Escrevi há uns anos atrás, que o Brasil era o país do talvez. Talvez isso, talvez aquilo. E sempre me martelou a cabeça (e a alma) aquela frase, erroneamente atribuída ao De Gaulle, no episódio da Guerra das Lagostas: O Brasil não é um país sério. Pois bem, abro o jornal na quarta-feira e leio, em júbilo, que o nosso governo criou a Comissão Nacional da Verdade e pensei: Pronto! Não seremos mais o país do talvez. Seremos, finalmente, o país da Mentira ou da Verdade. E isso é bem melhor, afinal, mais vale a certeza do não que a incerteza do sim.
Mergulho na notícia e fico sabendo que serão investigadas todas as violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988. Inclusive as dos Anos 60?! Maravilha! Valeu a pena esperar!
Mas minha precipitada euforia sofre as inevitáveis decepções: a Comissão tem direito de convocar vitimas e acusados, mas “os convocados podem se recusar a prestar depoimentos”... Após dois anos, a Comissão se obriga a publicar um relatório, mas “os resultados poderão ser de conhecimento público ou enviados apenas para o presidente ou ministro da Defesa”. (gulp!) E a melhor de todas as pérolas: a Comissão da Verdade “não terá poder de punir ou recomendar que acusados de violar direitos humanos sejam punidos”. Ué!? Então ela vai fazer exatamente o quê?
De imediato, minhas costas ardem na lembrança das borrachadas, meu rosto ferve ao som dos tapas e socos e tudo por que era contra o acordo MEC-USAID, a americanização de nossa cultura e pedia uma solução para o problema dos excedentes... Sinto gosto de sangue na boca.
Senhores membros da Comissão, o país só aguarda duas respostas: Onde estão os nossos filhos e irmãos e quem deu sumiço neles. Pois, não existem “desaparecidos”. Até onde se saiba, o Brasil nunca foi atacado por esquadrilhas de UFOs. Logo, ninguém foi abduzido. Se não podem responder a essas perguntas, perdoem esse velho criador de caso, mas voltem logo pra casa, pois essa comissão não passa de uma palhaçada!
Então, ninguém vai pedir desculpas a um pai e confessar, humildemente, que o corpo de seu filho está eternizado num dos pilares da ponte Rio-Niterói? Ou, que alguns peixes fisgados por aí se alimentaram de seus restos, lançados de um helicóptero ou navio? Ninguém será responsabilizado pelo estupro de sua filha? Ou pela bomba da ABI, ou da OAB? Ou pelo menos, pela queda do avião do Castelo Branco ou pelo “enforcamento” do Vlado?
...
Não vou esperar dois anos, vou ligar agora mesmo para a pizzaria. Mas, vou pedir uma de Talvez, por que a de Verdade, já sei, anda em falta.
Anderson Fabiano
Imagem: Google
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18/05/2012
30/10/2010
Prisões invisíveis
Por mais que acredite na necessidade de ser transparente, acabo de descobrir que aquela minha máxima “pergunte o que quiser a meu respeito, que eu respondo”, não passa de um tremendo papo furado. E, mesmo sabendo que todo mundo tem uma ou duas perguntinhas para as quais não sabem, não querem ou não podem dar respostas, fiquei desnorteado quando me perguntaram: “Mas, você não se sente importante por haver tomado parte da História contemporânea do seu país?” Enrolei o máximo que pude, mas, por respeito ao interlocutor, optei por calar.
Sei de um bando de gente que, talvez, nesse exato momento, esteja bravateando sua participação nos movimentos estudantis dos Anos 60. Eu, entretanto, mergulhei em profundo e doloroso mutismo, sem ser capaz de encontrar uma única resposta que contemplasse a verdade, ainda que vista “do alto dos meus cabelos brancos” e mesmo depois de tantos anos de chopes, bares e conversa-fiada, continuo achando que a melhor resposta não é minha, é do Gabeira: "Éramos uns românticos”.
Então, como bom pensador, pensei. Olhei em volta, vi no que transformaram meu país 40 e tantos anos depois de todas as porradas que levei e não consegui identificar o futuro que aquela minha rapaziada queria. Pobreza, analfabetismo, desemprego, violência, corrupção, carência de perspectivas, subordinação aos capitais estrangeiros e um horizonte palmo e meio à frente do nariz.
Não foi para isso que apanhamos tanto. Não foi para isso que fomos presos, apanhamos, fomos torturados, apanhamos, desaparecemos, apanhamos e fomos mortos. Esse futuro não é o nosso! É dos vencedores, dos caras que escreveram a história oficial. Fomos reduzidos a vocábulos chulos, injustos e singulares e não ocupamos nem um parágrafo inteiro nos livros que eles escolheram para falar da gente para os nossos filhos.
