna explorou-os, foi o primeiro a fazê-lo. Intimidar os seus adversários pode não ser muito de desportista, mas fê-lo bem. Quer nos "mind games" (quando descobriu a aversão de Prost à chuva, explorou-o até ao tutano), quer na pista, apesar de achar que os eventos de Suzuka, em 1990, foi ir longe demais. Mas não poderia fazer aquilo 15 anos antes, porque saberia que acabaria numa bola de fogo. 

O que me fascina neste livro é que, sendo uma biografia, consegue ir além dela, trazendo coisas novas em relação a ele, numa altura em que parece tudo já ter sido dito sobre Senna. Logo, é muito bom. Acredito que lerei mais coisas sobre ele no futuro, mas acho que este já está entre os melhores e merece um lugar de destaque na minha biblioteca. Gostei.   

domingo, 31 de dezembro de 2017

Sobre o ano que passou

Não tenho motivos de queixa de 2017. Bem pelo contrário: até que consegui alguns feitos para mim. Não creio que conheça pessoas - pelo menos próximas de mim - que digam que num ano, publicaram um livro e conheceram um dos seus ídolos. A mim, isso me aconteceu, e honestamente, eu olho para trás sobre esses momentos e fico a olhar de espanto, a pensar "como é que isso aconteceu".

No final, teve a ver com duas coisas: trabalho e sorte. Muitos dizem que um não acontece sem o outro, e de uma certa maneira, é verdade. Mas aquilo que vos digo é para que a sorte aconteça, tem de se preparar muito bem. E claro, por trás de um sucesso podem estar muitos fracassos. É sempre assim, acreditem.

No dia de Natal, eu disse que estava feliz por ter concretizado um dos meus sonhos. Escrever um livro era uma velha aspiração minha, mas para chegar lá, deu trabalho. E aconteceu por acaso, uma sorte de uma noite sem dormir, algures em fevereiro. Quase das últimas coisas que andava a ver antes de desligar o computador. Uma coisa levou a outra e quatro meses depois, em julho, tinha o livro publicado.

Em setembro, outra casualidade me deu para cruzar com um dos meus ídolos automobilísticos. Um desfile de carros que foi encurtado devido à chuva, e que me fez andar mais cedo para casa. Gosto de automóveis, e sabia que o Ari Vatanen iria ser a cabeça de cartaz do (agora habitual) Leiria Sobre Rodas. Não consegui ir vê-lo nas ocasiões que era para ter acontecido, e de uma certa forma, já tinha esquecido da ideia, até ter visto o Jeep que estava exposto do estádio, com um carro-patrulha a escoltá-lo. Não liguei dois mais dois naquele instante, mas depois de bater a foto, é que reparei que tinha na minha frente algo que não esperava, de todo.

E claro, aproveitei. Foi um momento inesquecível. E ao contrário ao ditado, foi uma jóia de pessoa. Espero que venha cá mais vezes, e tenha mais oportunidades como esta.

No final, é isto: saio contente de 2017, mesmo não tendo muitas expectativas. Vejo isto como o começo de algo novo, do qual espero que venham coisa melhores no ano que vêm. Desejo ver concretizados alguns velhos sonhos meus, desejo fazer mais coisas, ver algo novo, ver mais os meus amigos, ver novas paisagens. E continuar a fazer as coisas que mais gosto, ter saúde para fazê-los.

E no final, lembro-me da Bolinha. A cadelinha da nossa familia que nos deixou este ano, algo de repente, no passado mês de agosto. Foram 14 anos de convívio do qual só tenho coisas boas para dizer. O nosso animal de colo, mimada por todos nós, e do qual temos muitas saudades. É por isso que a foto dela está ali em cima.

E é só isso. Bom 2018 para todos vocês! 

terça-feira, 7 de junho de 2011

Grand Prix 1972: As primeiras voltas do ano

O dia de Sábado acordou com vento vindo do mar del Plata, e a temperatura diminuiu um pouco, para níveis mais suportáveis aos estrangeiros. Desde cedo que os mecânicos e pilotos estavam no circuito para fazer as devidas reparações e preparações dos carros para o segundo dia de qualificação, onde havia uma natural expectativa entre os pilotos da Apollo e da Jordan, com o Temple-Jordan do herói local a espreitar por mais gracinhas, e as equipas de fábrica pareciam estar num dia não, excepto os Ferrari.

Nas boxes da Apollo, havia sorrisos, mas eles sabiam que as coisas poderiam modificar de um dia para o outro, ainda por cima, o asfalto não estava tão quente como ontem, e todos sabiam disso:

- Como está o carro? Perguntou Philipp.
- Já colocamos um novo rolamento, acho que vai ficar melhor. Mas só depois de tu experimentares.
- OK, vou assim que colocarem um novo jogo de pneus, respondeu. Thomas, o que contas?
- Tou velho demais para isto, Phil. Consegui afinar ambos os carros, e acho que deve dar para melhorarem a velocidade de ponta. Mas tem de ser habilidosos nas curvas.
- É… apesar do novo bico.
- Ele funciona, é certo. O Alex fez um bom trabalho, mas pode não chegar, contra os carros da Jordan.
- Pois… temos de ser melhores do que eles

Logo ao lado, Alexandre observava o seu carro enquanto que os mecânicos faziam as últimas afinações. Parecia estar distraído ou concentrado noutros aspetos, dado que na sua frente, Pete Aaron e alex Sherwood falavam sobre os carros e espreitavam a tabela de tempos. Teresa observava-o.

- Que pensas?
- Nada de especial. Apenas quero sentar-me no carro e correr.
- O que achas que vai acontecer hoje?
- Bom, o carro porta-se bem, e se calhar pode dar para a “pole-position”. Mas os Jordan vieram fortes esta corrida. E esse Fuchs…
- O que têm?
- Esse local veio estragar os nossos planos. O Temple, esperto, conseguiu sacar mais um na cartola. Foi como nós com o Thomas e o Philipp.
- É bom, significa que há mais pessoas inteligentes.
- Obrigado pela força - respondeu Alexandre de forma sarcástica – com amigas destas, quem precisa de inimigas?
- Então… vais conseguir a pole-position, não te preocupes.
- São 0,2 segundos, como aguentarei?

Alexandre poderia estar apreensivo, pois na boxe da Jordan, os carros estavam à espera do sinal do começo dos treinos para irem na direção da pista. Agachado ao lado de Pedro Medeiros, Bruce Jordan dá um ultimo conselho:

- Tem cuidado para não pisar as bermas, que ainda estão sujas. Tenta não arriscar na tua primeira volta cronometrada, acho que os pneus aguentam mais umas duas ou três voltas. Faz um tempo para marcar e outro para melhorar. Não puxes pelos limites, OK?

Pedro acenou a cabeça em sinal de concordância. Depois Bruce afastou-se uns metros para dar o mesmo tipo de instruções ao seu outro piloto, o finlandês Antti Kalhola. Atento, ele ouviu as mesmas instruções e fez o mesmo gesto com a cabeça, sem desviar o olhar da pista. Quando o comissário de pista deu sinal de que a sessão de treinos tinha começado, os dois carros rumaram lentamente para a pista, dando as primeiras voltas daquela sessão de duas horas.

Pouco tempo depois era a vez dos Ferrari de Patrick Van Diemen e António Bernardini rolarem na pista, seguido pelos Matra de Gilles Carpentier e Pierre Brasseur. Alguns minutos mais tarde, era a vez dos Apollo de Philipp de Villers e Alexandre Monforte, na frente do BRM de Brian Hocking, do McLaren de Peter Revson e do Temple-Jordan de Juan Fuchs. Os cinco carros iriam sair ao mesmo tempo para pista para tentar melhorar os tempos do dia anterior.

Alexandre andou toda a primeira volta em ritmo de passeio. Raramente acelerava a mais de 120 km/hora, e tinha a quarta velocidade engatada. Não pressionava o acelerador e deixou que os pilotos que estavam na sua frente se fossem embora. Não queria transito quando tentasse estabelecer uma volta rápida. No canto do seu olho, para quem tinha o Mar da Prata no seu horizonte, uma série de nuvens estava prestes a obscurecer o sol daquele dia, dando uma inesperada sombra, bem precisa e bem acolhida. Quando chegou à parte mais sinuosa do circuito, essa sombra já tinha caído sobre o circuito, e ficou atento a ela. Depois de fazer a curva anterior à reta da meta, Alexandre simplesmente engrenou a mudança e começou a colocar crescentemente o pedal no fundo, voando quando passou pela meta.

Pam e Teresa clicaram imediatamente nos seus cronómetros para registar o tempo de Alexandre. Momentos antes, tinham feito o mesmo para Philipp de Villiers, que já ia mais de 400 metros na sua frente, acelerando fortemente na pista. Depois de uma primeira curva à direita, havia outra para a esquerda, ambas feitas de forma veloz, e os carros voavam a mais de 280 km/hora, por uma reta de quase um quilómetro, puxando implacavelmente pelos motores e demais componentes do carro, até a uma curva à direita, feita em quarta velocidade e um ligeiro toque no travão.

