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quinta-feira, 30 de abril de 2015

sobre-palavras




Diz se das palavras muitas coisas. E chego a quase me contentar em segurança que sejam apenas o veículo com o qual escrevo este texto.
É que por vezes seria bom que tivessem uma fixidez mais sólida que a dureza estrutural que se pode seccionar a langue e parole. Pois, afinal, se fossem as palavras enrijecidas como pedra não haveria temor com qualquer corte que viesse delas.
Mas é que eu gosto... eu gosto do sangue que me extrai a palavra-navalha, que se corta e recorta e nunca sai na integralidade do meu pensamento. Porque na palavra eu sempre espero a mais pérfida traição que não é senão de mim mesmo. E nesse movimento se descortina o meu desengano, o desentorpecer com doses de realidade.
Nesse sentido, cada palavra machuca e esfacela a realidade, intervêm na ordenação que se inventa como lógica das coisas. Subverte a obviedade do que se diz natural, com ou sem a intenção de ser.
A palavra é um gemido que clama o ser para fazer-se humano. É como ambição nunca morrida por uma possível redenção para a vida com similaridade de emoção à de achar doce esquecido durante larica noturna.

Gosto da expressão palavra amiga, apesar dela me deixar entristecido. Nunca tomei um porre com uma palavra ao meu lado na mesa do bar. O máximo que fizemos juntos foi elas se confabularem em sons que mediavam o diálogo entre os que se embebedavam comigo.

Às vezes penso as palavras como se fossem um romance que se coloca ali bem distante. Pairando em mim com sua indiferença. Desenho-as e as declamo e estão no próximo instante bem fora de mim.
Todo calor que manifesta na palavra que digo num momento de prazer, jamais terá a mesma temperatura e sabor da pele. Mesmo que as palavras venham a tocar e a incendiar os desejos submergidos na mente.
Pa-la-vra (junção de sílabas, fonemas): um fragmento de fragmentos que não raro ousa tentar ser o mundo mas que nunca o será. Que nomeia o mundo. E que por vezes adjetiva-o como imundo a despeito de que para existir tenha de sugar muita coisa da beleza de mundo.
Palavra é um encanto que se joga para se cativarem paixões. A definição para paixões poderia ser: o momento quando todos os pontos lógicos da realidade parecem sumir. Contudo, as paixões são contraditórias. Pedem a todo o momento para se encarcerarem dentro de nós, mas com o tempo rebelam-se e desmantelam todas as grades que as impedem de se transbordarem em tamanho.
Palavra... soturna e às vezes gentil distorção do acontecido, do que se viveu. Esse vivido só ganha relevo para o homem ou para mulher, quando alguma coisa pode ser dita.

A neutralidade dos fatos (que são feitos existir) nada mais é que pintura descascada que tenta esconder a imanente dinamicidade da vida.

O ser humano só começa a irromper do casulo para ser libertação quando se esvai do falseamento de significados da palavra mecânica. O ato da palavra que antes era simples e até natural vai se fazendo pouco a pouco de modo a borboletear o que aparecia como a obviedade na forma de um negativo congelado do real, que agora apenas isso não pode mais ser. Pouco a pouco o ser pode dizer mais e mais que é este o seu mundo e que portanto pode mudá-lo e refazer as relações que o oprimem.


diego leão

domingo, 28 de outubro de 2012

Kafka e Crumb




Semana passada, assisti o documentário Crumb (1994, 120 min., direção de Terry Zwigoff). Coincidentemente, por esses acaso, foi parar em minhas mãos dias depois o livro em quadrinhos Kafka de Crumb. Acho que veio bem a calhar essa ordem dada pelo cosmos...

Conheci Crumb pelas muitas referências ao mítico “Fritz, the cat”, o gato fofinho, porém subversivo, drogadão e obsceno à cara do estereótipo que costumamos ter dos anos 1960. Lembro ainda do álbum Cheap Trills da banda Big Brother & The Holding Company (que, além do que pouco sei era banda  em que cantava Janis Joplin, antes da carreira solo).

Blues é uma coletânea de quadrinhos muito bacana que fala da relação do autor não só com este ritmo especificamente, mas com a própria música de modo geral, como: suas andanças como colecionador de raridades do blues em pequenas cidadezinhas do sul estadunidense e suas experiências com a banda - que tocava em eventos como casamentos, formaturas e coisas do gênera (aqui no Brasil, a expressão máxima são as tiazinhas em fim de noite dançando freneticamente a canção do Cupido ou então se banhando ao brilho da lua).




Essas poucas referências já criam a ideia de um Crumb, que no mínimo seria uma figura muito singular. Mas, Robert Crumb é gente muito mais excêntrica do que esse lero-lero que mandei até aqui. Muito do documentário é focado em sua família, destacando-se os dois irmãos, os quais fazem Crumb parecer poço de águas tranquilas. O mais velho, com uma espécie de fobia social, ao ponto de não sair do quarto há décadas e o outro irmão, uma espécie de mestre iogue fanático, que se deita em cama de pregos e tem hábito de engolir um cordão e puxá-lo novamente para "limpar" suas entranhas. Rejeitados na escola, costumavam estar juntos sempre. Foi com seus irmãos "estranhos" que muito do talento de R. Crumb com os quadrinhos começou aflorar. Chegaram a editar quadrinhos artesanais conjuntamente.

 Crumb gostava de desenhar pessoas de modo bem característico. Tinha medo, rejeição e raiva do feminino, apesar de deseja-las. Mas é relevante notar que suas mulheres são no mais das vezes figuras poderosas, com formas que, por sua vez, costumam jogar pra escanteio a padronização da beleza feminina. A despeito das críticas, em relação a isso, acho que Crumb em sua sinceridade e maluquice, mais estava a par de descortinar preconceitos latentes na sociedade, do que propriamente de ser um misógino, como dizem, ou algo do tipo. Num quadrinho, que integra “Blues”, de uma página que ele faz corar de vergonha qualquer militante libertário que no fundo, no fundo se revela machista. Faz refletir um pouco sobre nossa hipocrisia, e a necessidade de construirmos outras maneiras de agir, mais sensíveis à alteridade e, consequentemente, do modo mais pleno no respeito ao outro.

Kafka era também homem de fobias. Cheio de receios quanto a mulheres, só se permitiu amar duas vezes (ou para ser mais certeiro, uma vez e meia). No mais, as esquivava através de proposições de namoro à distância, quase restritos a cartas, e tinha costume se depreciar, se dizer indigno da vida e da felicidade. 

Era judeu. Isso no início do século XX, num país dividido entre checos e alemães, mas com ambas as partes antissemitas. Pra piorar não se reconhecia judeu, checo ou alemão. E, nesse sem fim de contradições, queria largar tudo e ir pra Palestina, que então judeus começavam a migrar, ao passo que negava seu próprio judaísmo.

Como Crumb, era oprimido pelo pai, um comerciante, que achava que o filho seria uma desgraça. Kafka chegou a escrever um livro que seria sua Carta ao Pai, no qual lhe dizia por que era tão difícil a relação. Contudo, temeroso que era do pai, não a entregou pessoalmente. Deu-a para mãe, que logo lhe devolveu. Kafka não parecia ser homem de forças...

