quarta-feira, janeiro 14, 2009

Especial Banda Desenhada parte 7

Hoje não há quarta-feira em Bruxelas, muito simplesmente por falta de tempo. Mas há este especial BD que estava na fase "rascunho" há semanas e que espero que compense.

Obra completa, Sempé. Não consigo escolher só um livro mas posso sugerir alguns como Rien n'est simple, Comme par hasard, Luxe, calme et volupté, Insondables mystères. Sempé é mais conhecido pela série O menino Nicolau mas as suas ilustrações encantam-me há anos. Na minha humilde opinião poucos (ou mesmo ninguém) iguala o traço ora humorístico ora maroto ora irónico de Sempé. As suas ilustrações conseguem ter o valor de uma anedota bem contada ou de uma história partilhada com amigos. Ainda estou para descobrir alguém que com tão pouco numa página consiga espelhar a infância e as diferenças caricatas entre crianças e o modo destas verem o mundo dos adultos. Para todos com sentido de humor e ironia e para quem quer (re)lembrar-se da infância. Para o filho que diz que ninguém o compreende.

Fables: legends in exile, Bill Willingham & Ian Medina. Imaginem que as personagens dos contos de fadas fossem reais e vivissem exiladas no nosso mundo. Imaginem o Lobo Mau como um detective privado que tem de conter o mau feitio de forma a não revelar o seu lado lobisomem, a Branca de Neve após um divórcio litigioso com o Príncipe Encantado (um engatatão de primeira) e o Monstro e a Bela em sessões de terapia conjugal. Tudo isto bem msturado a um homicídio nas barbas de toda a gente. Uma leitura envolvente e surpreendente. Para quem gosta de contos de fadas, para quem acha que é demasiado velho para contos de fadas.

Jacques Delwitte: Little White Jack, Max de Radiguès. Uma obra belga para variar. Um guitarrista genial anda pela rua a tocar a troco de moedas, é chamado para ajudar uma banda nova com o novo disco e os flashbacks ajudam-nos a descobrir uma carreira bem sucessida e as razões do fim da carreira. Um desenho pastoso que se destaca do traço imediato da maioria das obras actuais. Jacques é inspirado num músico de rua de Bruxelas, contudo a história é fictícia. Para gosta de música de rua, de desafios e de BDs com desenho diferente.

Je t'ai aimé comme on aime les cons (original: Te quise como sólo se quiere a los cabrones), Giménez & Fonollosa. Após o fim de uma relação, longe de ser perfeita, e após quatro anos longe da cidade natal, Miranda é obrigada a regressar a casa dos pais. Como lidar com uma mãe que parece mais destroçada do que ela, com as amigas mais do que dispostas a dizer mal do ex (mais do que Miranda até) e com as memórias boas e más da relação? Como acabar uma relação e manter o sentido de humor também era um título que funcionava. Não digo para irem já a correr oferecer um a alguém que esteja a sair de uma relação mas é para quem ao menos já namorou alguém e hoje se pergunta porquê.

Too cool to be forgotten, Alex Robinson. Se me dissessem que iria regressar ao liceu por tempo indeterminado garanto-vos que iria entrar em pânico. Pois Alex foi apenas fazer hipnose para deixar de fumar, acontece que a génese do problema, do seu vício estava precisamente no liceu. Como é que um homem de 40 anos reage ao ser enfiado para dentro do corpo de um adolescente magricela, com aparelho e borbulhas? Ainda por cima sem aviso prévio. Enquanto enfrenta medos e rufias passados o leitor tem direito a rir dos anos 80. Para quem conhece os liceus (anos 80 ou não) e não tem particularmente vontade de lá voltar.

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quinta-feira, novembro 13, 2008

Especial Banda Desenhada - parte 6 - dose dupla

Nem sei como é que deixei passar tanto tempo desde o meu último especial... Espero compensar o desleixo nos próximos tempos. Hoje o especial é dedicado a artistas com duas ou mais obras que adoro e eu não soube escolher só um para o especial. O especial contém igualmente três grandes mestres cujo trabalho marcou e mudou a história da BD.

