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Thursday, March 31, 2022

O JOGO DA CABRA CEGA

Mais uma vez, na lama.
Entre juízes desembargadores.

MP quer condenar dirigente do Tribunal da Relação: “gajo” e “corno” não são o mesmo 
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Dois magistrados travam guerra sem quartel há mais de uma década. Desembargador Marcolino de Jesus é acusado de ter difamado juíza Paula Sá. “Não lhe chamei puta”, defende-se. 

Saturday, March 27, 2021

PRIORIDADE AOS FUMADORES?

 - F., vai levar a primeira toma da vacina para a semana.

-  Hum!  Ele é mais novo que tu, não é?

- Mais novo uns seis anos

- Como é que ele conseguiu isso?

- Não conseguiu, não meteu cunha, não pediu que fosse vacinado já. A médica de família é que disse que, como ele é fumador inveterado e tem os pulmões cheios de nicotina, vai ser chamado para ser vacinado já para a semana. 

- Fumadores integram o grupo de patologias do grupo a vacinar na 1ª. Fase?

- Não sei, mas deve ser isso.

HÁ PESSOAS QUE ESTÃO A MENTIR PARA SEREM VACINADAS

O título retirei-o anteontem do The Washington Post - Some people are lying to get vaccinated, and it’s testing their friendship - c/p aqui - o que, traduzido, afirma que "há pessoas que estão a mentir para conseguirem ser vacinadas e esta atitude está a ser um teste de amizade entre pessoas".
E por cá? 
Tal como lá?
 
Perante a ameaça do covid 19 a reacção de salve-se quem puder vai deixar-nos a todos como antes? Individual, colectivamente, mundialmente?
É difícil prever. Mas o resultado das guerras (o covid é um inimigo com poder destruidor ainda por avaliar) só é visível perante os destroços, a contagem das vítimas.
Até lá, que relevância tem a amizade? Depois do fim, que pensarão disto os sobreviventes para além de sentirem a felicidade de poderem continuar a saborear a vida?

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" ... Thornburg was shaken. “I was surprised at how immediate and negative my reaction was,” she said. When a close friend “just acts in a way that I wouldn’t and feel is strongly wrong in this kind of life-or-death moment or pandemic, it just — it felt almost like a betrayal.”
Thornburg wondered, too, if she was alone in feeling personally offended by someone else’s line-jumping. Was that even a thing? “I immediately went to Google,” she said. ...
... The rules seem simple enough: For hundreds of millions of people to receive a lifesaving vaccination efficiently, you have to wait your turn. But as many Americans wait, they’re watching others exploit the system in plain view. And while some of the moral murkiness of the moment is rooted in the uneven, somewhat haphazard vaccination rollout in much of the country, the truth is that some friends may never see their line-jumping loved ones the same way again ....

Saturday, August 01, 2020

EM NOME DO ESTADO


Ficaram os políticos, jornalistas, e os media em geral, indignados com a redução da presença programada do primeiro-ministro de quinze em quinze dias na Assembleia da República. E, mais que indignados, chocados que a decisão de reduzir as presenças, programadas, já se disse, porque há outras presenças, programadas ou eventuais, de quinzenais para bimensais, tenha sido proposta pelo líder do maior partido da oposição e votada pelos dois partidos maioritários.
É um atentado à democracia, à transparência, ao controlo dos actos do governo pelo poder supremo do povo representado pelos deputados no Parlamento!

Conversa fiada. 
Assistimos durante os últimos anos, dez?, vinte? anos, cada um que faça as contas à maneira que mais lhe convir, a uma vaga de escândalos financeiros que ninguém, colocado em posições que lhes permitiam, se estivessem ou quisessem estar atentos, denunciar e abortar antes que os monstros crescessem e nos assaltassem os bolsos, denunciou; os bolsos, não os offshores, entenda-se.
Que fizeram os deputados? Dormiram ou olharam para o lado. São eles os maiores responsáveis pelos escândalos? Evidentemente, não. Os assaltantes são muito planeados, e, sobretudo, muito assistidos por quem é especialista em legalizar a imoralidade. 

E é neste ponto que os deputados têm mostrado a maior incompetência ou conivência, por acção ou omissão, entretendo-se a tecer ou a encomendar rede apertada para o peixe miúdo e suficientemente complacente para deixar escapar os tubarões;

Os escândalos abundam e não param de nos cair em cima, os mais recentes a fazerem esquecer os mais antigos, por julgar há anos, a corrupção de colarinho branco banaliza-se, e, agora, escândalo dos escândalos, foram reduzidos os tempos de antena aos senhores representantes do povo no órgão onde é esperado existir o poder máximo. 

Algum dos escândalos financeiros, ou outros, foram denunciados em primeira voz na Assembleia da República? Admito que tenha existido um ou outro, não me recordo de nenhum, alguém se recorda de algum? Pois não. A vigilância democrática tem-se localizado no jornalismo de investigação, ainda que lhe possam ser assacadas várias saídas em falso, e não na Assembleia da República. 

O Novo Banco, é mais do que um escândalo, é uma ratazana separada de um ninho delas. 
O contrato, os contratos, parece que existem vários contratos, de venda da NB a um fundo abutre prevê a alienação de activos transferidos que não façam parte do core business do banco. Por este lado, tudo bem.
Se o valor de venda desses activos for feita por valor inferior ao registado no balanço, quem paga?
O Fundo de Resolução? O que é isso? O que disseram os deputados quando souberam, tinham obrigação de saber, quando se deu a conhecer esta marosca? Sabiam, ou tinham obrigação de saber, que o Fundo de Resolução, uma coisa nunca antes vista, iria cair em cima dos contribuintes, dos tansos fiscais, assim nos chamou Ferraz de Carvalho. 

