Factores antigos: geográfico, litoral, climático, económico, orográfico, hidrográfico, geológico, demográfico, de transportes e políticos.
Factores modernos: agrícola, pecuário, de transportes, climático, geopolítico e centralismo metropolitano obsessivo e absoluto.
Factor geográfico – Embora Angola tenha sido reconhecida e cartografada(1482), antes do Brasil, não despertou, inicialmente, qualquer interesse à Coroa Portuguesa. As frotas da Índia, quando passavam por Angola, apenas faziam aguadas na foz dos rios e tinham alguns contactos com os povos ribeirinhos. Mas o destino estava fixado: as Índias.
Com a “descoberta” do Brasil(1500) descobriu-se, também, que a melhor rota de navegação para a Índia era através do Brasil, de acordo com a feição dos ventos e correntes marítimas. Com isto, mesmo os barcos mais bem aparelhados e aprovisionados, com destino fixo para Angola, passavam primeiro pelo Brasil, as sobras iam para África.
Fig 1 – A corrente fria de Benguela e a corrente quente do Brasil formam “um rodísio”muito aproveitado no tempo dos barcos à vela. Isto criou uma relação profunda entre as duas colónias.
Angola “encaixa” no Brasil entre as latitudes de 5º Sul ( Cabinda/ Galinhas no Rio Grande do Norte) a 17º Sul (Foz do Cunene/Porto Seguro). No Brasil existem, neste desenvolvimento de costa, mais de 60 cidades litorâneas e mais de 100 cidades a menos de 50 km do mar. Em Angola existem 14 cidades litorâneas e 3 a menos de 50 km do mar.
Factor litoral – O Brasil tem uma área de 8 547 403 km² e um recorte litoral de mais de 8 000 km. Angola tem 1 246 700 km² e um recorte litoral de 1 650 km. O Brasil é cerca de 7 vezes o tamanho de Angola que, mesmo assim, abrange, em área, os estados de Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Os navegadores portugueses pisaram terras angolanas, pela primeira vez, em 1482 e chegaram ao Brasil dezoito anos depois, em 1500. A costa angolana é semi-árida, de feição desértica, com vegetação xerófila (predominância de embondeiros, espinheiras e eufórbias ou “cactos candelabros”). Não apresenta nascentes de água, a que existe é trazida pelos rios vindos dos planaltos, ou em lagoas originadas pela chuvas. Estas são escassas e irregulares na orla marítima (350 mm anuais) e são fartas nos planaltos (1200 mm anuais). A costa apresenta falésias, com alturas chegando aos 100 metros, muito erosionadas pelas chuvas e pelos ventos. A costa brasileira é verdejante, com uma flora exuberante a que não faltam frutos silvestres e uma fauna variada, com milhares de nascentes provenientes das chuvas regulares que ali ocorrem. É um contraste bem marcante.
O litoral brasileiro, embora não tenha um grande recorte, se o compararmos com a costa leste dos Estados Unidos, é mais bem servido de baías e ancoradouros naturais do que Angola, um factor importante nos tempo de barcos à vela que, como é óbvio, teriam que ficar bem resguardados das ondas, dos ventos, de tempestades e das esquadras inimigas.
A costa de Angola não tem uma única baía natural, isto é, que seja de origem tectónica (proveniente de movimentos da crusta terrestre, ao longo de milhões de anos). As baías onde foram construídos portos marítimos (Luanda, Lobito e Moçâmedes) foram originadas por cordões litorais (restingas)constituídos por areias trazidas pelos rios ou provenientes de erosões costeiras. A baía mais notável é a Baía dos Tigres que era um cordão litoral, com 30 km de extensão, originado pelas areias carreadas pelo rio Cunene cuja foz se situa 30 km ao Sul. Dizemos era porque a língua de areia transformou-se em uma ilha, separada de terra em mais de 2 km. A melhor baía de Angola foi tragada pelo mar. A costa angolana ficou mais lisa.
Fig 2 – Angola “encaixa” no Brasil do Ceará até ao sul da Baía.