Buddha, Osamu Tezuka. (8 volumes). Não deixem que o tamanho desta obra épica vos assuste, vale cada página. Tezuka é tão importante para a história das mangas e da banda desenhada como o Walt Disney é importante na história da animação. Trouxe características "manga" como os olhos enormes e as expressões de espanto para uma história supostamente sisuda como a vida de Buddha e influenciou entre outros Stanley Kubrick e Maurício de Sousa (sim, o da Mônica). Buddha é uma obra inesperada e surpreendente, mostra ao mesmo tempo o crescimento e desenvolvimento da vida e santidade de Buddha ao mesmo tempo que relata a violência e a sexualidade de outras personagens. Há muitos ângulos inesperados (para uma BD) e no fim ficamos com a ideia de que vimos um filme, um biopic da vida de Buddha e de personagens contemporâneas fictícias. É uma excelenente forma de mostrar o budismo e a sua doctrina pondo-a em contexto sendo ao mesmo tempo uma BD que custa a parar de ler. Para fãs de: Budismo ou curiosos, Astro-Boy, de mangas (embora este se leia na ordem ocidental), da série Tom Sawyer de Miyazaki.

A Contract with God e New York, Will Eisner. Um preferido pessoal. Tenho adiado falar nesta obra por achar que merecia mais destaque mas o tempo foi escasso. Will Einer foi mais importante do que eu sei explicar, hoje há os prémios Will Eisner nos Estados Unidos, os Oscars da BD. A contract with God foi uma das primeiras graphic novels, romance gráfico. Sem este livrinho muita BD de hoje em dia não existiria. Houve graphic novels antes mas nenhuma desta qualidade. É uma colecção de contos cuja acção se desenrola no mesmo bairro, a maioria dos habitantes são judeus emigrados nos Estados Unidos e entre os seus problemas pessoais a BD lida com a sua integração na sociedade americana e com as dificuldades das gerações seguintes. O desenho é muito realista embora em momentos de crises as personagens se tornem caricaturas delas mesmas ou se encolham ou afundam de formas pouco naturais que fazem o leitor querer dar-lhes um abraço. New york é uma antologia de vários volumes sobre a vida na grande cidade, sobre New York, desenhos de pessoas com demasiada pressa para viver, da vida dura de um emigrante no pós-guerra etc O volume Invisible people por exemplo lembrou-me de quando cheguei a Lisboa pela primeira vez. Dois dias depois tinha comprado quase toda a obra de Eisner. Para fãs de: Dostoevsky, Craig Armstrong, Maus: A survivor's tale, Kurt Vonnegut, Michael Chabon, José Carlos Fernandes.

Fraise et chocolat (2 volumes) e Je ne verrai pas Okinawa, Aurélia Aurita. Fraise et chocolat é quase um clássico de culto francês, facto que me manteve afastada do livro durante dois anos, até que recentemente descobri o Je ne verrai pas Okinawa... Aurita desenha com lápis fino de uma forma tão corriqueira que por um momento pensamos ser fácil desenhar. Tem o dom de fazer com que cada página pareça ter sido desenhada no autocarro, mas quando olhamos uma segunda vez apercebemo-nos que aquilo deve ter dado imenso trabalho. Fraise et chocolat relata as aventuras amorosas e sexuais de um casal francês no Japão. Os detalhes sexuais são muito explícitos e cómicos, não há detalhes Hollywoodescos de como tudo é perfeito à luz das velas e o primeiro volume é talvez a melhor descrição dos primeiros meses de uma relação sexual que já vi. O segundo volume acompanha uma relação mais madura mas ainda muito sexual assim como uma tournée BD e outros detalhes culturais do Japão. Os livros têm um sentido de humor muito apetitoso. Je ne verrai pas Okinawa é quase todo passado no aeroporto de Tokyo e ilustra de forma genial as dificuldades burocráticas de entrar num dos países mais fechados do mundo, o Japão. Apesar da autora ter dinheiro, de receber direitos de autor e de não ser uma ameaça para os trabalhadores japoneses as autoridades proibem-na de ficar os três meses que o visto permitia. Aurita tinha planeado visitar Okinawa nessa visita... É um relato dos tempos em que vivemos. Podem ver páginas de amostra aqui. Para fãs de: Small Favors, Milo Manara, nouvelle manga, Anais Nin, Tatsumi.