E, obviamente, começaram a cair as facturas para pagamento, em nome do Estado, o infinitamente estúpido Estado,  pelo Ministério das Finanças. Alguém cuidou de conferir as facturas? perguntava há dias, já terá perguntado antes, o chefe do maior partido da oposição. Ninguém. 
O Chefe de Estado, sempre muito sábio, esperava que a auditoria pedida, muito ganham os auditores e os advogados com a estupidez do Estado, tivesse aparecido ontem,  não apareceu, "lamenta que, ao contrário do previsto a auditoria não tenha sido concluída,  era melhor para todos ter a auditoria concluída". 
Alguma vez as lamentações levaram a algum lado, senhor Presidente? Se não tem nada a a dizer que seja consequente, não lamente, espere que chegue auditoria. Ela dirá que tudo o que foi feito, em nome do Estado, foi legal. Como e por quem? É um mistério que entrou num buraco negro, obviamente, legal.

A TAP é um negócio incrível, porque só em nome do Estado, e à custa da sua infinita estupidez, seria possível ser concretizado. Por razões que só a ideologia cripta-estatista justifica, o Estado privatizou a transportadora aérea mas reservou uma parte minoritária para seu domínio. Domínio de quê? Obviamente, de nada. Obviamente, porque foi assim e assim  o consentiram os representantes do povo e o feitor do Estado. 
Não satisfeitos com uma posição inconsequente minoritária, reclamaram os estatistas uma posição paritária, exactamente cinquenta por cento, e o feitor para ter o rebanho sossegado, forçou a compra da paridade, em nome do Estado, fazendo o que, obviamente, nenhum empresário, em seu perfeito juízo faria. Com a agravante de ter deixado nas mãos da parte privada o comando das operações sem obrigação de satisfações mas a oportunidade de colocar o Estado entre a espada e a parede: a pandemia exigia injecção de capitais na empresa, se até ali tinha acumulado perdas sucessivas, com a pandemia caiu nos braços do Estado. E o feitor em nome do Estado, ficou com a TAP toda, excepto cerca de 5%, irrelevantes, detidos por empregados, e 25% (22,5%?) pelo senhor Barraqueiro, que caiu nesta anedota e não vai sair dela de mãos a abanar. 
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Correl. :

Monday, October 02, 2017

GENERALIZAÇÕES AMORAIS


- Esteve preso por crimes fiscais e branqueamento de capitais e  consegue voltar montado em maioria absoluta! Não é estranho?
- Estranho, porquê?
- Depreendo que votou nele ...
- Votei, não vou negar que votei, a maioria no concelho votou nele.
- Mas não é estranho que tendo sido julgado e condenado, a população do concelho mais rico do país, aquele onde residem mais licenciados e doutorados, não encontre pessoa bastante qualificada para a função sem passagem pela cadeia?
- Ele prevaricou e pagou por isso, não foi condenado por toda a vida. E depois, meu amigo, neste país todos roubam!
- Todos? Não me está a incluir a mim, não?
- Quando digo todos, digo todos os políticos ... 
- Todos mesmo?
- A grande maioria.

Thursday, January 12, 2017

JUSTIÇA IMPLACÁVEL


Já várias vezes dediquei apontamentos neste bloco de notas ao sucesso internacional conseguido pela filmografia de alguns realizadores iranianos.
"O Vendedor" do realizador de "A Separação", uma obra também premiada em Cannes, merece ser visto.
***
Perante o fim, de algum modo inesperado, da morte por vergonha de um velho apanhado com a boca na botija, ocorreu-me a eleição de Trump, apoiada nos votos da maioria das mulheres brancas, porventura encantadas com a recorrente falta de vergonha do seu ídolo.  

Saturday, April 23, 2016

OS MILAGRES DOS SANTOS DA CASA

Ontem, no Expresso da Meia Noite, assistimos a mais uma discussão sobre o imbróglio accionista no BPI. 

Um dos convidados, o jornalista angolano Rafael Marques, colocou, durante a sua primeira intervenção, a abordagem do tema no plano das razões que preponderam no conflito que extravasou dos negócios privados para a intervenção política e que, neste campo, colocam em confronto os governos em Luanda e Lisboa. 
À lei do governo em Lisboa, que retirará  a vantagem a Isabel dos Santos de um peso accionista não equivalente ao número de acções que detém no BPI, ameaça retaliar o governo em Luanda retirando, por decreto, o poder (maioritário) do BPI no Banco de Fomento de Angola. 
E tudo isto porquê?

Respondeu Rafael Marques que se a srª. Isabel dos Santos não fosse filha do sr. José Eduardo dos Santos, se essa vantagem tutelar não existisse, ela não beneficiaria, como tem beneficiado em larga escala, do sistema corrupto nem da protecção política. O que inquina a discussão entre os dois maiores accionistas do BPI é o facto de, em Luanda, os negócios da srª. Isabel dos Santos se confundirem com os negócios do Estado num processo promíscuo alimentado pela corrupção generalizada ao mais alto nível.

Contou, logo a seguir, sr. Vítor Ramalho, socialista soarista, nascido em Angola, agora presidente da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa e "uma das 5 personalidades de reconhecido mérito do Conselho Económico e Social", que tendo-se empregado numa empresa aos 21 anos de idade, observou um acto de corrupção e decidiu denunciar o facto ao seu superior hierárquico. Recebeu uma lição que, pelos vistos, lhe ficou para o resto da vida: Vítor, toma nota que a moral acaba quando começam os negócios.

Rafael Marques sorriu. 
Imaginando, talvez, as personalidades de mérito de lá e de cá como membros do mesmo clube amoral. 

Wednesday, April 08, 2015

PROGRESSO EM MARCHA ATRÁS

J. olhava encantado o seu iPhone e chamou a minha atenção para as potencialidades das funcionalidades do bicho electrónico e, discretamente, para a sua habilidade em extrair dele as vantagens que, me pareceu a mim, lhe proporcionavam uma boa dose de felicidade.