Fig 3- A costa de Angola é lisa, com “baías” muito modestas..
A costa brasileira tem boas e grandes baías naturais com relevância para A Baía de Marajó (Belém), a Baía de S.Marcos (S.Luiz), a Baía de Todos os Santos (Salvador), Baía da Guanabara (Rio de Janeiro), Baía da Paranaguá, ilha de Santa Catarina(Florianópolis), e Laguna dos Patos (Porto Alegre).
As “baías” de Angola, ou restingas, são Luanda, Lobito e Namibe. Baía dos Tigres perdeu a ligação umbilical ao continente, é hoje uma ilha, como já foi dito. No Ambriz há uma lagoa natural (Gango)que comunica com o mar através de um canal.São condições naturais que podem transformar, artificialmente, o Ambriz no melhor porto marítimo da costa ocidental de África.
Factor climático – No litoral brasileiro, regra geral, as temperaturas divergem com a humidade atmosférica, ou seja, quando a temperatura aumenta diminui a humidade, caracterizando um tempo quente e seco. Quando a humidade aumenta chove abundantemente, baixando a temperatura. Em Angola, no litoral, a temperatura e a humidade são concordantes, provocando um certo desconforto, e chove pouco. Nas regiões quentes e húmidas há uma pesada carga patológica em cima de homens, animais e plantas. A evaporação é pequena, criando um clima propício à proliferação de bactérias e de mosquitos. Por isso o litoral de Angola era um cadinho de doenças desconhecidas.
A morte ceifava, abruptamente, os poucos europeus que ali desembarcavam. E ninguém conseguia explicar o porquê das diferenças entre o litoral brasileiro e o litoral angolano. Em Angola proliferavam, em primeiro plano, a malária, a febre amarela e a doença do sono. Em todos os relatos antigos sobre Angola as doenças são sempre mencionadas, ocupam a maior parte dos escritos. Nos relatos sobre o Brasil raramente são mencionadas as doenças. Os partos de mulheres europeias em Angola quase sempre tinham um desfecho trágico, mãe e filho morriam. Só nos anos vinte do século 20 é que os nascimentos de europeus em Angola deixaram de ser motivo de preocupações.
Uma característica da colonização belga, na actual República Democrática do Congo, era a de que quase todos os nascimentos dos europeus se realizavam na Bélgica, sob o temor de que o parto fosse trágico. O governo belga pagava todas as despesas. O que não sucedia em Angola, só os comissionados é que usufruíam do privilégio dos partos na Metrópole.Por isto, nos primeiros tempos até cerca de 1920, os “colonos”tinham medo de levar as mulheres para Angola.
Factor económico – A riqueza portuguesa, sem necessidade de escravatura, pelo menos na sua forma mais repugnante, proveio da Índia (Goa, Damão e Diu) até meados do século 16. Depois, fluxos imigratórios constantes (o que não sucedeu com a Índia) transformaram o Brasil, rapidamente, de feitoria em colónia de povoamento, cujas traves mestras eram a cana de açúcar e o gado bovino. Em fins do século 17 a mineração foi um catalisador que acelerou o processo do povoamento do Brasil, porque passou a circular riqueza entre os humildes. Angola não atraía colonos, embora oferecesse condições para a cultura da cana sacarina em toda a orla marítima, mas só na foz dos rios. O interior era indevassável.
Por que se não desenvolveu uma cultura açucareira em Angola, dispondo-se de mão de obra abundante (Angola era mais povoada do que o Brasil)? Por que Paulo Dias de Novais não conseguiu imitar os seus “colegas” capitães donatários do Brasil, fundando uma colónia próspera?
O factor litoral , onde chove irregularmente, o factor da falta de capital e o factor doenças foram causas importantes, para a ausência da agricultura da cana, mas o factor humano foi o mais importante. Uma agricultura escravista no próprio solo dos escravos era, literalmente, impossível. Os escravos estariam sob vigilância redobrada, as fugas seriam constantes, como constantes seriam as rebeliões. As recapturas seriam impossíveis. Os escravos “jogavam em casa”. Os “capitães do mato”, que no Brasil capturavam escravos fugitivos,a cavalo, em Angola passariam a ser caça. Os cavalos em Angola morriam, sistematicamente, os capitães do mato teriam que “correr pelos matos”.
