"Número de doentes internados em cuidados
intensivos voltou a ultrapassar a centena. Perfil dos doentes mudou e
mais de metade têm menos de 55 anos, diz presidente da comissão de
acompanhamento da resposta em medicina intensiva.
Cerca de um terço dos doentes com covid-19 internados em unidades de
cuidados intensivos (UCI) na região de Lisboa e Vale do Tejo (LVT), que
actualmente concentra quase 70% do total de casos de pessoas em estado
crítico hospitalizadas no país, já tinha iniciado o processo de
vacinação mas este estava incompleto, porque tinham recebido apenas a
primeira dose e alguns há pouco tempo, revela o presidente da Comissão
de Acompanhamento da Resposta Nacional em Medicina Intensiva, João
Gouveia, que se mostra preocupado com a “sobrecarga” que já se faz
sentir nos hospitais desta região e pede o reforço das medidas não
farmacológicas e o acelerar do processo de vacinação para evitar uma
eventual nova vaga de covid-19.
“É preciso acelerar a vacinação e
avançar com medidas para reduzir francamente a transmissão, sobretudo
dentro de Lisboa”, advoga o médico. A virologista Maria João Amorim, do
Instituto Gulbenkian de Ciência, frisou, a este propósito, durante um
debate organizado esta terça-feira pelo PÚBLICO, que estudos recentes,
nomeadamente um estudo do Instituto Pasteur (França) ainda não revisto
por pares, indicam que no caso da variante Delta, que tem já uma
prevalência de 70% na região de Lisboa e Vale do Tejo, “apenas se tem
uma protecção robusta, a nível de infecção, duas a três semanas após a
segunda dose das vacinas”.
Apesar
de estarmos a falar de números pequenos - eram cerca de duas dezenas de
pessoas nestas condições - estes dados acabam por corroborar a ideia de
que uma única dose da vacina não confere um grau de protecção tão
elevado e que, por isso, é necessário que as pessoas mantenham todos os
cuidados, já mesmo depois de serem inoculadas.
O
último boletim da Direcção-Geral da Saúde (DGS) indica que esta
segunda-feira o número de doentes internados em unidades de cuidados
intensivos voltou a ultrapassar a barreira da centena - eram 101 em
todo o país - e mais de dois terços (69) estavam na região de Lisboa e
Vale do Tejo (LVT), onde os hospitais já receberam instruções para
aumentarem os níveis dos seus planos de contingência e estão a reforçar
as vagas em UCI para doentes com covid-19.
É preciso recuar até
22 de Abril para encontrar um número mais elevado de doentes internados
em unidades de cuidados intensivos (104 pacientes nesse dia). “Este
[cem] é um número redondo que chama a atenção das pessoas para a
importância de terem consciência de que não podemos ter um Rt [índice de
transmissibilidade] acima de um com a incidência actual” e que implica
já “uma sobrecarga nos hospitais de Lisboa e Vale do Tejo, ainda que não muito grande e que por enquanto não compromete a resposta habitual”, observa João Gouveia. Recorde-se que, no
pico da terceira vaga da pandemia, no início deste ano, Portugal chegou
a ter 904 doentes com covid-19 internados em simultâneo em cuidados intensivos.
“O
perfil dos doentes mudou com a vacinação”, sublinha o médico que também
preside à Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos. Foi um estudo
levado a cabo em LVT na semana passada que permitiu ter uma ideia mais
precisa desta alteração. A maior parte dos internados, cerca de dois
terços, são homens, agora mais jovens do que antes, sobretudo com
problemas de hipertensão, obesidade ou diabetes, mas também há pessoas
sem doenças associadas a necessitar de cuidados nestas unidades de
elevada complexidade, descreve João Gouveia.
"São agora francamente mais jovens"
“Mais
de metade dos doentes [internados nesta região] tinha menos de 55 anos.
São agora francamente mais jovens e havia mesmo doentes com 25 anos e
sem comorbilidades em risco de vida na semana passada”, acrescenta,
repetindo que as pessoas “não podem pensar que [a covid-19] é uma
gripezinha que não causa doença grave” e devem continuar com as medidas
de protecção, usando máscara e evitando grandes aglomerados.
Com o
aumento do número de novos casos concentrado sobretudo em LVT, os
hospitais da região receberam instruções da comissão de acompanhamento
da resposta em medicina intensiva e da Administração Regional de Saúde
(ARS) de Lisboa e Vale do Tejo para aumentarem as vagas em cuidados
intensivos e já estão a activar mais camas. Segundo o jornal i, que
teve acesso à orientação enviada na semana passada aos hospitais, foi
proposto que passassem de uma lotação de 71 camas de UCI dedicadas
a covid-19 para 92, reduzindo as camas em UCI para doentes não-covid de
204 para 177.
De acordo com os últimos dados reportados pelos
hospitais à ARS de Lisboa e Vale do Tejo, havia esta terça-feira 69
doentes em UCI e 225 em enfermaria. “Os hospitais da região continuam a
dar resposta a doentes covid e não covid” e “os planos de contingência
são dinâmicos e ajustáveis às necessidades resultantes da realidade
epidemiológica”, sublinha a ARS, que garante que a região “possui
capacidade instalada” e lembra que “o SNS funciona em rede”, podendo
sempre os doentes ser transferidos para outras regiões, como aconteceu
no início deste ano.
João Gouveia nota, porém, que a taxa de
ocupação nos cuidados intensivos na região ronda os 77 a 78% e se
aproxima já do máximo estabelecido para LVT no relatório das linhas
vermelhas que traçou o número crítico de camas ocupadas por doentes
com covid-19 (84 nesta região) a partir do qual a resposta a outros
doentes começa a ficar afectada.
A nível nacional, estamos ainda
longe do número crítico de 245 camas que podem estar ocupadas por
doentes com covid-19 sem pôr em causa a resposta habitual, mas o médico
avisa que a situação actual é mais complicada e que este número poderá
eventualmente até ter que ser revisto se a incidência e os internamentos
continuarem a crescer. “Apesar de haver capacidade em número de camas,
temos vários hospitais muito desfalcados em termos de recursos humanos e
o pessoal está cansado, perto do burnout [síndrome de exaustão profissional], desmotivado”, justifica.
A
agravar, acrescenta, com o fim do estado de emergência, saíram muitos
profissionais dos cuidados intensivos, sobretudo enfermeiros, que tinham
pedido transferência para unidades públicas noutras regiões ou para
hospitais privados e há ainda hospitais que aproveitaram para fazer
obras de melhoramento e que, por isso, não têm actualmente disponíveis
algumas das camas."