- O homem progrediu imenso, filosofou ele quando, para responder à minha curiosidade sobre a marca do brinquedo, me mostrou a maçã dentada no anverso da página digital.
- Que a ciência e a técnica progrediram a olhos vistos, ninguém minimamente informado terá dúvidas; Que a condição humana avaliada pelos valores morais que devem pautar o comportamento humano nas suas relações com o seu semelhante e o planeta em que vive, duvido muito.
- Em todo caso, a medicina, por exemplo, avançou muito nos útimos setenta anos e melhorou bastante a esperança e a qualidade de vida quase por toda a parte ...
- Sem dúvida.  Globalmente, houve um desenvolvimento humano notável medido pela saúde, pela educação, pelo bem estar em geral dos povos ...
- E pela informação disponível. Hoje qualquer miúdo tem ao seu alcance um manancial de informação incomparável com aquela que  nós dispunhamos quando tínhamos a idade que eles agora têm.
- Concordo. Mas tudo isso é exterior na condição humana à forma como o homem se comporta em sociedade. Matam-se menos hoje os homens uns aos outros que no passado mais remoto ou mais contemporâneo? Está hoje a humanidade mais próxima ou mais distante do apocalipse?

Friday, March 06, 2015

SE TU SABES O QUE EU SEI

Ontem à noite, convergiram os comentadores do Quadratura do Círculo, a propósito dos esquecimentos ou negligências do sr. Passos Coelho no cumprimento das suas obrigações fiscais e para fiscais, na  intuição de que se prosseguirem as denúncias de parte a parte partidária haverá muita gente apanhada na rede. Sendo aqueles comentadores muito respeitáveis pelas suas afirmações, os seus avisos, ou os seus receios, não podem senão levantar suspeitas de escândalos escondidos junto de quem os ouviu. Tanto mais que foi ainda referida a, hipótese ou realidade, existência de uma lista VIP de contribuintes com garantias de segredo fiscal reforçado. Se juntarmos a tudo isto a abertura de um processo para averiguação das origens das fugas de informação que resultaram, nomeadamente,  na divulgação das situações de incumprimento das obrigações fiscais do primeiro-ministro, temos uma calda razoavelmente escaldante para começo da campanha eleitoral. E daí, presume-se, os avisos à navegação partidária para amainarem as hostilidades porque a tal lista VIP, se existe, será reservada mas estará mal guardada.

Já ao começo da tarde soube-se que, vd. aqui, "a Autoridade Tributária está a notificar os funcionários do Fisco que acederam, nos últimos meses, a dados fiscais de contribuintes famosos, como é o caso do primeiro-ministro" e que, vd. aqui, "o secretário-geral do PS disse esperar que os processos instaurados a funcionários do fisco não constituam "qualquer forma de ameaça ou limitação" dos deveres da Autoridade Tributária (AT)."

Se tal lista existe, ou por qualquer outro meio de intervenção das autoridades fiscais  há discriminação entre o segredo fiscal garantido à  generalidade dos contribuintes e outro, supostamente reforçado, garantido a um conjunto privilegiado escolhido segundo critérios que se desconhecem e ao abrigo de uma lei desconhecida, e, se nada acontecer, é legítimo concluir-se que os candidatos se conformaram com um pacto de não agressão e os cidadãos perderam um prometedor espectáculo de escândalos fiscais.

Monday, December 22, 2014

ESTA NÃO É A MINHA IGREJA

Diria Cristo se voltasse à Terra. Disse-o, hoje, por outras palavras o Papa Francisco, um Papa excepcional.

Durante o tradicional encontro na sala Clementina para as felicitações de Natal aos membros da Cúria romana, cf. aqui, apontou sem rodeios, perante os cardeais  responsáveis pelos dicastérios, as quinze doenças que ameaçam a Igreja e a sua Cúria.  A uma dessas doenças chamou "alzheimer espiritual". Não me parece que a designação seja a mais feliz mas percebe-se a intenção da carga emotiva da metáfora com que Francisco quis relembrar aos altos dignatários da Igreja o seu relapso esquecimento da mensagem primordial dos Evangelhos.

Lê-se o resumo desta mensagem do Papa e ocorre-nos, inevitavelmente, a vaga de esquecimento, que não é mais de que uma vaga de falta de vergonha descarada e em larga escala, que se faz sentir especialmente nos países predominantemente católicos do sul da Europa. Dos negócios obscuros, das moscambilhas, das conivências, dos roubos, que, sendo esta gente pretensamente de bem, se chamarão desvios, ninguém se lembra, ninguém colaborou, ninguém estava lá, se assinaram de cruz foi por confiança nos outros comparsas.

Francisco, alarga a tua mensagem urbi et orbi. Pode ser que alguns desavergonhados, se forem crentes como a generalidade dirá que é, sintam algum temor e recuperem a lembrança dos actos praticados.

Thursday, November 20, 2014

BANQUEIROS OU BATOTEIROS?

A imprensa de todo o mundo dá hoje relevo aos resultados de um estudo publicado na revista Nature - Business culture and dishonesty in the banking industry - da autoria de investigadores da Universidade de Zurique, que sugerem que a cultura de negócios prevalecente na indústria bancária conduz à desonestidade, tornando-se necessárias normas de reposição de uma cultura de honestidade. 

Resultados que parecem redundantes considerando a sucessão de escândalos financeiros que tem irrompido um pouco por todo o mundo, com particular incidência nas economias ocidentais e, muito particularmente, em termos relativos, em Portugal, onde a quase totalidade do sistema foi abalado, de um modo ou de outro, por atentados à honestidade de processos que contribuiram para a degradação da imagem externa e a ruína da economia do país. A investigação realizada na Universidade de Zurique por métodos científicos confirmou a percepção que o rasto de desonestidade dos banqueiros tem vindo a deixar pelo caminho. 


