Memórias de muitos anos de reportagens. Reflexões sobre o presente. Saudades das redacções. Histórias.
Hakuna mkate kwa freaks.











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quarta-feira, junho 30, 2010

Expedição, 1ªepisódio (1ªparte)

quarta-feira, junho 10, 2009

Sr. Comendador





Entre os condecorados deste 10 de Junho, há pelo menos um que merece a distinção. Chama-se Alfredo Neres e é padre missionário, Comboniano. Conheci-o no norte do Congo, em Bondo. Já aqui escrevi sobre ele. Convido-vos a reler estes três posts - primeiro, segundo, terceiro - escritos em 2006, mas que revelam quase tudo o que sei sobre Alfredo Neres. Gostava de o ver no meio dos figurões (ex-ministros, almirantes, artistas da moda, catedráticos e outros doutores) que com ele vão receber a comenda. Tímido, meio desajeitado, Neres vai suar as estopinhas e desejar estar lá no mato, entre os seus, que já há muito tempo lhe dispensaram o merecido reconhecimento e amizade.

terça-feira, maio 29, 2007

O suspeito do costume

O anterior presidente do Congo, Laurent Kabila (na foto), subiu ao poder graças à ajuda militar angolana, disso ninguém tem dúvidas. O exército angolano ofereceu a Kabila uma brigada de 3 mil homens muito bem armados e treinados. Na maioria, esses homens eram antigos gendarmes catangueses, desejosos de vingar a derrota sofrida frente a Mobutu quando foi da revolta do Catanga.
Soube só agora que Kabila aceitou a ajuda desses militares mas que, logo após a vitória, em Maio de 1997, dissolveu essa brigada porque a consideraria perigosa por suspeitar que seria leal aos interesses angolanos.
Ora, se isto for verdade, isso significa que Kabila desconfiava do amigo angolano… e, assim, percebe-se melhor a forma como morreu assassinado em Janeiro de 2001.

sexta-feira, março 23, 2007

À la africaine...

pintura mural em Bondo, Congo Democrático, 1999
.
Angola está quase a ultrapassar a Nigéria como principal produtor de petróleo de África. Angola é uma potência regional emergente e isso sente-se nos países vizinhos. Foi Angola quem pôs Joseph e Laurent Kabila no poder, no Congo Democrático (que raio de designação para um país daqueles…) e que sustentou esse regime “dinástico”durante a guerra civil. Angola fez o mesmo no outro Congo plus petite, idem para o Zimbabwe. Angola não se inibe de provocar quedas de regimes que não lhe convenham. Foi o que fez com todos os que apoiavam Savimbi, só falhando o golpe de estado que preparou na Zâmbia.
Nos países onde a pressão da comunidade internacional consegue a realização de um simulacro de democracia, com eleições gerais mais ou menos livres e justas, os “cavalos” angolanos vencem sempre. Muitas vezes, os derrotados acabam por aceitar integrarem-se no sistema, talvez convencidos de que os deixarão comer na alta manjedoura do poder. Mas não. Há sempre um acidente comprometedor para futuros tão promissores… foi o que aconteceu com John Garang, no Sudão, é o que pode vir a acontecer com Jean Pierre Bemba no Congo, ou com Morgan Tsvangirai no Zimbabwe, se não se põem a pau.
A política africana é fascinante!

