Meu ser gera amores. Mas meu ser gera incômodos. Por sua... minha forma de ser, rancores, pudores, odores... Terrores. Às vezes quero me fechar pra vida, mas a vida não quer se fechar para mim. No instante seguinte, quero me abrir ao mundo, mas a cada palmo de chão que ando desesperado, portas pesadas de pesadelo se cerram bem junto a ponta do meu nariz.
Ontem mesmo queria ouvir música de ódio. Do mundo, de tudo. Hoje ouço som de melancolia. Talvez hoje seja ontem... eu não sou muito bom em estabelecer sequências. E quem sabe até sentia melancolia ontem e ódio hoje? Afinal, essas palavras foram para mim inventadas antes dos meus sentimentos. Será que é isso mesmo que sinto? Será que me condicionaram a pensar / me sentir assim? Será que sou um idiota divagando sobre inutilidades e nada mais? Será que nunca soube quem sou? Será? Será?!Será! Será. Será... Será?
Uma manhã e nada mais. Acordo bem como já há muito tempo não acordava. Farei então um acordo com o dia. Farei o que bem entender... Isolarei de tudo que me prende. Não gosto de prisões. Ou gosto? Afinal, se pensar bem talvez até sejam boas... Isto é, pelo menos quando se torna prisioneiro por vontade própria, pois aí, aprisionado me sentiria feliz.
Às vezes confundo minhas quimeras com o que percebo do real e nunca soube se alguns momentos do que penso que vivi, em minha cabeça sonhos eram. Em flashes de passado vejo tudo o que foi e o que não foi. Confundo-me nas fantasias da sexualidade latente para mim incompreensível nos meus sete anos. Será que com desejo eu a acariciei? Será que hoje nego tudo isso incrédulo de que poderia querê-la, quando ainda eu era tão infantil? Será que seu olhar assustado, que para mim ainda gravo, foi parte de uma noite em que eu dormia?
Perco-me nada mais.
Eu dormia... não nessa noite que não sei se foi uma noite ou um dia. Dormia quando via meu corpo dormir. Ficava ali olhando assustado. Eu olhando para ele e querendo para ele voltar enquanto flutuava pela casa tentando me encontrar. Sufocado decidia tentar deixar tudo acontecer. Mas não! Oh, céus! E, vejam que ironia! Eu que ateu já fui clamando pelos céus! Será que estaria me sentindo no inferno e procurando seu dicotômico para me agarrar? Não sei... Tentava então acordar pra me libertar, ou melhor, me livrar daquele sonho de realidade. Pensava que talvez fosse meu espírito se evadindo de mim. Isso me causava tanto temor. Nunca me dei bem com essas coisas do além, apesar de vivê-las à toda hora.
E os choques?! Ó, como eram cruéis! Sentia-os por todos os lados. De minhas entranhas até a epiderme. Brotavam do meu meio como circunferências de luz e dor e então se espalhavam. E eu ali, meu outro eu, que de carne não parecia ser, desejando em mim (ou em nós) se reencontrar. Mas não conseguíamos. Meu eu que na cama estava, e que presunçosamente se dizia ser eu em verdade, não recebia de seus membros os comandos de sua mente. Era como se estivesse atado por cordas mágicas invisíveis.
Era tudo tão horrível! Por fim, depois de muito lutar com o que parecia jamais findar, então eu acordava (ou entrava em outro sonho?) e sentia tanta dor. Na cabeça e uma dor desordenada que não sei nem explicar, que só servia para me deixar transtornado com o que viesse a acontecer em seguida. Transtorno, aliás, é uma palavra que me surge bem conveniente, pois se ousei isso descrever, nunca soube entender o que de fato era. Tanta confusão! E eu horas nela tentando me dissolver. Outras horas fugindo como se galopasse numa opulenta e veloz égua que só passasse em planejados caminhos de segurança sem sequer olhar para os lados. Decido que nisso não quero mais pensar...
Melhor mesmo não pensar... Melhor não perder tempo escrevendo bobagens. Quem sabe amanhã algum psiquiatra metido a besta me diagnostique como esquizofrênico sem saber que ele próprio também é? Tenho que aproveitar a vida até me enterrarem num hospício.
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