Não faço a mínima ideia de que modo entendem os investigadores poder ser injectada uma boa dose de cultura de honestidade num mundo onde a palavra chave da sua proposta entrou há muito tempo em desuso. O cheiro do dinheiro é inebriante e a tentação de o possuir não é anulável por catecismos de moral nem por mais leis ou regras. A abundância de leis é uma delícia para os advogados e um labirinto por onde se escondem os larápios. 

Repito-me. Só há uma saída: Separar os bancos de depósitos dos outros, ditos de investimento. Aos primeiros seria imposta uma fiscalização apertada, nomeadamente, dos seus indicadores de solvência e liquidez, vedadas todas as operações especulativas, proibidas as relações com off-shores, sujeitando-se todos os seus serviços  financeiros a uma prévia aprovação casuística do regulador. Só os depositantes destes bancos teriam garantias, limitadas, dos seus depósitos e só estes bancos poderiam contar com a protecção do Estado em caso imprevisível de risco sistémico. Todos as actividades dos outros seriam abrangidos pelas leis e regulamentos dos casinos.

Os escândalos observados no BPP, BPN, BES, e, em certa medida, com o BCP, estavam expostos muito antes de terem deflagrado, mas os reguladores assobiaram para o ar. Desconheciam os reguladores que a CGD, o banco do Estado estava a municiar a guerra pela luta de poder no BCP? Desconheciam os reguladores que o BCP emprestava a quem quisesse subscrever ordens de subscrição de acções do banco? Ignoravam os reguladores que com estas e outras práticas do conhecimento público o BCP inflaccionava o valor das acções e promovia a especulação bolsista? 
Ignoravam os reguladores que o BPP vendia produtos de risco com capital assegurado, como se isso fosse perduravelmente possível? Ignoravam os reguladores que  o BPN fazia o mesmo que o BPP e tecia uma teia de empreendimentos de risco envolvendo a solvabilidade do banco?  Ignoravam os reguladores que o BES fazia o mesmo que o BPP e o BPN e tecia uma teia de interesses familiares e conhecidos de muito maior extensão? 

Se ignoravam é ignorância a mais, e não há catecismo algum de princípios morais que possa contrariar tanta ignorância. Prosaicamente, a regra é esta: a ocasião faz o ladrão. Aos banqueiros são-lhe facultadas uma infinidade de ocasiões. A única forma de lhe conter os ímpetos de ganância é reduzir-lhe as ocasiões. Mas ninguém mexe uma palha, talvez porque estejam todos confortáveis com a palha que têm.
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Corr. - (21/11) Talking about their work makes bankers more dishonest 

Tuesday, September 23, 2014

O JOGO DA CABRA CEGA

"Passos Coelho invocou "exclusividade”, Parlamento diz o contrário - cf. aqui. Em 1999, o actual primeiro-ministro requereu o subsídio de reintegração, de cerca de 60 mil euros, destinado a deputados em dedicação exclusiva. Na altura, apresentou no Parlamento todos os rendimentos declarados ao fisco, para provar a “exclusividade”. Ali não há nenhuma referência à Tecnoforma ou ao CPPC." "Enquanto foi deputado, na década de 90, Pedro Passos Coelho só preencheu o “anexo B”, do IRS, em três anos. Entre 1991 e 1999, apenas declarou ao fisco rendimentos de trabalho “independente” em 1996, 1997 e 1999. Todas essas verbas, somadas, não chegam a 25 mil euros (4.825 contos, na moeda antiga)"

Num país com carta de condução válida, ou o primeiro-ministro prevaricou omitindo e mentindo, e deveria ser demitido imediatamente, ou o Público faz de uma calúnia política a sua primeira página de hoje, e deveria ser imediatamente multado num montante que o derreasse, e a sua directora compulsivamente demitida e sacada a sua carta de jornalista. 

O que está em causa não pode ser de difícil averiguação: Os documentos invocados pelo jornal são falsos ou não. Se são falsos, deveria o jornalista ter-se certificado da sua autenticidade; se são verdadeiros, podem as sanções legais dos factos ter eventualmente prescrevido mas não prescreveram os efeitos morais que impendem sobre quem exerce cargos governativos. 

Aliás, não deveriam prescrever. Mas neste país, onde a banalização da falta de vergonha se tornou lei, a condução vai chocando constantemente com as mais elementares regras de decência. 

 

 

Tuesday, July 15, 2014

ONDE MORA A ÉTICA?



(Comentário colocado aqui )

"Concordo que o sentido de responsabilidade não pode ser assumido apenas perante a ameaça de punição porque deve decorrer de uma cultura de respeito pelos valores éticos prevalecentes. Divirjo, no entanto, da sua afirmação de que "a cultura da responsabilidade anda há muito afastada da nossa sociedade."
 .
E divirjo porque não me apercebo de um período da nossa história em que essa cultura de responsabilidade (poderemos chamar-lhe civismo?) tivesse alguma vez assumido um nível superior ao observado nos nossos dias. É verdade que, a julgar pelas palavras hoje esquecidas (vergonha, honra, etc.) poderíamos ser levados a concluir que o civismo na nossa terra já teve no passado dias melhores. Mas não é verdade. Terão existido sempre algumas excepções notáveis à generalizada mediocridade remida por penitências e bulas consoante os recursos dos pecadores, mas hoje também não somos todos velhacos. 
 .
Aliás, a consciência cívica de uma sociedade mede-se num intervalo que não vai de zero a cem. Há actos eticamente reprováveis em toda a parte. A sociedade portuguesa estará, no entanto, mal posicionada no ranking. Mas nunca esteve melhor. A reforma protestante se não estabeleceu vincou uma fronteira de exigência ética entre o norte e o sul. Daqui infiro que não é uma cultura de responsabilidade adquirível por outra via que não passe pela aplicação oportuna e universal da lei. Ora a percepção do que se passa em Portugal é precisamente a sistemática inobservância destes requisitos fundamentais ao funcionamento equilibrado de uma sociedade: a justiça é lenta e atinge sobretudo os mais desprotegidos. 
 .
Chegado a este ponto poderá perguntar-se se a maior perseguição da justiça aos pequenos terá induzido nestes comportamentos cívicos mais elevados que os que caracterizam os mais abonados. Em termos relativos estou certo que sim. *(Para lá) do  efeito imitação que geram, que sobe da base para o vértice em simetria com o efeito exemplo com percurso inverso, é inquestionável que as grandes transgressões ficam geralmente impunes, por sentença ou prescrição, (fomentando a reincidência e o alastramento da impunidade nos estratos mais elevados da sociedade).