Elle(s) e Hollywood San (com Michael Sanlaville), Bastien Vives. Se algum dia fizer um especial sobre BDs para jovens este "miúdo" terá lugar de destaque. Digo miúdo porque é mais novo do que eu, o estúpido. Elle(s) segue um jovem de 26 anos que sem saber bem como, vê-se no meio de duas jovens de dezoito anos e das suas aventuras, desventuras e dos seus namorados também. Há sms, festas, cinema, amizades...Quem acha que está desligado das novas gerações pode aproveitar a leitura fácil. Hollywood Jan relata a história de um adolescente franzino, Jan (/ian/), que sofre como muitos de nós sofremos no liceu. Há rufias, professores arrogantes, colegas cruéis e o Jan sente-se invisível. E ainda por cima uma das professoras é amiga da mãe (também me aconteceu...) Para o ajudar há (I kid you not) o Arnold Schwarzenegger, o Sylvester Stalone e o Russell Crowe. Com a sua imaginação mortal e sedutora, o jovem Jan ora imagina conversas com os miúdos populares ora o Arnold a matar o pessoal todo. Mas e aquele hábito de pensar em voz alta?... Para fãs de: Wonder Years, Coupling, Le combat ordinaire. Parece-me especialmente indicado para leitores jovens (quer de idade ou mentalmente).

Abandon the old in Tokio, The push man e Good-bye, Yoshihiro Tatsumi - Já cá falei no senhor mas as únicas três obras traduzidas merecem mais destaque. Exactamente, o grande mestre japonês só tem três obras traduzidas no ocidente. É uma vergonha. Se há obra que nos faz abrir os olhos e apercebermo-nos que o Japão é um país longe dos estereótipos, com problemas como o nosso, com pessoas traumatizadas com o pós-guerra, com pessoas deprimidas, com gente que não gosta do trabalho, com filhos que não querem ser responsáveis pelos pais, com mulheres chatas, com homens ansiosos por ver pornografia num país altamente censurado, pessoas à beira de um esgotamento porque a vida não é nada do que tinham sonhado quando era novos etc são estes livrinhos. Qualquer história de Tatsumi permite-nos ao mesmo tempo sentir pena dos japoneses, desdém por personagens humanas (mas) cruéis, permite-nos descortinar um pouco as pressões de uma sociedade com uma hierarquia muito complicada e antever muitos esgotamentos. Temos sempre a sensação que estamos a desvendar um segredo muito bem guardado, que o Japão não são só gueixas, samurais, templos e ordem... Para fãs de:Dostoevsky, Aki Shimazaki, Osamu Tezuka, Coco Wang, Orhan Pamuk,para ver o Japão com outros olhos.

Où le regard ne porte pas...(2 volumes), George Abolin e Olivier Pont. Em 1906 a família de William troca Londres por uma vila italiana, os italianos não ficam muito satisfeitos e há uma tensão no ar. Mas para quatro miúdos de dez anos, isso não tem importância. Entre as aventuras dos petizes e as confusões dos adultos há sonhos, memórias de outros tempos, as crianças parecem lembrar-se todas dos mesmos acontecimentos. De outra vida? O segundo volume passa-se vinte anos depois, há vinte anos que os quatro protagonistas não se viam, há o matar saudades habitual, um ajustar de contas e uma viagem à Costa Rica para procurar o quarto rapaz. Entretanto os sonhos, visões são cada vez mais fortes e parecem ser pistas para o paradeiro do rapaz. Para fãs de: mistérios, Brian Weiss, BDs de época.

Especiais anteriores: Especial 5. Especial 4. Especial 4.5. Especial 3. Especial 2. Especial 1.

Especial BD online 1 e 2.