Seria uma agricultura sempre em “pé de guerra”. Parece que houve tentativas de agricultura, antes do século 19, cujos fracassos confirmam estas nossas suposições. As chuvas no litoral angolano são escassas e erosivas. Uma cultura de cana teria que ser irrigada, inviável em épocas antigas. Pelo contrário, no litoral brasileiro as chuvas são regulares e os solos (massapé na Baía e Pernambuco) são fertilíssimos. O outro pilar da economia brasileira –o gado bovino- não era viável em Angola. As doenças atacavam todos os gados,o bovino, o cavalar, o asinino e o porcino inviabilizando a agricultura, a pecuária e os transportes. O gado no Brasil dá-se muito bem, as manadas têm altos índices de crescimento. Em Angola, a morte era uma constante.
Nada sobrou para Angola, nenhuma atracção exerceu sobre os colonos portugueses e outros europeus, se atentarmos na breve ocupação holandesa de Luanda e Benguela de 1641 a 1648. A ocupação dos holandeses foi, totalmente, militar e estratégica. Não se instalou um único colono holandês; ele não duraria mais de um ano, como sucedeu em S.Tomé. A posse holandesa de Angola destinou-se, fundamentalmente, à arregimentação de escravos. Economicamente Angola viu-se reduzida a um zero absoluto porque a escravatura não se pode considerar um meio de produção e, muito menos, de comércio. O tráfico da escravatura não era, nem poderia ser, um factor de desenvolvimento. Antes pelo contrário, é uma fonte de conflitos e ódios.
Factor orográfico– As subidas para os planaltos interiores, a mais de 1500 m de altitude, eram difíceis e longas. Chegavam a constituir verdadeiras epopeias. No inverno seco (Maio a Setembro) a ausência de água, na escarpa de transição, era uma constante; no verão (Outubro a Abril) as chuvas diluvianas traziam alagamentos e doenças. Os rios, muito caudalosos e velozes, eram difíceis de transpor.Mesmo em pleno século 20, com todos os meios aerofotogramétricos, o “ataque” à escarpa, para a construção de modernas estradas, não foi fácil. Para citar, só um exemplo, foi homérica a construção da “subida da Leba”, na serra da Chela ao sul do país, uma monumental obra de engenharia rodoviária. A subida é toda feita em lacetes. A orografia no Brasil, tirando a parte de Minas Gerais, não é tão escarpada, as entradas são mais fáceis. A altitude média brasileira é em torno de 900 m. Os rios são largos e mansos, boas vias de penetração.
Fig 4 - Na imagem de satélite é notória a “Escarpa Atlântica” concordante com a costa
A cerca de 100 km da costa angolana começa a Escarpa Atlântica onde se atinge a altitude de 1000 m em pouco mais de 100 km; a seguir mais outro degrau até se atingir a altitude de 1500 m; depois um planalto sulcado de milhares de linhas de água perenes, quase intransponíveis no tempo das chuvas abundantes, em torno de 1350 mm anuais no Planalto Central
Fonte: A.Castanheira Diniz: Angola o Meio Físico e Potencialidades Agrárias
Fig 5 – Mapa hipsométrico mostrando que Angola é um país quase todo acima de 1000m de altitude. As primeiras faixas de relevo (0 a 1000 m de altitude) são estreitas, denunciando um enorme potencial hidroeléctrico.A rede hidrográfica diverge segundo cinco direcções. A Escarpa originando rios declivosos, não navegáveis, foi um enorme obstáculo físico para a penetração do interior. Ela só se verificaria em fins do século 19.
