A Academia Sueca decidiu atribuir este ano o Nobel da Literatura a Svetlana Aleksievich, notabilizada pela sua obra de investigação jornalística.
Dificilmente
escapará esta atribuição a ser, como não raras vezes o foi no passado,
conotada com motivações políticas. Desde logo por uma parte muito
significativa da população russa, que, segundo Svetlana Aleksievich
venera Putin como venerou Stalin. A Rússia não dispensa um czar.
Numa altura em que as relações
entre o ocidente e a Rússia voltaram a confrontar-se em várias linhas
vermelhas, o Nobel deste ano, independentemente do mérito literário da
obra da escritora bielorrussa, recorda-nos as atribulações de escritores
distinguidos com o Nobel durante o perído soviético. Boris Pasternak,
Nobel da Literatura em 1958, não foi autorizado por razões políticas a
receber o prémio; a Alexander Soljenítsin, Nobel em 1970, foi retirada a nacionalidade russa e expulso do país em 1974.
Svetlana Aleksievich, nascida em 1948, entrevistou testemunhas dos mais
dramáticos acontecimentos no seu país, a Segunda Grande Guerra, a guerra
entre soviéticos e afegãos, a queda da União Soviética, o desastre de
Chernobyl, e com esses testemunhos compôs a sua obra. Condenada pelo
regime de Lukashenko, saiu da Bielorússia em 2000, passado a viver em
Paris, Gotemburgo e Berlim. Voltou a Minsk, a sua cidade natal, em 2011.
"Há nesta obra de Svetlana Aleksievich, Prémio Nobel da Literatura deste ano, sobretudo uma
análise sobre o perfil do homem russo". "Todos nos convencemos que, com a
queda do império soviético, haveria da parte do povo um sentimento
satisfação pela conquista da liberdade, pelo fim de um regime
ditatorial, e o que ela reflete neste livro, através de centenas de
testemunhos, é que não foi isso que aconteceu".
"Houve,
antes, um grande desencanto no povo russo, e uma espécie de saudade dos
tempos gloriosos em que a Rússia era de facto um grande império
universal, e isso explica - como ela mostra perfeitamente -, o
recrudescimento, entre os jovens, de um grande culto de Estaline, e de
uma grande ambição de que a Rússia pudesse voltar a ser o espaço
geográfico determinante no mundo" o que "explica muito o que está hoje a acontecer com [Vladimir] Putin".
Manuel Alberto Valente, editor, Porto Editora