sexta-feira, dezembro 15, 2006

Leopoldo, o Indigno

“The river where he had landed would be known by Europeans for most of the next five hundred years as the Congo”, assim começa, na prática, uma história horrível relatada no livro que agora estou a ler. Uma história com início em 1492, com a chegada de Diogo Cão à foz desse imenso rio.
É um livro sobre um homem e os povos que ele dominou. O homem é o Rei Leopoldo II da Bélgica, por muitos ainda hoje considerado um grande humanista, filantropo, protector da ciência e da dignidade humana. Nunca um só homem beneficiou de uma mentira tão grande. E é isso que este livro desmascara. Um homem que vitimou os povos que viviam no imenso território que ele, no alto da sua imensa arrogância, reclamou para si próprio: o Congo.
A colonização belga do Congo vitimou 8 a 10 milhões de seres humanos. Foi um genocídio à dimensão do holocausto e, no entanto, não se fala dele. Ainda hoje, o silêncio impera sobre o que sucedeu no Congo nos últimos anos do século XIX. Ainda hoje, quem for a Tervuren, nos arredores de Bruxelas, pode continuar a ser enganado ao visitar o Museu da África Central com que Leopoldo II maravilhou o Mundo com os leões empalhados, as cabeças de gorilas e as peles de crocodilos que as expedições belgas traziam de África. Mas Leopoldo esqueceu-se de dizer que tinha outros troféus: mãos e pés decepados de seres humanos que ousavam desafiar a ordem instituída. Mãos e pés decepados aos milhares. Um sofrimento difícil de descrever, mas que vem contado neste livro de que vos falo: O Fantasma do rei Leopoldo. Existe uma tradução em português, da Caminho, mas preferi comprar a versão inglesa, a original.
A primeira vez que ouvi falar nestes relatos foi, precisamente, no Congo e, em rigor, num dos locais onde esse terror foi vivido: na província Equatoriale, no norte do país.
Foi durante a expedição científica organizada por Karl Ammann e que seguiu as pisadas de uma dessas expedições coloniais belgas do século XIX, no caso a liderada pelo explorador Le Marinel, mas disso já vos falei aqui. Foi num fim de tarde, no acampamento, que Ammann me falou deste livro. Desde então que estava para o ler. Foi agora.

terça-feira, dezembro 05, 2006

Breaking News - notre ami Bemba vient chez nous

A novidade provém de Luanda, via Rádio Nacional de Angola: Jean-Pierre Bemba, candidato derrotado nas presidenciais da República Democrática do Congo ( ex- Zaire), chega hoje a Portugal para uns dias de férias. Assim, Bemba não assiste à tomada de posse do presidente eleito, Joseph Kabila, marcada para amanhã, em Kinshasa.
Parece que, antes de partir, Jean-Pierre Bemba fez um apelo aos seus apoiantes para que mantivessem a calma, aceitando democraticamente a vitória de Kabila, o novo chefe de Estado do país.
A acreditar, ainda, na RNA, a mulher e os cinco filhos de Bemba já cá estão desde o início de Novembro.
Era sabido que Bemba tem uma maison na Quinta do Lago, no Algarve (com vista para o 8ºburaco). Ele confidenciou-me, quando nos encontrámos em Gbadolite, que tinha desgosto por não ter tempo para gozar em condições a sua bela casinha portuguesa. Como de costume, Bemba deve viajar no seu aviãozinho particular.

quarta-feira, novembro 22, 2006

5ª dimensão

Aqui há dias ouvi alguém recordar o tempo em que ia com a família ver televisão ao café. Quem falava é um cinquentão (mais velho que eu) e invocava memórias da meninice. Os pais bebiam galão e as crianças sumos. E viam televisão sentados, se chegassem cedo. Em pé, se chegassem tarde. Era o tempo em que o visionamento da televisão era um hábito comunitário, partilhado e, provavelmente, discutido. Depois, a televisão começou a isolar as pessoas. A banalização do aparelho, em simultâneo com outros electrodomésticos, tirou a televisão das áreas públicas para dentro de casa. Hoje, dizia-se em fecho desta conversa que vos relato aqui, há um televisor em cada quarto e mais outro na cozinha. Ver televisão é, agora, um acto solitário e, por vezes, até pode ser alienante. Penso que a televisão perdeu sabedoria.