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segunda-feira, maio 19, 2008

Especial banda desenhada PT 3

Hoje o especial dedica-se aos "realistas", não no sentido literal mas em termos de desenho, e às vezes em termo de histórias também. Alguns autores acompanham-me há alguns anos, outros descobri-os em Bruxelas (já mencionei que já não tenho espaço para os livros de BD?), todos tocam no que é ser "adulto" mesmo que tenham muito pouco em comum. Mesmo uma história de fantasia pode ser extremamente realista, ora vejamos...

José Carlos Fernandes, Alguém desarruma estas rosas. Apesar de também gostar muito do seu Lou Velvet- Abaixo de cão, este continua a ser o meu preferido. Dizer que são contos/histórias passadas para formato BD é limitar o trabalho de Fernandes, sim, transpôs um conto de Garcia Marquez, outro de Carver, outro de Bradbury entre outros mas a verdade é que José Carlos Fernandes deu uma outra vida, uma outra luz às histórias. Outro ponto interessante são as canções transpostas para BD, há músicas que contam histórias e outras que convidam a imaginar cenários e neste volume temos ambas em formato BD. Esta colectânea de estórias é encantadora e incapaz de deixar alguém indiferente, seja pelo desenho simples mas cuidado ou pelo olhar triste e profundo das personagens. Mal regresse a Portugal vou procurar outras obras do autor peço-vos que não as comprem todas sff. Recomendo entusiasticamente. Para amantes de histórias, de traço simples e de boas covers.

Jirô Taniguchi, O homem que caminha. Admito que foi difícil escolher entre O homem que caminha (não encontrei uma imagem da capa portuguesa) e O diário do meu pai, mas já dizia um ingénuo lisboeta: "não há amor como o primeiro". Longe dos estereótipos europeus sobre as mangas Jiro Taniguchi é um fenómeno de vendas não só por ser talentoso e original mas por ser dotado de uma sensibilidade extrema. Este pequeno volume acompanha a personagem principal pelos seus passeios pela cidade, enquanto passeia o cão, enquanto observa a cidade e os seus pensamentos. Dizer que é um livro sobre um homem que caminha pode parecer simples mas Taniguchi consegue mostrar-nos toda uma cidade e toda uma vida a cada página quase que nos permitindo caminhar lado a lado com as suas personagens. Ocasionalmente algo na rua ou num jardim desperta uma memória, um pensamento e o leitor envolve-se ainda mais nos quadradinhos a preto e branco. Recomendo vivamente. Para os curiosos sobre a cultura oriental, para quem acha que mangas são o Kill Bill em papel.

Le grand mort- tome I: Larmes d'abeille, Jean-Blaise Djian et Régis Loisel. (A grande morte, tomo I: lágrimas de abelha) O primeiro tomo de uma nova aventura épica de um dos nomes mais importantes da BD francófona, Régis Loisel. Famoso por estas bandas pelas séries La Quête de l'Oiseau du Temps (a busca ao pássaro do tempo) e pela sua transposição à BD de Peter Pan, Loisel não tem nada a provar mas continua a surpreender. O cenário é de tal forma ambicioso que foram precisos oito colaboradores mas a aposta valeu a pena, cada página está repleta de imagens belas, coloridas e super detalhadas. A história, pelo menos neste primeiro tomo, é sobre um jovem negro (raro nas BDs) com acesso a um mundo mágico e com uma missão a cumprir e uma jovem francesa que só quer paz e sossego para estudar para os exames finais, ambos vão ter de descobrir se existe ou não uma forma de quebrar a profecia e voltar para o mundo que conhecem. Não tem personagens tão ricas como o Bone mas compensa com os cenários. Recomendo a cores, para quem se quer deleitar com os cenários e para quem não resiste a uma boa história épica.

