Para fazer uma crítica bem feita, satisfatória, dos jornalões brasileiros, seria preciso o trabalho de um equipe de umas seis ou sete pessoas, trabalhando de oito a dez horas por dia. Eu pensei isso hoje porque cheguei ontem de uma viagem de dois dias ao sítio de meu irmão, numa área rural bastante isolada de Rio Bonito, e resolvi ler os jornais de sábado e domingo. Ainda bem que não comprei o Globo. Fiquei só na Folha, e mesmo assim minha mente quase entupiu de tantos exemplos de manipulação.
É uma situação estranha, irônica. Os jornais, hoje em dia, tornaram-se uma fonte de tanta desinformação e falsidades, que, para lê-los, temos que estar munidos de uma enorme bagagem de dados, informações, análises, de forma a poder "interpretar" objetivamente as matérias escritas, ou seja, depurá-las dos elementos tóxicos. O cidadão que lê um jornal impunemente, sem tomar as medidas cautelares necessárias, acaba se tornando um autêntico imbecil, cheio de opiniões alheias, embasadas em pilares tão sólidos quanto papel jornal.
Não tem jeito. A mídia, definitivamente, se tornou uma pedra no caminho para a democracia e para a paz mundial. O que é uma grande ironia. Evidentemente, o mundo livre e democrático precisa de uma mídia livre. Também é evidente que os cartéis midiáticos que assumiram a comunicação de massa no mundo se pretendam representantes exclusivos da "liberdade de imprensa", e isso enquanto escravizam jornalistas, desestabilizam governos, beneficiam interesses escusos, fazem campanhas de guerra, e manipulam desgraças.
A crise financeira mundial é um exemplo. Eu não consegui engolir ainda que os governos do mundo inteiro alocaram trilhões de dólares para salvar bancos privados. Ou seja, para que os filhinhos-de-papai possam continuar fazendo windsurf na Indonésia. Com esse dinheiro, o mundo poderia transformar a África com grandes obras de infra-estrutura, programas sociais e educação, tornando o continente negro num mercado gigantesco que, por sua vez, serviria para alavancar o crescimento do próprio mundo desenvolvido. Seria o Plano Marshall aplicado à Africa. O Plano Marshall, para quem não sabe, foi uma ajuda econômica dos Estados Unidos à Europa, aplicada em 1947, visando a reconstrução econômica de países que ainda secavam as feridas de guerra. A contribuição norte-americana equivaleu, em termos atualizados, a 130 bilhões de dólares, e o plano obteve resultados estupendos. Após os quatro anos durante os quais o plano foi implementado, a Europa voltou a crescer vigorosamente. E os EUA ganharam com isso, por causa das intensas relações comerciais e culturais que, a partir da ali, ganharam ainda mais força.
Por que não fizeram isso com a África? Por que os EUA não fazem isso com a devastada América Central?
A resposta, naturalmente, é política. E daí voltamos à mídia, esse Leviatã que olha governos e povos de cima para baixo. O linguista Noam Chomsky explica que não se trata de encontrar figuras diabólicas articulando planos macabros em salas de redação. É um processo natural, como uma doença. Poder gera poder e a mídia, amparada por Constituições escritas há séculos (para não dizer milênios), quando não existia comunicação de massa, conseguiu se tornar um tumor maligno que ameaça a própria existência da democracia, sobretudo em regiões com instituições democráticas ainda frágeis, como é o caso da América Latina.
É importante, claro, que exista mídia independente no mundo, mas é preciso, antes disso, que se criem leis para trazer justiça e civilidade ao universo midiático. Especialistas em saúde pública vem fazendo severas denúncias sobre os incalculáveis prejuízos que a desinformação causa aos governos e à população, por conta da irresponsabilidade das pautas midiáticas ligadas ao tema.
O caso da febre amarela no Brasil, em que mais gente morreu em virtude do pânico gerado pela mídia do que vitimadas pelo vírus, foi apenas o caso mais emblemático e que chamou mais atenção. Na época, porém, diversos médicos disseram que o problema se repete em larga escala. Esse é um problema, repito, mundial, e a humanidade, um dia, terá que realizar uma grande conferência internacional para legislar sobre a mídia. Já era tempo disso, aliás. Em vez de doar trilhões para banqueiros, o mundo poderia montar um grande sistema de tvs abertas, por satélite, para integrar as diferentes culturas mundiais. Seria lucrativo para todo mundo.