Em determinada ótica Kafka e Crumb se confundem. Se o primeiro é tido como figura reservada e contida. Crumb, por sua vez, chega a ter sua vida tão publicizada a ponto dessas suas fraquezas, extravagâncias e perversões sexuais serem expostas em documentário que participa ativamente.

Contudo, esses quadrinhos que procuro tratar, não são trabalho solo de um Crumb inspirado, e há muito do roteirista David Zane Marowitz com primoroso texto e trabalho de pesquisa e elaboração. Chega ser uma lição de criatividade de como se construir uma narrativa articulando elementos biográficos com a obra do autor. Sucessivamente, contos e livros como “A Metamorfose”, “O Castelo”, “O Processo” e “A Toca” ganham sentido para uma interessantíssima caracterização do personagem principal que é o próprio Kafka. Ou seja, ao contrário do que se poderia imaginar (e eu quase tinha certeza) não é uma mera compilação de textos transmutados em quadrinhos, como costuma ser no mais do mesmo. Mais que isso, é uma belíssima biografia enriquecida com o traço certeiro e afinada com o universo kafkiano que só alguém com a personalidade insana de Crumb poderia realizar.


Aliás, por falar em kafkiano, termo tão recorrentemente usado quase beirando ao senso comum, é algo discutido pelos autores. O tal “kafkiano” seria mal interpretado pelos “açougueiros da cultura moderna” a ponto de ser tido como “existencialista”, “uma teoria do absurdo”, “o caos”, ou mesmo “a busca incansável de Deus” (como queria o amigo que publicou, post mortem, a parte de sua obra então inédita). Para Crumb e Marowitz, kafkiano, é mais do que isso, mesmo que tenha muito desse ar melancólico e de autocondenação, é dotado de humor e que tem a “intricada ironia judaica que se esconde no corpo e obra de Kafka” (p. 11).

Dentre semelhanças (e diferenças), Kafka e Crumb se associam por serem reversos à normatização. Não se enquadram na imposição de valores, na rigidez dogmática das formas de agir, nem aos seus próprios tempos. O louco Crumb, do documentário, chega a revelar que apesar de ter vivido literalmente a lisergia sessentista, não se adequava muito àquilo e ao contrário das dicas de como poderia se tornar mais atraente e “comer quem desejasse”, não aderiu ao visual hippie em voga. Preferia trajar seu chapéu e ternos “antiquados”.  Kafka era frágil, vegetariano, com mil e uma doenças, cheio de manias. Tudo aquilo que não queria a virilidade daqueles tempos de eugenia racial e culto ao corpo brotando por todos os lados.

Considero a obra de um e outro como questionadoras do mundo e não à toa Kafka, que chegou a ter sua obra censurada pelos estalinistas, renasceu das cinzas por sua constante crítica ao poder e autoritarismo no alvorecer da Primavera em Praga.

Rejeitam, cada um a sua maneira, o absolutismo da realidade (ou a imposição de uma dada forma de realismo), e apesar de epidermicamente aparentarem serem controversos, podem ser lidos como reflexos espelhado. Em tempos que os projetos com perspectivas diferenciadas para o mundo encontram-se abalados, caras como Kafka e Crumb podem nos ajudar a matutar de um jeito diferente...

sábado, 27 de outubro de 2012

Meus abris




Tua vida agora tá dividido em dois. Dos vinte anos que tu já viveu. E o pouco tempo que te resta pra viver”.

É sentença dada a Tonho, da família Breves, pelo senhor Ferreira em razão da morte de seu filho, no filme Abril Despedaçado.

Abril é mês estranho para mim. É pouquinho depois do início de meu novo ciclo astrológico. Uma das possíveis origens da palavra é o latim Aprilis, que significa abrir. E, se Vênus abunda em meu mapa astral, Abril é também derivado de Apros, nome etrusco da deusa do amor e em grego antigo derivaria da denominação da espuma marinha que Afrodite teria nascido.

É, para mim, cheio de vida e sofrimento. Muitos meses de abril que vivi me impregnaram lembrança inapagável. Foi neles que minhas duas avós faleceram. Neles que decidi renascer de minhas máculas interiores. Neles que encontrei e sofri paixões.

Por falar em paixões, a sentença dada a Tonho, não se finda aí. É uma privação dessa experiência de amar, de se apaixonar: “Conheceu o amor? E nem vai conhecer...”.

O filme com sua fotografia iluminada, esconde o sombrio, que versa daquele tempo marcado, que se esvai na ampulheta, de areia feita a cor do chão semiárido: “Cada vez que o relógio contar: Mais um, mais um, mais um. Na verdade ele te diz: Menos um, menos um, menos um.”. 

É areia seca, grudada, em gretas de contração, lavada de sangue, secular, de tantos homens morridos e que parece que hão de morrer. A briga nem é de Tonho, mas há ele de ser honrado, como seu pai sempre lhe diz.

Seu pai... homem duro, dono da bolandeira, que os Ferreira deixaram sem terra, sem nada, mas que só tem essa tal honra.  A Tonho resta ao menos cobrar o sangue de seu irmão mais velho já morto, como se fosse obrigação. E, obrigação é pagar com vida, se necessário depois de acertadas as contas. Ao próximo Ferreira cabe também seguir carma-vingança, assassinar a Tonho, que assassinara seu irmão. 

Tonho usa fita preta em ombro  pra sinalizar sua morte: quando for noite de lua cheia e o sangue da camisa daquele que matou amarelar, poderá se efetivar sua sentença.

Tonho tem um irmão vivo, com nome que não se sabe, mas que é chamado de Menino.

Menino sonha com a sereia que o leve pra longe e não entende porque aquilo acontece.  Não lhe é possível entender porque dessa mortandade toda e a ganância expressa na briga de famílias por terra, como lhe diz certa feita o homem do circo. Queria ser peixe do mar, para ficar juntinho da sua sereia, mas o máximo de alcunha que conseguiu foi ser batizado Pacu. Sendo peixe de rio parece restar apenas o desejo inconsumável de cair  pelo destino na imensidão oceânica, pra poder viver amor.

Tonho é jovem de sonho. Se seu pai é homem bruto, que de tão duro faz perder o riso de toda família com a própria gargalhada. Tonho quer viver esse amor que foi sentenciado não viver. Amor que acaba sendo por essa tal sereia, que o Menino ama também em sonho. É sereia de luz na escuridão. É Clara, lampejo luminoso, que vem lhe dar graça e possível redenção. É desabrochar de alegria, de ver em círculo e ciclos rodopiando agarrada à corda, iluminada pelos raios de sol, até eles mesmos caírem. É o que não parece poder dar certo, mas que deveria pra graça da vida, mesmo ela assim escoando através do vidro desenhado.

Mas o Abril chuvoso de sangue não parece poder ter a brancura da lua. Ela é cheia, mas é despedaçada, pois ali morrem possibilidades de vida.  Feito ao ar sufocado pela bronquite que sentia Bandeira da vida inteira que poderia ter sido e que não foi”, dividido em dois ou mais, ou até em estilhaços, Abril é quando as ilusões quedam por peso da realidade. Despedaça-se para os ontens se abrirem em amanhãs, deveras incertos, mas que nutrem a esperança de que esse tal outono que caem folhas, e que mal começou se finde logo, a despeito de saber que na sequência virá inverno, com toda sua dureza...

"Feito folhas secas no chão..."


