Muitos confinamentos. Muitos filmes. Só dois no cinema.
03 março 2021
27 novembro 2020
Melhores filmes vistos em 2019
Antes que o ano, este ano, mais rápido e súbito que todos os anos (esperamos) termine, ainda faltam os filmes com mais estrelinhas vistos em 2019
23 novembro 2020
The Act of Killing - 2012
Comecei ontem a ver o The Act of Killing, documentário de 2012 do norte-americano Joshua Oppenheimer, ainda não terminei mas o desconforto e alguns problemas com esse desconforto levaram-me a este texto
The Act of Killing: don't give an Oscar to this snuff movie
09 novembro 2020
19 janeiro 2020
24 dezembro 2018
Melhores fimes vistos em 2017
Estaremos realmente no século XXI? Passaram 19 anos desde que andámos divertidos com o bug do Milénio. Se não fosse pelos desaparecidos e pelos que nascem agora e ontem e vimos crescer o tempo não tinha nenhuma propriedade ou substância que nos fizesse acreditar que mais um ano ou alguns passaram. Ainda que 19 anos carregados de velocidade e intensidade, na comunicação, na tecnologia, na ansiedade crónica individual, nada ainda nos diz que este é já um novo século.
Com um ano de atraso os melhores filmes que vi em 2017.
Com um ano de atraso os melhores filmes que vi em 2017.
07 outubro 2017
Melhores filmes vistos em 2016
Muitos filmes vistos em 2016. A maioria, como habitual e porque o tempo poucas vezes é nosso, não são de 2016 nem próximos. As escolhas.
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25 abril 2017
O património da memória e do esquecimento
Por Lucinda Fonseca Correia
Arquitecta Artéria Arquitectura
Arquitecta Artéria Arquitectura
"Na vida de hoje, o mundo só pertence aos estúpidos, aos insensíveis e aos agitados. O direito a viver e a triunfar conquista-se hoje quase pelos mesmos processos por que se conquista o internamento num manicómio: a incapacidade de pensar, a amoralidade e a hiperexcitação."
Fernando Pessoa, Livro do Desassossego
Arquitectura é transformação. Arquitectura é interferência com a
vida. Arquitectura é recordação e esquecimento. Arquitectura é permissão
e interdição e por isso é fundamentalmente ordem. A Arquitectura
torna-se “política” 1
na medida em que o seu exercício resulta da afinidade óbvia entre
espaço e poder, de outro modo, não se legitimaria como uma profissão
liberal de interesse público.
Uma arquitectura de risco
Num primeiro plano, a Arquitectura é a construção de um cenário onde o jogo cultural se desenrola, pois, em determinado sentido enquadra, fixa e torna significativa a vida e as relações humanas. Acresce que esse sentido depende sempre de um sistema de valores “culturais”. Sem Arquitectura certamente poríamos em causa a nossa identidade como protagonistas de uma ficção a que chamamos Mundo. Aliás, a Cultura faz isso mesmo: inventa o mundo como cenário 2. E ao inventá-lo dita os termos em que estamos aptos para lidar com ele. É compreensível, pois, que ofereçamos sempre resistência a qualquer alteração que ponha em causa a nossa identidade. Por outro lado, o que a Arquitectura faz é artificializar o espaço natural de modo a criar dispositivos que acolham a vida em sociedade. Todavia, a transformação do habitat natural em artificial já não se opera sem riscos 3. Tal facto, paradoxalmente, legitima e torna urgente uma revisão profunda dos termos em que aquele sistema de valores regula as nossas acções transformadoras sobre o mundo. A consciência do risco começou já a atormentar-nos. Subitamente, somos confrontados com a realidade dos factos: quando é que o efeito de estufa se torna irreversível?; quanto tempo falta para que a vida nos oceanos se extinga?; o que resta da água potável no mundo?; como é que se detectam definitivamente os sintomas da ocorrência de um colapso geral, nos sistemas de suporte da vida no planeta? Temos todos noção disto mas “olimpicamente” ignoramo-lo.