Chicken with plums, Marjane Satrapi. Devido ao sucesso mundial de Persepolis (BD e filme) este pequeno volume pode passar despercebido injustamente. Desde que comprei o livro há uns meses que tenho feito um esforço para melhorar a minha técnica de vendas, visto que: "é sobre um homem destroçado pelo fim da sua música que decide pedir a Deus para morrer" não resulta muito bem. Chicken with plums é mais sobre a vida do que sobre a morte e não é sobre suícidio mas sim sobre enfrentar desgostos, as nossas famílias e as suas idiosincrasias e como encontrar forças para continuar quando o que mais amamos na vida está fora do nosso alcance. Repleto de pequenos detalhes que nos abrem as portas sobre a vida e a cultura do Irão e de um sentido de humor inesperado, esta pérola é um estudo em quadradinhos sobre a natureza humana. Recomendo sem limitações, para fãs de Persepolis, Mafalda e de personagens humanos.

Dans la peau d'un jeune homo(na pele de um jovem homosexual), Hugues Barthe.
Um adolescente de 14 anos descobre a sua sexualidade e não consegue enfrentar o facto de que é homosexual. Mas será mesmo? Afinal de contas o professor de matemática que todos os alunos juram ser homosexual tem uma namorada e o intructor de judo não parece mas é... O livro está estruturado como um guia e em parte como um falso guia, por um lado segue os passos de um adolescente inseguro e com medo de enfrentar os pais e os amigos mas por outro goza com a situação: todas as vezes que o jovem se tenta convencer que é hetero o autor omnipresente mostra-nos por A + B que não é bem assim. Bastante realista na descrição do "coming out" este pequeno volume não tem medo de gozar consigo próprio. Para jovens e adultos, excelente para famílias com sentido de humor.

Vou tentar ter a parte 4 pronta a tempo do dia da criança; yep, o próximo especial é para os petizes (se bem que eu tenho quase todos os volumes que menciono).

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domingo, março 09, 2008

Especial banda desenhada PT 1

Porque ainda me custa a crer que tenho amigos que me dizem não gostar de banda desenhada mas que só conhecem o Tintin, considerem isto o começo de um guia BD. Vou tentar falar dos meus favoritos, dos clássicos, dos estranhos etc. Afinal de contas estou ou não estou na terra da banda desenhada? Para quem está com pouco guito sugiro este artigo sobre BD disponível online e que venham com uma mala vazia na próxima visita a Bruxelas.

Game Over, Midam & Adam. Esta pérola hilariante é para o sádico que há em nós. A série surgiu originalmente da banda desenhada Kid Paddle e a premissa é simples: o Kid (um miúdo de nove anos) joga um jogo de computador com um pequeno bárbaro como o herói principal e, ao tentar passar os níveis diferentes o pequeno bárbaro sofre mortes estúpidas, exageradamente estúpidas ou injustas e todas, sem excepção, hilariantes. O Kid perde e vê no ecrã "GAME OVER". Em cada volume Kid Paddle há sempre três ou quatro tiras do Game Over e tornou-se tão popular que surgiram dois volumes separados só com tiras do pequeno bárbarozinho. A ideia é super simples, há uma princesa a salvar e o bárbarozinho tem de descobrir a melhor maneira de a salvar, de derrotar os monstros e de fugir com a princesa para o outro nível. Sinceramente não sei quantas horas os autores perderam a jogar jogos de computador para a pesquisa mas invejo-os seriamente. Numa tira o bárbarozinho come cogumelos mágicos e aparece em frente ao monstro cheio de amor para apenas levar com uma paulada em cima, noutra irrita-se com a princesa histérica e mata-a (eu sempre quis fazer isso num jogo mas nunca me deixaram), noutra a princesa engana-o e são obrigados a casar... Se querem ver o que é uma super imaginação peguem nestes dois volumes. Recomendo ainda a rir. Quem gosta do Astérix, The hitchhicker's guide to the galaxy e Roald Dahl.