                                                                                                * Nota: este texto não pretende ser uma resenha ou algo do tipo. Apenas alguns de meus desajustados pitacos e devaneios.


Lembro-me que em algum ano do ensino médio, a professora de redação pediu que escrevêssemos um texto. Não me lembro do que se tratava, mas terminava mais ou menos assim: “(...) e ali ficaram. Feito folhas secas no chão. Como os retirantes no quadro de Portinari”.



Havia, além da referência direta à pintura, uma outra, sub-reptícia, mas também não muito difícil de identificar. A secura que eu tentava evidenciar através da imagem das folhas, era a secura de “Vidas Secas” de Graciliano Ramos. Por aqueles tempos eu teria lido pela primeira vez a obra. Acredito que não tinha dela mesma compreensão (para pior ou para melhor) que tenho hoje... Posso dizer, contudo, que me indignava a situação daquelas figuras que se emergiam nas páginas, esquálidas, que mal falavam, que grunhiam, como chega a dizer o autor. Ao mesmo tempo as palavras do livro também ásperas me exerciam algum fascínio. 

Não eram letras descompassadas, se integravam àquelas imagens de vidas duras no semiárido e a expressão que encontrava era naquela tal pintura do Portinari, mesmo que não tivesse ela propriamente alguma relação direta, mesmo tendo muito mais gente na família de retirantes do pintor e não ter nenhuma cadelinha.

Já na faculdade, resolvi certa vez fazer uma disciplina no curso de Letras. Modernismo Brasileiro. Foi uma experiência bacana. Quando fomos estudar a segunda geração modernista eis que me deparo com Vidas Secas de novo. Pude fazer uma leitura mais atenta dessa vez. Comprovei a genialidade de Ramos. Pude ver coisa que não via antes. Era realmente uma obra bonita e que tinha uma atenção com muito debate da época que foi escrita. Rebatia para bem longe a ideia de determinismo geográfico para formação física humana. Naquele momento, década de 1940, para não falar da expressão máxima da crueldade com o genocídio nazifascista, também tínhamos por nossas bandas, os integralistas e outros grupos com a ideia de eugenia, de clareamento de raça, de que o meio determina o homem e essas coisas perigosas que servem para todo tipo de preconceito e racismo. Ramos, vai por caminho diferente, e em Vidas Secas não nega que a forma física de seus personagens tenha alguma relação com o clima do sertão nordestino, mas atenta que nem todos são assim. O fazendeiro para qual Fabiano, o pai da família que se retira, vem a trabalhar, não se parece assim. Nem os policiais que vem a prender Fabiano. Comunista, militante que era, tendo sido preso inclusive, Graciliano Ramos, sabia que as formas esquálidas e miseráveis, tinham a ver mais com a desigualdade, com a exploração e com o abuso de poder. Questionando o determinismo do meio e evidenciando as profundas contradições sociais, desmistifica-se ideia de qualquer superioridade genética. Se algo determina a condição social das pessoas parece ser sua classe, a hierarquia e o histórico de opressões que se fundem ao racismo, ao preconceito e à exploração do outro.
 O patrão de Fabiano, poderia comer bem, às custas da exploração de seu trabalho. Pagando-lhe menos, em regime de servidão, como vem a perceber sua esposa, Sinhá Vitória. Mas que poder tem Fabiano, naquela condição, de reivindicar seus direitos? Aliás, tentando expandir o questionamento, havia direitos numa sociedade de privilégios (para poucos)? (A pergunta permanece atual...).

Há ainda a versão cinematográfica da obra dirigida por Nelson Pereira dos Santos, de 1963. Bela fotografia em preto e branco e, mesmo que não seja novidade o que digo, vale dizer que há muito brilhantismo na adaptação para a tela. A primeira sequência filmando de modo quase estático uma paisagem do sertão nordestino só ganha um primeiro movimento com a personagem da cachorra Baleia a frente de seus donos. É relevante esse momento. Baleia, tanto no livro, como no filme, tem notável importância. Seu próprio nome já singulariza, e nos atira a ironia que contrista, de uma cachorra magricela naquela secura toda ter nome do maior mamífero marinho. 

Baleia, contudo, não é só isso, pois é no animal, também ironicamente, que reside humanidade em sentido elevado. Compartilha a presa da caçada, mesmo faminta, com os donos e se contenta com míseros ossinhos (isso não aparece no filme). Ela que dá algum carinho ao menino mais velho, quando apanha da mãe, por perguntar “o que é o inferno?”.

Os donos mal falam e no mais das vezes grunhem e o papagaio, que pela fome dos donos acaba morrendo para servir como alimento, mal sabe falar por conta disso. Os filhos do casal sequer tinham nome. No filme em nenhum momento são chamados pela alcunha. No livro, são chamados de “menino mais velho” e “menino mais novo”.

Numa das cenas, na primeira metade do filme, a confusão que vivem os personagens é evidenciada ao falarem de Seu Tomás da Bolandeira, homem próximo a eles, que ninguém sabia pra onde havia ido, mas que sabia ler e tinha uma cama de couro. Ter uma cama de couro é o grande sonho de Sinhá Vitória. As falas se Fabiano e de Sinhá Vitória se sobrepõem uma a outra, sem comporem um diálogo, saem de forma desordenada e caótica, como se não se preocupassem com algum entendimento.

Nelson Pereira dos Santos, concebeu uma linearidade para tratar da história, que não ocorre no livro. Neste, há idas e vindas, e há a concepção de que com exceção do primeiro capítulo “Mudança” e do último “Fuga” podem ser lidos em outras ordens pelo leitor. Contudo, o início e o fim, reforçam a ideia cíclica, de que os revezes sempre retornam que podem ser atingidos pelas dificuldades da seca, pela miséria, pelo patrão, ou por quem detém algum poder (policiais, fiscais de impostos, por exemplo). Leitor, que também era, Santos fez sua leitura do livro para a película.

No filme o ciclo abre e se fecha com um som semelhante a um berrante, nas imagens estáticas, que só há o movimento da família chegando, no início, e indo, no fim. Sem saber para onde de certo. Não há menção específica sobre quais eram os locais. Sabe-se que estão no sertão nordestino e que vão para o sul. O sertão poderia ser qualquer lugar? Quais as ilusões, miragens e fantasias dessa fuga para o sul? Se Portinari já pintava, Belchior cantava em sua Fotografia 3x4:


          “Eu me lembro muito bem do dia em que eu cheguei

          Jovem que desce do norte pra cidade grande
          Os pés cansados e feridos de andar legua tirana...nana”


(Minha associação nem foi muito original. rs. Ao procurar um vídeo da música achei esta montagem abaixo)

Do “mundo coberto de penas” (capítulo do livro) de Fabiano, parece haver muitos penares, sonhos que são folhas secas no chão. Deve ser daí, em referências desorganizadas, no meu inconsciente juvenil, que também surgiu essa imagem. Talvez esta noite vendo o filme tenha reavivado um pouco disso... Proustianamente, feito à semelhança do poder ativador de madalena com chá...


