Há livros perversos que mordem o pêlo do cão
Há livros infelizes que
foram escritos para corroer - à mosca -
a casta paciência do cão:
o bicho não pode viajar por entre laranjas
nem subir ao céu das árvores
para sonhar mais perto do caos.
o lugar das patas não pode ser denso
e muito menos aquecido por vermes.
Que focinho? Um cheiro possível de algas e
flores ratadas, um sino quebrado.
O animal (sentado) espreita côdea
que lambe o beato fogo e o bolor.
É um artista de almas em salmoira
movido a sopas de vinho
- os pêlos altos, colados às rachas sulfurosas
do muro que foi giestas.
A barba do cão faz anos
e nesses cabelos a crescer
ficamos todos mais velhos.
em O Livro do Cão, Estoril: Edições Mic, 1ª edição, 1991, p. 11.