Factor hidrográfico – Os grandes rios brasileiros, os costeiros e os interioranos, são “planos”, extensos, largos e caudalosos, as quatro condições para a navegação fluvial. Sem dúvida o maior e melhor meio de transporte para o interior, até ao aparecimento das ferrovias e do automóvel. Muitos rios brasileiros correm no interior e para o interior do país, um factor positivo para o povoamento daquelas terras. Não admira que, mesmo em clima equatorial (Amazónia), quente e húmido, desde muito cedo em pleno século 16, se tenham implantado cidades de feição europeia. Basta dar um relance pela bacia amazónica: Manaus, um bom porto de mar, está a mais de 1 000 km do Oceano Atlântico, Porto Velho está a mais de 2 000 km, em um afluente do rio Amazonas, Vai-se, em barcos de grande calado, de Belém, no estado do Pará, até Iquitos no Perú a mais de 3 000 km,Corumbá, no rio Paraná, está a mais de 2 500 km do mar. O rio Paraná vai desaguar entre o Uruguai e Argentina, milhares de quilómetros a sul.
Os rios angolanos são muito inclinados, com quedas e corredeiras constantes, pouco excedendo os 1 000 km de estirão, em geral são estreitos no inverno seco, em termos de grande navegabilidade. Não era possível a navegação fluvial, único meio de que a Europa dispunha para subjugar os povos africanos do interior. A Europa, antes do aparecimento da arma de repetição, da metralhadora e das pequenas peças de artilharia móvel, não se arriscava a empreender grandes expedições militares de infantaria através do coração de África. Seriam dizimadas pelas doenças e, até, pela fome.E com os africanos, numerosos, sempre de tocaia, ofererecendo uma resistência encarniçada. Pelo contrário, no Brasil era baixíssima a densidade demográfica dos povos nativos e não eram tão levantadiços como os africanos. As comunidades eram pequenas, isoladas e pacíficas.
A Bélgica facilmente subjugou os povos da bacia do rio Congo porque dispôs de uma extensa navegação fluvial. O rio Congo (segundo do mundo em caudal) era “plano”, extenso, largo e caudaloso. Tal como o Amazonas, situado no Equador, o Congo beneficiava das chuvas do hemisfério norte e das chuvas do hemisfério sul, desfasadas de seis meses. Por este motivo o rio é sempre caudaloso, está sempre com cheias, oferecendo um tirante de água e uma largura propícios para a navegação fluvial. Além do rio Congo, com mais de 2 000 km navegáveis, também os seus afluentes são, quase todos, navegáveis. O rio Ubangui, que vem da República Centro Africana, e o Cassai que nasce em Angola, têm mais de 1 000 km navegáveis, além de dezenas de afluentes, notáveis vias de comunicação. Assim, foi fácil ao rei da Bélgica Leopoldo II subjugar os povos da bacia do Congo e implantar o Estado Livre do Congo, assim chamado porque tudo nele era livre, inclusive a prerrogativa de usar escravos. A “política da canhoneira” encontrou ali o seu melhor habitat. Era Livre porque se podia canhonear os povos ribeirinhos.
Factor geológico – Desde muito cedo, meados do século 17, que no Brasil começaram a descobrir-se metais preciosos (ouro e prata) e pedras preciosas (esmeraldas, rubis e diamantes) além de muitas pedras ornamentais. Em meados do século 17 o garimpo de ouro e diamantes fazia parte da vida quotidiana dos brasileiros, injectando jorros de dinheiro na economia. O ouro e os diamantes podiam ser explorados por particulares, embora a Corôa Portuguesa reivindicasse um quinto dos rendimentos. O ouro e os diamantes, em mãos dos naturais da colónia, empurraram o futuro país para um desenvolvimento acelerado, que chegou a ser avassalador, visível no fulgurante aparecimento de belas cidades e vilas de feição totalmente europeia.Ficou um património riquíssimo. O dinheiro ganho no Brasil era, de imediato, lá investido.
