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terça-feira, 20 de novembro de 2012

real e efémero







imgs. daqui




Matéria de Estrelas

 Porque é tudo para sempre, mesmo a efémera morte, 
encontrar-nos-emos eternamente
 e nunca mais nos veremos. 
O impossível volta a ser impossível. Para sempre. 

Impossível é cada manhã aberta, 
um deus sonha consigo através de nós. 
Às vezes quase posso tocá-lo, ao deus, 

surpreendê-lo no seu sono, também ele real e efémero. 

 Matéria, alma do nada, os mortos ouvem a tua música sólida 
pela primeira vez, como uma respiração de estrelas. 
A sua intranquilidade transforma-se em si mesma, música. 


 Manuel António Pina
in «Todas as Palavras — Poesia Reunida». 



sexta-feira, 19 de outubro de 2012

calem a notícia



Café Orfeu

Nunca tinha caído
de tamanha altura em mim
antes de ter subido
às alturas do teu sorriso.
Regressava do teu sorriso
como de uma súbita ausência
ou como se tivesse lá ficado
e outro é que tivesse regressado.
Fora do teu sorriso
a minha vida parecia
a vida de outra pessoa
que fora de mim a vivia.
E a que eu regressava lentamente
como se antes do teu sorriso
alguém(eu provavelmente)
nunca tivesse existido.

 

Manuel António Pina


segunda-feira, 20 de agosto de 2012

no silêncio da minha mãe, lembro todas as palavras






Explicação da Ausência

Desde que nos deixaste o tempo nunca mais se transformou
Não rodou mais para a festa não irrompeu
Em labareda ou nuvem no coração de ninguém.
A mudança fez-se vazio repetido
E o a vir a mesma afirmação da falta.
Depois o tempo nunca mais se abeirou da promessa
Nem se cumpriu
E a espera é não acontecer — fosse abertura —
E a saudade é tudo ser igual.

Daniel Faria, in "Explicação das Árvores e de Outros Animais"




sexta-feira, 3 de agosto de 2012

evitemos os gestos bruscos



Paciência

Faz-se o amor como se fosse um castelo
de cartas. Copas, paus, ouros, espadas. Um equilíbrio
difícil. Negros sobre vermelhos, damas e valetes
no meio de reis e ases. Ponho uma carta
sobre a carta que tu puseste; e tu acrescentas
a essa ainda outra. Até onde? Nesse jogo, não
convém respirar com muita força; evitemos
os gestos bruscos, os que deitam tudo abaixo,
de súbito; e espreitemos o olhar de cada um de nós,
quando nos preparamos para fazer subir o castelo.

Assim, ponho a minha emoção sobre o sentimento
que me confessas. Não precisas de mo dizer;
basta que eu saiba que os teus dedos brincam
entre corações e manilhas; que a tua voz treme
quando o edifício se parece com um labirinto;
e que ambos descobrimos uma saída, para um lado ou outro
da toalha. Na mesa, com efeito, podem já
nascer as flores, cantar as aves que brotam
de uma ilusão de primavera, ou morrerem frases
e borboletas que esvoaçam numa corrente de ar.

Por que abriste a janela? Agora que tudo caiu,
sem que um nem o outro tivéssemos feito alguma coisa
para isso, de quem é a culpa? Então,
aproveitemos este silêncio breve, enquanto a tarde
não chega, e recomecemos o jogo.



Nuno Júdice, A Fonte da Vida

img. daqui

domingo, 17 de junho de 2012

nunca ressuscitará, visto que nada ressuscita




De que armas disporemos, senão destas
Que estão dentro do corpo: o pensamento,
a ideia de polis, resgatada
De um grande abuso, uma noção de casa
E de hospitalidade e de barulho
Atrás do qual vem o poema, atrás
Do qual virá a colecção dos feitos
E defeitos humanos, um início.