Em meio a pequenez de minhas lembranças, Graciliano Ramos e Nelson Pereira dos Santos, lembram que há muito mais fora de minha cabeça. E, se no sertão, que ao contrário do que dizia (ou dizem do) Guimarães Rosa,  não é o mundo, é ali em Vidas Secas, não um pouco, mas um muito do Brasil... em suas desigualdades, desencantos e esperança de nossa gente. O encerramento de livro e filme, assim como ambos em totalidade, sintetizam transcendência que poderia ser  mera denúncia. Por tal motivo que Santos, ciente disso, não deixou de inscrever em letras brancas antes de fechar o filme as palavras de Ramos, que poetizavam toda aquela saga, que não era só daquela família, mas de outros tantos... 

"Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o sertão continuaria a mandar gente para lá. O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, Sinha Vitória e os dois meninos.” (p. 128)



quarta-feira, 22 de abril de 2009

Nossa relação com o passado...

Uma cidade sem passado
Assisti neste final de semana, por acaso, um filme que me chamou bastante a atenção. Chama-se: “Uma cidade sem passado” [mais detalhes aqui]. É uma produção alemã do início dos anos 90 e que é um misto de comédia, drama e documentário.
Vou resumir a historinha dele...
Uma garota de uma pequena cidade da Alemanha Ocidental é convidada a participar de um concurso de redação. Dentre os dois temas propostos ela decide pelo seguinte: “Minha cidade durante o III Reich”. O que ela queria com isso? Provar que a igreja se manteve íntegra durante o nazismo.
Porém já nos seus primeiros esforços para fazer a pesquisa, ela verifica que não é bem assim e que as pessoas não queriam que ela ficasse revirando coisas daquele período.
O que ocorria era que muita gente esteve envolvida com o regime e essas pessoas faziam questão de não serem mais associadas àquilo. Além de tudo havia a construção de uma imagem contraditória da cidade como um foco de resistência.
Era um passado convenientemente esquecível, não só para aqueles que se envergonhavam de suas ações, mas também para seus amigos, suas famílias e todas as pessoas ligadas a ele de alguma forma... Era enfim uma ferida não só de uns e outros, mas de um povo. E remexê-la não era de nenhum modo indolor.
Agora imagine só quantas coisas permanecem ocultas e sequer sabemos? Elas não entraram nos livros de história, não são revividas nas comemorações cívicas, não fazem parte da memória popular.
Talvez por aí, dentre outras coisas, tenha se cristalizado essa concepção de que somos seres passivos e de que não podemos mudar a realidade.
Fazer-nos acreditar que é assim. É o objetivo daqueles para quem é cômoda a atual situação! Brecht, em seus poemas já ressaltava isso...
Creio, no entanto, que esse é o principal compromisso da história hoje em dia: enxergar as contradições do passado, mesmo quando nos obrigarem a usar lentes escuras e embaçadas. Mas há de se convir que quem fecha os olhos por vontade própria, sequer enxergará o óbvio, mesmo que esteja a poucos centímetros de si...

domingo, 19 de abril de 2009

Velharia da Semana #8 . (MC5 - Kick Out The Jams - 1969)

mc5kickoutthejams
Se tem uma banda dos anos 60 que conheço e que destoa de praticamente de todas as outras da década, certamente é o MC5.
Em tempos psicodélicos e de músicas viajantes e alucinadas, os caras faziam um som mais cru e bastante agressivo. Tanto é que alguns a classificam como proto-punk (algo como um antecedente do punk-rock) e outros a concebem como uma das bandas cujo som deu origem ao Metal.
Sobre isso, o vocalista Rob Tyner, os definiu muito bem certa vez: "fomos punks antes dos punks, new wave antes da new wave, metal antes do metal e MC antes do Hammer surgir".
Muito se fala também da postura política do grupo, que foi bastante perseguido pela polícia por conta disso. Mas o mais certo é que eles acabaram se envolvendo em tais questões, devido à influência de John Sinclair, que viria a se tornar empresário dos caras. Sinclair foi, entre outras coisas, o fundador dos White Panthers, um movimento inspirado nos Panteras Negras (Vale ressaltar que não era um grupo racista, eles apenas copiavam algo da forma de organização dos Black Panthers. O que queriam era simplesmente mais liberdade numa forma que muitos julgariam como radical e que se reflete no seu lema "Rock’n’Roll, Dope and Fucking in the Street").
De início, o interesse dos MC5 nada mais era que fazer um som que lembrasse os motores das corridas que ocorriam em Detroit, cidade estadunidense famosa pelas montadoras automobilísticas. O próprio significado da sigla que dá o nome da banda é uma referência à cidade dos motores: Motor City Five.
Mas indo ao que interessa, o álbum que sugiro aqui hoje é o Kick out the Jams [tracklist aqui], que mostra a banda na forma que os caras mais curtiam tocar: se apresentando num show lotado. A música que dá o nome ao disco é um clássico, sendo regravada por bandas mais atuais como Peal Jam e Rage Against The Machine (versão bem legal desta última inclusive).
Ouça Kick Out the Jams
Além dela, outras faixas são bem interessantes como Starship (criada em conjunto com o jazzista Sun Ra) e Ramblin' Rose.
Bom, acho que vale a pena conhecer, principalmente para quem curte algo de punk-rock ou um som mais sujo...
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Fatos, ressalvas e blá, blá, blá.
- Estou lendo uma HQ bem legal e gostaria de indicar, apesar de que alguns devem conhecer. Chama-se Camelot 3000. Coisa fantástica que mistura a lenda do Rei Arthur, alienígenas, visão de um futuro sombrio para a humanidade, belos desenhos e crítica à sociedade e à política. Talvez quando acabar venha a criar uma postagem sobre ela de uma maneira mais detalhada.
- Bah, é domingo. Acho que estou com a mente meio lerda. Nem tenho muito o que dizer aqui. Sorte de vocês que vou poupá-los de minhas bizarrices. Até a próxima postagem. Abraços!

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Duas-Caras .

Lembro-me do dia que ganhei uma revista de quadrinhos que me deixou com bastante medo. Era uma edição de Batman Anual da Editora Abril. Havia três histórias, se não me engaduas-caras_msn1no, e confesso que pela idade (eu tinha uns dez anos) eu não entendi muito bem todas. Principalmente uma que falava sobre o Morcego na Rússia. Àquela época eu não tinha uma ideia do que seria aquela tal URSS que recentemente havia deixado de ser (pelo menos se dizia) um Estado comunista, aliás, é bem capaz que sequer eu soubesse o que era comunismo.

Uma delas, no entanto, havia me deixado profundamente aterrorizado durante muitas de minhas noites. Mais até do que uma capa de uma revista do Fantasma que tinha duas caveiras com diamantes no lugar onde um vivo teria os olhos.

Mas voltando ao que me propus a falar aqui, era aquela uma história que contava a origem de Duas-Caras. Este que figura no rol dos principais inimigos de Batman.

Ao ler aquelas páginas senti medos diferentes. A primeira foi ao ver a face de Harvey Dent (o promotor público que se tornaria o vilão) ser deformada por ácido.

Harvey no decorrer da história ainda não era Duas-Caras. Isso se daria quando finalmente assumisse a outra personalidade oculta dentro de si mesmo.

Quando cheguei ao ponto onde isso ocorria me senti fascinado. Não sei se entendia muito bem qual era a daquele personagem que deixava exposto da forma mais evidente o possível o contraste entre seu lado bom e seu lado mal. Mas reafirmo que achava admirável àquilo.

