Por Hugo RC Souza
A IG Farben foi um cartel de empresas alemãs fundado em 1925 que se tornou um dos maiores conglomerados da indústria petroquímica e farmacêutica da primeira metade do século XX. Foi determinante para a ascensão do Nacional Socialismo alemão, detendo não apenas o monopólio da produção química na Alemanha nazista, mas utilizando também força de trabalho escrava do campo de concentração de Auschwitz para a produção de borracha e óleo sintéticos.
Levava a marca IG Farben o pesticida Zyklon B, registrado e patenteado pela empresa, e utilizado para massacrar pessoas de forma rápida e barata nas câmaras de gás.Cartaz da IG Farben de 1940: generais nazistas traçam planos sobre mapa da EuropaLisboa - Em 1947, no âmbito dos processos de Nuremberg**, um tribunal ianque condenou 13 diretores alemães da IG Farben à prisão por crimes contra a humanidade — o tribunal teve o cuidado de não tocar no nome dos acionistas ianques da empresa. Mas a lógica dos interesses que pautaram os bons negócios entre uma grande farmacêutica e um governo fascista — do USA com seus fiéis aliados e subalternos — está muito longe de ser coisa do século passado.Desde então, o oligopólio das empresas transnacionais que controla a indústria farmacêutica em todo o mundo é responsável por milhões de mortes prematuras.
O genocídio se dá através do boicote sistemático à prevenção e erradicação de inúmeras doenças que vitimam principalmente as populações pobres, com acesso precário aos medicamentos transformados em especulações financeiras sob a forma de combinados químicos e suas designações científicas.Tudo em nome da expansão do mercado mundial de remédios e do aumento da margem de lucro dos fabricantes. Um filão há muito descoberto por empresas que oscilam nas bolsas de valores de acordo com a expansão ou retração das enfermidades e com o maior ou menor número de patentes detidas.Um dia patrocinou os nazistas, mas atualmente a indústria farmaco-imperialista conta com governos ditos democráticos, a cooptação da “comunidade científica” e a cumplicidade do oligopólio dos meios de comunicação para garantir a sustentabilidade de um dos negócios mais rentáveis do planeta, à custa da saúde pública mundial.
Simples: a política do imperialismo — enquanto persistir no mundo — é o fascismo, pouco importa se aparece sob a corrente nazista, sob a roupagem dos impérios ianque, francês, inglês, ou que associação possam fazer entre si.
O grupo Rockfeller, nos Estados Unidos, e o grupo Rotchisld, na Inglaterra — dois gigantes do investimento farmacêutico — foram grandes financiadores das campanhas de George Bush e Tony Blair, e exercem hoje os maiores lobbies do Farma-Cartel de que se tem notícia. Eles sabem o que fazem: USA e Inglaterra são, atualmente, os dois maiores exportadores de remédios do planeta. Só no USA, os laboratórios doaram 10 milhões de dólares para candidatos que disputaram a última campanha presidencial.
Através da manipulação, propriedade intelectual e tráfico de influência estabelecem com a humanidade uma relação de dependência de seus fármacos que deixa os traficantes de drogas ilegais enrubescidos. Com a complacência da Organização Mundial de Saúde OMS, o Farma-Cartel gasta milhões de dólares no contra-ataque às ações judiciais contra as patentes e no boicote às alternativas não-patenteáveis de medicina natural.
A farsa aviária
Mapa das instalações quimicas da IG Farben pelo mundo em 1936
Os recentes episódios envolvendo a chamada gripe aviária — ou gripe do frango — dão conta da lógica que rege a atuação das indústrias farmacêuticas, particularmente o consórcio OMS-Roche-Gilead.Um relatório de 2004 da OMS dizia que para um futuro próximo haveria “riscos de que as condições presentes em certas regiões da Ásia resultem numa pandemia da gripe. Segundo certas estimativas prudentes baseadas em modelos matemáticos, a próxima pandemia poderia provocar a morte de 2 a 7,4 milhões de pessoas”.
No final de 2005, em meio às notícias de vários seres humanos contaminados pelo vírus H5N1, a OMS voltou a alarmar o mundo dizendo novamente que a pandemia de gripe aviária era uma possibilidade real. Surgiram especulações e comparações com a Peste Negra, a pandemia de peste bubônica que dizimou 25 milhões de europeus no século XIV. O alerta virou manchete nos quatro cantos do planeta, ainda que, desde que foi detectado no Vietnã, há nove anos, o vírus da gripe aviária tenha vitimado pouco mais de 100 pessoas em todo mundo. Uma média de 11 mortes por ano.Pouco depois de lançar o pânico, a OMS considerou o antiviral Tamiflú, fabricado pela farmacêutica suíça Roche, o medicamento mais eficiente para reduzir o risco de morte dos pacientes infectados pelo vírus H5N1.