Não me lembro de ter vivido esse fenómeno da televisão comunitária. Lembro-me que o primeiro aparelho chegou a minha casa uma semana antes do homem ter chegado à Lua, em 1969. Lembro-me de ver (a preto e branco) o astronauta Armstrong aos saltinhos na superfície lunar. Devo ter ficado fascinado.
Mas, em 2000, observei esse fenómeno que leva uma comunidade em peso olhar para uma janela de luz e som. Foi em Bili, no norte do Congo. Um dia, uma senhora pediu-nos o pequeno gerador portátil emprestado e convidou-nos para ir a casa dela, nessa noite, ver filmes. Televisor e leitor de cassetes ela tinha, mas faltava-lhe energia para os por em funcionamento. Lá fomos, mais por cortesia que por vontade de ver televisão. Estava lá toda a gente. E a senhora cobrava bilhetes pela entrada. Cada pessoa, além de pagar o direito de acesso, carregava a sua própria cadeira.

Estavam mais de 70 pessoas a ver televisão, esbugalhados, a olhar para um velho documentário da BBC. Às vezes riam-se muito, outras vezes comentavam entre si o sucedido na pantalha. Era uma experiência partilhada com muito entusiasmo, curiosidade, atenção e alegria. Sei que, hoje, desde que haja energia, as sessões de televisão repetem-se em Bili, no norte do Congo. Em Santo Tirso é que já não (excepto quando joga o fêquêpê).

quinta-feira, novembro 16, 2006

O vencedor do costume

Como já devem saber, Joseph Kabila foi declarado vencedor das eleições presidenciais no Congo. A comunidade internacional deu cobertura ao processo eleitoral e declarou que tudo se passou de modo transparente, livre e justo. Agora, nada mais se pode fazer, excepto recomeçar a guerra civil. Duvido que Bemba o queira fazer, se conseguir uma repartição equitativa do poder e das riquezas do país. Talvez outros grupos rebeldes mais pequenos e desenquadrados deste jogo político prefiram continuar a desestabilizar o país e a tentar substituir-se à autoridade do estado. Mas, se Bemba alinhar com o novo poder institucional, Kabila tem boas probabilidades de conseguir, pela primeira vez, controlar o imenso Congo.
foto da Associated Press
Mas tudo depende da capacidade negocial de Kabila. Tudo depende de quanto ele vai querer abrir mão. Essa é a grande dúvida. Kabila deve ser um tipo cheio de medo e desconfiança. Vive em Kinshasa rodeado por uma guarda privada de 15 mil homens. É um exército pessoal temível, quanto mais não seja pelo número de soldados. Alguns nem serão congoleses, suspeito. O regime de Kabila foi, digamos assim, imaginado e suportado por Luanda, desde o primeiro minuto. Duvido que José não continue a apoiar Joseph, nestas horas de incerteza. Se Kabila não tivesse sido declarado vencedor, como teria reagido esse exército? Quem teria capacidade para o desarmar?
foto minha, em Bondo, à hora do almoço
Portanto, é bom que o povo saiba que pouco poderá esperar destes senhores que, agora, se vestem da dita legitimidade democrática. A vida continuará dura e faminta mas, pelo menos, que não os matem impunemente nem os escravizem, como até agora.

terça-feira, outubro 31, 2006

A vantagem de ser brasileiro

Enquanto que no Brasil as eleições se resolveram em poucas horas, graças ao voto electrónico, no Congo estima-se que a contagem dos votos demore à volta de 20 dias. Os dois países equivalem-se em dimensão, mas o Brasil tem três vezes mais população e mil vezes mais organização e infraestruturas sociais. Brasileiros, é um orgulho ser vosso irmão.
No Congo, os votos são contados à mão, um por um. E depois será preciso ir a todas as aldeias, e são milhares, muitas em locais inacessíveis, recolher todos os votos e urnas para confirmar as contagens. Imagino que seja impossível evitar fraudes neste processo, mas acho que todos contam já com esse factor.
Parece-me que tudo acabará bem desde que Kabila vença. Parece-me ser essa a vontade da comunidade internacional, especialmente dos vizinhos Angola e Sudão.
Destas eleições africanas retenho o seguinte: o presidente Joseph Kabila é tratado como detentor legítimo do poder e o seu principal adversário Jean Pierre Bemba, como um senhor da guerra. Ora, sendo verdade que Bemba é um senhor da guerra, Kabila também é. Tomou o poder sem qualquer tipo de legitimidade, herdando o cadeirão do pai, assassinado no ano 2000 em circunstâncias nunca esclarecidas.