Pouco depois, o carro virava de novo à direita, em mais uma curva veloz, e aceleravam a fundo numa distância maior, de mais de um quilómetro. Continuavam a acelerar até a uma veloz curva à direita, onde muitos nem sequer levantavam pé, até chegar à parte mais sinuosa do circuito, onde tinham de fazer uma forte travagem à direita e passar por uma série de curvas bem mais lentas, à esquerda e à direita, com uma pequena reta no lado de dentro. Depois de uma curva à esquerda e outra à direita, outra à direita, mais redonda, quase em 180 graus, acelerando depois para a esquerda, em direção à reta da meta, que era num pequeno alto, descendo depois até à tal sequência direita-esquerda muito veloz que a pista tinha.

Alexandre fizera a sua volta, mas não dava sinais de parar, pois tinha a pista livre. Teresa tinha ligado outro cronómetro, mas espreitou e gostou do que viu. Registou o tempo no gráfico e colocou-o no zero, preparando esse relógio para uma próxima volta, com o outro a funcionar.

Ao fim de dez minutos e meia dúzia de voltas, o Apollo de Alexandre recolheu às boxes, enquanto que o outro carro também lá estava, com o velho Thomas à volta do carro para ver se tudo estava bem no bólido de Philipp de Villiers. Alexandre estacionou o carro e Teresa veio ter com ele para mostrar a tabela de tempos. E trazia um sorriso na cara.

- Parabéns, tiraste mais quatro décimos ao tempo de ontem.
- Deve ter sido do sol.
- Qual sol? Não há agora...
- Precisamente. Agora a temperatura deve baixar um pouco, logo, a borracha funciona melhor, não achas?
- Espero que sim, mas se fores pensar nisso, os outros também farão o mesmo.
- Mas este tipo de pneus só nós é que temos, querida.

Entretanto, surge Alex Sherwood, que lhe fala sobre os últimos desenvolvimentos:

- A Teresa falou-te dos tempos? Se sim, ótimo. Isto pode dizer que poderemos melhorar mais.
- Põe-me pneus novos, estes já são de ontem.
- Temos uns jogos novos, é verdade, mas queremos guardar uns dois ou três para a corrida.
- Não vamos andar a trocar de pneus, pois não?
- Não, mas sempre podes ter um furo.
- Que engraçado. Continuo a ter a pole-position?
- Continuas, e como ela te disse, melhoraste. Mas o Medeiros fez o melhor tempo do dia e da qualificação há pouco, e a diferença é de 0,3 segundos.
- É pouco.
- E o Antti fez um tempo 0,8 segundos mais lento do que o nosso. E está na frente do De Villiers.
- Eh lá! E os Ferrari?
- Estão em quinto, com o Van Diemen, mas estão mais de um segundo mais lentos.
- E quem rebentou o motor? Não foi um deles?
- Foi o Bernardini, não sei se vai voltar, mas mesmo que volte, o tempo não nos ameaça.
- Se for o de ontem, não nos ameaça mesmo.

Alex Sherwood fez uma pausa e disse:

- Ainda há mais uma coisa.
- Quem, a Matra?
- Não, o Fuchs. Está entre o Van Diemen e o Carpentier.
- Interessante... sabem tirar leite de pedra, como se costuma dizer.
- De fato, acho que sabem afinar um carro. Sexto entre carros oficiais é um feito...
- Veremos se isso é fogo de palha para acabar na décima volta...
- Pois. Esperemos que sim.

Alexandre sorriu, antes que os mecânicos baixassem o carro para uma série de novas voltas, com um novo jogo de pneus. Um dos mecânicos deu sinal de que estava tudo pronto para arrancar, e ele colocou a viseira para baixo e saiu devagar dali, rumo a uma nova série de voltas no circuito argentino, agora com o sol de volta.

(continua amanhã)

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Grand Prix 1972 - Um jantar de campeões, parte II

(continuação do episódio anterior)

Na mesma altura, Temple e Aaron tiveram a oportunidade daquele jantar para conversar um com o outro sobre a temporada que aí vinha, e outros assuntos mais pertinentes. Temple puxa Fuchs pai para o seu lado e conversam sobre o futuro imediato do automobilismo:

- Temple, eu conheço-te. Sempre foste muito oportunista e tens olho para o negócio, digamos assim. Já vi que tu com o Fuchs tens um motor. E para quê andas atrás de mim?
- Preciso de um chassis, ora. E contatos.
- Para ele?
- Para o filho.
- Está tudo cheio para os meus lados, lamento.
- Não é isso que quero. Nós já decidimos colaborar um com o outro, especialmente com o filho.
- Acho que o vi na Formula 2, e até era bom. Mas porque queres o pai?
- Acho que é altura de dar o passo à frente.
- Ah é? Vais construir o teu próprio chassis? Ele só faz motores...
- Quero levá-lo de volta à Europa. Acho que o seu talento por aqui está a ser desperdiçado.
- Mas a Argentina é boa nisto. E pelo que me contam, o Brasil anda lá perto... e depois, já tens o filho.
- Tenho outra ideia. Interseries.
- Com que chassis?
- É isso que quero propor-te. Motor eu já tenho: monto uma unidade de 3 litros baseado numa antiga unidade da Chevrolet que ele conseguiu desenvolver até aqui. Já desenvolve quase 400 cavalos.
- A Lamborghini anuncia que quer fazer um com 500. Se os conseguirem fiabilizar, eles serão campeões do mundo na primeira corrida. Achas que contra estas equipas de fábrica tu vais conseguir? Com que dinheiro?
- Daqui.
- Do Governo?
- Do Fangio. Mercedes Argentina, disse baixinho. É "top secret", e se der bem na Interseries, a Formula 1. E com apoio oficial. Fuchs-Mercedes, já viste? Se der certo, poderá ser teu.
- Quem é que disse que eu quero?
- Pensa nisso. Bom, vou deixar-te ao pé de Herr Fuchs, que anda a falar com a tua mulher. Cuidado, ouvi dizer que é um portento junto das senhoras. Podem ter perdido a guerra, mas este não deve ter perdido o charme... gracejou.

Harry Temple afasta-se, deixando Pete Aaron a abanar a cabeça, em sinal de negação. A seguir, Hermann Fuchs vai ter com Pete Aaron e conversam um pouco. Depois de falarem um pouco sobre a carreira automobilistica do piloto americano, um pouco para quebrar o gelo, este virou-se para Fuchs e perguntou-lhe:

- O que ele lhe disse para fazer convencê-lo a regressar à Europa?
- Não muito. O projeto é mais recíproco. Ele quer um motor, eu quero um chassis. E o meu filho quer um carro.
- Estou a ver. E pelo que me contam, você é o melhor daqui.
- Exacto. E também quero outra coisa: mostrar o melhor da tecnologia argentina.
- O senhor é alemão...
- Depois de vinte anos por aqui, já canto o hino local e beijo a bandeira azul celeste tão fanaticamente como os que nasceram aqui. E até vejo o futebol deles...
- Estou a ver. Quer construir uma equipa argentina?

Hermann Fuchs limitou-se a sorrir e respondeu:

- Não. Primeiro, quero que o meu filho seja campeão do mundo. Depois é que construo a minha equipa.
- Boa sorte, o Temple é dos sujeitos mais manhosos e oportunistas que já conheci na Formula 1. Sabe como o conheci?
- Não.
- Karlskoga, 1964. Andava no paddock com um uniforme militar e uma condecoração na lapela. Dizia que tinha sido da RAF e um ás na aviação.
- E então?
- "Bogus", tudo treta. Tinha fugido da tropa e ficara preso na Finlândia durante a guerra contra os russos. Mas era bom em reparar tudo que se movia: aviões, carros, tanques. E tinha uma enorme lábia para impressionar tudo e todos. Quando os finlandeses entraram na guerra do vosso lado, ele rumou para a Suécia, que era neutral na altura. Em Estocolmo, impressionava as miudas dizendo que era adido militar na embaixada e andava com um uniforme de capitão. Tudo corria bem até ao momento em que foi apanhado pelo MI5 e ameaçado de parar à forca se não colaborasse a sério com eles.
- Em suma, era um esperto.
- No final, colaborou com eles. O seu pescoço era mais importante do que o resto, e lá colaborou. Mas a condecoração era verdadeira.
- Era o quê?
- Já não recordo bem, mas acho que era a Geroge Medal. Mas não o teve durante a Guerra.
- A sério?
- Foi num acidente de comboio, em 1948 ou algo assim. Conseguiu salvar algumas pessoas no incêndio de uma das carruagens. Foi o que disse. Pensava que era treta, mas depois descobri uns recortes do acidente que ele me mostrou com a cara dele a tirar uma passageira dos destroços. E depois outras pessoas me contaram a história. Portanto...
- E como foi parar aqui?
- Bom, foi porque fez amizade com a familia Holmgren, na Suécia. Adorou tanto os paises nórdicos que lá fez negócio. O automobilismo foi um acaso do qual adorou. Começou por ser mecânico de um dos carros que o Holmgren comprou, no inicio da década de 60, um Porsche. Depois fizeram uma equipa que se mantêm até hoje.
- Esse Holmgrem, que é feito dele?
- Infelizmente já morreu. Há dois anos e meio, em Le Mans. Guiava um dos 917 novos e despistou-se na Maison Blanche. Passei pelos seus destroços por muitas vezes.
- Foi a sua última corrida, certo?
- Certo. Ganhei-a e desde então não olhei para trás.
- É uma bela e triste história, señor Aaron.
- É. E no seu caso, é bom que isso resulte. Acho que você e o seu filho merecem melhor do que andar com o Temple.
- Tenho bons contactos.
- E... ouvi um zum-zum. Fangio? E por causa disso que este jantar foi feito?
- Não necessariamente - sorriu Fuchs - El Chueco tem admiração por si, pela sua equipa e pelos seus pilotos. Mas que no final gostaria da sua ajuda para o meu projeto, gostaria. Mas não é Formula 1.
- É o quê?
- Interseries. Preciso que me construa um chassis para o meu motor. E pilotos capazes de o guiar. E será bem pago para isso.
- O governo?
- A Mercedes. Um Apollo-Mercedes seria fascinante.

Pete sorriu de volta. Achava a ideia fascinante, mas à parte as credenciais como preparador de motores e os feitos do seu filho, não sabia mais nada dele. Achava estranho ver nomes como Juan Manuel Fangio e Froilan Gonzalez numa coisa dessas, ainda mais sabendo que Hermann Fuchs era um home desconhecido fora da Argentina. Apreciava a sua ambição, mas porque não procurava ajuda da Mercedes? Certamente Fangio poderia convencer a marca a meter-se nisto, e não ele. Mas por outro lado, via que isto era sinal do prestigio que tinha alcançado em poucos anos: tinha vencido corridas, tinha bons pilotos, tinha um bom "know-how", e todo esse capital humano estava a ser cobiçado. Virou-se para ele e disse:

- Agradeço a oferta, mas a Interseries é algo no qual não me quero envolver. Contudo, o meu amigo Peter Weir deseja ter alguém para essa série. Se calhar poderei arranjar-lhe um contacto. É o minimo que posso fazer.
- Nesse aspecto, agradeço-o por me ter ouvido.
- Vamos falando durante o final de semana. Que tal?
- Ótimo. Pode ser que experimente o meu carro. Um Torino.
- Mas isso não é um AMC Rambler?
- A base é. Mas o resto não, sorriu.

(continua amanhã)

domingo, 5 de junho de 2011

Grand Prix 1972 - Um jantar de campeões

Pouco depois, os mesmos seis do pequeno almoço chegavam a um dos mais selectos restaurantes da cidade, onde eram esperados à porta por um “conciérge”, que pegou no seu carro e o estacionou num parque privativo. À porta estava o dono do restaurante, que os esperava para os levar rumo à mesa enorme e redonda, onde cabiam doze pessoas. Lá, o anfitrião os esperava, e não era um qualquer: era El Chueco.

Juan Manuel Fangio era um previlegiado, em todos os aspectos. Não tanto porque era um homem de negócios bem sucedido, mas também a sua posição era de lenda no seu país e era tratado como tal. Tinha sobrevivido às escassas hipóteses de sobrevivência e tinha sido o piloto mais bem sucedido do seu tempo, vencendo cinco títulos mundiais. Agora, com sessenta anos de idade, e quase quinze anos depois da sua última corrida, a sua aura crescia mais do que nunca e todos o reverenciavam, incluindo todos os que ali estavam.

Fangio tinha convidado Harry Temple e Hermann Fuchs, que levava Juan – ou Johann – consigo. Louro e de olhos claros, era um jovem atlético e sorridente, apesar de já manifestar alguma da calvície que Hermann já tinha, mas ainda não era aquilo que El Chueco já tinha na sua cabeça. Apenas uma testa mais proeminente. Señor Fangio ainda trazia a sua mulher e outra lenda do automobilismo consigo: Froilan Gonzalez.

A ideia de todos por ali era aparentemente de convívio entre campeões. Os cinco títulos de Fangio, os dois de Pete, era algo que valia a pena ser celebrado, e El Chueco provavelmente quereria saber como é que a nova geração se dava com os novos carros, para eventualmente trocarem experiências.

De braços abertos, El Chueco recebeu-os:

- Como vão, meus amigos? Sejam bem-vindos a Buenos Aires!
- Senõr Fangio, é uma honra jantar consigo, respondeu Pete, apertando as mãos e depois abraçando-se, em sinal de amizade. Depois de cumprimentar a sua mulher, disse:
- Por fim, conheço a lenda americana. Ganhou alguma vez as 500 Milhas de Indianápolis?
- Não, nunca consegui. Mas não foi por falta de tentativa.
- Tenho pena. Vocês tem uma prova e tanto por lá.
- É verdade, é a prova mais rica do mundo. Quem ganha ali tem a vida feita. Em compensação, tenho o Mónaco e Monza no meu palmarés.
- Sim, é verdade. E estes são os seus pilotos? Este rapaz não é estranho…
- É capaz. Alexandre de Monforte, Don Fangio, e a sua noiva.
- Uau… a senhorita é sublime. Um prazer conhecê-la, disse, beijando a mão dela. Venha comigo, faço questão de a levar ao lugar.

Alexandre e Philipp olharam um para o outro e encolheram os ombros, sem falar nada, mas ambos com largos sorrisos e gestos cúmplices. Aparentemente, até o grande campeão tinha sido superado pela beleza feminina de Teresa e limitaram-se a sorrir e a dirigir-se à mesa. Quando ele a sentou, virou-se para os “muchachos” e disse:

- Perdoem-me. Como sabem disso perfeitamente bem, rapazes, também gosto da beleza feminina. Quem é o feliz contemplado?
- Sou eu, senhor Fângio, respondeu Alexandre.

Dirigiu-se a ambos e cumprimentou-os, e dirigiram-se todos para a mesa. Assim que se sentaram, Fangio ficou entre Pete e Alexandre, enquanto que este ficou entre ele e Teresa. Ela ficou entre o seu namorado e Philipp, que tinha uma cadeira ainda por preencher. Depois de se sentarem, Alexandre dirigiu-se a e ele e disse:

- Don Juan, não me reconhece, pois não?

Fangio sorriu e disse:

- Temo-me enganar, mas… não és o neto do Conde?
- Sou sim senhor, respondeu.
- Meu Deus… como cresceste. E sempre conseguiste ser aquilo que querias. Ainda te lembro agarrado aos “pantalones” do teu avô, que Deus o Tenha. Ele fez um grande circuito, que tive o prazer de o guiar. E foi dos mais difíceis que já guiei, tão bom como Nurburgring. Fizeram um bom trabalho.
- E verdade.
- E vai ser esse que irá receber a Formula 1?
- Se tudo correr bem, sim.
- Vai ser algo que o teu avô iria se orgulhar. Ele sempre quis a Formula 1 no seu pais.
- E estou a fazer por isso.
- Acho que merecem. Ah! Froilan, “mi amigo”, venha, venha conhecer a gente.

Froilan Gonzalez poderia ser dez anos mais novo do que Juan Manuel Fangio, e pode não ter ganho qualquer título, mas a sua carreira foi suficientemente marcante para poder ter o seu lugar na lenda. Fora o primeiro piloto a vencer oficialmente ao serviço da Ferrari, e fora também o piloto que venceu por duas vezes o GP da Grã-Bretanha, ganhando o apelido de “O Touro das Pampas”. Todos se levantaram para o cumprimentar, da mesma forma que cumprimentaram Fangio. E pouco depois os Fuchs e Harry Temple chegavam, acompanhados por Bob Bedford, o outro piloto da equipa nesta temporada.

Durante o jantar, todos conversavam sobre automobilismo, a Argentina e outras coisas mais triviais. foi uma conversa animada entre duas gerações de pilotos, a do passado e a do presente, onde cada um falava das suas técnicas, das corridas mais marcantes nos seus passados e como os carros tinham modificado até então. Monforte tinha até desafiado os senhores mais velhos a tentarem a sua sorte nos seus carros, mas eles polidamente declinaram o convite, afirmando que perfeririam guiar os carros do seu tempo.