Blankets, Craig Thompson. Outro preferido meu e ainda outra biografia (não faço de propósito). A obra-prima Blankets é considerada um romance ilustrado, não só pelo formato: um volume de quase 600 páginas mas também pela história que nos agarra como... como...bem, pensem no vosso livro preferido e pronto. A história começa na infância de Thompson numa família cristã fundamentalista (por exemplo, são contra o ensino da teoria da evolução) e pobre, com um irmão mais novo que Craig ou quer proteger ou quer bater, com matulões na escola e muitas, mas muitas leituras da Bíblia. Há o começo de uma ideia de escapism que será revista na vida adulta. Na adolescência aprende a ignorar os bullies, apaixona-se pela primeira vez e o pastor local incentiva-o a entrar para o seminário. Blankets é genial a descrever o primeiro amor e toda a confusão que o autor sentiu na altura. É também genial a descrever os medos de duas crianças numa cultura de amor e entrega a Deus sem questionar seja o que for. Uma das biografias mais honestas dos últimos tempos. Recomendo seriamente. Para toda a gente, excelente opção para prenda de anos.

Couleur de peau: miel, Jung. (cor da pele: mel) Outra biografia desta feita de um coreano do sul que foi adoptado por uma família belga. Aos cinco anos foi encontrado nas ruas de Seoul a comer do lixo e foi levado para um orfanato americano; apesar de não ter testemunhado a guerra das Coreias sentia os seus efeitos: vivia num país dividido em dois e com a possibilidade de uma nova guerra no ar. Chegar à Bélgica e encontrar um país dividido ajudou à integração, conta. Esta história apesar do título doce o livro mostra o lado cínico das adopções interculturais. O título vem abanar o nosso preconceito de que os asiáticos são todos chineses ou amarelos, os japoneses são considerados mais brancos, os tailandeses morenos e os coreanos são da cor do mel. A vida com a família belga foi difícil, cheia de dúvidas e complicações. Recomendo com curiosidade. Para leitores de David Copperfield e Oliver Twist.

Bone, Jeff Smith. A série Bone relata (em 9 volumes a cor ou um único enorme a preto e branco) as aventuras de três primos. Fone Bone (aqui na capa) que se parece um pouco com o fantasma Gasparzinho mas é uma criatura adorável cujo livro preferido é Moby Dick (todas as vezes que começa a contar a história da grande baleia branca as pessoas adormecem imediatamente). Devido às acções do seu primo ganancioso Phone Bone, Phoney para os amigos, Fone e o primo desmiolado Smiley são obrigados a fugir de Boneville o mais depressa possível. Perdem-se no deserto onde encontram um mapa para um vale desconhecido onde nada é o que parece e os dragões fumam charutos. Há umas criaturas horrendas e peludas que os querem comer numa bela quiche e uma avózinha que faz corridas com vacas selvagens. Cada volume deixa-nos com água na boca. Recomendo vivamente. Para quem gosta de A Odisseia e The hitchhicker's guide to the galaxy.

Persepolis, Marjane Satrapi. Uma biografia em quadradinhos de uma iraniana nos anos 80 e 90. Esta pérola em dois volumes -The story of a childhood e o The story of a return- (façam como eu e comprem o dois em um aqui ao lado) descreve de forma nada lamechas como foi crescer em Teerão durante a revolução islâmica e durante a guerra com o Iraque; independentemente do que o Irão representa politicamente hoje em dia, este livro mostra-nos o que já deveríamos saber: que há uma Mafaldinha em todos nós. Marjane é uma criança fofinha e refilona que aprende a lidar com o mundo dos adultos - mundo esse que envolve a prisão e morte de um tio dissidente - uma adolescente que adora punk e que compra cassetes de Iron Maiden no mercado negro e finalmente, uma adulta com medo de ser presa por usar batôn mas que não se coíbe de contar em voz alta que já não é virgem. Recomendo avidamente; para toda a família assim como a Mafalda o é.