No meio de tanta porcaria (desculpe o termo mas não encontro outro mais adequado) largada por banqueiros, políticos e outros coniventes que deu à tona nos últimos decénios interroga-se o cidadão comum: E ninguém vai preso? Se roubar um pão no supermercado, vai. Se for apanhado por evasão de vários milhões ao fisco, não. Onde mora a ética se anda tão ausente dos tribunais?"
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*Modificado relativamente ao comentário original.

Tuesday, June 03, 2014

CRIMINOSOS POR POUCO DEMAIS

O texto transcrito a seguir é de autor que desconheço. Circula na Internet e foi-me remetido por um amigo. Arquivo-o aqui no caderno porque regista situações tipo que são exemplares do grau de insanidade moral atingido pela justiça, neste caso fiscal, em Portugal, que persegue os minúsculos e prescreve os grandessíssimos.
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"Ti-Maria (Maria Isabel) tem 83 anos e é uma criminosa.
O local do crime é o fogão, e assim foi durante muitos anos: vende bolo de laranja no café da zona. Sem recibo. E ainda consegue ir mais longe: usa os ovos das suas próprias galinhas. Juntamente com a filha, formam uma organização criminal. Eusébia, com 58 anos, produz uma pequena quantidade de queijo de cabra na sua própria cozinha que vende aos vizinhos a 1 euro a unidade. Um dos vizinhos, José Manuel, utiliza o antigo forno de barro que tem no quintal para cozer pão, faz uma quantidade a mais do que a que ele e a sua mulher necessitam para vender aos amigos, tentando assim complementar a pensão da reforma que recebe.
Alguns dos habitantes mais idosos da aldeia apanham cogumelos e vendem-nos ao comprador intermediário. Novamente, sem passar recibo. Por sua vez, este intermediário distribui-os em restaurantes, passa recibo mas fá-lo pelo dobro do preço que pagou por eles. Marta, proprietária do café da zona, encomendou alface ao fornecedor mas acrescentou umas ervas e folhas de alface do seu próprio quintal. E se pedíssemos uma aguardente de medronho, típica da zona, quando a garrafa oficial, selada com o imposto fiscal, estiver vazia, o seu marido iria calmamente até à garagem e voltava a encher a garrafa com o medronho caseiro do velho Tomás. Podemos chamar a isto tradição, qualidade de vida ou colorido local – o certo é que em tempos de crise, a auto-suficiência entre vizinhos, simplesmente ajuda a sobreviver.
O Alentejo é das regiões mais afectadas pela crise que de qualquer forma afectou todo o país. A agricultura tradicional está em baixo, a indústria é quase inexistente e os turistas raramente se deixam levar pela espectacular paisagem costeira da província. Os montes alentejanos perdem-se em ruínas. Quem pode vai embora, ficando apenas a população idosa a viver nas aldeias, e para a maior parte, o baixo valor que recebem de reforma é gasto em medicamentos, logo na primeira semana do mês. Inicialmente, as pessoas fazem o que sempre fizeram para tentar sobreviver de algum modo. Vendem, a pessoas que conhecem, o que eles próprios conseguem produzir. Não conseguem suportar os custos de recibos ou facturas. Para conseguir iniciar um negócio com licença, teriam de cumprir os requisitos e fazer grandes investimentos que só compensariam num negócio de maior produção.
Ao contrário de Espanha, Portugal não negociou acordos especiais para quem tem pequenos negócios. As consequências: toda a produção em pequena escala - cafés, restaurantes , lojas e padarias que tornam este país atractivo - é de facto ilegal.
Só lhes restam duas hipóteses:
- ou legalizam o seu comércio tornando-se grandes produtores
- ou continuam como fugitivos ao fisco.
Até agora e de certa forma, isto era aceitável em Portugal mas neste momento, parece que o governo descobriu os verdadeiros culpados da crise: o homem modesto e a mulher modesta como pecadores em matéria de impostos. Como resultado, as autoridades fecharam uma série de casas comerciais e mercados onde dantes eram escoadas os excedentes das parcas produções dos pequenos produtores e transformadores, que ganhavam algum dinheiro com isso, equilibrando a economia local.
Há uns meses atrás, a administração fiscal decidiu finalmente fazer algo em relação ao nível de desemprego: empregou 1.000 novos fiscais.
Como um duro golpe para a fraude fiscal organizada, a autoridade autuou recentemente uma prática comum na pequena Aldeia das Amoreiras: alguns homens tinham - como o fizeram durante décadas - produzido e vendido carvão. Os criminosos têm em média 70 anos, e os modestos rendimentos do carvão mal lhes permitia ir mais do que poucas vezes beber um medronho ou pedir uma bica. Não é benéfico acabar com os produtos locais e substituí-los por produtos industriais.
Não para o Estado que, com uma população empobrecida, não tem capacidade para pagar impostos. E não é para a saúde: não são os produtos caseiros que levam a escândalos alimentares nestes últimos anos, mas a contaminação química e microbiana da produção industrial. Apenas grandes indústrias beneficiam desta política, uma política que chega mesmo a apoiar a crise. Sendo este um país que se submete cada vez mais a depender de importações, um dia não terá como se aguentar economicamente. É a realidade, até parece que a globalização venceu: os terrenos abandonados do Alentejo foram maioritariamente arrendados a indústrias agrícolas internacionais, que usam estes terrenos para o cultivo de olival intensivo, para a produção de hortícolas em estufas e também de OGM’s (Organismos Genéticamente Modificados – Transgénicos produzidos pela multinacional americana ‘MONSANTO’ que foi autorizada pelo governo português a cultivar esses produtos internacionalmente proibidos).
Após alguns anos, os solos ficam demasiado contaminados. Em geral, os novos trabalhadores rurais temporários vêm da Tailândia, Bulgária ou Ucrânia, trabalham por pouco tempo e voltam para as suas casas antes das doenças se tornarem visíveis.
Com a pressão da Troika, o governo está a actuar contra os interesses do próprio povo. Apenas há umas semanas atrás, o Município de Lisboa mandou destruir mais uma horta comunitária num bairro carismático da cidade, a "Horta do Monte" no Bairro da Graça, onde residentes produziam legumes com sucesso, contando com a ajuda da vizinhança. Enquanto os moradores do bairro protestavam, funcionários municipais arrancaram árvores pela raiz e canteiros de flores, simplesmente para que os terrenos possam ser alugados em vez de cedidos. Mais uma vez, uma parte da auto-organização foi destruída pela crise. A maioria dos portugueses não aceita isto. No último ano e por várias vezes, cerca de 1 milhão de pessoas - o equivalente a 10% da população - protestou contra a Troika.
Muitos demonstram a sua criatividade e determinação durante a desobediência civil: quando saiu a lei que os clientes eram obrigados a solicitar factura nos restaurantes e cafés, em vez de darem o seu número de contribuinte, 10 mil pessoas deram o número do Primeiro-ministro. Rapidamente isto deixou de ser obrigatório.
Também há alguns presidentes de freguesias que não aceitam o que foi feito aos seus mercados. E assim os pequenos mercados locais de aldeia continuam mas com um nome diferente “Mostra de produtos locais”, “Mercado de Trocas”. Se alguém quer dar alguma coisa e de seguida alguém põe dinheiro na caixa dos donativos, bem... quem irá impedi-lo?!
Existe um ditado fascinante: “quando a lei é injusta, a resistência é um dever”. É este o caso. Não são os pequenos produtores que estão errados mas sim as autoridades e quem toma as decisões - tanto moral como estrategicamente, porque:
- é moralmente injustificável negar a sobrevivência diária dos idosos nas aldeias.
- é estrategicamente estúpido…porque leva ao extermínio destes velhos, de forma encapotada.
Um tesouro raro está a ser destruído: uma região que ainda tem conhecimentos e métodos tradicionais, e comunidades com coesão social suficiente para partilhar e para se ajudarem entre si, estão a ser destruídas.
Uma economia difundida globalmente e à prova da crise é o que aqui acaba por ser criminalizado, ou seja, a subsistência rural e regional, o poder de auto-organização de pessoas que se ajudam mutuamente, que tentam sustentar-se com o que cresce à sua volta.
Ao enfrentar a crise, não existem razões para não avançarmos juntos e nos reunirmos novamente. Existem sim, todos os motivos para nos ajudarmos mutuamente, para escolhermos a auto-suficiência e o espírito comunitário rural. Podemos ajudar a suavizar a crise, pelo menos por agora – se não, no mínimo oferecemos um elemento chave para a resolver.
Quanto mais incertos são os sistemas de abastecimento da economia global, mais necessária é a subsistência regional.
Assim sendo, pedimos a todos os viajantes e conhecedores: peçam pratos caseiros e regionais nos restaurantes. Deixem que as omeletes sejam feitas por ovos que não foram carimbados nem selados. Peçam saladas das suas hortas. Mesmo em festas ou cerimónias, escolham os produtos de fabrico próprio, caseiros. Ao entrar numa loja ou café, anunciem de imediato que não vão pedir recibos ou facturas.
Talvez em breve, os proprietários dos restaurantes se juntem a uma mudança local. Talvez em breve, um funcionário de uma loja será o primeiro a aperceber-se que a caixa de donativos na entrada traz mais lucro do que o registo obrigatório das vendas recentemente imposto. Talvez em breve, apareçam as primeiras moedas regionais como um método de contornar as leis fiscais." 
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Comentários anexos ao e-mail transcrito colocados na caixa de comentários