Em Angola, salvo umas curiosidades de palhetas de ouro em alguns rios, uma “caspa” de ouro, não se descobriu ouro em pepitas (que denunciam a proximidade de um filão) e nenhum grão da almejada prata. Os diamantes, que poderiam ter revolucionado a economia de Angola, pelo menos no século 19, só foram descobertos em 1919. E foram, de pronto, abarbatados por uma companhia monopolista. Não houve qualquer surto de mineração que servisse de catalisador em Angola. Nenhum angolano podia usufruir das riquezas minerais.O garimpo era seriamente reprimido, ao contrário do Brasil. Tudo passava para monopólios europeus. Por isso era inviável um entesouramento em Angola; isto não atraía imigrantes.
Factor demográfico – Angola era mais povoada do que o Brasil. Havia milhares de pequenas nações, agrupadas em mais de 5 grandes confederações ou reinos. Embora determinada literatura do século 19 enfatize o facto de que “não havia nenhum organização social entre os africanos”, lendo-se os cronistas sérios daquele tempo verificamos que havia reinos estruturados e governos com planos definidos, embora não existisse a noção de nacionalidade. Basta ler as obras de Henrique de Carvalho para se verificar que a região onde ele viveu- o reino de Muatiânvua (Lundas e norte das Lundas até ao rio Congo)- tinha uma grande organização social. Uma das figuras mais conhecidas das epopeias africanas do século 19, Henry Stanley, descreveu reinos importantes na África Austral. Outro viajante africano do século 19 David Livingstone também anotou povos agrupados em domínios socialmente governados. A ocupação de África, com os meios poderosíssimos de que a Europa dispunha, desfez toda a situação política existente. É uma das causas do actual desassossego em África.
O Brasil tinha uma densidade demográfica muito inferior à africana e os seus povos apresentavam-se em um degrau histórico inferior. Grande parte das nações de Angola já estava numa étapa rural e pastoril, os angolanos já extraíam o ferro e trabalhavam-no, mas o Brasil estava, ainda, em uma étapa colectora e caçadora. Os povos de Angola sempre ofereceram um oposição encarniçada contra o domínio português. As lutas arrastaram-se durante séculos, só terminaram em pleno século 20.
Factor transportes – A orografia e a hidrografia angolanas eram altamente desfavoráveis para um penetração interior. Os gados de transportes (cavalar e asinino) morriam com doenças completamente estranhas aos europeus. O recurso aos carregadores serviu para avolumar, ainda mais, as violências e prolongar, em exagero de tempo, a escravatura.No Brasil todo o transporte, afastado dos rios, era feito pelas tropas de cavalos e burros, em carroções. As tropas eram um factor altamente aglutinante entre os diversos povoados que nasciam sob os auspícios da mineração. O Estado de Minas Gerais tomou o nome devido à fartura de ouro e diamantes. Em Angola só começaram a nascer povoados definitivos ou urbanos a partir de 1920, quando as ferrovias se impuseram,logo seguidas pelo automóvel. Os povoados “fugiram”quase todos dos grandes rios
Factor político – É natural que, com tantos factores negativos, a Corôa Portuguesa se desinteressasse por Angola, pelo menos sob o ponto de vista de colonização. Salvo as tentativas goradas de Inocêncio de Sousa Coutinho, em meados do século 18, e a boa vontade de Pedro Alexandrino da Cunha em meados do século 19, nenhum governador geral se interessou pelo povoamento de Angola. E, também, nenhum português estava interessado em viver em Angola. Viver de quê, se não havia consumidores para quaisquer produtos, se a agricultura, em moldes europeus, era penosa e de fracos rendimentos, se o gado morria em tempos fulminantes, se o transporte era todo feito por carregadores, uma fonte de conflitos e violências. Viver para quê se não havia entesouramento, o recurso aos dentes de elefante era uma forma, única, de prevenção de futuro muito precária. Era um entesouramento volumoso e extremamente pesado. Um dente de marfim era transportado por 2 carregadores. Já em fins do século 19 o marfim começou a perder valor. A melhor moeda, ainda hoje, para entesouramento é o ouro. Onde estava?