em Gbadolite, com um soldado de Bemba

Quando Laurent Kabila morreu, eu estava no Congo (com o João Duarte), no mato, perto da localidade de Bili, na província Equatoriale, precisamente território controlado por Bemba.


no acampamento no norte do Congo

Lembro-me de ouvir as notícias pela rádio. Estávamos todos de orelha colada aos transístores. Os congoleses que estavam ali connosco ficaram esperançados que a morte daquele homem fosse o fim da guerra civil, de que todos eles estavam fartos. O que se está a passar, só agora, seis anos depois, é o epílogo dessa esperança, o acto final de uma grande peça de marionetas cujos cordéis ninguém sabe bem quem manipula.

sexta-feira, outubro 20, 2006

Os elefantes também choram

Nunca matei um elefante, mas já comi a carne. No Congo (ex-Zaire), durante a guerra civil, muitas populações sobreviveram graças às proteínas da carne de animais selvagens e muitos elefantes foram mortos. Foi nessas circunstâncias que comi carne de elefante, várias vezes. Não havia outra coisa para comer.

Mas também me emocionei a vê-los em liberdade e segurança, como aconteceu no norte do Quénia, num sítio chamado Sweetwaters, perto de Nanyuki… Sweetwaters é uma reserva natural onde muitos biólogos de todo o Mundo vão realizar pesquisas científicas. Fui lá visitar um desses coca-bichinhos, Tom Butinsky, americano, especializado em pássaros que passava os dias de gravador na mão e binóculos nos olhos a espiar aves canoras.

Para chegar a casa dele, percorríamos vários quilómetros por uma planície de savana e, um dia, demos com uma pequena manada de elefantes que se deleitavam na lama de um charco. A manada tinha crias e foi emocionante sentir a fraternidade que existia entre os elementos do grupo. Habituados a serem espiados, os elefantes não se sentiram ameaçados pela nossa presença e pude fotografá-los à vontade embora não fosse prudente aproximar-me demasiado. As fotos que aqui vos mostro são a memória desse momento.

Os elefantes também choram, diz Barbara Gowdy no livro "O Osso Branco", editado pela Quetzal. E eu juro que os ouvi rir.

quinta-feira, outubro 12, 2006

Óleo de palma

Primeiro, os miúdos da aldeia são enviados para o mato escalar as palmeiras. Lá no alto, com as catanas cortam os cachos de frutos das palmeiras, uma espécie de nozes de casca dura.
Depois, é necessário descascar as nozes. Usam pedras. Uma grande e lisa, para servir de apoio e outra menor, como martelo.Só depois os frutos são colocados numa mó para serem esmagados. Tudo à força de braço... Depois de esmagado, tudo aquilo é fervido dentro de um bidão colocado sobre uma fogueira. Esta é a fase mais difícil de suportar, por causa do cheiro gordoroso, nauseabundo, que exala da fervura...

Dessa fervura escorre um óleo avermelhado que, juntamente com a água da fervura, é então separado dos resíduos sólidos. Depois, finalmente, basta tentar separar o óleo da água, aproveitando o facto de serem líquidos de densidades muito diferentes. Quanto menos água o óleo tiver, melhor.


