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06/11/2013

Papo de botequim

Encontrar um bar nessas terras catarinenses, como aqueles meus do Rio, com mesinhas na calçada, chope gelado, conversa fiada e sem ambientalistas xiitas reclamando do meu cigarro já parecia uma missão difícil nesses meus primeiros quatro anos por aqui, mas encontrar um bar sem sertanejo universitário, pagode paulistano e funk, para um amante de Jazz, Blues e MPB foi como conseguir um visto no passaporte para o céu.

- Posso fumar aqui fora? Se o senhor sentar bem lá na ponta, acho que ninguém reclama – sentenciou o garçom. Perfeito! E mergulhado no chope com batatas fritas e ideias para um próximo livro, entreguei-me ao merecido ócio daquela manhã de sábado. Ninguém para jogar conversa fora, é verdade, mas uma boa solução para um carioca.

Mas o que parecia ser meu momento nirvana foi abruptamente violentado por um som estridente que partia de um Chevette bege, rebaixado, do qual emergiu um ser meio alienígena, meio símio humanizado, que parou bem em frente à minha mesa e acreditando que todos no quarteirão esperavam pela sua “boa música”, estuprou-nos os tímpanos com um maldito funk que, como lavas incandescentes, eram vomitadas de uma muralha de alto-falantes que, muito possivelmente, custavam mais que aquele arremedo de automóvel.

Com ares de quem buscava cumplicidade, cumprimentou-me e sentando-se na mesa ao lado disparou: - Incomoda? 
- Depende! – sentenciei.
- Depende do que? Inquiriu-me com um patético ar que ficava a meio caminho entre a surpresa e o aborrecimento.
- Deixa pra lá... – respondi, evasivo.

Com um clima pesado às costas, me dei conta que meu “depende” lançou um silêncio abissal entre mim e a bermuda “cofrinho” recém chegada.

Abandonava as anotações do próximo livro e começava uma contagem regressiva para dar o fora do bar tão tardiamente descoberto, quando fui uma vez mais instado: - Tio, você concorda que funk também é cultura?
- ???
- É sim tio, Cultura popular!

Vendo que não conseguiria fugir daquele papo abstrato por muito tempo, arrisquei uma resposta propositalmente pernóstica, enquanto aquela voz feminina, atordoante e esganiçada proclamava suas habilidades sexuais com os homens (...Vô fazer oitinho bem no meio do salão, vô deixa você doidinho e não vô ti dá meu rabo não...)

- Bem, entendo que Cultura, do latim colere, que significa cultivar é, desde o século XVIII, associada à civilização por se confundir com desenvolvimento, educação, bons costumes, etiqueta e comportamentos. Já a cultura popular nasceu da adaptação do homem ao ambiente onde vive e abrange inúmeras áreas de conhecimento, e sei ainda que os itens culturais que requerem grande experiência, treino ou reflexão para serem apreciados, dificilmente se tornam itens da cultura popular.
- ??? Pô, tio, pegou pesado. Num intendi nada...

Tentei outro caminho: - Já ouviu falar de Miles Davis, Otis Redding, Buddy Guy ou Moacir Santos?
- Tá me sacaneando, tio?
- Não! Apenas tentando responder o que entendo por Cultura. - Seguinte – continuei, enquanto pedia a prematura conta ao garçom – entendo funk como cultura da mesma forma que entendo como cultura popular o voto num rinoceronte para deputado estadual ou num jogador de futebol sem expressão política para federal. Funk é tão cultural quanto jogar latinha de cerveja pela janela do ônibus, Black Bloks em passeata de professores ou tirar rasante em poças d’água pra jogar lama em trabalhadores num ponto de ônibus.
- ?
- Desculpe, parceirinho, o papo tá bom mas deu minha hora. Valeu? Outro dia a gente continua esse papo de cultura popular. Mas, aí vamos falar de Mangueira, Paulinho da Viola, Heitor dos Prazeres, Zé Ramalho, Cora Coralina. Ou até mesmo da origem histórica da bunda como preferência nacional, e aí você paga o chope que eu deixei de tomar hoje. Valeu?

Fui!

Anderson Fabiano