Não é o caso de termos uma mídia dominada pelo Estado. Ao contrário, a mídia hoje é absurdamente dependente do Estado, e não é por outra razão que ela tanto luta para assumir o controle do mesmo.
O aspecto mais vergonhoso dessa situação, todavia, é a dependência do Estado em relação mídia. E o Estado democrático é o povo institucionalizado. Intelectuais midiáticos vivem falando em democracia, mas mantém o debate sempre em nível rasteiro. Não lhes interessa criar um vínculo mais estreito entre a cidadania e a política, e por isso eles tratam, de todas as formas, de afastar o cidadão do universo político, seja pintando as instituições com cores dantescas, seja através de uma criminalização da atividade política, que é o que eles fazem com a militância partidária e com o sindicalismo.
Em resumo, a situação é a seguinte: nós, brasileiros, cidadãos de uma nação livre e democrática, entregamos nosso futuro, nossa cultura, nossa saúde, à meia dúzia de nababos cujas empresas ajudaram a articular o golpe de Estado em 1964 e, depois, a consolidá-lo por vinte longos tristes anos. Isso é um absurdo. Liberdade é liberdade. Podemos mexer nas leis da comunicação no Brasil ao nosso bel prazer, desde que o assunto seja discutido democraticamente e o objetivo seja o bem geral da nação. Quer dizer, os povos têm inclusive o direito de cometer erros. O importante é haver liberdade. A mídia latino-americana vende a ideologia de que os povos não tem liberdade para mudar suas leis, de que isso seria um "bolivarianismo" e não a própria essência da democracia, que é a liberdade para mudar ou não mudar, mas sobretudo a liberdade, conferida pelo voto popular, para que os representantes eleitos realizem os ajustes necessários na Carta Magna. Como um amigo gosta de dizer, a Carta Magna não é uma pedra onde estão escritos dos 10 Mandamentos. A Constituição é um pacto entre os cidadãos livres e soberanos de seu país.
O que não pode é dar golpe de Estado, como fizeram em Honduras. Esse é o crime capital contra a democracia, porque viola o seu princípio basilar. O poder emana do povo. Acabou. Se eles conseguirem tirar isso da Constituição (e é o que eles querem), então podem piar. Por enquanto, quem manda é o texto escrito e aprovado pelo Congresso Nacional em 1988.
Não são firulas ou chicanas jurídicas que podem justificar isso. Eu posso castigar levemente o meu filho, mas não estourar a sua cabeça com um tiro de revólver. Foi o que fizeram em Honduras. É bem sintomático que nossa mídia tenha simpatizado com o que foi feito lá. O golpe em Honduras também foi um golpe midiático, porque foi todo articulado em torno dos principais grupos de comunicação do país. A mesma coisa aconteceu na Venezuela em 2002. A mesma coisa aconteceu no Brasil em 1964! Muitas reuniões políticas preparatórias para o golpe militar no Brasil ocorreram em salas de redação.
A imprensa não precisa ser "apartidária", conforme a Folha agora se pretende, em mais um acesso de autismo e hipocrisia. Não precisa também ser uma "mosca" em nossa sopa, como o mesmo jornal se qualificou, em peças publicitárias que mais pareciam uma campanha de auto-desmoralização. A imprensa precisa, isso sim, assumir a sua responsabilidade como uma instituição central numa democracia, um quarto poder, e como tal sujeita aos rigores de uma Constituição democrática e livre!
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Em dezembro, acontecerá a Conferência Nacional de Comunicação. A importância desse evento, que a imprensa procurará de todas as formas desqualificar, já é visível: o debate propiciado sobre um tema fundamental. O governo já liberou mais de 200 milhões de reais para a sua realização, e já aconteceram, em todo país, conferências estaduais de comunicação. O blog vem acompanhando o evento através da internet. Se alguém me convidar, estarei lá em Brasília, representando a blogosfera, essa nova instituição, tão curiosa, tão diferente do formato monstruoso e unicelular da grande mídia. A blogosfera tornou-se (ou vem se tornando) tão grande como outras grandes mídias, mas não tem uma cabeça só. É um monstro com milhões de cabeças. Sobre a Conferência, sugiro que assistam a esse vídeo, da Conferência da Bahia, que teve a participação do governador do estado, Jacques Wagner.
