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Versões: Joan Margarit


Requiem


É a fotografia de um grupo de poetas.
Tem uma mancha estranha:
vem da sombra duma árvore, ou é o resto
de algum mal revelado*.
Pouca coisa, uns poetas:
são tão fracos.
Simulam ter força,
paixão, indiferença.
Mortos melhoram, dizem.
Felizes aqueles que conseguem
desvendar o mito a partir de alguns versos
e de um amarelado retrato de poetas.
Eu, que não aguentaria
nem uma hora Verlaine,
tenho pena de ti,
amigo que não me regressas
nem com versos ou retratos
onde manchas põem
a morte a marcar
o primeiro candidato
ao mito ou ao esquecimento,
duas formas, afinal, do mesmo engano.


Joan Margarit, Aguafuertes, Sevilha: Renacimiento, 1998, p. 133.

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procede de la sombra de un árbol, o es el resto/de algún mal revelado. Na tradução para português perde-se o jogo de palavras que o poeta criou com “mal revelado”, que tanto pode ser a “má revelação” da fotografia como um “mal revelado” pela fotografia. Sabendo que posso correr um grande risco: optei pela hipótese apresentada.

Versões: Joan Margarit

Discurso do Método

Quando era criança já procurava as janelas
para poder fugir ao espreitar.
Desde então, quando entro em algum lugar,
presto atenção ao sítio onde deixo o casaco
e onde está a porta de saída.
Liberdade, para mim, quer dizer fuga.
Há muitas portas no mundo.
Até o sexo, em caso de emergência,
pode ser, apesar de muitas estarem a fechar
e, para fugir, brevemente só irão ficar
apenas as janelas da infância.
De par em par abertas para poder saltar.


Joan Margarit, «Discurso del Método», em Cálculo de estructuras, tradução do catalão de Joan Margarit, Madrid: Visor Libros, Colecção Visor de Poesia, 2ª edição, 2008, p. 109.

Um poema de Joan Margarit


Frio de Junho em Forès

Foi a paisagem da nossa vida:
a escadaria de socalcos verdes
sob a vigilância do vento,
e no mais alto, indiferente, a aldeia.
Ferozes andorinhas envolvem
com os fios do seu voo a casa vazia.
Chilreiam sem parar. Escuras, brilhantes,
fazem fragor de navalhas. Como esta andorinha
que ainda voa ao entardecer, também nos resta
uma remota possibilidade.
É, já, a paisagem da nossa morte.
Sob a vigilância do vento.

em Casa da Misericórdia, trad. de Rita Custódio e Àlex Tarradellas, Entroncamento: OVNI, 1ª edição, 2009, p. 75.