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29/04/14

SEMPRE PARA SEMPRE


Fotografia de Rodrigo Cabral


Morreu o Poeta Vasco Graça Moura, um Amigo das “Quintas de Leitura”, ciclo por onde  passou fulgentemente em 22 de Março de 2012, assinando uma memorável sessão intitulada “A Furiosa Paixão Pelo Tangível”.


Hoje, prestamos homenagem ao Amigo, ao Poeta e ao Homem,  recordando um poema que ele próprio leu, com muito humor, na referida sessão.

diana no banho

via diana
pelo buraco
da fechadura.
era jacuzzi?

banho de espuma?
estava nua,
brilhava flava,
tinha o cabelo

puxado acima,
belas maminhas
à tona de água,
olhos fechados

deliciada,
os pés nas bordas
dos azulejos.
e marulhava

de leve a água,
num chape-chape
de mansa vaga,
como se a lua

mais perfumada
ali pousasse
na porcelana
enevoada.

logo se deu
por servo dela,
para cantá-la,
ensaboada,

e se pudesse
dar-lhe umas quecas
vezes sem conta,
fora da água.

logo por dentro
os seus desejos
o devoraram
espreitador

desprevenido,
dos próprios cães
inda comido.
quanto a diana,

não deu por nada,
não o puniu,
não se vingou.
não precisava.

(Vasco Graça Moura)





24/02/14

Um texto de João Habitualmente a ser lido na sessão

7 DE SETEMBRO (2006)

A Isabel chega a casa vinda da hidroginástica e diz que acabou de ver um grande acidente. Relata o modo como deve ter ocorrido e depois diz:
- O autocarro deu cabo do carro. Não sei se o senhor viveu.
- Ui! – digo eu, como que a manifestar alguma incredulidade.
- Sim! Então já foi à ida e agora quando eu vim ainda lá estava a perícia!
- Quem é a perícia? É a mulher? – pergunta o Luís Pedro, que acompanha o relato com grande interesse.
Descobrirá a seu tempo como é necessário relacionar de modo sábio as palavras perícia e mulher…


João Habitualmente

Texto publicado no novo livro de João Habitaualmente, "Coisas do Arco da Ovelha", a lançar brevemente pela Edita-me. 

17/02/14

Caderno de Economia - Expresso



Mais uma vez, no passado dia 8 de fevereiro, o jornalista Nicolau Santos escolheu um dos poemas publicados na nossa coleção Cadernos do Campo Alegre 
para a sua página no caderno de Economia do semanário Expresso. 
Desta feita foi um poema da Regina Guimarães publicado em 2008
 na antologia Diga 33. A fotografia é da Pat. 

21/01/14

POEMA DE NUNO JÚDICE QUE SERÁ LIDO NA SESSÃO PELO JORNALISTA NICOLAU SANTOS

IN MEMORIAM

ao Bernardo Sassetti

Há um fotógrafo triste que bóia no oceano. Nas mãos
já não tem a máquina que deixou cair pelo caminho,
e nos olhos falta-lhe essa força que lhe permitia fixar
o objectivo, definir o quadro, inventar o ângulo
certo para atingir o alvo. Agora, flutua como o barco
que perdeu a âncora, ou como folha que se cansou
de ir com o vento, e se deitou a descansar num
leito de água. Alguém que o tivesse visto teria
querido chamar por ele, puxá-lo para a margem,
e convencê-lo a olhar para a paisagem, sem outro
objectivo do que o simples olhar para a paisagem;
mas ele não ouve ninguém, e deixa-se ir até onde
a corrente o levar, no mar que se tornou o seu berço.