Ainda que não queiramos admiti-lo, não estará também, por analogia (e cumplicidade) a Arquitectura a “colapsar”? E esse colapso dar-se-á no sentido desta deixar de cumprir o seu objectivo essencial: hospedar a Humanidade. Já sabemos o que custa ao Ambiente construir, transformar e manter o parque habitacional terrestre. De facto, esses cálculos estão feitos: no final de cada ano constatamos que gastámos quase o dobro dos recursos produzidos pelo planeta, durante esse mesmo período 4. Nestes dados estão incluídos os efeitos da actividade construtiva humana, onde se inclui também a Arquitectura. Assim, por uma questão de justiça, os arquitectos devem pois sentar-se no divã do terapeuta e rever os passos da sua carreira dos últimos 200 anos. E para fazê-lo é necessário estabelecer critérios, à luz dos quais poderá ser levada a cabo uma auto-análise útil para os negócios do mundo. Todos aguardamos respostas, receitas, revelações, iluminações, como curto-circuitos de um raciocínio que tarda a emergir por entre os devaneios quotidianos que, fundamentalmente, enfatizam a “criatividade” ilimitada dos arquitectos (e outros projectistas). No entanto, este paradoxo só se desfará se esse exame crítico do passado for honesto, franco e desinteressado.
O valor da memória
Para além das questões ambientais, no sentido amplo do termo, a necessidade de manutenção desse cenário dita, em segundo plano, a lógica dos “critérios” de quem intervém no construído, pretendendo consertar o velho. Aqui inscreve-se, com toda a propriedade, a ideia de intervenção no património. Em primeiro lugar, porque se trata concretamente de um património que não se pode transformar a todo o custo ou sobretudo à custa da nossa memória. Em segundo lugar, porque o efeito pedagógico da manutenção desse património deve suplantar quaisquer vantagens económicas ou políticas.
E, porque nos interessa defender o património? Como suporte privilegiado da memória colectiva, o património veicula aspectos essenciais da nossa identidade. Daí também valer para a Arquitectura a ideia de monumento 5 enquanto receptáculo daquilo que é digno ser lembrado.
Por outro lado, não devemos esquecer que os edifícios antigos, com qualidade, não morrem – apenas parecem resistir aos usos, tantas vezes insensíveis e ignorantes que lhes foram impostos pelos diferentes tempos. Trata-se então de gerir modos de habitar? Sejamos precisos: como é que costumamos prevenir um “mau” uso, ou seja, aquilo que consideramos ser uma utilização indevida de um edifício com carácter?
Partimos do princípio segundo o qual um edifício com “carácter” é aquele que soube preservar, com grande clareza, uma memória institucional 6. Isto acontece tornando os edifícios inacessíveis ao uso – musealizando-os – ou, pelo contrário, tornando-os acessíveis a um novo uso. Só o facto de lhes alterarmos a função e de os reformarmos como se se tratassem de objectos obsoletos que apenas merecem renascer como partes de outros dispositivos mais “actuais” ou, ainda, de lhes acoplarmos novos arranjos construídos onde ganham o estatuto de espectáculo gratuito, aquilo a que amiúde se chama “fachadismo”, demonstra quão equívoca é a nossa relação com o “património”. As intervenções com “manutenção das fachadas” deverão ser encaradas como um embalsamamento dos edifícios, já que ao desmiolar o objecto, retira-se-lhe a lógica da sua concepção e as qualidades que deram sentido à obra. O interior existe sempre numa relação dialética com o exterior que cada cultura explora a partir da oposição entre o privado e público. É um processo muito complexo e só irresponsavelmente, poderá ser considerado de ânimo leve.