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terça-feira, março 06, 2007

A resposta

Desde o liceu que tenho imensos problemas com a tradição de ligar a biografia do autor à sua obra, cheguei a ter "trocas de impressões" com professores que se recusavam a ver para além da vida pessoal. Admito que há obras intrinsecamente ligadas a determinados momentos da vida de um/a escritor/a como a obra de Maya Angelou... ou qualquer obra do Hemingway em que determinada personagem é alcoólica. Mas onde encaixar todas as obras que nasceram da imaginação, do sonho e sim, por que não? Do trabalho dum escritor? Quer-me parecer que quem tem dificuldade em aceitar que há neste mundo obras brilhantes que são fruto de génio e não de notas tem dificuldade em acreditar ponto. Uma professora do liceu costumava introduzir um poema com uma descrição dos acontecimentos na vida do poeta no ano em que o poema fora escrito (em alguns casos no ano em que se julgava ter sido escrito), na altura não liguei muito, era preciso estudar a vida do poeta logo era melhor prestar atenção mas lembro-me de "macacar" o caderno todo quando a dita senhora analisava o poema de acordo com os acontecimentos na vida do poeta: Camilo Pessanha e uma mulher de cabelo verde nas ondas do mar? Ora isto foi devido ao ópio. (se bem que aqui é bem possível). Fernando Pessoa e A mensagem? Vejamos, sim, frustração com o estado actual das coisas em Portugal porque nessa altura... Álvaro de Campos? Homenagem a Walt Whitman (aqui num belo daguerreótipo). Como se o poeta não pudesse imaginar o sentimento descrito, escrever sobre algo que leu, sobre um amigo, sobre algo que sonhou e/ou viu sob efeito de drogas. E isto chateia-me muito menos do que a mania da Fnac (por exemplo) de encaixar escritores homossexuais como Oscar Wilde (obra online em formato pdf) na secção gay & lesbian quer a obra tenha conteúdo homossexual ou não, The picture of Dorian Gray pronto e tal, ainda aceito, mas The importance of being Earnest? As histórias?...

Isto tudo porque houve alguém que me perguntou o porquê da biografia do Boris Vian, se era para compreender a obra melhor. Só quem nunca leu Boris Vian é que perguntaria tal coisa - quando os títulos não tem nada a ver com o conteúdo, veja-se o exemplo de Outono em Pequim: a acção decorre num longo verão na Mesopotâmia e as citações que introduzem os capítulos tanto vêm de outras obras literárias como de enciclopédias de química ou de folhetos apanhados do chão. Acontece que o Boris Vian que também foi músico de jazz, actor, inventor, tradutor, jornalista entre outras coisas morreu aos 39 anos de idade com uma obra vasta e interessante. Não li a biografia da Katherine Hepburn para perceber os seus filmes melhor (se bem que esclareceu algumas das suas escolhas e fiquei a saber o que realmente achou de alguns) mas pelo puro gozo da leitura: "Stone-cold sober, I found myself absolutely fascinating." Eu percebo que me digam que faz parte do programa escolar e que os professores são obrigados a seguir as regras mas uma coisa é falar da vida dum escritor, outra coisa é falar da sua obra, da sua escrita. O contexto histórico, cultural e social é muito importante mas não se o escritor viveu numa casa em vez de um apartamento e como essa diferença - talvez os seus amigos vivessem todos num apartamento - fez com que escrevesse um dos marcos da literatura mundial. A ironia é que isto muitas vezes é um grande exercício mental por parte daqueles que defendem que as obras surgem de factos reais, tal é o fundamentalismo que acabam por "imaginar" uma ligação da obra ao autor. O melhor é mesmo fazer-se como antigamente as senhoras da terrinha da minha avó faziam: faziam uma pergunta, abriam uma bíblia ao acaso e liam a primeira frase que encontrassem, tendo assim acesso à resposta do Senhor.

Vou experimentar com o meu livro favorito do Boris Vian, O arranca-corações:

"-Não - suspirou ela.- Os miúdos já estão deitados. Entretanto, ia desabotoando o vestido, mas Jaime-morto reteve-a. -E se falássemos um bocadinho? -propôs ele. - Não vim aqui para isso - obtemperou ela. - Se é para aquilo, quero, mas conversar, não. -Só queria perguntar-te uma coisa - disse ele. Ela despiu o vestido e sentou-se em cima da erva. Sentiam-se, ali, naquele recanto afastado do jardim, como se estivessem dentro de uma caixinha."

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