 





A Terceira Miséria
Hélia Correia
Relógio d’Água

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Wislawa Szymborska (1923-2012)




Possibilidades

Prefiro cinema.
Prefiro os gatos.
Prefiro os carvalhos nas margens do Warta.
Prefiro Dickens a Doistoievski.
Prefiro-me gostando dos homens
em vez de estar amando a humanidade.
Prefiro ter uma agulha preparada com a linha.
Prefiro a cor verde.
Prefiro não afirmar
que a razão é culpada de tudo.
Prefiro as excepções.
Prefiro sair mais cedo.
Prefiro conversar com os médicos sobre outra coisa.
Prefiro as velhas ilustrações listradas.
Prefiro o ridículo de escrever poemas
ao ridículo de não escrever.
No amor prefiro os aniversários não redondos
para serem comemorados cada dia.
Prefiro os moralistas,
que não prometem nada.
Prefiro a bondade esperta à bondade ingénua demais.
Prefiro a terra à paisana.
Prefiro os países conquistados aos países conquistadores.
Prefiro ter abjecções.
Prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem.
Prefiro contos de fada de Grimm às manchetes de jornais.
Prefiro as folhas sem flores às flores sem folhas.
Prefiro os cães com o rabo não cortado.
Prefiro os olhos claros porque os tenho escuros.
Prefiro as gavetas.
Prefiro muitas coisas que aqui não disse,
e outras tantas não mencionadas aqui.
Prefiro os zeros à solta
a tê-los numa fila junto ao algarismo.
Prefiro o tempo do insecto ao tempo das estrelas.
Prefiro isolar.
Prefiro não perguntar quanto tempo ainda e quando.
Prefiro levar em consideração até a possibilidade
do ser ter a sua razão.


Wislawa Szymborska, in "Rosa do Mundo", Assírio & Alvim

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Rui Costa (1972-2012)



















O pão

Há pessoas que amam

Com os dedos todos sobre a mesa.

Aquecem o pão com o suor do rosto

E quando as perdemos estão sempre

Ao nosso lado.

Por enquanto não nos tocam:

A lua encontra o pão caiado que comemos

Enquanto o riso das promessas destila

Na solidão da erva.

Estas pessoas são o chão

Onde erguemos o sol que nos falhou os dedos

E pôs um fruto negro no lugar do coração.

Estas pessoas são o chão

Que não precisa de voar.


in A Nuvem Prateada das Pessoas Graves, Edições Quasi

segunda-feira, 9 de maio de 2011

to be








Imperative

Be just a little bit sad,
always,
or you'll find yourself lost,

but be just a little bit lost
too far for help to arrive
or you'd only find yourself happy,

yet be a little bit happy,
inexplicably happy,
jump over the moon,

or you'd find yourself sad,
a little bit sad,
always.

Toon Tellegen

(img. Isabelle Arsenault)

sexta-feira, 15 de abril de 2011

o fogo, a cidade



O fogo, a cidade

às vezes
sobre as palavras pesa um dia luminoso, a clara
imprecisão do gesto
o corpo inclina-se para a água
do poema

a roupa estas mãos o torpor da casa
quando o silêncio a morna demorosa voz
se desfazem no ritmo entontecido
do mundo

caminho descalço sobre a página
olho uma outra vez
voltando-me para trás
o fogo, a cidade
Miguel Manso, Quando escreve descalça-se,  Trama, Lisboa, 2011.
(img. Catia Chen)

domingo, 20 de março de 2011

a poesia chega num dia de sol











na polpa do olhar é
a lua que sustenta o pavio
da noite e acende o sol


valter hugo mãe
(img. Gilbert Garcin)

sexta-feira, 18 de março de 2011

domingo com versos

20 de Março, o Dia Mundial da Poesia

os versos vão andar soltos pelo CCB: feira de livros de poesia, oficinas para miúdos e graúdos, exposições, uma maratona de leitura dedicada a Herberto Helder e mais e mais.  podem  ainda escolher-se uns versos e dizê-los para o ecrã. o programa segue dentro de momentos.