Nosso futuro era culto, com liberdade de expressão, igualdade, chances para todos e, acima de tudo, cidadania e brasilidade.
Tudo bem que a gente também inventou os Stones, a maconha, o amor livre e os pegas de carro. Mas fazer o quê? Se eles não aceitaram o debate livre no plano das idéias, até que um pouquinho de anarquia não foi de todo uma má idéia. O que a gente não podia era ficar parado enquanto esperava as feridas cicatrizarem e a memória dos companheiros mortos se perder no tempo.
Fui invisível. Fui muitos de mim num garoto só. Adrenalina? Rebeldia? Necessidade de chamar a atenção? Falem o que quiser, estou pouco me lixando, mas demos nosso sangue para manter nosso país na mão dos brasileiros. Perdemos. Mas hoje, quando boto a cabeça no travesseiro, sei que tentei fazer minha parte. E da melhor maneira que sabia. Paguei caro. Tive que ser clandestino no seio da própria família, bem antes da clandestinidade oficial.
Agora, você me pergunta como me sinto por haver tomado parte da História... Bem, por falta de melhor resposta, vou roubar a frase do Gabeira: Fui apenas um romântico. Invisível aos olhos da repressão, enquanto foi possível. Clandestino em minha casa. Prisioneiro do imaginário (e da Rua da Relação e da Barão de Mesquita, também). E poeta, ontem e até quando me deixarem pensar. Mas, por favor, nunca mais me façam essa perguntinha outra vez.
Anderson Fabiano
Imagem: Google
Sei de um bando de gente que, talvez, nesse exato momento, esteja bravateando sua participação nos movimentos estudantis dos Anos 60. Eu, entretanto, mergulhei em profundo e doloroso mutismo, sem ser capaz de encontrar uma única resposta que contemplasse a verdade, ainda que vista “do alto dos meus cabelos brancos” e mesmo depois de tantos anos de chopes, bares e conversa-fiada, continuo achando que a melhor resposta não é minha, é do Gabeira: "Éramos uns românticos”.
Então, como bom pensador, pensei. Olhei em volta, vi no que transformaram meu país 40 e tantos anos depois de todas as porradas que levei e não consegui identificar o futuro que aquela minha rapaziada queria. Pobreza, analfabetismo, desemprego, violência, corrupção, carência de perspectivas, subordinação aos capitais estrangeiros e um horizonte palmo e meio à frente do nariz.
Não foi para isso que apanhamos tanto. Não foi para isso que fomos presos, apanhamos, fomos torturados, apanhamos, desaparecemos, apanhamos e fomos mortos. Esse futuro não é o nosso! É dos vencedores, dos caras que escreveram a história oficial. Fomos reduzidos a vocábulos chulos, injustos e singulares e não ocupamos nem um parágrafo inteiro nos livros que eles escolheram para falar da gente para os nossos filhos.
Nosso futuro era culto, com liberdade de expressão, igualdade, chances para todos e, acima de tudo, cidadania e brasilidade.
Tudo bem que a gente também inventou os Stones, a maconha, o amor livre e os pegas de carro. Mas fazer o quê? Se eles não aceitaram o debate livre no plano das idéias, até que um pouquinho de anarquia não foi de todo uma má idéia. O que a gente não podia era ficar parado enquanto esperava as feridas cicatrizarem e a memória dos companheiros mortos se perder no tempo.
Fui invisível. Fui muitos de mim num garoto só. Adrenalina? Rebeldia? Necessidade de chamar a atenção? Falem o que quiser, estou pouco me lixando, mas demos nosso sangue para manter nosso país na mão dos brasileiros. Perdemos. Mas hoje, quando boto a cabeça no travesseiro, sei que tentei fazer minha parte. E da melhor maneira que sabia. Paguei caro. Tive que ser clandestino no seio da própria família, bem antes da clandestinidade oficial.
Agora, você me pergunta como me sinto por haver tomado parte da História... Bem, por falta de melhor resposta, vou roubar a frase do Gabeira: Fui apenas um romântico. Invisível aos olhos da repressão, enquanto foi possível. Clandestino em minha casa. Prisioneiro do imaginário (e da Rua da Relação e da Barão de Mesquita, também). E poeta, ontem e até quando me deixarem pensar. Mas, por favor, nunca mais me façam essa perguntinha outra vez.
Anderson Fabiano
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