O Tamiflú é comercializado pela Roche desde 1999, quando foi lançado como um antigripal comum, sem maiores pretensões de mercado.Com prescrição direta da OMS — que orientou os governos a comprar doses suficientes para dar conta de 25% da população de seus países — as vendas do remédio subiram em mais de 260%, gerando receitas extras de mais de 500 milhões de dólares para os cofres da empresa suíça.
Diante da impossibilidade de dar conta da demanda, a Roche descartou compartilhar os direitos de comercialização da fórmula do Tamiflú — patente sobre a qual detém o direito de exploração até 2016. Um acordo de propriedade intelectual no âmbito da OMC, firmado em 1994, prevê que um país em qualquer situação de emergência, em relação a qualquer doença, pode requerer a quebra de patentes.
Obviamente, não era o caso para emergências — a não ser a título da valiosa contribuição da OMS para alavancar as vendas da Roche — e apesar das ameaças de países como Tailândia, Índia e Argentina de quebrar compulsoriamente a patente do Tamiflú, o acordo não foi aplicado. No USA, realizou-se um vantajoso negócio, tanto para a Roche quanto para o Farma-Cartel ianque: a Roche anunciou que venderia licenças de valor hierarquicamente inferior aos laboratórios, saindo no lucro diante da possibilidade de compartilhamento gratuito da patente; as outras farmacêuticas comemoraram o acordo de cavalheiros que lhes poupou de ver um precedente tão “midiático” de quebra de exclusividade de comercialização.Um acordo de cavaleiros, entre sócios - empresas e administrações de países. Caso o alarmismo da OMC não tivesse servido apenas para aquecer um mercado farmacêutico arranhado pelos processos contra a propriedade intelectual, o hemisfério sul estaria condenado a esperar a pandemia chegar para só então pedir licença e remediar com atraso suas populações.O detalhe interessante fica por conta dos negócios da Roche particularmente com uma transnacional farmacêutica ianque, a Gilead Sciences Inc.
A patente do Tamiflú era propriedade exclusiva da Gilead até 1996, quando os direitos de comercialização foram “licenciados” para o laboratório suíço, que possui 90% da produção mundial de anis estrelado — base do princípio ativo utilizado na fórmula do antiviral.
Biografia de Rumsfeld
Latas vazias de Zyklon: cada lata é uma seção da assassinatos nas câmaras de gás
Hoje, a Gilead e a Roche administram conjuntamente a fabricação mundial do Tamiflú, decidem juntas as eventuais autorizações de “sub licença” e coordenam em dueto as vendas nos mercados mais importantes, como Estados Unidos e Europa. Os acertos garantiram ainda à Gilead cerca de 80 milhões de dólares de royalties sobre o faturamento das vendas de Tamiflú fabricado e comercializado pela Roche — apenas referente aos períodos de 1999 e 2003. Quem fechou o negócio da China com a Roche em 1996 foi Donald Rumsfeld, então presidente da Gilead, depois secretário de Defesa dos Estados Unidos.
Rumsfeld deixou a presidência da empresa, mas continua sendo seu principal acionista. A carteira de ações do grande estrategista está avaliada em cerca de 25 milhões de dólares. O editorial de abril da revista médica espanhola Dsalud levou o título “O Tamiflú, Donald Rumsfeld e o negócio do medo”.O doutor José Antonio Campoy começa o texto dizendo que, apesar da média de apenas 11 mortes anuais provocadas pela gripe aviária, isso “não impediu George Bush de empreender sua segunda ‘guerra preventiva'em pouco tempo, desta vez para lutar contra uma outra arma de destruição em massa tão poderosa quanto as ‘encontradas' no Iraque: o vírus H5N1”. Campoy escreve ainda que a eficácia do Tamiflú vem sendo questionada por grande parte da comunidade científica, por médicos que se perguntam como o remédio pode ser eficaz contra um vírus mutante quando seus efeitos sobre a gripe comum não passam do alívio dos sintomas. Obviamente, diz, “o protagonismo do Tamiflú em nossas vidas não é científica, mas comercial”.No entanto, talvez as informações mais interessantes contidas no editorial da Dsalud sejam as referências aos precedentes envolvendo o nome de Donald Rumsfeld e as relações mafiosas entre a indústria farmacêutica e o governo ianque.
Como lembra a revista, Rumsfeld aparece ligado à decisão de vacinar 40 milhões de pessoas em 1976, durante a administração Gerald Ford, diante da suposta iminência do que se chamou de “gripe do porco”. O programa de vacinação custou cerca de 135 milhões de dólares e foi levado a cabo por indústrias farmacêuticas privadas. Até hoje não existe prova de que a “gripe” era uma ameaça real, mas o “porco” sim, tanto que 10% das pessoas vacinadas desenvolveram um distúrbio nervoso chamado síndrome de Guillain-Baré, que pode provocar paralisia permanente e morte por problemas respiratórios.