- Um destes dias guio o seu Mercedes. Sempre tive curiosidade em guiar um desses. O meu avô fartava de falar bem dele, e claro, sempre tive esse sonho.
- Mas não é por falta de oportunidade. Vou fazer uma demonstração no domingo antes da corrida. Sempre podem guiar um nessa altura...
- Adorariamos, mas acho que temos compronissos por essa altura... retorquiu de Villiers.
- Acima de tudo, o trabalho, brindou Alexandre.
- Tenho pena.
- De guiar o seu Mercedes? Outras oportunidades acontecerão, descanse.
- Não estou a falar do carro. Ao vê-lo brindar, lembrei-me do seu fabuloso vinho de Monforte. Dos melhores que já bebi na vida, respondeu Fangio.
- Ahhh... isso, sorriu. Se quiser vir à Sildávia em Setembro, teria um enorme gosto em recebê-lo. Vindimas e o Grande Prémio, seria fabuloso. E ficava na nossa casa. E claro, Don Froilan... também seria bem vindo.
- Agradeço o vosso convite. Assim sendo, como não tempos o Moscatel para brindar, ficamo-nos pelo nosso vinho, afirmou.

E erguendo os copos, os quatro pilotos, de duas gerações diferentes, brindaram ao convite feito.

- À vossa. Desejo-vos toda a sorte na corrida.
- Obrigado, "Señor Chueco". E "el Toro" também, retorquiu Alexandre.

(continua amanhã)

sábado, 4 de junho de 2011

Grand Prix 1972 - Buenos Aires (II)

(continuação do capitulo anterior)

Absorta na sua leitura, não tinha reparado que Alexandre tinha descido e sentado no seru lado. E só á segunda é que respondeu à saudação do seu namorado.

- Bom dia. Bom dia!
- Ahhh... bom dia. Desculpa lá não te responder.
- Pudera, absorta na leitura.
- Enfim, o espectáculo vai começar. Novo cenário, nova cidade...
- Tão fanáticos como nos outros lados.
- Desde que não acabe como na Cidade do México.
- Não recordemos coisas más... aliás, nem recordemos coisa alguma, por favor, respondeu num olhar perdido e com um semblante visivelmente triste.
- Eu sei que colocaram vedações por toda a pista. E um muro de separação nas boxes.
- Hmmm... do mal o menos, sorriu.

Entretanto, Philipp de Villiers descia para tomar o pequeno almoço com o casal, e logo a seguir apareceu Pete e Pat Aaron, bem como Alex Sherwood, o projetista e engenheiro dos carros presentes. A conversa começou a animar-se, falando sobre a corrida em si.

- Aparentemente, as instalações foram devidamente reformadas, perguntou Pete.
- Sim... pelo que leio aqui nesta revista, novas boxes, rails por toda a parte, muro nas boxes, coisas assim, respondeu Alexandre.
- Isso tudo já havia no ano passado, excepto os rails. Agora é nas partes mais criticas, não é em toda a parte. Dependendo da extensão que utilizarão, há escapatórias enormes, porque aquilo é num parque.
- Logo, tempo para travar, existe, disse Philipp.
- E nas partes mais apertadas, rails de proteção, concluiu Alexandre.
- Em suma, vocês estão mais seguros, retorquiu Sherwood.

Fez-se silêncio na sala. Os dois pilotos olharam uns para os outros, de modo algo embaraçado, enquanto que Pete fez um olhar algo reprovador, e Teresa lançou um longo suspiro. De seguida sorriu, colocou a mão dela no braço dele e disse:

- Esperamos que sim, Alex.

Depois acabaram o pequeno almoço e rumaram para o carro que a organização os cedeu, uns Ford Falcon, e rumaram para o circuito. Os seis cabiam bem dentro do carro, devido ao seu enorme espaço interior, e marcharam rumo ao Autódromo.

--- XXX ---

No final daquela quinta-feira, o casal aperaltava-se para um jantar de gala. Alexandre vestia uma camisa azul clara e calças escuras, com um blazer de lado, pendurado no sofá, enquanto que Teresa vestia um conjunto florido em vários tons de creme, castanho e laranja, de seda. Calçava uns sapatos de salto alto e preparava-se para colocar uma ligeira maquilhagem e perfumar-se, aperaltando-se para o jantar.

- Não levas gravata?
- Não, é mais descontraído…
- E os outros?
- Não sei, devem andar mais “pipis” do que eu. Embora ache que o Philipp deve se caprichar mais para conquistar alguma argentina…
- Depois da Eva Perón, duvido.
- Ui… não podes falar dela em voz alta - disse, colocando a camisa dentro das calças, antes de a apertar – Alias, a palavra “Peron” ainda é proibida. Ou se não é, não se recomenda. Isso faz polarizar opiniões, ela e o marido.
- Esse ainda é vivo, não é?
- É, acho que está em Espanha. Está ainda proibido de vir para aqui, mas pelo que andei a ouvir, isso pode ser levantado.
- E depois?
- Depois… alguns não vão gostar e vão impedir que isso aconteça. Vão ser tempos agitados, garota. Acho que a Formula 1 foi parar a um vespeiro.
- E o Brasil não é outro?
- Vesperiro por vespeiro, falam-me que o Chile é pior. Ainda por cima tem um comunista no poder…
- Ui, um Soviete na América do Sul?
- Ou o sonho molhado de Fidel Castro. E os americanos não deverão gostar. Então com este…
- Qual?
- O Nixon, ora. Dizem que é maluco.
- Ele que se preocupe com o Vietname e deixe os outros em paz, respondeu, saindo da casa de banho.
- Não é assim tão fácil, garota – respondeu, aproximando-se. Cheirou-a no pescoço e disse ao ouvido:
- Se não fosse a corrida, possuía-te aqui e agora.

Ela sorriu e disse:

- Ganha-me a prova e faço-te tudo o que quiseres.
- Jura?
- Juro.
- Depois vou cobrar, menina. Entretanto, temos um jantar de campeões à nossa espera, e creio que nos vais deslumbrar, afirmou, rumando à saída.

(continua amanhã)

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Grand Prix 1972 - Buenos Aires (I)

No final de Janeiro, quando na gélida Europa o mundo conhecia o projeto da Lamborghini, um barco estava ao largo de Buenos Aires com os contentores que traziam os carros de Formula 1 para mais uma nova temporada, numa paragem que já não visitavam desde há mais de uma década. O regresso da Formula 1 ao país das Pampas era algo que os argentinos ansiavam muito e viam concretizado agora, apesar de não terem nesse momento um piloto do calibre de Fangio ou Gonzalez, nos anos 50. Apaixonados por este desporto, falavam candidamente sobre os tempos que viam acelerar Maseratis, Ferraris, Mercedes ou até o pequeno Cooper de motor traseiro, pilotado por Stirling Moss, e que inesperadamente bateu os carros de motor à frente e fazia história na Formula 1.

O circuito de Buenos Aires continuava o mesmo: veloz. Tinha uma nova pintura, uma nova capa de asfalto e rails por todo o lado, inclusive nas boxes, que tinham sido remodeladas, para que colocassem um guard-rail que separasse os pilotos da pista. Os pilotos tinham inspecionado e adorado as mudanças, considerando-o como “perfeito”.

Dez dias antes, vindos da gélida Europa e Estados Unidos, os pilotos, mecânicos e demais “staff” tinham desembarcado nos seus voos da Air France, Pan Am ou da Aerolineas Argentinas, depois de uma estafada travessia do Atlântico, com mais de doze horas de duração. Desembarcaram com um calor estafante nesse final de Janeiro, inicio de Fevereiro, onde boa parte dos argentinos aproveitava para ir a Mar del Plata, ou atravessavam o Rio de la Plata para o Uruguai, mais concretamente para Punta del Leste. Os resistentes, esses, iriam aproveitar para ver os pilotos no Autódromo.

O pelotão da Formula 1 tinha ficado com os hotéis de cinco estrelas da cidade, pelo menos os “VIP’s”: pilotos e diretores de equipa. O resto, jornalistas, mecânicos e outros, ficavam noutras unidades hoteleiras da cidade ou em casas de amigos espalhados pela cidade. Nos dias anteriores à corrida, todos se tentavam ambientar-se ao calor infernal que se fazia sentir na capital argentina, enquanto que os cartazes do eventos estavam espalhados um pouco por toda Buenos Aires.

Naquela quarta-feira de manhã de manhãzinha, Teresa Lencastre era uma das primeiras a descer para o salão no sentido de tomar o pequeno almoço. O seu namorado ainda iria demorar por mais uns minutos, pois estava no banho e ele tinha esperado para que ela terminasse a sua vez em vez de tomarem banho juntos.