Hoje, quando aqui me recordo, do alto da confusão de minhas lembranças tenho um parecer que ele lidava com isso de um modo também contraditório para a luta que vivia em seu interior. Pois se para muitos, seu distúrbio poderia ser caracterizado como uma constante violência psicológica para consigo mesmo, por outro lado, ele se utilizava de uma resolução bem objetiva para esse conflito: a própria sorte.

Era lançando ao ar a moeda de duas caras com um dos lados riscados, único presente dado pelo pai, alcoólatra e violento, que decidia a vontade de qual dos seus “eus” que deveria prevalecer. Sei que não decidimos o que fazer em nossas vidas necessariamente deste modo, mas por outro lado, acho que constantemente somos obrigados a reprimir uma boa parte de nossos desejos.

E isso se revela, por exemplo, quando nos sentimos incompreendidos por todos. Afinal, num mundo onde as normas, costumes e instituições definem o que podemos ser, não é incomum se sentir desamparado por nunca se poder ser o que de fato se é.

Mas voltando ao Duas-Caras, creio ainda que ele é ainda um exagero proposital do que seria o maniqueísmo para que ao mesmo tempo este seja negado numa análise mais aprofundada.

Como ele também não somos de todo bons ou maus. Acho que nossos sentimentos não se reduzem a essa perspectiva simplificada. Até porque o que tomamos como “bem” ou “mal” nada mais é que definições que foram se articulando a partir de conceituações dadas por pessoas tão humanas e imperfeitas como qualquer um de nós. E obviamente, se nos lançarmos a uma pesquisa sobre tais termos veremos que eles constantemente foram se ajustando em situações específicas, de acordo com interesses daqueles que estavam no comando de governos, religiões ou em acordo com as necessidades das diversas sociedades.

Não nego que existem atitudes consideradas “boas” ou “más”. Porém pergunto: como assim foram definidas?

Acredito que em alguns casos como necessidade da própria espécie humana, como por exemplo, a rejeição ao homicídio dentro da vida civil. Em outros, devido a identificações culturais, tais como algumas das restrições religiosas. Porém, o tipo mais questionável e muitas vezes perverso é aquele se dá por meio político e / ou ideológico e que serve como instrumento de consolidação do poder.

Isso se vê na atribuição de imagens maléficas para aqueles que manifestam algum tipo de objeção divergente. Cito neste caso, a construção do árabe como inimigo da civilização ocidental, o que é de uma arbitrariedade estúpida. Quem disse que nossa forma de compreender o que é civilização é ideal a todo o mundo? Por sua vez, se os países “civilizadores” tivessem um respeito maior pela diversidade cultural, além de não tentarem garantir a qualquer custo sua lucratividade no Oriente, o mundo não seria um lugar de mais paz?

Freud supunha que todos temos algo de perverso. Porém, não é preciso pensar muito para verificarmos que se manifestássemos essa perversidade a todo instante a vida em sociedade seria impossível. Já pensou se não resistíssemos a nossas pulsões sexuais e a saciássemos quando bem nos conviesse? Ou ainda, se sempre agredíssemos alguém quando sentimos raiva?

Enfim, se existe, prefiro pensar que a bondade resida nestes termos: a capacidade de melhor nos relacionarmos e nos solidarizarmos com os outros e na consequente compreensão de que somos integrantes de uma coletividade. Coisas que são bem difíceis numa sociedade tão individualista e que as pessoas mal compreendem a si próprias. Além do que, se assim ficamos, nos afundamos ainda mais nessa contradição e estranhamento de nossos “eus” e com o que definem como “mau” e “bom”. Sem nunca nos atentarmos que tudo isso nos compõe e nenhuma dessas facetas se cliva ou se exclui.

Talvez ter esse entendimento sirva para que não nos tornemos Duas-Caras enrustidos...

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segunda-feira, 13 de abril de 2009

Velharia da Semana # 7 - The Super Super Blues Band.

The_Super_Super_Blues_Band_

Adoro blues. E uma das coisas mais legais que já encontrei por aí foi a The Super Super Blues Band, que como o nome já diz é uma super mega banda.

Os integrantes? Nada menos que três lendas do blues: Muddy Watters, Howlin' Wolf e Bo Diddley.

Simplesmente algo fantástico. Não é algo muito conhecido, mas para quem curte o bom e velho blues, com certeza valerá muito a pena.

Não tenho muito o que dizer. Mas deixo um sonzinho para quem quiser ouvir.

 

 

 

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Fatos, Ressalvas e Etc.

- Meu feriado em Araxá foi conturbado.

- Tomei um monte de remédios para insônia, para que eu pudesse descansar e fiquei a maior parte do tempo dopado e dormindo. Fui atacado pela cadela de estimação da minha tia, que perfurou meu braço com os dentes. E também peguei uma gripe chata que ainda perdura. Enfim, azar pouco é bobagem! ^^

- Me sinto completamente alienado do mundo e de todo resto. À excessão de um filme que vi na madrugada de sábado, não fiz nada de interessante. Além de não ter visto tv, ouvido rádio, lido algum jornal ou revista. Será que vou conseguir me reinserir à civilização?

- Ah... na verdade acabei vendo um filme sobre Jesus também. Achei interessante e mudei um pouco minha perspectiva das coisas. Ainda não sou cristão, mas acho que pelo menos se as pessoas seguissem um bocado das coisas que ele pregava o mundo seria melhor. O problema são essas religiões e a forma com que as pessoas sempre distorcem tudo o que há de bom nelas. :p

- Abraços! E bom início de semana .

domingo, 5 de abril de 2009

Velharia da Semana #6 (Álbum Musical: Loki - Arnaldo Baptista / Filme: Mephisto)

Pois bem. Como semana passada eu não consegui postar a "Velharia da Semana", por estar envolvido com o projeto do Lado B (novo blog que participo), hoje trarei aqui dois trabalhos que considero geniais.

O primeiro é o álbum Loki do Arnaldo Baptista, gravado em 1974. Ex-líder dos Mutantes, ex da Rita Lee e talvez o artista mais genial do rock nacional (apesar de ser geralmente bastante injustiçado e não tão reconhecido quanto deveria ser).

front

Capa de Loki. Clique para ver a imagem ampliada.

Faz um bom tempo que conheci e me tornei  fã dos Mutantes, antes mesmo de ter começado essa "ondinha de festins" sobre eles, em especial nos meios universitários. Mas, confesso, mesmo tendo sempre ouvido falar, que só fui ouvir este trabalho do Arnaldo por esses dias agora.

Também não tive a oportunidade de ouvir os trabalhos dele solo ou com a banda Patrulha do Espaço. Porém, acho que já ouvi Loki umas trinta vezes ou mais, e é uma das coisas mais lindas que já entraram pelos meus ouvidos.

Gravado meio que às pressas, por um artista cheio de problemas pessoais e parecia querer se expressar o mais urgentemente, reflete sua angústia e sua genialidade. Destaque para o piano de Arnaldo e para o fato de que quase todas as músicas não usam instrumentos de cordas (à excessão da última faixa "É fácil", que é usado um violão de 12 cordas, tocado pelo próprio Arnaldo). Além, é claro das letras que além de serem lindas, são muito pessoais e representam o momento conturbado que ele vivia, em especial devido às drogas e ao fim dos Mutantes e do casamento com Rita Lee.

