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18 agosto 2011

O multiculturalismo de David Cameron

José Biern Boyd Perfeito

Em 2007, David Cameron, ainda líder da oposicão pelo Partido Conservador (Tories), visitou a cidade de Birmingham, uma das maiores cidades do centro/norte de Inglaterra, muito conhecida pela industria automóvel das grandes marcas que nos habituamos a ver.




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A velha(nacionalizada) British Leyland, a Jaguar, a Land Rover, a DLV (DAF/Leyland), a Rover, todas elas se situam ou situavam numa cintura estratégica, entre Birmingham e Conventry tornando as áreas residencìais de Birmingham preferidas da grande massa de emigração nos anos 70 e 80.

A cidade cresceu, o comércio cresceu, a índustria imobilíaria expandiu-se e estava-se num caldeirão de culturas, identidades, nacionalidades, que habitavam lado a lado com uma classe trabalhadora Inglesa, muito classista, orgulhosa do seu passado e acima de tudo, lutadora dos seus direitos. Era uma área Trabalhista, dos clubes e centros comunitários, bairros dos Councils, etc.

Ainda antes de chegarmos a 2007 e a David Cameron, uma abrupta transformação nos anos 70, com a crise petrolífica de 73, a queda do Governo Trabalhista de Callaham, levou a que Margareth Thatcher, no seu primeiro governo em 1979, tivesse uma atenção especial á zona de Birmingham.

Por aí começou a privatização das índustrias automóveis, sendo a primeira a British Leyland, acabando por terminar no que acabou, como é do conhecimento geral; venda da Land Rover, falencia da Rover e da LDV, além de outras marcas não menos históricas que foram ficando pelo caminho.
Não foi porque Thatcher escolhesse ao acaso essa área geográfica, mas porque era uma das zonas onde a força de milhares de trabalhadores estava centralizada, em que a reenvidicação era uma das armas para lutar contra as politicas neo-liberais que se colocavam no futuro, e essa força tinha de ser, como no caso dos mineiros, partida, dividida, derrotada.
Nos finais dos anos 80, as politicas de reconversão e de re-adaptaço, continuavam a assegurar os empregos de uma forma geral, a mobilidade interna atenuou outros e tudo parecia controlado.

Mas nos anos 90 recomeçaram os problemas, com as restantes fábricas a fecharem, milhares de trabalhadores no desemprego e uma crise social pesadíssima. Já não havia reconversões para tantos trabalhadores ou re-adaptações.
Uma das maiores comunidades em Birmangham era e é a comunidade Muçulmana, muito presente em toda esta faixa do centro de Inglaterra, Luton, Beresford, Birmingham, Oxford ínclusive.
Como uma comunidade que demonstra taxas de crescimento acima da média, o seu nùmero aumentou exponencialmente em relação ao que era um nùmero de referência da própria comunidade Inglesa, original daquela área.
A maior parte dos trabalhadores da comunidade Muçulmana, ou trabalhava nas índustrias de automóveis ou possuía pequenos negócios familiares de comidas rápidas, com enorme concorrência entre eles e com ligação directa com o poder de compra da região.
Estavam integrados e interagiam com a restante população, não havendo problemas de maior, onde a cultura da classe trabalhadora, internacionalista e justa, absorvía todos os diferendos culturais.

As coisas, entretanto, mudaram, com os anos 90 e seguintes.
A maioría dos trabalhadores, agora no desemprego, maioritáriamente Emigrantes, vivia de benefícios socias, como o Housing Benefit (o Council paga a renda da casa) Income Support (quantia mínima de dinheiro que um cidadão precisa para sobreviver) Child care (ajuda para crianças) e outros. Esta situação afectava todas as comunidades, sem excepção, mas mais fortemente a comunidade Inglesa local, que como é evidente, tinha perdido os seus empregos também.
Os County Councils (governos locais) entraram em derrapagens orçamentais motivado pelo aumento de benefícios sociais, em crescendo a cada dia que passava.
Havia tensão social motivado pelo funcionamento do sistema que protege as familias numerosas, tradicionalmente Muçulmanas, com os benefícios sociais e formas de apoio.
Com os empregos a escassearem, também a tensão aumentava, ainda para mais, com grande impacto nos média que notíciava que havia milhões de libras a serem enviadas para países como o Paquistão, Polónia, Letónia, Bangladesh, India, etc, etc pelos emigrantes, que não eram gastos no Reino Unido.

Uma parte da classe média baixa, inicia movimentos nacionalistas, frontalmente opondo-se aos emigrantes, de uma forma geral.
Nasce duma já agonizante EDL(anos 60), o BNP (British National Party) (Partido Nacionalista Britanico) com Nick Griffin a liderar essa Classe média baixa.
O seu discurso de Emmigrants free, colheu aceitação na Classe trabalhadora, desempregada ou com dificuldades.
Nessa altura Tony Blair apresentava uma nova política de Emigração, com o Emmigrants act, no sentido de apertar mais as malhas nas licenças de trabalho e o controle fronteiríço.
Socialmente Blair definiu o Reino Unido como Multiculturalista, integralista de todas as culturas. Não se colocava nesta altura, muito em relevo a questão religiosa. Havia uma aceitação muito Britanica (mind your own business) nessa questão.