Enquanto esperava pelo pequeno almoço, pegou numa revista local que falava extensivamente sobre o regresso da Formula 1 à Argentina, e tinha entrevistas com as lendas locais como Juan Manuel Fangio, no alto dos seus sessenta anos, bem com Froilan Gonzalez, outrs das lendas portenhas, o homem que deu a Enzo Ferrari a sua primeira vitória na Formula 1, em 1951, no circuito de Silverstone. Todos falavam do seu tempo e da nova Formula 1, das equipas e daquilo que vinha por aí nesse ano novo, onde já se sabia que um novo construtor iria entrar em acção, para amedrontar Jordan, Ferrari, Apollo, Matra, BRM e outros.

Mas quando lia a revista, viu um artigo escrito em tributo a Teddy Solana. Ao ver a sua foto, não deixou de soltar um longo suspiro e os seus olhos começaram a marejar. Lembrava-se dele, de Debby, a sua amiga, das circunstâncias da corrida mexicana e da sua luta inglória pela vida. E que este iria ser a primeira corrida após o acidente mortal de Teddy, e de quanto tinha saudades dele. E que a vida continuava sem a sua presença.

A BRM tentou arranjar um bom substituto para Teddy, e logo conseguiu Pieter Reinhardt, o alemão que foram buscar à McLaren, e correria ao lado do sueco Anders Gustafsson. Aqui só correriam com dois carros, mas havia um terceiro carro para alugar a qualquer um que quisesse correr e tivesse dinheiro para completar o orçamento. Brian Hocking, o sul-africano que tinha dado boa conta de si ao serviço de Bob Turner, no ano passado, era o escolhido, já que Turner decidiu libertar das suas obrigações. Iria apenas correr quando o pelotão chegasse à Europa, pois queria um patrocinador tão bom que permitisse construir o seu próprio chassis, talvez mais cedo do que pensaria.

Se na Apollo nada se mexeria, com Alexandre Monforte e Phillipp de Villers, bem como a Matra, com Gilles Carpentier e Pierre Brasseur, a Jordan com Antti Kalhola e Pedro Medeiros, e a Ferrari com Toino Bernardini e Patrick Van Diemen, a McLaren ficava com Peter Revson e Jack Thompson, já que Patrick Truffaut estava a caminho da Lamborghini, bem como Michele Guarini, ex-Ferrari. A Temple tinha alinados dois Jordan para alugar e tinha Bob Bedford num dos carros. Para o segundo lugar naquela etapa sul-americana, John Temple iria contratar um piloto local que iria dar aos argentinos um bom motivo para virem aos magotes.

Na Argentina, o nome “Fuchs” parecia ser tudo menos espanhol. Mas naquele país havia enormes comunidades de emigrantes vindos um pouco por toda a Europa. Franceses, Polacos, Italianos, Espanhóis, Jugoslavos, Alemães… estes tinham vindo em magotes ao longo do século XIX e XX para tentarem a sua sorte no Novo Mundo, especialmente após o final da II Guerra Mundial, onde magotes de alemães, de passado altamente duvidoso, tinha chegado ao Novo Mundo, em busca de uma nova vida, e também para esconder de um passado nebuloso… contudo, Normann Fuchs era diferente, pois tinha trabalhado durante anos na Mercedes, nos Grand Prix dos anos 30.

Com a Alemanha devastada e dividida pela guerra, decidiu sair dali em busca de uma vida melhor. Veio para a Argentina em 1947 e seu espanhol já se tinha tornado fulente, apesar do seu sotaque nitidamente germanizado. Tinha ganho a vida a preparar motores ao longo dos anos, abrindo a sua oficina e depois pegando nos V8 da Chevrolet para os construir e melhorar, com a tipica precisão alemã. E assim, os motores Chevy-Fuchs eram tão conhecidos na Argentina como Juan Manuel Fangio ou Froilan Gonzalez.

Mas Fuchs ainda tinha outra coisa: um bom piloto, que sabia guiar e melhorar a performance dos seus carros, especialmente os de Formula 2. Alguns pilotos o tinham conhecido na Temporada Sul-Americana e nas corridas de Buenos Aires e Interlagos do ano anterior, num Jordan-Temple alugado. Quando Normann teve o seu fliho, naqueles últimos dias antes do Natal de 1944, em Estugarda, entre os bombardeamentos aliados naquele final de guerra que todos sabiam estar perdido, não esperava que ele sobrevivesse ao fim da guerra, dada a sua fragilidade. Tinha nascido cinco semanas antes de tempo, entre bombas a caírem na cidade, e quase ninguém esperava muito dele. Mas contrariando tudo e todos, Johann sobreviveu e tornou-se num menino saudável, mesmo tendo sobrevivido uma viagem transatlântica para Buenos Aires, em 1947. E em Buenos Aires, o Johann virou Juan e tornou-se num bom piloto, capaz de guiar qualquer boa máquina. E como Temple e Fuchs eram bons amigos, lhe deu um carro para ele, com o seu pai nas oficinas a afinar o motor durante aquele final de semana, quer aqui, quer no Brasil.

(continua amanhã)

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Grand Prix 1972: Um curto inverno e um novo calendário

Desde o final de 1970 que a FIA e a CSI (Comission Sportive International) decidiram que a Formula 1 já merecia uma oportunidade para se expandir a outros países. Em 1971 tinha havido quatro corridas extra-campeonato para avaliar novas pistas um pouco por todo o mundo, e em 1972 mais uma seria testada para ver da sua viabilidade num futuro calendário da Formula 1. Nesse primeiro ano, as pistas de Buenos Aires, na Argentina; de Interlagos, no Brasil; de Keimola, na Finlândia e de Monforte, na Sildávia, tinham sido testadas com êxito. E em 72, entre as rondas da Africa do Sul e de Espanha, alguns carros iriam a Philipp Island para correr uma prova extra-campeonato para ver se esse país merecia ser incluída no calendário oficial de 1973.

Mas já havia vozes criticas. Para 1972, o calendário iria ser alargado imensamente para 16 provas. Era o maior de sempre, e algumas equipas já começavam a contar os tostões, pois já era algo puxado para os seus bolsos. Afinal de contas, o interesse da Formula 1 fora do continente europeu começava a ser imenso e as viagens para fora da Europa estavam a igualar com as corridas de dentro do Velho Continente.

O calendário estava disposto da seguinte maneira:

- Argentina
- Brasil
- Africa do Sul
- Espanha
- Mónaco
- Bélgica
- Holanda
- Finlândia
- França
- Grã-Bretanha
- Alemanha
- Áustria
- Itália
- Sildávia
- Canadá
- Estados Unidos

Havia um grande vazio neste calendário: o GP do México. Os eventos do ano anterior tinham causado uma enorme confusão, e os pilotos, sem excepção, decidiram que o circuito precisava de controlar os seus adeptos, bem como de melhorar a segurança do circuito, colocando rails à sua volta, modificar algumas curvas e colocar uma nova capa de asfalto. Os organizadores concordaram e em 1972, estaria de fora enquanto gastavam um milhão e meio de dólares - uma enorme fortuna – para ter um circuito de cinco estrelas para receber a Formula 1. Em 1973, a temporada iria ter dezassete corridas, e algums já torciam o nariz por este enorme alargamento, dizendo que seria ir “longe demais”.

--- XXX ---

Na sede da Apollo, era o primeiro dia útil do ano de 1972. A maior parte das pessoas tinha passado o período das festas a gozar com as suas familias, enquanto que alguns ficaram a trabalhar nas modificações do carro, para projetar o próximo passo, numa constante evolução que a companhia iria ter ao longo do ano que estava a começar e ser frequente, à medida que a aerodinâmica estava a ser cada vez mais importante.

Pete e a sua mulher tinham comemorado o final do ano em Londres, depois de terem gozado o Natal na California. Ele estava particularmente atento aos pormenores relativos à organização, dado que dali a dez dias iriam embarcar tudo para a viagem rumo à Argentina, palco da primeira corrida do ano. Alex Sherwood, seu projetista e cada vez mais o seu numero dois, estava no seu gabinete a desenhar um novo nariz para o seu carro.

- Achas que vai funcionar?
- Cada vez mais fico com essa certeza.
- Que vamos canhar por aí?
- Eventualmente alguns quilómetros por hora. E todos esses pequenos fatores servem para passarmos a concorrência. Ainda por cima, com mais um a caminho...
- Esses só aparecem em Abril, e vão penar até chegar aos calcanhares dos outros, quanto mais de nós... já agora, quando é que estará pronto?
- Quando voltarmos da Africa do Sul.
- Isso significa lá para Março... Race of Champions?
- Seria um bom local. Não queria mostrar isto em Jarama.
- Uma coisa é certa: precisamos de todas as armas que forem necessárias, a concorrência tem tendência a crescer. E com a próxima evolução do motor Cosworth...
- Temos a prioridade?
- Temos, sim.
- Ótimo. Não queria ver o motor nas mãos do Jordan. Ainda...
- Pelo menos enquanto essa nova frente funcionar, não é?
- É verdade.