Tuesday, November 12, 2013

SOU INCONSCIENTE

 
Até onde irá, até onde deixarão ir Jorge Mario Bergoglio na sua intenção de renovação da Igreja e, por essa via, tornar o mundo menos dominado pela sofreguidão da riqueza e menos desigual entre os extremos sociais? O Papa Francisco está consciente de que do outro lado da barricada se encontram adversários que não lhe perdoarão a heterodoxia e o atingirão fatalmente na primeira oportunidade que descortinarem.
 
Consciente dos poderes que se propõe enfrentar, a sua declaração de inconsciência sustenta-se, por antítese, na ausência de medo que a idade, o seu passado e a sua fé lhe transmitem. Uma inconsciência que é uma temeridade que outros mais velhos na idade e não menos confortados pelas mesmas convicções religiosas raramente assumiram ao longo de uma história duas vezes milenária. O seu antecessor, debilitado pela idade e pelos escândalos que viu irromperem publicamente à sua volta, resignou perante a força daqueles poderes que a popularidade carismática de João Paulo II também não tinha ousado desafiar. Conseguirá Jorge Mario Bergolio afastar a Igreja da conivência antiga com o mundo do dinheiro que ele tão cristalinamente condena?
 
Esta semana foi notícia a divulgação do lançamento de um inquérito a nível mundial à Igreja para saber o que pensam os católicos de questões como o casamento entre homossexuais, o divórcio, a união de facto e o uso de contraceptivos. O Papa procura, através deste inquérito, saber o que pensam os católicos, para discutir o assunto no sínodo extraordinário da família, que está marcado para o próximo ano. Esta consulta às bases parece estar a atormentar a hierarquia eclesiástica, embaraçada com a forma como poderá dar seguimento conveniente à iniciativa.
 