Pedagogias do património
A delicadeza das intervenções no património exige que politicamente se promovam discussões públicas ou se lancem concursos garantindo a isenção da escolha de soluções adequadas, de acordo com as boas práticas. O próprio conceito de concurso para intervenção no património pretende garantir a qualidade do gesto interventivo, como se o arquitecto – tantas vezes considerado um “demiurgo” e/ou profissional de renome – pela sua intervenção pudesse “santificar” um eventual crime – o da destruição do património. Isto porque as memórias das quais o património é portador, de um modo geral, perdem-se a cada nova “re-novação”. E os arquitectos sabem-no... Não nos iludamos, os concursos fazem parte do esquema geral do exercício do poder. Trata-se sobretudo de uma questão ideológica, para além das idiossincracias dos projectistas concorrentes. Neste contexto, para sermos rigorosos, quem destrói o património é quem estabelece os critérios do concurso, bem como o júri que os aplica. Porque, na verdade, um concurso é algo de muito abstracto pois não há uma metodologia universalmente aplicável à conservação ou à substituição das memórias. Podemos considerar que é sempre uma escolha entre manutenção e supressão, pois a Arquitectura, mais do que a palavra escrita ou a imagem, é o melhor receptáculo da memória.
A célebre frase de Churchill, nós formamos os edifícios e depois eles formam-nos a nós 7, não fará definitivamente sentido? É que os gostos e as circunstâncias políticas são contingentes. É que a moda do reconhecimento público de um profissional é sempre transitória. É que o “espectáculo” da Arquitectura não é um verdadeiro espectáculo.O gesto interventivo pode apagar, e habitualmente apaga, aquilo que demorou séculos e dezenas de gerações a construir. Quem somos para pôr em causa a pedagogia de uma certa forma de memória colectiva que a cidade nos deverá oferecer? Poder-se-á sempre objectar que os tempos mudam e é necessário actualizar os dispositivos de uso, é verdade. Todavia, se essa “actualização” não surge espontaneamente, de acordo com a vida dos actores da cena urbana, mas, pelo contrário, através da vontade e interesses dos decisores políticos aquilo que se pode obter é um resultado que, só por milagre, não redundará em algo de artificial e desequilibrado.
O arquitectura e o seu público
A sistematização dos saberes, das formas e dos modos de fazer tem uma utilidade limitada. A Arquitectura não é puramente forma, não é algo de autónomo, de isolado, de conceptual que vale pela impressão estética que nos causa ou pelo desafio técnico que parece representar. A Arquitectura não é um jogo. A Arquitectura é, no mínimo, a hipótese de sobrevivência de uma comunidade num espaço que lhe é próprio. Relembremo-lo: institui ordem; impõe usos e suporta uma Cultura. Isso, obviamente, não quer dizer que não evolua. E que as formas não são apenas o resultado da lógica de operações construtivas. Tudo o que o homem produz tem um qualquer antecedente. Se não houver melhor fundamentação para as formas, só o facto destas remeterem para algo que deve ser relembrado ou comemorado parece já ser suficiente. E esse será o modo de mantermos presentes os princípios de um determinado sistema de valores que nos interessa ver reconhecido ou actualizado 8. A legislação deveria garanti-lo e, ironicamente, a discricionariedade política proíbe ou autoriza vários olhares técnicos sobre o mesmo objecto. Em tudo isto parece legitimar-se uma permissividade ilimitada (ou limitada a certos interesses). Mas, quem é o público da Arquitectura? Os arquitectos, eles próprios, os clientes/promotores ou as pessoas/utilizadores? 9
É urgente desmontar este mito de colecção de formas, de conteúdos ou de meras intenções, isto é, respectivamente, de simbologias, de sociologias ou de pseudo-psicologias 10 que modelou a cultura arquitectónica e que se tornou apanágio do século XVIII, quando se “re-organiza” o Mundo a partir de um saber enciclopédico, que durou até aos nossos dias. Ainda que a Arquitectura ingenuamente 11 coleccione modos de responder formalmente às complexas variações dos usos e das práticas espaciais, em cada tempo, mesmo com a aprovação embevecida da “intelligentsia”, não se faz Arquitectura contra as pessoas. Terá a Arquitectura chegado a um beco sem saída?
texto publicado no Jornal Arquitectos
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