(continua)

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Grand Prix 1972: A última visita do ano (IV)

(continuação do capitulo anterior)

Teresa olhava por todo o lado para procurar por Débora, a mulher de Teddy. Sabia que estava ali a observar o seu marido, e queria ver qual era o seu estado de espírito. Depois viu o diretor da corrida a caminhar para a boxe da BRM para falar com o diretor da equipa, com Bob Turner e com Debby, como a chamavam. O estado de espírito era sombrio, pois falaram durante longos minutos, enquanto que nada se sabia, não havia qualquer informação. E o ambiente no circuito parecia piorar, pois as se não havia noticias, havia rumores. E cedo chegaram às boxes.

- Pelo que me dizem, há mortos
- E o piloto é um deles.
- O carro ardeu todo. E há crianças entre os mortos.
- São quatro.
- Parece que há sete mortos e muitos feridos.
- Falam em outro carro…
- Parece que de súbito perdeu o controle, parece que partiu qualquer coisa no carro…
- Pensa-se que atropelou um cão. Havia cães na borda da pista.

Passaram-se minutos até que se soubesse o que tinha realmente acontecido. O BRM de Teddy Solana passava pela zona onde começava os Esses quando de repente, algo se parte no carro e guina violentamente rumo a uma zona de espectadores, cuja única proteção eram os pneus enterrados na zona. Os espectadores fugiram para todos os lados, para evitar o carro descontrolado, mas atingiu em cheio pelo menos cinco pessoas, seguiu em frente, colidiu contra a bancada e incendiou-se. Alguns espectadores foram para a pista e por pouco que os pilotos que seuiam atrás os atropelavam. Estes começaram a parar na zona e um dos comissários começou a agitar freneticamente a bandeira vermelha, seguido de um outro, sem que alguma ordem tivesse sido dada pelo diretor de corrida. Este, ao ver as bandeiras, ficou inicialmente zangado, mas depois viu a coluna de fumo e os espectadores em pânico, a andar pela pista. As coisas ameaçavam descontrolar-se a qualquer momento.

Desceu da sua torre e foi ter com os pilotos e donos de equipa para conferenciar:

- Até que ponto está mau? perguntou.

Pete Aaron respondeu-lhe:

- Os meus pilotos foram obrigados a abandonar porque pela primeira vez nas suas vidas tiveram medo de correr aqui. Porque temeram aquilo que aconteceu ao Teddy.
- O que aconteceu?
- Pelos vistos algum maluco atravessou à frente dele, guinou e foi parar aos espectadores, não acha?
- Não é isso que me contam…
- O que quer que lhe contam, não sei, mas digo-lhe que agora estou arrependido de ter deixado que esta corrida começasse - disse Forgheri – isto é uma confusão, e acho que foi longe demais.
- Mas vocês sabem dos riscos que correm…
- Nós sabemos dos riscos que corremos, mas isto é loucura - retorquiu Bob Turner, com uma voz firme, mas tranquila. Se quiser continuar, é consigo, mas a partir deste momento não coloco mais o meu carro. E pelos vistos, os BRM também não vão continuar, concluiu.
- Por favor, meus senhores, tenham calma… vou ver se há condições para continuarmos.
- Acho que nesta altura, nem a Comission Sportive Internationale vai deixar que esta corrida prossiga - retorquiu Pete Aaron – demasiada gente e um acidente provavelmente mortal, francamente, se continuar, vai ser chamado de “assassino insensível”. E reze para que nada tenha acontecido ao Teddy…

A conversa continuaria por mais de meia hora, enquanto que as ambulâncias acorriam para levar os restantes feridos para os hospitais mais próximos. Durante esse tempo, nada se sabia sobre quantos e em que estado estava, bem como a sorte de Teddy Solana. Debby, a sua mulher, tinha rumado ao hospital para saber a sua situação, e a tensão tinha começado a baixar, à medida que muitos abandonavam o local e a pista.

Quando o relógio andava perto das 16 horas, os pilotos que restavam alinharam para tentar cumprir as restantes 45 voltas à pista. A BRM tinha se retirado, enquanto que apenas Ferrari, Matra, Jordan, McLaren, e pouco mais tentavam acabar esta atribulada corrida. Quando partiu, não houve mais incidentes de maior, aparte dois furos, um no Matra de Carpentier e no Temple-Jordan de Bob Bedford. No final, Philipp de Villiers era de novo o vencedor, seguido pelo McLaren de Peter Revson e pelo Jordan de Pedro Medeiros. O segundo Ferrari de Andrea Bernardini, o Matra de Pierre Brasseur e o segundo McLaren de Jack Thompson, a três voltas do vencedor.

Quando acabou a cerimónia do pódio, já se sabia de uma certa forma os estragos causados pelo acidente de Teddy Solana. O carro tinha atingido cinco pessoas, e três delas tiveram morte imediata, uma delas sendo uma rapariga de quinze anos. Mais cinco pessoas tinham ficado feridas gravamente pelos destroços que voaram para todos os lados, e o BRM ficou de cabeça para baixo, incendiando-se de imediato. No meio deste cenário dantesco, houve quem tentasse chegar ao pé do carro de Solana, mas as chamas eram grandes. Houve comissários que chegaram lá com os seus extintores e tentaram apagar o fogo, enquanto que alguns tentaram virar o carro e tirá-lo dali. Conseguiram-no, ao fim de alguns minutos, mas o estado do piloto já era muito grave.

Quando chegou ao hospital, tinha fraturas na cabeça, algumas queimaduras em segundo grau nas costas e sinais de inalação por monóxido de carbono nos pulmões. Uma situação vista como desesperante, mas de alguma maneira, conseguiram encontrar sinal de vida. Mas quando Debby chegou ao hospital, eles disseram logo que “señora, não temos grandes esperanças que o seu marido sobreviva. O seu estado é grave”.

Teddy lutou pela vida durante dois dias. Por esta altura, o México e o resto do mundo já sabia dos eventos daquele domingo e alguns jornais perguntavam a razão pelo qual o diretor de prova ordenou o começo da corrida, com o autódromo demasiado cheio para tal. Outros jornais começavam a falar de bilhetes falsos, ou vendidos em excesso pelo organizador para ter muito dinheiro da bilheteira, e ainda outros questionavam se valia a pena continuar a competição, com tantas mortes que já tinha havido num passado recente. Mas nesse ano até tinha estado calmo, sem mortes na pista até então.

Os amigos mantinham-se em vigília por esses dias, torcendo e rezando pela sorte do seu amigo. Mas na madrugada de quarta-feira, a atividade cerebral de Teddy ficou nula, e logo depois deixou de respirar. Quando se soube da noticia, pelas dez da manhã, a multidão que fazia viligia no hospital reagiu entre choros e alguns gritos à morte do seu piloto local. E a pequena comunidade automobilística fazia mais uma vez o seu luto, num final de ano triste.

(continua)

terça-feira, 24 de maio de 2011

Grand Prix 1972: A última visita do ano (III)

(continuação do capitulo anterior)

Na hora que se seguiu, a atividade foi frenética. Em inglês e espanhol, na torre de controlo, faziam-se apelos à calma da multidão e que evitasse atravessar a estrada, dado que iriam passar carros a mais de 250 km/hora. E quem falava de multidão, falava não só de pessoas. Haviam cães, gatos e outros animais na zona que, ora atraídos, ora assustados com as pessoas, circulavam por ali e poderiam ser perigosos para eles. Os carros começavam a alinhar na grelha, e a multidão foi controlada da melhor maneira que podia, com alguns pilotos ainda preocupados com o que se passava.

Sabiam que não havia condições para correr, mas sabia-se também que um cancelamento tão em cima da hora poderia levar a um motim do qual a policia local teria muita dificuldade em controlar. E ainda se sussurava sobre os eventos de três anos antes, quando a policia carregou sobre uma multidão na praça Tlatleloco, a poucos dias dos Jogos Olímpicos, onde algumas dezenas de pessoas tinham sido mortas, segundo alguns, centenas. E ninguém queria que Magdalena Mixuca fosse um segundo Tlatleloco, logo, desta vez tinham de engolir o seu orgulho e avançar.

A corrida iria começar com meia hora de atraso, o que enervou algumas pessoas, que bebendo as suas Coronas, começavam a deitar fora as suas garrafas para o meio da pista, ora por impaciência, ora por bebedeira. E esses pedaços de vidro partidos no meio da pista poderiam ser um potencial para pneus furados e despistes a alta velocidade. Em suma, se a corrida não começasse agora, o barril de pólvora seria maior.

- Diabos, estes tipos são doidos? pergunta Pete.
- Quem, os pilotos ou a multidão? diz Alex Sherwood.
- São todos, todos. Esta corrida deveria não se realizar, mas agora é tarde demais para voltar atrás.
- É… vamos torcer para ninguém se magoe.
- Nesse aspecto, adoraria ser tão otimista como tu.