E, se Papa Francisco, para passar das palavras aos actos decide um dia destes abolir a forma mais conseguida de protecção católica dos usurpadores de direitos por vias moralmente condenáveis, abolindo o perdão a troco de bulas ou rezas aos protagonistas daqueles casos? Acabaria a Igreja tal qual a conhecemos hoje, construída durante séculos de compadrio com os donos do mundo. Estará Jorge Maria Bergoglio também decidido a isso antes de levar um soco?

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Correl.- Teresa Forcades, a freira sem medo

Wednesday, October 16, 2013

UM DISCURSO IGNÓBIL

"No entender de Medina Carreira, parte do problema reside no facto de os Governos (se) deixarem amedrontar por aquilo que apelida de “partido do Estado”, ou seja, "toda a gente que é doente, coxa, reformada (...)". - aqui.

O senhor Medina Carreira encontrou há já alguns anos um filão de ouro. Munido de meia dúzia de gráficos elementares, deslumbra o pagode com prenúncios de maus tempos no meio da tempestade em programas televisivos onde repete incessantemente os mesmos argumentos e os mesmos augúrios, sem aventurar saídas da borrasca. E assim  ganha, certamente regaladamente bem, a sua vidinha. É um espertalhão. Razão bastante para não se perder, cá em casa, tempo a ouvir-lhe ler as sinas que impinge.
 
A sua cruzada contra o "Estado Social", contra os 6 milhões de dependentes do Estado (a designação e o cálculo, cit. aqui, são dele) já vem de longe. Habituado ao assombro com que os seus programas são recebidos, em grande parte junto daqueles que são os demónios das suas afirmações repetidas ad náusea, o vivaço continua a facturar imparavelmente o peixe repescado e a sua impetuosidade fanfarrona.

Anteontem, depreende-se desta notícia, foi até onde ninguém, com um mínimo de pudor e respeito pelos direitos de uns e os infortúnios e os sentimentos de outros, se atreveria a chegar. Se existisse o tal "partido do Estado" que, segundo ele, reúne 60% da população portuguesa, ou seja toda a gente  que é doente, coxa, reformada ..., o velhaco há muito tempo que teria sido obrigado a rever as suas contas. Essas, e outras.

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* Ignóbil - //que revela sentimentos baixos ...,  segundo dicionário da Sociedade de Língua Portuguesa
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E-mail recebido a 28/10