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A imprensa é nociva porque ela começa informando mal as próprias autoridades. Juízes, parlamentares, governadores, prefeitos, são mal informados sobre pontos centrais de sua atividade, porque se apresentam números falsos, interpretações equivocadas, entrevistam-se analistas incompetentes e parciais, e a opinião dos leitores é recortada de forma tendenciosa.
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O caso de Honduras para mim serviu como a pá de terra que faltava para enterrar de vez a reputação democrática da imprensa brasileira. Neste sábado (21/nov/09), a Folha publicou um editorial cínico, defendendo as posições mais conservadoras do Estados Unidos, em oposição ao que pensa todo o resto do mundo. A única saída, defende a Folha, é aceitar o resultado das eleições. Mesmo sem Zelaya ter sido restituído. O jornal fala em eleições livres e competitivas. Como se houvesse liberdade num regime ditatorial onde o presidente da república, eleito pelo voto popular, é forçado a pedir refúgio numa embaixada estrangeira. A ditadura hondurenha não permite que Zelaya tenha acesso aos meios de comunicação do país, bloqueando o debate eleitoral. O que Zelaya fez? Ele é algum terrorista? É algum bandidão perigoso? Ele foi deposto porque queria incluir uma pergunta na cédula eleitoral:
- Você acha que Honduras precisa de uma assembléia constituinte?
Era uma pergunta ao povo! Nem tocava no tema da reeleição, outro ponto ridiculamente explorado pelos golpistas de lá e daqui. Sendo que o grau de hipocrisia, por aqui, atingiu as raias da loucura, visto que tivemos um presidente da república que, com apoio de toda a grande imprensa, mudou as regras eleitorais para si mesmo - e sem consultar o povo.
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Em seu editorial, a Folha desinforma, porque, quando fala em eleições livres e competitivas, omite o que seus próprios repórteres informaram: o fechamento de jornais, rádios e canais de tv favoráveis a Zelaya; toque de recolher; proibição de reunião; e o mais importante, o cerco e agressão sistemática ao líder político mais importante do país. Zelaya não concorre à eleição. Não concorria antes, nem concorre agora. Quantos colunistas não escreveram, muitas vezes, en passant, como que dando isso por verdade consensual (o que é mais irritante), sobre a vontade de Zelaya de se reeleger? No entanto, mesmo não concorrendo, ele é um quadro político fundamental no jogo de poder democrático do país. Ao silenciá-lo, vetando-lhe o acesso aos meios de comunicação mais importantes (que em Honduras também são uma concessão pública, e como tal vem sendo usados sistematicamente por Micheletti e asseclas, que a todo momento aparecem na TV fazendo pronunciamentos), a ditadura hondurenha não permite uma eleição livre. Era como se, nas eleições do Brasil em 2010, um governo golpista impedisse Lula de aparecer em qualquer grande canal ou jornal, para falar de política e pedir votos para este ou aquela candidata.
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Outra coisa que a Folha procura esconder é o fiasco da interferência americana na crise em Honduras. A mídia tentou interpretar (açodadamente, agora se vê) a ação diplomática americana como uma prova da insignificância do Brasil. Bajularam os EUA de uma forma vergonhosa, e humilhante para nós brasileiros. E agora querem forçar goela abaixo da opinião pública brasileira uma solução desesperada, resignada, derrotista, de aceitar um pleito eleitoral ilegítimo, defendido apenas pelos setores mais reacionários do governo Obama. Aliás, quem acompanha um pouco o processo político norte-americano sabe que Obama está sendo terrivelmente chantageado, atacado, caluniado por numerosas, endinheiradas e ultra-agressivas hordes reacionárias. Isso explica, mas também não legitima o que Obama está fazendo em Honduras. Ele está sendo pusilânime. Pô, ele foi chamado de "negrinho que não sabe nada", por um ministro do governo golpista! Eu esperava que ele fosse mais duro. Por outro lado, entendo que a administração do Estado americano envolve um corpo de funcionários tão gigantesco, que é difícil para Obama controlar tudo em pouco tempo. É necessário mais alguns anos para que as novas orientações ideológicas da Casa Branca percorram as artérias de todos os órgãos governamentais. Ainda mais depois de tantos anos de Reagan e Bush.
Fonte: Óleo do Diabo
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23.11.09
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