segunda-feira, 1 de junho de 2009

Teses Ad Feuerbach - Karl Marx

Escrito na primavera de 1845, publicado pela primeira vez: por Engels, em 1888, como apêndice à edição em livro da sua obra Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Alemã Clássica. Traduzido do alemão por José Chasin.


I


A lacuna capital(1) de todo materialismo até agora (incluso o de Feuerbach) é que o concreto(2), a efetividade(3), o sensível(4), é captado(5) apenas sob a forma de objeto(6) ou de intuição(7); não porém como atividade humana sensível, práxis; não (como forma)(8) subjetiva*. Eis porque, em oposição ao materialismo, o aspecto ativo foi desenvolvido de maneira abstrata pelo idealismo, que, naturalmente, desconhece a atividade real, sensível, como tal. Feuerbach quer objetos sensíveis — realmente distintos dos objetos do pensamento: mas não apreende a própria atividade humana como atividade objetiva. Por isso, em “A Essência do Cristianismo” , considera apenas o comportamento teórico como o autenticamente humano, enquanto que a práxis só é apreciada e fixada em sua forma fenomênica judaica e suja. Eis porque não compreende a importância da atividade “revolucionária”, “prático-crítica”.


II

A questão se o pensamento humano alcança uma verdade concreta não é nenhuma questão teórica, mas uma questão prática. Na prática deve o homem demonstrar a verdade, isto é, a efetividade e o poder, a citerioridade(9) de seu pensamento. A disputa sobre a efetividade ou não-efetividade do pensamento — que da práxis é isolado(10) — é uma questão puramente escolástica


III

A coincidência da alteração das contingências com a atividade humana e a mudança de si próprio só pode ser captada e entendida racionalmente como práxis revolucionáriaA doutrina materialista sobre a alteração das contingências e da educação se esquece de que tais contingências são alteradas pelos homens e que o próprio educador deve ser educado. Deve por isso separar a sociedade em duas partes — uma das quais é colocada acima da outra.

A coincidência da alteração das contingências com a atividade humana e a mudança de si próprio só pode ser captada e entendida racionalmente como práxis revolucionária


IV

Feuerbach parte do fato da auto-alienação religiosa, da duplicação do mundo em religioso e terreno. Seu trabalho consiste em dissolver o mundo religioso em seu fundamento terreno. Mas o fato de que este fundamento se eleve de si mesmo e se fixe nas nuvens como um reino autônomo, só pode ser explicado pelo autodilaceramento e pela autocontradição desse fundamento terreno. Este deve, pois, em si mesmo, tanto ser compreendido em sua contradição, como revolucionado praticamente. Assim, por exemplo, uma vez descoberto que a família terrestre é o segredo da sagrada família, é a primeira que deve ser teórica e praticamente aniquilada


V

Feuerbach, não satisfeito com o pensamento abstrato, quer a intuição; mas não capta a sensibilidade como atividade prática, humano-sensível.


VI

Feuerbach dissolve a essência religiosa na essência humana. Mas a essência humana não é uma abstração inerente ao indivíduo singular. Em sua efetividade é o conjunto das relações sociais.

Feuerbach, que não compreende a crítica dessa essência real, é por isso forçado:
1- a abstrair o curso da história e a fixar o sentimento religioso como algo para-si, e a pressupor um indivíduo humano abstrato, isolado.
2- Por isso, a essência só pode ser captada como “gênero”, como generalidade interna, muda, que liga de modo natural os múltiplos indivíduos



VII

Por isso, Feuerbach não vê que o próprio “sentimento religioso” é um produto social e que o indivíduo abstrato por ele analisado pertence a uma forma determinada de sociedade


VIII

Toda vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que levam a teoria para o misticismo encontram sua solução racional na práxis humana e na compreensão dessa práxis.


IX

O extremo a que chega o materialismo intuitivo, isto é, o materialismo que não compreende a sensibilidade como atividade prática, é a intuição dos indivíduos singulares e da sociedade civil.


X

O ponto de vista do velho materialismo é a sociedade civil, o ponto de vista do novo é a sociedade humana ou a humanidade social.