Como eu sou um cara muuuuito legal vou deixar aqui as faixas do álbum para quem se interessar, além de uma amostrinha para vocês ouvirem enquanto falarei de Mephisto.

Faixas do Álbum:

1. Será Que Eu Vou Virar Bolor?

2. Uma Pessoa Só

3. Não Estou Nem Aí

4. Vou Me Afundar Na Lingerie

5. Honky Tonky

6. Cê Tá Pensando Que Eu Sou Lóki?

7. Desculpe

8. Navegar De Novo

9. Te Amo Podes Crer

10. É Fácil

Ouça: Será que Vou Virar Bolor?

 

 

Agora vamos a Mephisto. Apesar de nem considerá-lo um filme tão "velharia" assim (é de 1981), não poderia deixar de falar dele, já que é um dos melhores sobre o nazismo que pude assistir.

mephisto

Mephisto. 1981. Clique para ver ampliada.

É ainda uma crítica à alienação e ao alheamento político. A história do filme é mais ou menos assim:

Durante o período entre a Primeira e a Segunda Guerra, um ator de teatro que não tem uma grande convicção política constrói sua carreira até o momento em que o Nazismo ascende na Alemanha. Com o tempo ele se tornará o artista mais apreciado em todo o país e tidos como um dos exemplos para o regime.

O que ocorre é que com isso é constantemente obrigado a abdicar de pessoas que ama e de algumas de suas poucas convicções políticas. Sua esposa, por seu passado ligado a esquerda é obrigada a se refugiar na França. Sua amante, por ser negra, também é obrigada a sair do país, por imposição das autoridades nazistas que diziam que aquilo poderia manchar a reputação do regime e do próprio artista para com a sociedade.

Mephisto foi produção conjunta entre Áustria, Hungria e Alemanha e foi dirigido por István Szabó. O nome é uma alusão ao personagem Mephistófeles, o demônio que compra a alma de Fausto no clássico de Goethe[disponibilizada on-line nesta página do site da UFSC]. No filme, interpetando Mephisto é que o personagem principal do filme iria ver sua carreira se consolidar.

E então é isso. Assistam se possível, porque é um filme excelente, tanto na sua estética, pelas brilhantes atuações e também pela belíssima fotografia.

Por hoje é só. E quem puder, dê uma passadinha amanhã no Lado B, pois é meu dia de postar. Abraços!

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Democracia?

democracia

Créditos pela imagem: mataparda

Democracia: palavra que advém dos radicais gregos demos (povo) e kracia (governo). Deste modo significaria algo como “o governo do povo”. E é com tal premissa que tal conceito é divulgado e se perpetua na forma com que a sociedade acaba por concebê-la.

No entanto, possuo um profundo ceticismo com relação a ela. Tanto mais com relação à forma com que vêm se articulando as instituições democráticas em nosso país.

Evidentemente há de se considerar que a democracia em nosso país ainda encontra-se num processo de consolidação. Como é bem sabido, as instituições democráticas brasileiras são de tempo recente. Excetuando-se um leve entrecorte entre os anos de 1946 e 1964, mas mesmo assim se dando de forma bem enfraquecida, bastante populista e com grandes contradições, remonta ao pós-ditadura militar.

No entanto, mesmo com tão breve história não foram raros os escândalos envolvendo partidos e seus políticos após receberem o “voto de confiança” para representarem a sociedade brasileira. Já o primeiro presidente Fernando Collor sofreria o impeachment por praticar corrupção. Em tempos mais recentes o Partido dos Trabalhadores, que sempre levantou a bandeira da “não-corrupção” e da luta pelo povo, estaria envolvido em um amplo esquema envolvendo suborno que objetivaria o apoio de certos parlamentares para viabilizar a aprovação de determinados projetos.

A meu ver, o grande problema da democracia representativa e a forma como ela se articula em nosso país é o fato de que ela se efetiva nada mais, nada menos como um sistema que privilegia a manutenção das classes dominantes* no poder.

Alguns refutarão tal hipótese alegando que atualmente temos um presidente que advém das camadas populares e que em seu governo há uma série programas voltados à classes mais desprovidas. No entanto, creio que pelas próprias condições em que esta fundada nossa sociedade, que o atual governo do presidente Lula foi pouco capaz de atenuar as contradições sociais de nosso país. Há a aprovação população, a maior da história segundo as pesquisas, mas ela se fundamenta muito mais no sucesso das políticas assistencialistas (que não melhoram de fato a posição social dos pobres e apenas reforçam sua dependência) e numa satisfação devido a uma razoável melhoria das condições econômicas da pessoas em geral, mas que nada mais é do que resultado do fortalecimento das empresas e do capitalismo brasileiro. O pior é que diante da crise mundial, mesmo com alguns prognósticos de certo modo positivos à economia brasileira, há um enorme risco de que as classes trabalhadoras sejam as mais “penalizadas” em conseqüência de seus efeitos. O que já vem ocorrendo, principalmente àqueles empregados por empresas multinacionais aqui estabelecidas.

Voltando ao tema em questão, ainda acredito que nosso sistema que se diz democrático há uma série de falhas e lacunas. Nem tanto como se projeta legalmente, mas como se dá de forma real. É muito bonito quando lido a partir dos instrumentos legais que o legitimam. Mas chega a cheirar a mais pura hipocrisia em sua forma prática.

O que vemos no mais das vezes? Vereadores, prefeitos, deputados, governadores, senadores e até presidentes nenhum pouco comprometidos com os problemas reais da população e menos interessados ainda em resolvê-los. Sua retórica utilizada principalmente em tempos eleitorais remonta a mais pura demagogia (que defino como a arte de enganar o povo). A atitude desses senhores é bem expressa nas palavras do filme brasileiro Terra em Transe, quando é dito (não exatamente com as palavras a seguir) que: “O político, quando eleito, não cumpriu as promessas do candidato”.

Ou seja, sempre vemos um enorme distanciamento entre o que é prometido e o que se dá na práxis política de nossos governantes.

Sei que, que alguns que vierem a ler isso aqui, dirão coisas tais como: “melhor a democracia de hoje, que proporciona certa liberdade, do que a ditadura militar”. E concordo plenamente com relação a isso. Mas não concordo que devemos assumir tal postura, que para mim, beira o conformismo.

Até mesmo em relação à liberdade há uma série de restrições. E de certo modo, mesmo que não institucionalizadas legalmente, ocorrem no dia-a-dia das pessoas e em certos termos com a conivência das instituições democráticas. Por isso, ainda hoje se tem o espaço para que se prolifere a intolerância e o abuso da própria democracia. Por isso a democracia não é ainda o governo que faz valer a voz do oprimidos. Por isso não é o sistema capaz de que sejam verdadeiramente ouvidos os negros, nordestinos, operários, homossexuais e outros grupos tão discriminados socialmente.

Por fim, ressalto que creio piamente nos valores básicos da democracia. Que muitos mais do que uma "ditadura da maioria" seria uma forma de governo onde as diversas opiniões e posições de um sociedade deveriam ser lançadas de um modo em que a decisão não se desse pela diferença, mas pela convergência.