Analisemos os factores modernos, os que passaram a contar após a independência do Brasil. Depois de 7 de Setembro de 1822 Portugal ficou perturbado e só teve um pensamento: fazer um novo Brasil, mas agora tomando certas precauções políticas (mais ainda do que no Brasil). Nada de independências.Mas a realidade era diferente, os factores que acabámos de mencionar estavam lá todos. Angola era indomável e a Corôa estava exaurida devido às invasões napoleónicas e à perda do Brasil. E com uma agravante: o número de emigrantes portugueses, com destino ao Brasil, cresceu em progressão quase geométrica. O Brasil independente passou a absorver mais portugueses do que quando era colónia. O povoamento de Angola foi adiado, até porque Portugal entrou em guerras civis. Angola continuou como sempre tinha estado: mera feitoria para embarque de escravos para as Américas. Para Angola “exportavam-se” os degredados.Foi um século perdido!
A partir de 1880, em face do início da industrialização da Europa, aguçou-se o apetite por colónias em quase todos os países europeus, em Portugal regressou o velho assunto do Novo Brasil. A Europa precisava de matérias primas (minérios especialmente) e novos mercados. A África e Ásia ficaram na mira das potências europeias, que principiaram a degladiar-se naqueles continentes e nas chancelarias. Para apaziguar as escaramuças o chanceler Bismarck convocou a célebre conferência de Berlim(1885), para partilha de África, segundo “moldes civilizados”. Portugal foi obrigado a fazer a ocupação efectiva de Angola. E fê-lo, não sem dificuldades, umas que já conhecia e outras por conhecer. As dificuldades continuaram a ser as doenças, os insucessos na pecuária e na agricultura, a ausência de minas de ouro e prata, os transportes e, com mais agudeza, a obsessão metropolitana de não querer perder Angola, ou seja, não ceder aos angolanos qualquer poder, ou uma simples capacidade de decisão. O “grito do Ipiranga” ecoava, sempre, em som fantasmagórico,em todas as reuniões de governos metropolitanos. Todos os portugueses que se notabilizassem em Angola, todos com bons propósitos, eram ostracizados pelos governos em Lisboa. Estes não aceitavam qualquer progresso da colónia dirigido por angolanos ou portugueses angolanizados. Isso ajudaria à emancipação.
Embora fizesse parte do imaginário leuco-angolano o episódio do “grito do Ipiranga”, não havia base histórica nem social, nem demográfica sob o aspecto europeu,para se repetir em Angola.
Factor agro-pecuário – Depois da independência do Brasil em 1822 Portugal alimentou a esperança em um segundo Brasil, ou seja apoiado na agro-pecuária.Começaram a aparecer uns primeiros relatórios exaltando os bons climas planálticos, especialmente os das terras acima dos 1 500 m de altitude. Angola tem 97 500 km² acima dos 1 500 m de altitude (um pouco maior do que a área de Portugal) e 1 200 km² ( maior do que a ilha da Madeira) acima dos 2 000 m de altitude. Nestas áreas o clima é tropical de altitude com temperaturas amenas e frias, muito raramente atingindo os 30ºC. Chove abundantemente no Verão, o Inverno( Junho a Setembro), impropriamente denominado de Cacimbo, é seco, de céu limpo(um azul maravilhoso) cheio de triliões de estrelas, visíveis a olho nu, e frio.As terras altas, bem drenadas naturalmente, têm abundantes águas cristalinas e potáveis. Estas condições destruiram a corrente pessimista, que se tinha instalado em Portugal, sobre a colonização de terras africanas. Mas as tentativas de colonização começaram, logo de início, a fracassar. O desânimo começou a instalar-se, mas dois acontecimentos activaram os velhos propósitos: a Conferência de Berlim, obrigando a uma ocupação efectiva, e a entrada de uma colónia bóer, vinda da África do Sul, fugida da guerra entre as duas nações bóeres unidas, o Transval e Orange, contra a poderosa Inglaterra da Raínha Victória. Em breve o número de bóeres, entrados em Angola, sobrepujou o de portugueses no sul . O governo de Lisboa estremeceu.