Em 1981, três meses depois da incorporação de Rumsfeld ao gabinete do então presidente Ronald Reagan, a Food and Drug Administration — FDA — órgão do governo ianque que regulamenta e aprova o uso e a comercialização de alimentos e medicamentos — autorizou a utilização do aspartame para uso em alimentos secos. A FDA há dez anos se recusava a liberar a droga, sustentando-se na possibilidade de que ela podia causar derrames e tumores cerebrais. Pouco antes de assumir um cargo no governo Reagan, Rumsfeld saiu da presidência do laboratório que produzia o aspartame, da mesmíssima forma que saiu da presidência da Gilead pouco antes de assumir o cargo de secretário de Segurança da administração Bush.A Gilead, aliás, é a fabricante do Vistide, um remédio comprado a granel pelo Pentágono e administrado nos soldados enviados ao Iraque para evitar os efeitos colaterais da vacina contra a varíola.
Cooptação e mortes lentas
O filme O Jardineiro Fiel, dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles, levou ao cinema o tema dos testes clandestinos de medicamentos realizados pelos laboratórios farmacêuticos nas regiões mais pobres da África.O enredo conta a história da esposa de um funcionário do alto comissariado britânico assassinada após descobrir o envolvimento do governo inglês e donos de laboratórios nas mortes de quenianos feitos de cobaia humana para um novo remédio contra a tuberculose. No filme, diplomatas e empresários “previam” para breve uma nova epidemia da doença.
Não se trata de ficção. A própria Gilead, de Donald Rumsfeld, financiada pelo governo dos Estados Unidos e pela Fundação Bill e Melinda Gates, era a responsável por testes na Nigéria, em Camarões e no Camboja com um medicamento para tratamento da AIDS. Estes testes foram suspensos após pressões populares com força suficiente para resistir à mutilação do organismo de sua própria população.
Oficialmente, foram suspensos por causa de “problemas éticos graves”. Problemas que não parecem existir em países como Tailândia, Botsuana e Malásia, onde os testes continuam a todo vapor, e nada ficam devendo aos trabalhos do famoso médico nazista Josef Mengele, que torturou e matou um sem número de pessoas em nome da ciência nazista. Os bastidores da indústria farmacêutica revelam muito mais do que bilhões de dólares gastos anualmente com publicidade direta ao consumidor — não raro tentando vender pela TV remédios para doenças como o câncer —, revelam que o tráfico de influência vai além do aliciamento de médicos, pesquisadores e estudantes de medicina em todo o mundo, que muitas vezes se convertem em meros vendedores intermediários de drogas industrializadas, num esforço empresarial para transformar consultórios e hospitais em lojas com consultas rápidas e receitas extensas.A biografia fármaco-imperialista de Donald Rumsfeld demonstra que o domínio dos interesses empresariais dos grandes laboratórios sobre a saúde pública mundial está longe de ser coisa de cinema ou teoria da conspiração. As populações da África continuam sucumbindo à Malária, AIDS, e tuberculose, enquanto a ONU e a OMS continuam comprando remédios de farmacêuticas que não estão interessadas em erradicação, mas em genocídios lentos, graduais e lucrativos.
*Cartel, forma de monopólio, uma associação de poderosas empresas capitalistas de produção quase sempre similar. A cartelização tem por finalidade manter e expandir o monopólio a qualquer custo para assegurar o lucro máximo, a super-exploração da classe operária e do povo em geral. O cartel evolui para a forma de trust, onde as empresas perdem toda a sua autonomia e obedecem a uma direção única. São tais as disponibilidades financeiras dos trusts que as empresas por eles dirigidas têm, sob a mesma direção, todas as fases e operações, inclusive de corporações no exterior. Necessariamente, esse tipo de monopólio, típico da fase imperialista, estende seu controle ao sistema de Estado e de governo, dentro e fora do país de origem.** Dirigido contra os grandes criminosos nazistas, o Processo de Nuremberg, aconteceu na cidade do mesmo nome, na Alemanha, diante do Tribunal Militar Internacional, entre 20 de novembro de 1945 e 1º de outubro de 1946. Foram julgados os membros do governo imperialista alemão, dirigentes do Estado-maior e do alto comando das forças armadas, incluindo a Gestapo, além dos dirigentes do partido nazista, acusados dos mais graves crimes contra a humanidade.Nuremberg foi o primeiro processo internacional que efetivamente castigou criminosos de guerra e a agressão foi considerada o pior dos crimes internacionais. Ele fazia parte dos acordos de desnazificação da Europa impostos pela URSS revolucionária de Stalin, durante as três grandes conferências ocorridas ainda durante a Segunda Guerra. Mas as potências imperialistas tudo fizeram para apaziguar e trair os acordos, principalmente através dos subsequentes (ao processo principal) julgamentos, dessa vez a cargo do tribunal militar ianque. Foi esse tribunal que se encarregou do julgamento dos diretores da IG Farben, no processo no. 6, entre 14 de agosto de 1947 a 30 de julho de 1948.Texto Original Publicado: