21/03/07
21 DE MARÇO
21 DE MARÇO
As asas das borboletas que tenho na garganta
são feitas de malmequeres.
Lanço-me em baloiços dentro das palavras
e estendo toalhas de piqueniques sobre a minha
voz. Aquilo que digo tem um significado branco,
como as sapatilhas que o anjo ata com um laço,
lá ao fundo, por baixo das árvores floridas
da primavera, dentro do seu perfume.
20/03/07
Homenagem a Mário Cesariny
Mário Cesariny. Poeta e pintor. Expoente do surrealismo português. Figura imensa de príncipe e de gato. Abria uma janela, muitas janelas, e voava a noite toda, em direcção à Lua. Tinha a poesia na cabeça e no corpo. Nascido sob o signo do fogo, reabilitou o real quotidiano e transfigurou-o, de forma quase espiritualizada e alquímica, em metal candente, num fulgor de génio. A 26 de Novembro de 2006 o Mário atravessou o último glaciar da terra, deixando-nos uma obra resplandecente. Um navio de espelhos. Poético e pictórico.
A 21 de Março, Dia Mundial da Poesia, a Medeia Filmes e o Teatro do Campo Alegre (Quintas de Leitura) prestam-lhe homenagem, com a exibição do filme AUTOGRAFIA, de Miguel Gonçalves Mendes, antecedido pela leitura de poemas.
autografia
um filme de miguel gonçalves mendes
homenagem a Mário Cesariny, no Cine-Estúdio do Teatro do Campo Alegre,
dia 21 de Março (Dia Mundial da Poesia), 22h
As Quintas de Leitura do Teatro do Campo Alegre associam-se à homenagem, seleccionando alguns poemas de Cesariny que serão lidos no início da sessão por elementos dos colectivos poéticos Caixa Geral de Despojos (Isaque Ferreira e Sandra Salomé) e LUPA (Adriana Faria e Daniela Dias Carvalho).
Sobre autografia:
Sendo este um trabalho que vive sobretudo das questões colocadas (ausentes) e das respectivas respostas, optou-se por assumir como fio condutor [o] poema “Autografia” – que servirá de mote, através da sua análise para as questões intencionadas, de modo a que o filme assuma um carácter intimista, estabelecendo-se um diálogo entre quem o vê e quem é retratado. Neste documentário / registo existem vários planos: o de análise do poema; o das respostas; o do seu trabalho (exposto na sua intimidade) e o da nossa própria interpretação; uma espécie de respigar / reciclar de citações e de conteúdos que acabam por nos permitir uma apropriação de Mário Cesariny.
Miguel Gonçalves Mendes
Cesariny abriu o quarto, os diários, as fotografias e literalmente ficou nu até onde lhe apeteceu para Autografia, o documentário de Miguel Gonçalves Mendes.
Alexandra Lucas Coelho, Público
Neste documentário feliz, que não faz do seu objecto um pretexto e humildemente lhe dá voz, é um homem livre que nos fala, 'desabraguilhado' de arrogâncias, ensinamentos e cálculos e que defenestra as peneiras próprias e alheias.
António Cabrita, Expresso
Surpreendente documentário em três actos de Miguel Gonçalves Mendes, que pretendeu “retratar”, do poeta-pintor, “a vida, o percurso e a individualidade” [...]
Elisabete França, Diário de Notícias
O realizador persegue, através das palavras e da vivência pessoal de Cesariny, a sugestão de um caminho. Ao levar o surrealista português por excelência a falar sobre os mais variados temas, Miguel Gonçalves Mendes está, também, a desenhar uma geografia de emoções, construída a partir de dois interlocutores, o mais novo que se sente enevoado, o mais velho que alumia.
Ricardo Duarte, JL
“Gostei de tudo [no filme], diz Cesariny. “O Miguel sabe o que é a poesia, sabe o que é um poeta, e sabe, talvez como poucos, transmitir isso ao cinema”.
[Mário Cesariny], Público
DIA MUNDIAL DA POESIA NA TSF
As Quintas de Leitura e a TSF associaram-se para comemorar este dia de uma forma especial. Nos noticiários da manhã, às 7h00, 8h00, 9h00 e 10h00, a TSF vai levar a palavra poética a toda a nação, pelas vozes e pelos poetas das Quintas de Leitura. Será uma manhã de Poemas nas notícias.
Assim nos continua a parecer o destino do Homem: quanto mais poético, mais verdadeiro.(Novalis)
Aqui ficam de presente alguns dos poemas que poderão ouvir na rádio pelas vozes de Susana Menezes, Sandra Salomé e Isaque Ferreira.
Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.
Para ti eu criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas
(Sophia de Mello Breyner Andresen)
E por vezes
E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
Nunca mais são os mesmos. E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos
(David Mourão-Ferreira)
Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração
(António Ramos Rosa)
OUTRA COISA
Apresentar-te aos deuses e deixar-te
entre sombra de pedra e golpe de asa
exaltar-te perder-te desconfiar-te
seguir-te de helicóptero até casa
dizer-te que te amo amo amo
que por ti passo raias e fronteiras
que não me chamo Mário que me chamo
uma coisa que tens nas algibeiras
lançar a bomba onde vens no retrato
de dez anos de anjinho nacional
e nove de colégio terceiro acto
pôr-te da posição sexual
tirar-te todo o bem e todo o mal
esquecer-me de ti como do gato
(Mário Cesariny)
A MEU FAVOR
A meu favor
Tenho o verde secreto dos teus olhos
Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor
O tapete que vai partir para o infinito
Esta noite ou uma noite qualquer
A meu favor
As paredes que insultam devagar
Certo refúgio acima do murmúrio
Que da vida corrente teime em vir
O barco escondido pela folhagem
O jardim onde a aventura recomeça.
( Alexandre O’Neill)
15/03/07
UNICÓRNIOS E FARMÁCIAS ABANDONADAS
A PRÓXIMA AVENTURA POÉTICA DE JOSÉ LUÍS PEIXOTO NAS "QUINTAS".
Perceba porquê:
Já tive um carro da cor dos teus olhos. Deixava-o
estacionado à frente de prostíbulos onde alugava
quartos com vista sobre o quintal dos vizinhos.
Esperava por semáforos, sem saber que esperava
apenas por ti. No auto-rádio, a tua voz cantava
fados demasiado velhos até para a minha mãe.
A segunda circular era uma manifestação pacífica
de pára-brisas, as palavras de ordem eram simples
porque ainda não sabia que já me tinhas escolhido.
Quando os outros rapazes folheavam revistas de
carros nas aulas de matemática, eu apenas me
interessava por unicórnios e farmácias abandonadas.
Agora, os meus olhos contam quilómetros nos teus,
procuro papéis entre os papéis do guarda-luvas e
tenho tanto medo que me vendas em segunda mão.
08/03/07
Sessão de 22 de Março esgotada
02/03/07
SAÍDAS DE EMERGÊNCIA
O poeta Fernando Pinto do Amaral seleccionou doze poemas que serão lidos na sessão das "Quintas" de 22 de Março.
O poema "Brincadeira" será lido por João Tiago e cantado por Marta Bernardes, vocalista do grupo "O Projecto é Grave!".
BRINCADEIRA
Brinca comigo à procura
de uma estrela noutro céu
Brinca e lava a noite escura
com os sonhos que Deus te deu
Começa devagarinho
- por favor, não tenhas medo,
que o meu coração fez ninho
dentro do teu em segredo
Acorda os anjos que dormem
com a luz do teu sorriso
Faz com que não se conformem
e saiam do paraíso
Deixa-os entrar de repente
no teu quarto, a esta hora
em que a verdade mais quente
é o sono que te devora
Brinca comigo às escuras,
ensina-me o que não sei
Onde estás? Porque procuras
o coração que te dei?