XI (11)

Os filósofos só interpretaram o mundo diversamente(12), trata-se agora, por conseqüência
transformá-lo(13).


Notas

(1) A palavra alemã “mangel” é uma “falta”. Falta pode ser entendida de duas maneiras: um vazio onde falta alguma coisa ou no sentido de cometer uma falta, transgredir uma regra. A meu ver a melhor forma de traduzir isso correspondente ao texto, que aparece a expressão “hauptmangel”, é a “lacuna capital”, o “buraco capital”, aquilo que ele deixou de fazer, de oferecer.
(2) Não é o “objeto”, mas o “concreto”. Marx utiliza a palavra “gegenstand” e vai usar nesta mesma tese a palavra “objekts”. Por que empregar a mesma palavra quando Marx utiliza duas palavras diferentes? Ele utiliza para a primeira “gegenstand” (aquilo que está contra, do lado de fora em relação a mim, defronte a mim) que significa “concreto”.
(3) Não é a “realidade”, mas é a “efetividade”. Marx utiliza a palavra alemã “wirklichkeit” (wirklichkeit = efetividade ou realidade. É preferível “efetividade”).
(4) Não é propriamente a “sensibilidade” (empfindlichkeit), mas é o “sensível” (sinnlichkeit).
(5) É melhor que se substitua “apreender” por “captar”.
(6) “Form des objekts” = “sob a forma de objeto”.
(7) Aí entra um ponto-e-vírgula que desaparece nas duas traduções. O ponto-e-vírgula no original é na palavra intuição”. Um detalhe é um detalhe, mas tem o seu significado e um ponto-e-vírgula ali abre a possibilidade de leituras diferentes ou ao menos com diferenças significativas.
(8) Dada a estrutura da língua alemã e dada a estrutura desse texto do Marx escrito com palavras atiradas sobre o papel sem nenhuma intenção de publicação está perfeitamente claro que o “nicht subjektiv” (não subjetiva) reclama a dimensão de uma subjetividade que não aparece no velho materialismo. O “nicht subjektiv” deve a meu ver ser traduzido sob esta expressão em português: “não (como forma) subjetiva”. As palavras “(como forma)” estão implícitas na redação do Marx. De onde eu tiro esta tradução? Ele reclama no início que o velho materialismo só apanha a coisidade do mundo como “forma de objeto ou de intuição”. Ele está falando de formas do objeto ou da intuição e como ele reclama uma lacuna é a forma subjetiva da coisidade que ele está exigindo.
(9) “Citerioridade” (diesseitigkeit) é uma palavra complicada em português. Em alemão é uma palavra muito simples. É uma palavra de localização espacial. “Citerioridade” é aquilo que está do lado de cá, do lado da objetividade. A edição da Abril também usa a expressão “citerioridade”.
(10) Nenhuma das traduções em português realmente coloca bem. “O pensamento isolado da práxis” não é “que da práxis é isolado”. As traduções da Abril e da Hucitec falam do ponto de vista gnosiológico. É vital ler “que da práxis é isolado” e não “o pensamento isolado da práxis”.
(11) Esta décima primeira tese é a mais famosa de todas as outras. As interpretações rústicas e vulgares extraem dela algo totalmente falso: a contraposição entre teoria e prática, ou seja, a prática sucedendo, superando e se contrapondo à teoria como se houvesse a demanda de Marx pelo soterramento do teórico e pela sobreelevação do prático. A tese tem sido fortemente mal traduzida. É difícil de fato traduzi-la tal como ela está redigida na forma ultrabreve do Marx, no entanto, o que ele quer dizer pode ser compreendido.
(12) Mais literalmente seria: “Os filósofos apenas interpretaram o mundo diversamente” ou “Os filósofos tão só interpretaram o mundo diversamente”.
(13) Aparece a expressão: es kömmt drauf an. O que fundamentalmente está dito é: “vem a seguir”, “trata-se agora”, “extrai-se disto”, “provém agora”. É realmente uma espécie de conseqüência. Eu ainda vou formular a tradução, mas a idéia é: “vem a seguir”, “por conseqüência, é transformá-lo”.

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