É assim que se produz óleo de palma, um tempero culinário utilizado em muitos países africanos, tanto em pratos de peixe como de carne. Eu gosto.

domingo, outubro 08, 2006

Bombolón

Ouvi-os “falar” em diversas ocasiões, na Guiné-Bissau e no Congo. Sei que existem em muitos outros países africanos e, segundo julgo, até na Ásia. Nesta era de comunicação e de informação, é paradoxal que seres humanos ainda comuniquem entre si desta maneira: tocando tambores.
Na Guiné-Bissau chamam-lhes bombolón. Havia, em Bissau, uma rádio privada que se chamava Rádio Bombolón que desempenhou um papel essencial de apoio às populações durante a guerra civil. A rádio é, de facto, em muitos países africanos, o bombolón dos tempos modernos.

na Guiné-Bissau

No Congo, na aldeia de Bambilo, onde vivia o missionário Claudino Gomes, era através do tambor que se chamavam os fiéis para a celebração da missa. Às seis da manhã, na penumbra húmida da floresta, o som propagava-se quase sem interferências e ouvia-se em todos os recantos da aldeia.
O curioso é que o som destes tambores imita bem o som da voz humana. Chamar-lhes tambores também não deve ser o termo mais correcto. De facto, não são bem tambores, mas antes cilindros ocos de madeira, como as caixas de ressonância dos instrumentos de corda. Pelo que pude perceber, os troncos são escavados de modo a que a parede tenha diferentes espessuras e, portanto, a percussão exercida resulte em diferentes sons e tons, mais ou menos cavos, mas espantosamente semelhantes ao falar humano.
Lembro-me do Claudino me traduzir o que dizia o tambor… em dialecto kizande…
… zaamm – bé – bem – gá – ná – dá –kôo… Nzambe benga na ndako… Deus chama-te a casa… se a memória não me falha.

no Congo

Naquelas aldeias do nordeste do Congo, os tambores falantes são diariamente utilizados para as comunidades comunicarem entre si as novidades. Quando algum caçador mata um animal grande e há carne fresca para vender, quando algum pescador apanha um peixe-tigre, quando alguém encontra um diamante no rio, quando há visitas nalguma aldeia da região, coisas assim.

sexta-feira, setembro 29, 2006

Como ninguém escreve notícias sobre isto, escrevo eu. Mais um "Congo post"

Os partidos que apoiam a candidatura de Joseph Kabila para a presidência do Congo decidiram unir-se também para a formação do novo governo do país. Kabila terá que disputar uma segunda volta das eleições, no próximo dia 29 de Outubro, com Jean Pierre Bemba, mas, seja lá quem for o presidente eleito, o primeiro-ministro sairá da coligação que apoiou Kabila.O que quer isto dizer? Que o poder instituído está a fazer tudo para se perpetuar, claro. Kabila joga tudo o que tem, para derrotar Bemba. Bemba pertence à maior etnia congolesa (a mesma do antigo ditador Mobutu) e, por isso, tem suficiente apoio popular para amedrontar Kabila (que herdou o poder, depois do assassinato do pai, com apoio militar fornecido por Angola).
A união de todos os partidos que apoiam Kabila consegue um total de 257 deputados, numa assembleia de 500 lugares. Isto é, Bemba terá 243… por exclusão de partes.
Entretanto, decorre já a campanha para as eleições regionais… cuja votação decorrerá em simultâneo com a 2ªvolta das presidenciais, em 29 de Outubro.
Esta “chuva” de eleições no Congo é uma imposição internacional. Para que se realizem com um mínimo de segurança, estão no país perto de 20 mil soldados estrangeiros (alguns portugueses) sob mandato da ONU. Ninguém duvida que só assim os actos eleitorais puderam ser preparados e realizados. Mas a dúvida é o que vai acontecer depois… depois dos “capacetes azuis” voltarem para casa. É que este jogo democrático, se não for aceite plenamente, acaba por não resultar.

sábado, setembro 23, 2006

Eleições no Congo (sei que ninguém liga a isto, mas a mim interessa-me...)