 

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

um sopro do coração



Bluebird
there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too tough for him,
I say, stay in there, I'm not going
to let anybody see
you.

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I pur whiskey on him and inhale
cigarette smoke
and the whores and the bartenders
and the grocery clerks
never know that
he's
in there.

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too tough for him,
I say,
stay down, do you want to mess
me up?
you want to screw up the
works?
you want to blow my book sales in
Europe?

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too clever, I only let him out
at night sometimes
when everybody's asleep.
I say, I know that you're there,
so don't be
sad.
then I put him back,
but he's singing a little
in there, I haven't quite let him
die
and we sleep together like
that
with our
secret pact
and it's nice enough to
make a man
weep, but I don't
weep, do
you?

Charles Bukowski
animação de Monika Umba

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

deslumbramento








Estão juntos há mais de trinta anos. Tecem universos invisíveis e dificilmente dizíveis. Com generosidade, Victoria Chaplin e Jean-Baptiste Thierrée sugerem sonhos e territórios poéticos sublimes. Estiveram em Lisboa em 2008 com o espectáculo Le Cirque Invisible e depois de ter visto o filme de Sylvain Chomet, foi impossível não me recordar deles e do estado de graça em que me deixaram.
(para os conhecer melhor, é só seguir por aqui)

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

peixe colorido

É um peixe mas não se pode comer. Um arenque, peixe que não se come assim sem mais nem menos. Chega pela mão da  Bruaá, o primeiro petisco criativo do ano: Arenque Fumado, poema de Charles Cros (1842 – 1888), ilustrado por André da Loba. Logo que o apanhemos queremos prová-lo!






O arenque fumado

Era um grande muro branco – nu, nu, nu,
Posta no muro uma escada – alta, alta, alta,
No chão, um arenque fumado – seco, seco, seco.

Ele chega, trazendo nas mãos – porcas, porcas, porcas,
Um martelo pesado, um prego – bicudo, bicudo, bicudo,
Um novelo de fio – grosso, grosso, grosso.

Subindo então à escada – alta, alta, alta,
Espeta o prego bicudo – toque, toque, toque,
Ao alto do muro branco – nu, nu, nu.

Deixa fugir o martelo – que cai, que cai, que cai,
ao prego amarra a corda – longa, longa, longa,
E à ponta o arenque fumado – seco, seco, seco.

Volta descer a escada – alta, alta, alta,
Leva-a, e ao martelo – pesado, pesado, pesado.
E lá se afasta para – longe, longe, longe.

Então o arenque fumado – seco, seco, seco,
Na ponta da corda – longa, longa, longa,
Balança devagarinho – sempre, sempre, sempre.

E eu inventei esta história – banal, banal, banal,
Para enfurecer as pessoas – graves, graves, graves,
E divertir as criancinhas – pequenas, pequenas, pequenas.

Charles Cros
via

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

lunário



A bicicleta pela lua dentro — mãe, mãe —
ouvi dizer toda a neve.
As árvores crescem nos satélites.
Que hei-de fazer senão sonhar
ao contrário quando novembro empunha —
mãe, mãe — as telhas dos seus frutos?
As nuvens, aviões, mercúrio.
Novembro — mãe — com as suas praças
descascadas.

A neve sobre os frutos — filho, filho.
Janeiro com outono sonha então.
Canta nesse espanto — meu filho — os satélites
sonham pela lua dentro na sua bicicleta.
Ouvi dizer novembro.
As praças estão resplendentes.
As grandes letras descascadas: é novo o alfabeto.
Aviões passam no teu nome —
minha mãe, minha máquina —
mercúrio (ouvi dizer) está cheio de neve.(...)