Carta Aberta para Judite de Sousa - Programa Olhos nos Olhos
16.10.13
OLHOS NOS OLHOS 
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Exma. Sra. Dra. Judite de Sousa 
O programa Olhos nos Olhos que foi hoje para o ar (14.10.2013) ficará nos anais da televisão como um caso de estudo, pelos piores motivos. 
Foi o mais execrável exercício de demagogia a que me foi dado assistir em toda a minha vida num programa de televisão. O que os senhores Medina Carreira e Henrique Raposo disseram acerca das pensões de aposentação, de reforma e de sobrevivência é um embuste completo, como demonstrarei mais abaixo. É também um exemplo de uma das dez estratégias clássicas de manipulação do público através da comunicação social, aquela que se traduz no preceito: «dirigir-se ao espectador como se fosse uma criança de menos de 12 anos ou um débil mental». 
Mas nada do que os senhores Medina Carreira e Henrique Raposo dizem ou possam dizer pode apagar os factos. Os factos são teimosos. Ficam aqui apenas os essenciais, para não me alargar muito: 
1. OS FUNDOS DO SISTEMA PREVIDENCIAL da Segurança Social (Caixa Nacional de Aposentações e Caixa Geral de Aposentações), com os quais são pagas essas pensões, NÃO PERTENCEM AO ESTADO (muito menos a este governo, ou qualquer outro). Não há neles um cêntimo que tenha vindo dos impostos cobrados aos portugueses (incluindo os aposentados e reformados). PERTENCEM EXCLUSIVAMENTE AOS SEUS ACTUAIS E FUTUROS BENEFICIÁRIOS, QUE PARA ELES CONTRIBUIRAM E CONTRIBUEM DESCONTANDO 11% dos seus salários mensais, acrescidos de mais 23,75% (também extraídos dos seus salários) que as entidades empregadoras, privadas e públicas, deveriam igualmente descontar para esse efeito (o que nem sempre fazem [voltarei a este assunto no ponto 3]). 
2. As quotizações devidas pelos trabalhadores e empregadores a este sistema previdencial, bem como os benefícios (pensões de aposentação, de reforma e sobrevivência; subsídios de desemprego, de doença e de parentalidade; formação profissional) que este sistema deve proporcionar, são fixadas por cálculos actuariais, uma técnica matemática de que o sr. Medina Carreira manifestamente não domina e de que o sr. Henrique Raposo manifestamente nunca ouviu falar. Esses cálculos são feitos tendo em conta, entre outras variáveis, o custo das despesas do sistema (as que foram acima discriminadas) cujo montante depende, por sua vez — no caso específico das pensões de aposentação, de reforma e de sobrevivência — do salário ou vencimento da pessoa e do número de anos da sua carreira contributiva. O montante destas pensões é uma percentagem ponderada desses dois factores, resultante desses cálculos actuariais. 
3. Este sistema em nada contribuiu para o défice das contas públicas e para a dívida pública. Este sistema não é insustentável (como disse repetidamente o senhor Raposo). Este sistema esteve perfeitamente equilibrado e saudável até 2011 (ano de entrada em funções do actual governo), e exibia grandes excedentes, apesar das dívidas das entidades empregadoras, tanto privadas como públicas (estimadas então em 21.940 milhões de euros) devido à evasão e à fraude contributiva por parte destas últimas. Em 2011, último ano de resultados fechados e auditados pelo Tribunal de Contas, o sistema previdencial teve como receitas das quotizações 13.757 milhões de euros, pagou de pensões 10.829 milhões de euros e 1.566 milhões de euros de subsídios de desemprego, doença e parentalidade, mais algumas despesas de outra índole. O saldo é pois largamente positivo. Mas o sistema previdencial dispõe também de reservas, para fazer face a imprevistos, que são geridas, em regime de capitalização, por um Instituto especializado (o Instituto de Gestão dos Fundos de Capitalização da Segurança Social) do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social. Ora, este fundo detinha, no mesmo ano de 2011, 8.872,4 milhões de euros de activos, 5,2% do PIB da altura. 
4. É o aumento brutal do desemprego (952 mil pessoas no 1º trimestre de 2013), a emigração de centenas de milhares de jovens e menos jovens, causados ambos pela política recessiva e de empobrecimento deste governo, e a quebra brutal de receitas e o aumento concomitante das despesas com o subsídio de desemprego que estes factos acarretam, que está a pôr em perigo o regime previdencial e a Segurança Social como um todo, não a demografia, como diz o sr. Henrique Raposo. 
5. Em suma, é falso que o sistema previdencial seja um sistema de repartição, como gosta de repetir o sr.Medina Carreira. É, isso sim, um sistema misto, de repartição e capitalização. Está escrito com todas as letras na lei de bases da segurança social (artigo 8º, alínea C, da lei nº4/2007), que, pelos vistos, nem ele nem o senhor Henrique Raposo se deram ao trabalho de ler. É falso que o sistema previdencial faça parte das “despesas sociais” do Estado (educação e saúde) que ele (e o governo actual) gostariam de cortar em 20 mil milhões de euros. Mais especificamente, é falso que os seus benefícios façam parte das “prestações sociais” que o senhor Medina Carreira gostaria de cortar. Ele confunde deliberadamente dois subsistemas da Segurança Social: o sistema previdencial (contributivo) e o sistema de protecção da cidadania (não contributivo). É este último sistema (financiado pelos impostos que todos pagamos) que paga o rendimento social de inserção, as pensões sociais (não confundir com as pensões de aposentação e de reforma, as quais são pagas pelo sistema previdencial e nada pesam no Orçamento de Estado), o complemento solidário de idosos (não confundir com as pensões de sobrevivência, as quais são pagas pelo sistema previdencial e nada pesam no Orçamento do Estado), o abono de família, os apoios às crianças e adultos deficientes e os apoios às IPSS. 
6. É falso que o sr. Henrique Raposo (HR) esteja, como ele diz, condenado a não receber a pensão a que terá direito quando chegar a sua vez, “porque a população está a envelhecer”, “porque o sistema previdencial actual não pode pagar as pensões de aposentação futuras”, “porque o sistema não é de capitalização”. O 1º ministro polaco, disse, explicou-lhe como mudar a segurança social portuguesa para os moldes que ele, HR, deseja para Portugal. Mas HR esqueceu-se de dizer em que consiste essa mirífica “reforma”: transferir os fundos de pensões privados para dentro do Estado polaco e com eles compensar um défice das contas públicas, reduzindo nomeadamente em 1/5 a enorme dívida pública polaca. A mesma receita que Passos Coelho, Vítor Gaspar e Paulo Portas aplicaram em Portugal aos fundos de pensões privados dos empregados bancários! (para mais pormenores sobre o desastre financeiro que se anuncia decorrente desta aventura polaca, ver o artigo de Sujata Rao da Reuters, «With pension reform, Poland joins the sell-off», 6 de Setembro de 2013, http://blogs.reuters.com/ globalinvesting/2013/09/06/with-pension-reform-poland-joins-the-sell-off-more-to-come/; e o artigo de Monika Scislowska da Associated Press, «Poland debates controversial pension reform», 11 de Outubro de 2013, http://news.yahoo.com/poland-debates-controversial-pension-reform-092206966--finance.html). HR desconhece o que aconteceu às falências dos sistemas de capitalização individual em países como, por exemplo, o Reino Unido. HR desconhece também as perdas de 10, 20, 30, 40 por cento, e até superiores, que os aforradores americanos tiveram com os fundos privados que geriam as suas pensões, decorrentes da derrocada do banco de investimento Lehman Brothers e da crise financeira subsequente — como relembrou, num livro recente, um jornalista insuspeito de qualquer simpatia pelos aposentados e reformados. O único inimigo de HR é a sua ignorância crassa sobre a segurança social. 
Os senhores Medina Carreira e Henrique Raposo, são, em minha opinião, casos perdidos. Estão intoxicados pelas suas próprias lucubrações, irmanados no mesmo ódio ao Tribunal Constitucional («onde não há dinheiro, não há Constituição, não há Tribunal Constitucional, nem coisíssima nenhuma» disse Medina Carreira no programa «Olhos nos Olhos» de 9 de Setembro último;« O Tribunal Constitucional quer arrastar-nos para fora do euro» disse Henrique Raposo no programa de 14 de Outubro de 2013). E logo o Tribunal Constitucional ! — última e frágil antepara institucional aos desmandos e razias de um governo que não olha a meios para atingir os seus fins. Estes dois homens tinham forçosamente que se encontrar um dia, pois estão bem um para o outro: um diz “corta!”, o outro “esfola!”. Pena foi que o encontro fosse no seu programa, e não o café da esquina. 
Mas a senhora é jornalista. Não pode informar sem estar informada. Tem a obrigação de conhecer, pelo menos, os factos (pontos 1-6) que acima mencionei. Tem a obrigação de estudar os assuntos de que quer tratar «Olhos nos Olhos», de não se deixar manipular pelas declarações dos seus interlocutores. Se não se sentir capaz disso, se achar que o dr. Medina Carreira é demasiado matreiro para que lhe possa fazer frente, então demita-se do programa que anima, no seu próprio interesse. Não caia no descrédito do público que a vê, não arruíne a sua reputação. Ainda vai a tempo, mas o tempo escasseia. 
José Manuel Catarino Soares 
(Professor aposentado) 
Lisboa. 15-10-2013