Nuno Júdice



30/12/13

Viaje para o novo ano, à boleia das Quintas de Leitura, com a palavra de Nuno Júdice



PREPARATIVOS DE VIAGEM

Ao fazer a mala, tenho de pensar em tudo o que lá
vou meter para não me esquecer de nada. Vou ao
dicionário e tiro as palavras que me servirão
de passaporte: o equador, uma linha
de horizonte, a altitude e a latitude,
um lugar de passageiro insistente. Dizem-me
que não preciso de mais nada; mas continuo
a encher a mala. Um pôr-do-sol para que
a noite não caia tão depressa, o toque dos teus
cabelos para que a minha mão os não esqueça,
e aquele pássaro num jardim que nasceu
nas traseiras da casa, e canta sem saber
porquê. E outras coisas que poderiam
parecer inúteis, mas de que vou precisar: uma frase
indecisa a meio da noite, a constelação
dos teus olhos quando os abres, e algumas
folhas de papel onde irei escrever o que a tua ausência
me vem ditar. E se me disserem que tenho
excesso de peso, deixarei tudo isto em terra,
e ficarei só com a tua imagem, a estrela
de um sorriso triste, e o eco melancólico
de um adeus.

Nuno Júdice, in "Navegação de Acaso" / Publicações Dom Quixote

26/11/13

Poema de Golgona Anghel


NO DOMINGO PASSADO,
estando eu feita num fanico,
resolvi passar em casa da Gabi.
Ela ouviu, ouviu,
foi estender a roupa,
voltou,
foi comprar pão,
voltou,
e eu ali num canto da cozinha
a gastar as gengivas
na rua da amargura,
até que, enfim, me tirou o osso e tapou a boca.
«Eu já te tinha avisado!»
Estava preparada
para suportar as agressões todas,
ralar com as unhas as pedras da calçada,
quando a Gabi se virou para mim e disse:
«Sabes, agora tenho um cliente novo.»
Por delicadeza, senti, de imediato,
a necessidade de lhe perguntar.
«Quem é?» Baixou então a voz e
deu mais um jeitinho na roupa com o canto do olho.
«Um pugilista.»
«Sabes, a musa precisa de alguma porrada.»


in "Como uma flor de plástico na montra de um talho" /Assírio&Alvim

Poema de João Luís Barreto Guimarães dedicado a Jorge Sousa Braga


folheio o jornal de ontem durante o pequeno
almoço (leio a desactualidade:) «o homem
que limpava o poço dos desejos enriqueceu».

avanço os editais (assinatura ilegível?)
«no sítio onde os lavradores se juntaram
chorando a seca nasceu um longo feijoeiro».

aquela figura do partido tantas vezes foi
chamada aos salões da capital que ao colher
o título na portagem da auto-estrada lhe saiu:
senhor ministro. peço o sumo do anúncio que

enche a página de jornal (mas não surgem
raparigas propondo dias de sol) agora que
o leste mudou será que eles vão dar outro
nome ao mar vermelho?

in "Poesia Reunida" / Quetzal Editores

                                                     

23/09/13

ANTÓNIO RAMOS ROSA

Morreu hoje um grande poeta.
Em homenagem a António Ramos Rosa, publicamos um poema de sua autoria, que muitas vezes foi lido nas nossas sessões.


Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio

Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração


13/03/13

CORPO DE TRABALHO



Cansada de ver o pouco que valho
Este corpo que é todo
Um corpo de trabalho
Escravo demente dos dias ruins
Que bóia e espera o golpe de rins

Com papo vazio e o peito apertado
Passo-te, cega, a mão pelo pêlo
O coração na boca o palato suado
A cara de caso o nariz empinado
Tenho as costas largas e a língua num novelo
Não dou o braço a torcer por dor de cotovelo



Inédito de Marta Bernardes. 

30/01/13

Vamos ser velhos ao sol


Este é o poema de Maria do Rosário Pedreira que dá título à próxima sessão das “Quintas”. 
Será lido por Susana Menezes.



Vamos ser velhos ao sol nos degraus
da casa; abrir a porta empenada de
tantos invernos e ver o frio soçobrar
no carvão das ruas; espreitar a horta
que o vizinho anda a tricotar e o vento
lhe desmancha de pirraça; deixar a


chaleira negra em redor do fogão para
um chá que nunca sabemos quando
será – porque a vida dos velhos é curta,
mas imensa; dizer as mesmas coisas
muitas vezes – por sermos velhos e por
serem verdade. Eu não quero ser velha

sozinha, mesmo ao sol, nem quero que
sejas velho com mais ninguém. Vamos
ser velhos juntos nos degraus da casa –

se a chaleira apitar, sossega, vou lá eu; não
atravesses a rua por uma sombra amiga,
trago-te o chá e um chapéu quando voltar.