Nesse preciso momento, os motores roncam para que os carros se alinhem na grelha definitiva. O diretor de corrida vai a correr à frente deles, onde, devagar, os carros se colcam nos seus lugares. Solana e Van Diemen estão lado a lado, prontos para verem desfraldada a bandeira mexicana para dar lugar a uma corrida de 72 voltas. Concentrados, os pilotos olham para a bandeira, à medida que o ronco do motor aumenta ainda mais. Momentos antes, entre o momento em que ligou o motor e o colocou a rodar, Teddy tinha feito o sinal da cruz por duas vezes, mais uma do que costumava fazer, dado que começava a ter medo do que iria acontecer nos minutos a seguir. No meio do barulho, murmurou:

- Quanto mais cedo acabar a corrida, melhor.

Enquanto isso, todos olhavam para a bandeira mexicana, que se erguia no ar por parte do diretor. Os segundos passavam lentamente e todos aqueles milhares de olhos estavam concentradas nesse pedaço de pano verde, branco e vermelho, com uma águia em cima de um cacto a segurar uma cobra com as suas patas como símbolo, mesmo no meio da parte branca da bandeira.

Então, depois de momentos que pareciam uma eternidade, o comissário saltou e agitou violentamente a bandeira. Imediatamente a seguir, milhares de cavalos faziam rolar as rodas, que queimavam a borracha, que faziam arrancar dos seus lugares, acelerando a caminho da primeira curva. A multidão delirou, aplaudindo, agitando os seus punhos, gritando palavras de incentivo ao seu “muchacho”, que lutava contra os “gringos” vindo dos quatro cantos do mundo para estarem ali.

- Agora, serão 65 voltas de tortura. Que ninguém se magoe, afirmou Bruce Jordan.

Depois de mais de um minuto de incerteza, começam a passar os primeiros carros pela meta. Os Ferrari estavam na frente, Van Diemen no primeiro lugar, seguido de um surpreendente Bernardini, com os BRM de Solana e Hocking logo atrás. Na boxe da Apollo, via-se De Villiers no quinto posto, mas à medida que os carros passavam, não havia sinal de Monforte. A preocupação começou a acumular-se, e Teresa olhava, nervosamente para a pista, procurando por sinais de fumo. Mas não havia. Pouco depois, o anuncio: Monforte estava parado nos Esses, vitima de um braço da suspensão partida. Após alguns minutos, e enquanto que os carros faziam a sua sexta volta, sem alterações de monta, ele apareceu num carro da organização. O carro, esse, provavelmente já estaria a ser parcialmente canibalizado pelos espectadores, que queriam levar o seu “souvenir” para casa.

- O que aconteceu? pergunta Pete.
- Levei um toque quando passava o Teddy Solana, no gancho.
- Estás ferido?
- Não tenho nada. Apenas colocamos as rodas no ar e mais nada. Só quando acelerei é que notei que a suspensão frente-direita estava quebrada e a roda ameaçava sair. Parei enquanto pode, não podia arriscar um acidente.
- Fizeste bem, embora ache que os espectadores irão ficar com o nosso carro…
- Pois, isso não podia fazer muito… a corrida?
- Os Ferrari estão na frente…

De imediato, atrás deles, um Ferrari ia a caminho das boxes, com pedaços de borracha a saírem do pneu. Os mecânicos corriam freneticamente à volta do carro para mudar o pneu do carro em questão, demorando quase uma eternidade para fazê-lo. Era o carro de Michele Guarini, que estava no meio da tabela, mas que certamente iria voltar à pista quase nas últimas posições, se voltasse.

Quando por fim o Ferrari arrancou, Mauro Forgheri, o diretor desportivo da marca, olhou para o pneu e gritou:

- Bastardi, bastardi! Mandaram garrafas na pista e agora está cheio de cacos de vidro. O que vai acontecer se outro pneu rebentar a alta velocidade?
- É muito mau. Acho que deveriam parar a corrida.
- Agora é um pouco tarde, não é? Ninguém quer um motim…
- Mas também podemos acabar com um dos nossos morto.
- Se calhar é isso que querem. Eles tem de saber que já não toleramos isso. Isto – apontou para o pneu em questão – é tentativa de homicídio. E isto não posso tolerar.
- Resta para que não aconteça mais nada, disse o engenheiro que estava a seu lado.
- Esquece. Depois deste vão aparecer outros furos. Estás a ver? aponta Forgheri.

De facto, naquele momento, o Jordan de Antti Kalhola entra na boxe com o pneu traseiro esquerdo furado, com a borracha arrancada e com o aro à mostra, incapaz de continuar. O jovem finlandês, frustrado, sai do seu carro, tira o capacete e com um ar calmo, diz:

- Bruce, estamos a caminhar para uma catástrofe. Quase apanhei um susto por causa de um cão.
- Quando?
- Há duas voltas, na zona anterior ao gancho. E antes vi pessoas a correr de um lado ao outro, na zona aqui da Parabólica.
- Peraltada, queres tu dizer.
- O que quer que se chame, isto está a ficar demasiado perigoso para nós todos.
- Tem calma, pode ser que tudo acabe em bem.
- Então, começa a rezar. Eu acho que tive sorte em não acabar a corrida.

Na 18ª volta, na boxe da Apollo, Philipp De Villiers aparece de repente nas boxes. Estava fulo e via-se da maneira como tirou, primeiro o volante, depois as luvas, e por fim o capacete. Zangado, dirigiu-se a Pete, Alex e Alexandre. Teresa e Pam viam tudo do outro lado das boxes.

- Manda parar a corrida. Eu não tenho condições para correr assim.
- Porquê?
- Eu quase morri há pouco. Teve um maluco que atravessou-se à minha frente. À minha frente! Estão pessoas nas bermas a arriscarem-se a vida, com um pé no asfalto… eu vim correr para um manicómio!
- Tem calma, tem calma. Eu sei que isto é mau, mas deverias ter continuado. Não deverias ter largado o carro…
- Chefe, não tenho condições para correr. Não neste ambiente…

De repente, as pessoas apontam para um sitio distante na pista. Uma coluna de fumo negro elevava-se para o ar, em linha reta, dado que não havia vento nesse momento. Momentos depois, o diretor de corrida apareceu com uma bandeira vermelha, que a mostrou para os pilotos na pista. E logo a seguir o anuncio:

“Carrera interrompida. O BRM numero 19 de Teodoro Solana Hernandez está em chamas na zona do Esse del Lago”. A seguir, as sirenes das ambulâncias começaram-se a ouvir um pouco por todo o lado, temendo o pior. A corrida está interrompida na volta vinte das 65 voltas previstas para essa corrida. O ambiente estava tenso à medida que os carros paravam ao pé da reta, alinhados, esperando por mais novidades. A coluna de fumo que se erguia fazia temer o pior entre eles.

(continua amanhã)

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Grand Prix 1972: A última visita do ano (II)

(continuação do capitulo anterior)

Desde muito cedo que magotes de pessoas acorriam à zona de Magdalena Mixuca, na zona verde da capital mexicana, para verem naquele 24 de outubro a prova final da temporada de 1971. O campeonato poderia estar acabado há algum tempo e a favor do Ferrari de Patrick van Diemen, mas mesmo assim os adeptos lociais iriam apoiar o piloto local, Teodoro “Teddy” Solana, piloto oficial da BRM e que tinha sido o principal rival de Van Diemen no campeonato. Mas havia também um bom motivo para apoiar o piloto local: largava do primeiro lugar da grelha, na frente do Ferrari de Van Diemen, do Turner-BRM de Brian Hocking, do segundo Ferrari de Andrea Bernardini e dos Apollo de Alexandre Monforte e Philipp de Villiers, os melhores carros com motor V8.

À medida que a manhã avançava, os organizadores começaram a ficar com ar preocupado. Aparentemente, rumores circulavam que algumas pessoas tinham falsificado bilhetes da organização e haviam mais pessoas dentro do circuito do que esperavam, e lentamente começava a não haver espaço suficiente para os acomodar. Tinha sido pedido um reforço policial para a área e as pessoas começavam a espalhar-se pela pista, ocupando lentamente as bermas, as áreas de escape e começavam a atravessar a pista numa cadência cada vez mais frequente.

A corrida estava marcada para começar às duas da tarde, mas por volta do meio dia, o chefe da organização já dava sinais de desespero. No seu walkie-talkie, comunicava aos comissários espalhados pela pista para que conseguissem controlar a situação o melhor que pudessem, pois as coisas começavam a ficar fora de controlo. E para piorar as coisas, ainda havia mais algumas milhares de pessoas a caminho do circuito, usando todos os meios de transporte possíveis.

Os pilotos e restantes membros da equipa tinham visto isso a caminho do circuito. Alguns deles estavam a ser escoltados pela policia, e mesmo assim estes tinham dificuldades em chegar lá a tempo do “warm up” da manhã, e comentavam o assunto.