O que se passou em Angola, em Outubro de 92, parece ir repetir-se agora em Kinshasa.
A segunda volta das eleições pode nunca chegar a realizar-se… ontem, um incêndio destruiu a sede da campanha do principal rival do presidente Kabila e, logo, os apoiantes de Bemba acusaram os apoiantes do presidente da autoria do atentado.
Se foi atentado, é certo que foram os tipos de Kabila… apesar de ter vencido na primeira volta, com 48% dos votos, Kabila preferiria, estou certo, não ter de arriscar uma segunda volta. O risco de perder é real… é mais que garantido que a maioria dos que combateram o regime dinástico dos kabilas irão, agora, votar contra ele…O paralelismo com o que se passou em 92, em Luanda, é mais do que evidente… Bemba, tal qual fez Savimbi então, também lançou acusações de fraude na contagem dos votos da 1ªvolta. Kabila, tal qual fez José Eduardo dos Santos, utiliza a força do Estado para se proteger…
A 1ªvolta decorreu em 30 de Julho. Depois dos resultados terem sido divulgados, em 20 de Agosto, já morreram 23 pessoas (pelo menos) vítimas da violência política. Ainda assim, o processo eleitoral parece que se mantém e a 2ªvolta deverá realizar-se agora, em 29 de Outubro.
A comunidade internacional, como sempre, só quer que as eleições se realizem com um mínimo de dignidade. O que interessa, acima de tudo, é que dali saia um poder com alguma legitimidade, nem que seja só aparente…
Tenho a certeza, pelo que já vi em processos idênticos, que a batota é forte e aproveita a todos. Mas, no final, as aparências terão de ser mantidas e haverá um porta-voz dos observadores internacionais a proclamar a “transparência” do processo e a “liberdade” com que os votantes exercitaram a função…

nota: gosto especialmente desta foto, que tirei num comício em Bissau, nas primeiras eleições depois da guerra civil.

quinta-feira, setembro 07, 2006

Nzenanga Mobutu

No início da década de 70 (do século passado...), tive um professor de Português, o Dr.Lufinha, que me fez a vida negra e que, olhando para o mísero estado dos meus livros, completamente rabiscados com desenhos, predisse que eu haveria de ser cartoonista. Como se sabe, enganou-se. Embora seja verdade que sinto uma certa veia para o rabisco…
Uma vez até tentei retratar um tipo…
Estivemos duas semanas imobilizados em Gbadolite. Esperávamos autorização de Jean Pierre Bemba para seguirmos para Bondo, onde queríamos fazer parte de uma reportagem sobre missionário portugueses em cenários de guerra (de que aqui já escrevi bastante).
Fomos alojados pelo MLC num bloco de apartamentos onde, segundo percebi, costumavam ficar os oficiais do grupo rebelde que iam a Gbadolite “a despacho”, receber as instruções do chefe. Não éramos os únicos clientes. Estavam lá, também, uma senhora, comerciante de pedras preciosas, dois russos ou ucranianos, tripulantes do avião de Bemba e um outro tipo que não percebi o que fazia na vida. Mas, de todos, nós éramos os únicos com direito a almoçar na mesa do Estado-Maior de Bemba. O próprio Bemba nunca apareceu mas, enfim, a comida era razoável.
Um dia, depois do almoço, vimos entrar um anão no edifício, para uma reunião com Kamitato, um dos secretários de Bemba.Via-se que era um tipo importante, pelo modo como os outros o tratavam. Pensei que seria por ser anão… que houvesse alguma crença local relacionada com esta insuficiência física, mas não. O anão era mesmo “homem grande”. Chamava-se Nzenanga Mobutu e era, tal como o nome denuncia, familiar próximo do antigo ditador zairense. Era o seu irmão mais novo.Deixo-vos com o retrato possível do pequeno senhor. Não tinha a máquina fotográfica comigo e pensando que não teria outra oportunidade, rabisquei em segundos a expressão de Nzenanga. Hoje, olhando para o rabisco, acho que ficou longe da realidade…

quinta-feira, agosto 03, 2006

Congo, Rio Uele. O que dirão os crocodilos...