E neste ponto defendo mais que nunca a tal democracia. O que não infere que eu acredite que a forma como ela é praticada seja realmente isenta de problemas ou que estes não possam ser resolvidos. Ou que simplesmente, aceite a forma com que a democracia venha se tornando a cada dia mais banalizada ou transformada num palco de disputas mesquinhas de grupos que estão no poder. Quem se lança à candidatura para representar um segmento não deve ter colocar interesses pessoais ou partidários acima das reivindicações de seus eleitores. Mas é o que ocorre... E muito disso é resultado da própria sociedade que permite que a podridão de certos políticos venha a se manifestar.

Acredite. Qualquer pessoa pode ter uma ação política real. E isso não implica que se deva ser político profissional. Basta não fechar os olhos para os problemas, que não sãomeras ilusões e estão bem diante de nós.

Bom. Já falei demais... Melhor lançar a pergunta: O que é democracia para você?

* Uso o termo “dominante” com certas ressalvas. A “dominância”, sob minha perspectiva, representa também uma inter-relação entre aquele que é tido como “dominante” e o “dominado”. O “dominado” acaba por se sujeitar à dominação imposta em muitos aspectos. O que não exclui a hipótese de que ele venha também articular a defesa de seus interesses contrapostos em relação aos daqueles dos que estão em posição inversa. Dominância deste modo não implica simplesmente em sujeição ou passividade, mas num processo em que o “dominado” também é sujeito de suas ações.



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segunda-feira, 23 de março de 2009

Raça ?

Créditos pela Imagem: Carf

Créditos pela Imagem: Carf

Ultimamente tenho visto por aí em vários veículos de comunicação (blogs, revistas, jornais, etc.) uma série de artigos que versam (em maior ou menor grau) sobre o racismo no Brasil. Isso na maior parte das vezes se deve à questão das cotas para negros e pardos, que há muito tempo gera polêmica entre os brasileiros.

Porém, não é sobre as cotas que quero falar. Já há uma ampla discussão a respeito delas. O que considero ser um verdadeiro problema são as constantes afirmações de que nosso país não é racista, o que é um contrasenso diante à realidade.

Antes que alguém venha me apedrejar, destaco que não defendo o racismo e sou contrário ao próprio conceito de raça. Afinal, nada mais é do que uma formulação utilizada para justificar uma suposta supremacia do homem branco em relação a outras “raças”. Qualquer um com um mínimo conhecimento histórico pode verificar que essas diferenciações raciais sempre se deram com oportunismos bem claros. Seja, nos tempos da exploração colonial baseada no trabalho escravo, seja nos tempos atuais, que grupos motivados pelo principalmente pelo ódio e o ultra-nacionalismo, a despeito de todas as atrocidades propagadas pelo fascismo e nazismo na Segunda Guerra, ainda pregam a exclusão e até a dizimação do outro, daqueles que não consideram como integrantes dos seus.

O problema do racismo em nosso país também já vem de outros carnavais. Como citei acima é resquício da escravidão e de um projeto(?) abolicionista que não propiciou a integração social desses indivíduos, além da construção de uma cultura que enxerga o afrodescendente como inferior ao mesmo tempo em que foram articuladas fórmulas que tentam ocultar isso.

O que ocorre em relação a este último fator é que ele se manifesta de uma maneira muitas vezes imperceptível e camuflada sobre uma imagética que versa que o Brasil é um país livre de preconceitos. Aliás, isso é próprio de uma nação em que aqueles que estão no poder (políticos e grandes empresários) sempre forjaram ideias como tais e que se perpetuam na própria maneira que nos vemos, por mais deturpado que isso ocorra.

Provas muito claras de que realmente há um grande preconceito racial no Brasil e no mundo, vão de exemplos mais corriqueiros, como as muitas piadinhas de mau gosto sobre negros, ou até coisas mais amplas, como o próprio conceito comum do que seria belo, que de fato é “branco” (já reparou que até mesmo as mulheres negras, orientais e indígenas consideradas belas são as que têm traços mais “ocidentalizados”?).

Ocorre ainda que as pessoas parecem estar fechando os olhos para isso. Apenas enxergam o lado, que é verdadeiro, diga-se de passagem, que os negros e outros grupos excluídos têm a mesma capacidade individual que os brancos. Porém, a verdade é que o preconceito existe sim, por mais que tentem ocultá-lo e influencia bastante nas oportunidades das pessoas de cor em alcançarem uma melhoria social para si próprias. É a realidade do capitalismo, do mercado e do neoliberalismo: prega-se a possibilidade de ascensão social, mas não há uma verdadeira igualdade de oportunidades.

Ou seja, tomando um exemplo mais concreto: um filho de um empresário milionário vai concorrer com você a uma vaga num vestibular ou concurso qualquer. Ele teve a oportunidade de cursar as melhores escolas particulares, estudou cinco idiomas e conhece cinquenta países. Já você, estudou numa escola pública e teve que trabalhar para ajudar no sustento de sua família. Obviamente você não teve as mesmas condições que ele.

Vai me dizer que isso é apenas culpa sua? Que a sociedade não lhe impôs restrições para que atingisse seus sonhos e objetivos? Tenho certeza que muitos vão dizer que o fracasso é apenas seu. Que o sistema nada tem a ver... E você o que me diz?

Não é coincidência que a grande maioria dos pobres seja composta por negros e pardos. E isso é um problema sério, pois não abarca apenas o social, mas também a própria cultura. Problemas sociais facilmente são resolvidos quando bem trabalhados pelos governos, porém questões culturais são, evidentemente, mais complexas e intricadas para se estabelecer alguma resolução. Por exemplo: Tiram-se negros da pobreza através de políticas de afirmação social, porém como eliminar a visão de mundo hegemônica da sociedade que o julga tantas vezes como inferior?

É preciso mudar isso! Mais do que já!

Porém, isso só será possível a partir do momento em que nós mesmos reconhecermos que existe esse preconceito velado, oculto e que se manifesta inconscientemente. É necessário enxergarmos ainda que somos também partícipes e coniventes com ele. E enfim, assumirmos uma postura realmente contrária a isso, que prime pela igualdade humana, pelo respeito ao outro e por um desejo de um futuro melhor para o mundo e para todas as pessoas, independentemente de quaisquer qualificações preconceituosas relacionadas à cor, origem, sexualidade, ou crença religiosa...

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domingo, 15 de março de 2009

Velharia da Semana . # 4 (Easy Rider - Sem Destino)



Quem tem acompanhado aqui deve ter reparado que a tendência da sessão "Velharia.." tem sido de que em uma semana eu posto um filme e na outra algo relacionado a música.

Pois bem! Esta semana trago os dois de uma só vez!

Até porque se Easy Rider é um filmaço, sua trilha sonora não fica muito atrás. Sendo que alguns a consideram a melhor da história do cinema.


Leia ouvindo!

Já tratei brevemente deste filme numa postagem anterior que discutia a questão da liberdade. Porém, muito mais do que um hino à própria liberdade, Easy Rider é também uma brilhante crítica ao modo de vida estadunidense, ao consumismo, ao preconceito e à sociedade.

A base do roteiro é relativamente simples. Dois caras (Bill & Wiatt), após terem ganhado uma boa grana com a venda de drogas para um sujeito, saem com suas motos pelos EUA. Porém, muito mais do que narrar a viagem de dois porra-loucas motoqueiros o filme de Denis Hopper e Peter Fonda (que também fazem o papel dos dois personagens principais) se demonstra brilhante na articulação dos diálogos e na relação entre imagem e música.

Um dos melhores diálogos se dá entre os dois motoqueiros e George Hanson (interpretado por Jack Nicholson), um advogado alcoolatra que acaba seguindo viagem com eles. Transcrevo aqui:
Justificar--------------------------------------------------------------------------------------------

George: Sabem, este país já foi muito bom. Não entendo o que está acontecendo com ele.
Billy: Todos viraram covardes, é isso. Não podemos nem ficar num hotel de segunda, aliás, num motel. O cara achou que a gente fosse matá-lo. Eles têm medo.
George: Eles não têm medo de vocês, mas do que vocês representam.
Billy: Cara, para eles, só representamos alguém que deveria se cortar o cabelo!
George: Não. Vocês representam para eles a Liberdade.
Billy: E qual o problema?! Liberdade é legal!

George: É verdade, é legal mesmo. Mas falar dela e vivê-la são duas coisas diferentes. É difícil ser livre quando se é comprado e vendido no mercado.Mas nunca diga a alguém que ele não é livre… Por que ele vai tratar de matar e aleijar para provar a você que ele é. Eles falam e falam sem parar de Liberdade Individual… Mas quando vêem um Indivíduo Livre, ficam com medo.
Billy: Eu não boto ninguém pra correr de medo.
George: Não. É você quem corre perigo.

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Como já disse, a trilha sonora é um dos destaques. Se não bastasse a música Born to be Wild, da banda Steppenwolf, que se converteu num hino às motocicletas, tem ainda muita coisa boa. Passando do Folk ao Psicodélico, temos uma série de clássicos do rock tocados por Bob Dylan, The Experience Hendrix, The Band, The Byrds e Roger McGuinn. [Clique aqui para ver a lista com todas as músicas.]

Curiosidades:

- Apesar de não ter levado a Palma de Ouro, Easy Rider foi aclamado em Cannes.
- Foi o filme que converteu Jack Nicholson à condição de astro, devido a sua brilhante atuação como o advogado que encontra os dois motoqueiros e segue viagem com os mesmos.
- Diz-se (não tenho fontes confiáveis) que os atores realmente consumiram maconha durante as filmagens. Eah... (Dar realismo ao filme é importante, né? rsrs)
- A motocicleta dirigida pelo personagem interpretado por Fonda recebeu o apelido de Capitão América, devido ao fato de ter sido toda estilizada a partir da bandeira do EUA.


- Os nomes dos dois motoqueiros são uma alusão aos dois maiores foras-da-lei do Velho Oeste norte-americano: Billy, The Kid e Wiatt Earp.


Easy Rider é um clássico do cinema. Quem realmente curte não pode deixar de ver, há uma série de cenas geniais. E quem curte um bom rock também não pode deixar de conferir a trilha sonora. E eu fico por aqui, ouvindo algumas coisas dela e curtindo esse domingo morno. hahaha! Abraços !



quarta-feira, 11 de março de 2009

O Labirinto da Solidão de Octávio Paz .

créditos pela imagem: lunita


O que é a solidão? Por que ela tanto nos incomoda? Por que tantas vezes nos sentimos tão sós em face ao mundo?
Talvez as seguintes palavras não tragam essas respostas, mas sejam, de certo modo, um trampolim para ajudar um pouco a compreender isso:

“A solidão, o sentir-se e saber-se só, desligado do mundo e alheio a si mesmo, separado de si, não é característica exclusiva do mexicano. Todos os homens, em algum momento da vida sentem-se sozinhos; e mais: todos os homens estão sós. Viver é nos separarmos do que fomos para nos adentrarmos no que vamos ser, futuro sempre estranho. A solidão é a profundeza última da condição humana. O homem é o único ser que sente só e o único que é busca de outro. Sua natureza – se é que podemos falar em natureza para nos referirmos ao homem, exatamente o ser que se inventou a si mesmo quando disse “não” à natureza – consiste num aspirar a se realizar em outro. O homem é nostalgia e busca de comunhão. Por isso, cada vez que sente a si mesmo, sente-se como carência do outro, como solidão”.

PAZ, Octávio. O labirinto da solidão e Post-scriptum; tradução de Eliane Zagury. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1984. p. 175.

Esta com certeza é apenas uma das passagens mais belas deste trabalho do escritor mexicano Octávio Paz. O Labirinto da Solidão foi escrito entre os anos de 1948 e 1949 e publicada em 1950. Seu principal fio condutor é uma reflexão a respeito da solidão do povo mexicano. O que ocorre, é que pelo menos segundo minha perspectiva, o livro ultrapassa o seu próprio objetivo. Revela-se uma impressionante reflexão do que é esse sentimento não apenas para o povo do México, mas também para o homem universal.

Discorrendo sobre as constantes imposições culturais, sua assimilação e a forma com que isto se manifesta na maneira do mexicano perceber o mundo, o escritor consegue estabelecer uma brilhante discussão de como a própria solidão representa uma lacuna entre o que se é e o que se almeja ser. O que se almeja ser, de certo modo, é reflexo das imposições sociais constituídas por aqueles que estão no poder, que ao levarem apenas em conta seus projetos mantenedores de sua influência, não levam em conta a forma com que os povos reconhecem a si próprios.

É assim, que observa o México. Primeiramente vendo suas raízes indígenas serem consumidas pela imposição cultural do colonialismo espanhol. Depois com as imposições de governos de caráter positivista / nacionalista que ao levar a cabo o progresso, não consideravam a realidade do país, tanto nos aspectos culturais, quanto econômicos e sociais. Em seguida, a própria revolução mexicana que se de início o autor caracteriza como uma tentativa de reencontro, acaba posteriormente não se efetivando capaz de fazer com que o mexicano se reconheça.

Nesse sentido o autor coloca que o mexicano é um ser que se encontra perdido. Utiliza-se então, como metáfora, a história do Fio de Ariadne. Ou seja, o mexicano está num labirinto, e espera que o fio o conduza novamente a suas origens. Enfim, é sentimento de solidão que anseia por uma saída que o liberte, que é ao mesmo tempo o lugar de onde emergiu.

Um dos capítulos que considero mais tocante é o que trata das “máscaras mexicanas”. O mexicano, para Paz, é um ser que sempre recorre ao mimetismo, que se camufla, que se esconde para que ninguém possa descobrir quem ele é e torná-lo vulnerável. Então lanço a questão: o que fazemos senão isso? Não estamos sempre presos num invólucro seguro, que nos permite esconder nosso pior lado e mostrar só o que é agradável para a sociedade? Não estamos sempre mantendo segredos a sete chaves que poderiam nos fazer parecer frágeis ou nos tornar mais fracos perante os outros? Não estamos, na maior parte do tempo, camuflados sob um falso eu, simplesmente para sermos aceitos?

Enfim, o que posso dizer é que é uma obra excelente. E com toda a certeza eu não seria capaz de abordá-la em todos os seus pontos brilhantes, que são tantos, numa simples postagem de blogue. Mas deixo aqui a dica para quem se interessar... Leiam se possível.

Link para baixar o livro em formato [.pdf] aqui

Para conhecer um pouco mais:

  1. Alguns poemas de Octávio Paz
  2. Artigo interessante sobre o "Labirinto". Por Maria Alice Aguiar.