- Será que vai haver corrida? perguntava Van Diemen.
- As coisas vão se compor, acreditem, tentava tranquilizar Teddy.
- Não sei. Estou a ver o teu diretor de corrida e parece estar com cara de preocupado, respondeu Monforte.
- É o nervosismo, quando formos para os carros, ele se acalmará, retorquiu o mexicano.

Os três pilotos almoçavam juntos com mais algumas pessoas, nomeadamente namoradas e mulheres, alguns mecânicos e diretores de equipa, todos numa área grande semelhante a um refeitório, no “paddock”. Nessa grande mesa, Teresa Lencastre, cada vez mais a namorada de Alexandre, observava quando podia o que se passava à sua volta e comentava as preocupações ao seu companheiro de lado, Pete Aaron:

- Pete, alguma vez viu algo assim?
- No México? Confesso que não nesta dimensão.
- E preocupa-te?
- Não direi isso. Direi mais que só me preocupará se interferir com a corrida. Mas posso te dizer que falta hora e meia para o inicio e vejo este autódromo mais cheio do que o habitual.
- Olha, olha... falando no Diabo.

Um homem engravatado aproxima-se da mesa onde estão e pede para falar com Teddy Solana. Ambos os homens vão para um canto onde Teresa os observa atentamente. Pete também vê, antes dos outros também ergam as suas cabeças para ver o que aquela conversa entre as duas pessoas trará de importante. E viam o semblante preocupado dos dois homens.

- Há problemas - diz Alex Sherwood, o engenheiro – não é preciso saber espanhol para ver as caras deles.
- Isso é verdade, e aposto que tem a ver com a multidão, respondeu Pete.
- Mas resta saber o que disseram, não é? afirmou Teresa.
- E o que dizem?
- Estão com problemas. Grandes problemas.

Acabada a conversa entre os dois homens, Teddy veio lentamente para a mesa, com ar preocupado. Por essa altura, todos tinham parado de comer e estavam atentos ao que ali vinha. Sentou-se com ar pesaroso e disse:

- Há problemas.
- Isso nós sabemos, respondeu Philipp de Villiers, na mesma mesa deles.
- Que tipo de problemas, perguntou Pete.
- Estão duzentas mil pessoas neste circuito. E não há espaço para mais.
- É muito, repondeu Brian Hocking.
- E vem muitos mais pelo caminho. Todos com bilhetes na mão.
- Como assim?
- O diretor suspeita que houve uma fraude com os bilhetes. Alguém conseguiu falsificá-los e andou a lucrar com isso, daí que hajam neste momento uma multidão do qual não consegue controlar.
- Isto é de loucos.
- Bem sei, é por isso que precisam de nós, respondeu Solana.
- Para quê?
- Para que não cancelem a corrida.

O ar torna-se algo pesado. A situação começa a ser preocupante, dado que o circuito mexicano era ainda uma pista onde não há rails de proteção, apenas pneus nas bermas e uma rede que separa a multidão da pista, e isso não existe em toda a extensão da pista, obrigando alguns a sentarem-se… nas bermas da pista. E falta pouco mais de uma hora para o seu começo.

- "Ay caramba", sinto isto vai acabar mal.
- Se é que vai começar, respondeu Pete.
- Daí que nos querem na pista, para ver se conseguimos controlar a multidão.
- Qual é o plano?
- Eu vou para a torre de controlo, onde vou fazer um apelo para que fiquem fora da pista. Vocês vão andar ao longo dela para falar com as pessoas.
- Neste caso, isso cabe a nós - respondeu Monforte - vou falar com o Pedro para que me ajude nisto, ambos sabemos falar espanhol.
- Vou convosco, respondeu Teresa.
- Bem, vamos começar com isto - levantou-se Teddy - se queremos salvar o dia, temos de agir já.

(continua amanhã)

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Grand Prix 1972: A última visita do ano (I)

E era assim que a Formula 1 chegava ao México: um ambiente descontraído para todos, que preparavam a próxima temporada. Falava-se de evoluções, aparições e lições tiradas para esta época. A Ferrari iria ficar com dois carros e evoluir o seu carro, e o Commendatore tinha escolhido ficar com Andrea Bernardini, apesar de não ter ganho qualquer corrida neste ano, enquanto que Michele Guarini teria de procurar outras paragens. Ele já tinha escolhido correr pela rival Lamborghini, mas não comunicaria a decisão antes do dia de Ano Novo de 1972.

A Matra tinha tido um ano para esquecer, mas mantinha a confiança na dupla gaulesa constituída por Gilles Carpentier e Pierre Brasseur. O carro seria novo e esperavas-se que recuperaria o esplendor de anos anteriores, embora não fosse fácil, pois também apostavam na Interseries, a par da Ferrari, Porsche e futuramente Lamborghini e Alpine- Renault.

A BRM queria manter Teddy Solana e Anders Gustafsson na sua equipa, mas desejava o patrocinador que Bob Turner tinha arranjado para o seu pupilo Brian Hocking. O carro de Turner era vermelho e branco, da tabaqueira Marlboro, e tinha imenso dinheiro para dar. Ele esperava que com eles a bordo, poderia dar o passo para construir o seu próprio chassis, o mais tardar em 1973, com motor BRM. Contudo, Louis Stanley convenceu a tabaqueira para ficar com eles, tudo isto nas costas de Bob Turner, e o anuncio do acordo tinha sido ali mesmo, no México.

Turner, um cavalheiro respeitado e respeitável, manteve a fleuma britânica e o bom humor, afirmando um pouco sarcasticamente para os seus amigos no “paddock” que “tinha muitas cicatrizes nas pernas, mas facadas nas costas era algo novo”, e o ambiente nesse final de semana na boxe da BRM era tenso.

Na sexta-feira à noite, Pete Aaron e Bob Turner encontraram-se ao jantar e conversaram sobre o futuro próximo. Entre os pratos tipicamente mexicanos e garrafas francesas de vinho, ambos falaram sobre 1972.

- Então, estás a absorver a facada nas costas?
- Não, e é horrível. Ainda por cima neste fim de semana que tenho de aturar o Stanley.
- De facto, ficaste de repente sem patrocinador…
- É verdade, embora tenha conseguido amealhar dinheiro. Arranjo outro mais tarde, quando regressar à Grã-Bretanha. Basta o meu charme e o meu nome para arranjar um logo, logo.
- Desejo-te sorte. E vais continuar com a BRM?
- Francamente, não. Mas também não vou construir ainda o meu chassis. Ainda acho que é mais barato arranjar os dos outros do que fazer o meu. Pode ser que em 1973 ou 74 tente isso, mas falta-me experiência…
- E o motor?
- O vosso serve-me perfeitamente.
- Nosso?
- Ora, não andam com os Cosworth V8?
- Ah pois… esqueci-me desse promenor. E o piloto?
- O Brian continua a alinhar comigo. Vai ser um só carro, mesmo que arranje dinheiro para dois, três ou cinco…
- Tantos?
- Então não sabes? O Stanley quer fazer da BRM um chassis de referência. Alugar carros para pilotos pagantes, como aconteceu a mim. Acho que o muito dinheiro que conseguiu arranjar lhe subiu à cabeça. Aliás, até me tinha pedido que ficasse em 72.
- E que respondeste?
- Disse que ia pensar, mas confesso que é só de boca para fora…
- E já que recusas a BRM, que alternativas tens?
- Bom, sempre posso encomendar um. March, Lola, Chevron… quem sabe, tu.
- Quanto estarias disposto a pagar?
- Talvez 30 mil.
- Isso é dinheiro.
- Os valores sobem cada vez mais. Este ano a Marlboro deu-me quase 50 mil para pintar o carro com as suas cores, e isso fez-me andar descansado, nem procurei por mais patrocinadores. E se calhar para o ano vão gastar muito mais. Ouvi falar em vinte vezes mais.
- O quê, estás a falar a sério? Um milhão de dólares?
- Foi o que ouvi falar. Mas não deve ser para um só ano. Talvez sejam mais. E tu?
- Tenho o meu patrocinador principal, e estou satisfeito.
- Mas precisas de mais.
- A Goodyear já me dá o que quero. E até tive proposta da Elf.
- E o que fizeste?
- Recusei.
- Porquê?
- Eles impunham um piloto francês. Não tenho vontade para colocar um terceiro carro na pista nem dispensar qualquer um dos pilotos.
- Ahhh…
- Achei estranho eles terem feito isto. Pensava que estavam felizes na Matra.
- A Matra não está no seu melhor ano, meu caro.
- Lá isso é verdade. Mas porque não injectam dinheiro na sua equipa. Enfim…

Pete sorriu e lenvantou o copo. Brindou afirmando:

- A ti, amigo. Espero que consigas o que procuras.
- Desejo o mesmo a ti.

(continua amanhã)