É um rio com muito peixe. Muitos peixinhos pequenos e um muito grande, o peixe-tigre, com dentes de sabre e três metros de comprido da boca à barbatana caudal.Muzungo só gostava de apanhar peixe-tigre. Depois de morto, o bicho, por vezes maior que a canoa de Muzungo, tinha de ser rebocado para a aldeia, onde era aberto e limpo para poder secar ao sol. Chamam-lhe “cabalao”, quando está seco…O rio também tem crocodilos, que também comem peixe. Crocodilos e homens disputam o mesmo prato e é por isso, acho eu, que não se dão bem. Dizem os homens que o crocodilo é uma reincarnação de um espírito maligno. Não sei o que dirão os crocodilos…Os homens vão para o rio de manhã cedo, ainda quando tudo está escondido pelo nevoeiro. Um nevoeiro espesso, branco, que parece fumo a sair da água. A essa hora, os crocodilos dormem.

domingo, julho 30, 2006

Congo. Em quem votará Fido?

Pela 2ª vez na História do país, hoje há eleições no Congo.
Em quem irão votar Fido e os outros miúdos que montavam guarda à porta da sede do MLC, há 5 anos atrás. Hoje, já são maiores de idade… poderão votar, se se tiverem recenseado. Fido é o que está em pé, na foto.Cresceram analfabetos, mas num ápice conseguem desmontar e montar uma kalashnikov. São fiéis à tribo e aos seus homens importantes. Um deles até é candidato.
Será que vão votar nele ou, eventualmente, terão algum outro critério para a escolha? Ao todo, há 33 candidatos presidenciais e 9.500 candidatos a deputados… os boletins de voto têm 8 páginas. A maioria dos 25 milhões de eleitores é analfabeta e vê o Mundo à dimensão da tribo… o que se poderá esperar destas eleições, senão um imenso logro e uma tremenda confusão?

sábado, julho 22, 2006

Congo. Os cães Basenji

Um dia fomos à caça com os homens da aldeia do chefe Selassié. Fiquei fascinado com a técnica que eles usaram. Os homens levaram redes compridas. Centenas de metros de uma rede de malha larga. Com isso, eles fazem uma espécie de funil para onde tentam empurrar os animais. Os animais ficam encurralados nesse corredor estreito e acabam por ficar presos na rede e, assim, são mortos com facilidade. Este método de caçar não implica o uso de armas de fogo. O que eles usam mesmo são lanças compridas. Falta dizer que para levar os animais a fugir na direcção da área cercada, os Azande usam cães. São cães de raça Basenji, uns bichos pequenitos, magrelas, de pelo curto e orelhas bicudas. É um cão feioso e quase ridículo, com uma cauda enrolada que lhes dá um certo ar gay… confesso que pouco olhei para os animais. Nem uma fotografia lhes tirei…... e, agora, para vos mostrar um cão Basenji no seu meio natural, tive de perder horas na net para achar uma foto tirado nos anos 30, no norte do Congo, onde se vê um Azande e o seu cão… Hoje, as populações foram obrigadas a recorrer, de novo, à caça de animais selvagens, depois das aldeias terem sido sucessivamente pilhadas, ao longo de anos a fio, pelos exércitos em luta na guerra civil.
Bom, os cães são largados no mato, em matilha, acompanhados por uns pisteiros que os comandam através de assobios. Com este tipo de caça, eles conseguem apanhar herbívoros de pequeno e médio porte, pequenas gazelas ou veados, galinhas do mato e pouco mais. Os cãezitos magrelas são, apesar de tudo, bichos rijos e valentes. Comem pouco e enfrentam javalis e outros animais selvagens bastante perigosos e bem maiores que eles. Além disso, têm uma particularidade: não ladram. Emitem uns ganidos e uns grunhos, mas não ladram. Acho que isso os coloca bem próximos do lobo… afinal de contas, um cão que também não ladra.
Agora imaginem o meu espanto quando, há dias, descobri que os cães Basenji são uma raça velha como o Mundo, que estão referenciados nos hieróglifos egípcios como cães de estimação dos faraós… e que são, hoje, animais de companhia muito estimados nos Estados Unidos e em Inglaterra onde, aliás, existem em grande número. Quem diria, hem?