Herberto Helder
Poesia Toda
Assírio & Alvim, 1998
img:  o lunário para 2011 é da ilustradora argentina Cecília Afonso Esteves 
         e pode comprar-se aqui 

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

a vida resiste, e anda, e dura







Não digo do Natal – digo da nata
do tempo que se coalha com o frio
e nos fica branquíssima e exacta
nas mãos que não sabem de que cio

nasceu esta semente; mas que invade
esses tempos relíquidos e pardos
e faz assim que o coração se agrade
de terrenos de pedras e de cardos

por dezembros cobertos. Só então
é que descobre dias de brancura
esta nova pupila, outra visão,

e as cores da terra são feroz loucura
moídas numa só, e feitas pão
com que a vida resiste, e anda, e dura.


Pedro Tamen 
(img. Abbas Kiarostami)

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

por um instante








Durante anos Andrei Tarkovski deixou-se seduzir pela Polaroid como ferramenta que lhe permitia parar o tempo por um instante,  registando-o com o mesmo olhar que reconhecemos nos seus filmes. 
Originalmente publicadas em 2006, estas fotografias foram digitalizadas e publicadas recentemente num fotoblogue russo.
via























e será desta mesma casa que fala o seu pai?


 




Cresce a névoa da vista – esse poder,
Duas luras em diamante invisíveis;
Surdo pela tempestade de outrora
E o bafo da casa de meu pai;
Nós cegos numa trança de músculos
Como bois velhos no campo arado;
E na noite não brilham mais
As asas do meu dorso.

Arsenii Tarkovskii
8 Ícones
Assírio & Alvim,1987

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

une fausse fable


 à réciter en dansant maintenant

Les cigales bossent l’été,
mais l’hiver, elles restent assises
à faire quelques mots croisés
ou à repasser des chemises.

Elles sont toutes endolories,
regardent la neige tomber,
chantent une complainte endormie
et bâillent comme des criquets.

Après avoir bien pris leurs aises
et quand plus rien ne les épate,
elles se lèvent de leur chaise
avec des fourmis dans les pattes.

Petits poèmes pour passer le temps
Carl Norac (texto) e Kitty Crowther (ilustração)

quarta-feira, 14 de abril de 2010

raízes

Quem me dera ter raízes,
que me prendessem ao chão.
Que não me deixassem dar
um passo que fosse em vão.

Que me deixassem crescer
silencioso e erecto,
como um pinheiro de riga,
uma faia ou um abeto.

Quem me dera ter raízes,
raízes em vez de pés.
Como o lódão, o aloendro,
o ácer e o aloés.

Sentir a copa vergar,
quando passasse um tufão.
E ficar bem agarrado,
pelas raízes, ao chão.


Jorge Sousa Braga
Herbário

sábado, 27 de março de 2010

You say today is...Saturday?



Sick


"I cannot go to school today",
Said little Peggy Ann McKay."

"I have the measles and the mumps,
A gash, a rash and purple bumps.
My mouth is wet, my throat is dry,
I'm going blind in my right eye.
My tonsils are as big as rocks,
I've counted sixteen chicken pox
And there's one more-that's seventeen,
And don't you think my face looks green?
My leg is cut-my eyes are blue-
It might be instamatic flu.
I cough and sneeze and gasp and choke,
I'm sure that my left leg is broke-
My hip hurts when I move my chin,
My belly button's caving in,
My back is wrenched, my ankle's sprained,
My 'pendix pains each time it rains.
My nose is cold, my toes are numb.
I have a sliver in my thumb.
My neck is stiff, my voice is weak,
I hardly whisper when I speak.
My tongue is filling up my mouth,
I think my hair is falling out.
My elbow's bent, my spine ain't straight,
My temperature is one-o-eight.
My brain is shrunk, I cannot hear,
There is a hole inside my ear.
I have a hangnail, and my heart is-what?
What's that? What's that you say?
You say today is...Saturday?
G'bye, I'm going out to play!"

 
Shel Silverstein
(img. Takashi Kawashima)