(in “Poesia Reunida”/ Quetzal Editors)

30/11/12

Poema inédito de Jorge Sousa Braga para Manuel António Pina


Onde estás agora
Oh meu amigo?
Nem dentro
Nem fora

Nem muito longe
Nem muito perto
Talvez nos primeiros
Raios da aurora
Talvez no deserto
No mais incerto
E improvável
Lugar

Onde estás agora
Oh meu amigo
Que não te oiço?
Talvez no fim
Da estrada
Envolto em poeira
Numa cadeira
De baloiço
Em frente ao grande
Tudo
Ou ao grande
Nada

[poema inédito dedicado a Manuel António Pina escrito e lido por Jorge Sousa Braga, ontem à noite, 29 de novembro, na sessão desta das Quintas de Leitura]

29/11/12

A ouvir na sessão de hoje


SONO DE PRIMAVERA


Adormeço sempre com o teu mamilo
entre os dedos da minha mão
E o meu sono é tranquilo
como o das rosas

(Jorge Sousa Braga)


MEMÓRIA


Invariavelmente as suas cartas
traziam colagens de pétalas de


rosas amores perfeitos papoilas
sobre uma cartolina dura


E invariavelmente também um pêlo
do púbis como assinatura


(Jorge Sousa Braga)

28/11/12

GERÊS



Quando me levantei
já as minhas sandálias andavam
a passear lá fora na relva


Esta noite
até os atacadores dos sapatos
floriram


(Jorge Sousa Braga)

22/11/12

21/11/12

Mais dois poemas de Jorge Sousa Braga


POEMA DE AMOR


Esta noite sonhei oferecer-te o anel de Saturno
e quase ia morrendo com o receio de que não
             te coubesse no dedo





NOS SEMÁFOROS DA RUA DE SANTA CATARINA


Ao menos os teus olhos
permanecem verdes
todo o ano


(Jorge Sousa Braga)

20/11/12

POEMA DE AMOR


Publicamos, a partir de hoje, alguns poemas que serão lidos na sessão “O Novíssimo Testamento”, 
dedicada à obra de Jorge Sousa Braga. 
A sessão realiza-se no próximo dia 29 de Novembro.



POEMA DE AMOR

1.

Tu és a minha aranha favorita

2.

Não sabem quanto eu gosto
de me sentir em palpos de aranha


(Jorge Sousa Braga)

22/10/12

Manuel António Pina


Manuel António Pina por Pat



Um dia destes, zás!, morro!



Entre Deus e o Diabo venha o Diabo e escolha.
Entre amar-te e a vida te escolho ó dia como
uma doença de pele e te redijo
por palavras minhas tão envergonhado ó dia!
conforta-me e lava-me de toda a porcaria que eu
com a unha da melancolia te corrijo.


Em Lisboa perdi a paciência,
fui crucificado morto e enterrado.
Ressuscito-te dos mortos. E dentro da barriga te persisto
e entre dentes te percorro de solidão inesperado.
A ti recorro ó cirurgião estou tão zangado tão zangado
e morro porque não tenho idade para isto!


(Poema de Manuel António Pina)


26/09/12

um poema de João Luís Barreto Guimarães dedicado a Pedro Mexia


Pão quente


Escravo do que aparece escrevo
porque acontece (a doença da poesia:
não desejo poesia a ninguém). O que
revelas à folha ao comprar uma caneta?
Algo assim como «metáfora
resiste à metonímia» ou
«virá o dia em que o simples falar
será poesia»? Este
(com licença)
poema é uma das possibilidades:
a poesia está nas coisas
(pão quente)
destapa-a.

(João Luís Barreto Guimarães)