quarta-feira, julho 12, 2006

Congo, Bambilo. Mãe muito velha

Todos os dias, Claudino atravessava a aldeia para chegar à última casa. Era uma habitação redonda, de pau a pique e telhado de palha. Uma casa muito pobre, a precisar de reforma. Vivia ali uma família. Duas irmãs e o filho de uma delas. As velhotas eram mesmo muito velhas, centenárias, o próprio filho já não era um jovem. Era a família mais pobre da comunidade. O homem tinha ficado aleijado há anos e era incapaz de fazer o que quer que fosse para procurar sustento para si e para as duas mulheres. Elas, eram uma imagem terrível. Cegas, muito magras, mal se mexiam.Claudino atravessava a aldeia, todos os dias, para passar umas horas com as velhotas. Pelo caminho, roubava sempre qualquer coisa. Um cacho de bananas, um ananás, uma raiz de mandioca, qualquer coisa que lhes pudesse servir de alimento.
Arrastava as velhas para fora da palhota, para que elas pudessem respirar ar fresco e apanhar um pouco de sol e vento. E ficava ali a conversar com elas. Falavam kizande, nunca percebi uma palavra do que diziam. Mas acho que lhes contava histórias alegres, porque elas riam.

domingo, julho 09, 2006

1998, fronteira Angola-Congo. O Mercedes Benz

A primeira vez que entrei no Congo, foi por aquela ponte. Do lado de lá é Angola. Atravessei a ponte dentro de um Mercedes Benz sem chapa de matrícula, conduzido por um soldado do exército angolano que, à falta de chave de ignição, usava uma ligação directa para por o motor em funcionamento. A caixa de velocidades tinha as habituais 5 mudanças, mas o soldado só usava as duas primeiras. Hábitos estranhos. No lado congolês, em Matadi, havia uma barreira da polícia para fiscalizar veículos e identidades, mas o soldado angolano fez questão de acelerar e furar a barreira, enquanto gritava pela janela. A excursão tinha um único objectivo: mostrar-nos quem mandava ali.
O exército angolano tinha uma base militar em Matadi, no Congo. Dali controlavam boa parte da fronteira e impediam, assim, que a UNITA continuasse a utilizar o Congo como santuário protector. Foi uma táctica inteligente dos generais angolanos que, deste modo, levaram a frente de batalha para fora do território angolano. Em 1998, a UNITA, apesar de ainda controlar a maior parte do território angolano, já não conseguia sair do mato e começava a ter problemas logísticos significativos. Em todo o território angolano, naquela época, a UNITA já só mantinha os bastiões históricos da Jamba, nas Terras do Fim do Mundo e, no Planalto, as localidades do Andulo e Bailundo e pouco mais.
O condutor do Mercedes Benz chamava-se a si mesmo “o soldado inteligente”. Via-se que gostava do poder que aquele volante significava. Reconheci naquele homem, a mesma ganância que já tinha visto (e voltei a ver, até hoje) em directores e adjuntos que, noutras latitudes, fazem coisas aparentadas, apenas porque também gostam do volante do Mercedes Benz que o patrão lhes põe nas mãos.

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Jornalista; Licenciado em Relações Internacionais; Mestrando em Novos Média

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