Agora voltamos então a Cameron em 2007.

Desde os atentados das Twin Towers e de Londres (2005) que a tolerancia das questões religiosas sofreu uma alteração vincada na relação com as comunidades Muçulmanas.

Tradicionalmente reservados e pouco interventivos na sociedade, com poucos conhecimentos de Inglês, o discurso do integralismo começou a mudar os termos. Crescia, nas classes médias e baixas Inglêsas, uma silenciosa revolta, impulsionada por vários sectores da sociedade, conservadores e nacionalistas.

Mas, para os très princípais partidos Inglêses, o Partido Trabalhista, o Partido Conservador e os Liberais- Democratas, a politica a seguir seria sempre o integralismo mas com multiculturalismo, ou seja, inclusão na sociedade Inglêsa, mas reconhecendo as identidades culturais de cada cidadão. A questão do véu Islamico nao teve sequer discussão, foi adaptada nas escolas. Foram criados grupos de trabalhos escolares para planificar matérias pedagógicas para cada tipo de cultura ou religião.
Um dos casos judíciais, em fase deste clima, foi a tentativa de prova de uma determinada tradição de uma religião como cultura e identidade, capaz de criar um regime legal de excepção.
Em 2007, Cameron visita então Birmingham, com grande aparato de média atrás, interagindo principalmente com a comunidade Muçulmana.
Dormiu inclusíve, numa casa de uma familia Muçulmana e fêz um discurso francamente humano sobre as diferenças culturais.
Disse na altura que, "não se podia forçar ninguém a ser Inglês" "que havia uma comunidade jovem e intelígente capaz de se adaptar e "trazer o melhor da sua cultura para a nossa cultura".
Falou-se novamente na política dos anos 60, a assimilação pelo povo Inglês das comunidades de culturas diferentes, das suas linguas e tradições, fossem populares ou religiosas.
Jack Straw, Home Secretary (Ministro do Interior) do governo Trabalhista de Blair, vinha, na mesma altura (estavamos em campanha eleitoral) a público reforçar a ídeia do Multiculturalismo e da total inclusão dos Emigrantes na sociedade Inglêsa, com as suas próprias culturas.

Foi sol de pouca dura.

Aqui entra a minha propria experiência como Officer do T&G e depois UNITE.

Estávamos no ínicio de 2008 e o T&G (sindicato que representa transportes e trabalhadores gerais) funde-se com o Amicus e formam o maior sindicato Britanico. Dois Homens ficam á frente deste sindicato, Dereck Simpson e Tony Woosley.
Numa refínaria da Total Francesa na Escócia, em 2008, foi efectuado um despedimento colectivo, de trabalhadores locais. Cerca de 300.
Nas semanas seguíntes, agências de trabalho temporário, recrutam trabalhadores emigrantes, Italianos, Polácos e alguns Portuguêses.
Foi passada nas televisões internacionais, as muito célebres imagens dos trabalhadores Italianos a entrárem para o turno e a mostrarem o dedo do meio para as camaras, o que foi apresentado pelos média, como uma afronta ao povo Inglês. O circo estava montado.
Marca-se uma manifestação para o exterior da refínaria e num palanque improvisado, Dereck Simpson, um dos meus secretários gerais da altura, deu o mote para o ínicio do clima que se vive hoje. Sim, vindo de um Secretário geral de um sindicato.

A frase British Jobs for British people, (Empregos Inglesês para os Inglêses) foi atirada ao ar, como um rastilho de pólvora que pegou e não mais parou, pelo Dereck, num dos seus mais tristes momentos. E teve vários.
O alvo eram os Emigrantes como já o tinham sido anteriormente um pouco mais silenciosamente. Agora gritava-se nas ruas, nas manifestações sindicais, apesar de por parte da maioria de nós, ter-mos feito o impossível para desmontar essa falácia racista.
No pior dos cenários, coloquei em causa a minha continuidade no Unite, mas fizeram-me reconhecer que saindo se estava a dar mais espaço a quem pensa dessa forma.
Numa reunião em Cardiff, na Transport House, eu e o Andy Richards, exigímos a Dereck uma retratação pública e o reconhecimento do erro e da enormidade que tinha cometido entre outros erros que surgiram e muitos mais que vieram a sugir.

Nunca se retratou nem sequer alguma vez explicou a frase, mantendo um clima de nevoeiro que muitos foram aproveitando para o seu próprio benefício.
Gordon Brown sabia e sempre soube aproveitar estes pontas de lança do partido trabalhista.
Dos sete Portugueses que lá estavam a trabalhar, todos se sindicalizaram e mantive algum contacto com eles, por mais algum tempo.
Motivados por esse tipo de afirmações racistas, os partidos de direita nacionalistas, agarraram na coisa e como atacar emigrantes só por si, não dava os resultados previstos, passou-se a um acrescento.

Emigrantes e a sua cultura, os seus hábitos sociais e religiosos, foram o alvo seguinte.
Alvo princípal, os Muçulmanos outra vez.
Em 2009, a EDL (English Defense League) reascendia o ódio pelos Muçulmanos, uma campanha de manipulação corre nos tabloides ligados a Rupert Murdoch.
Frases como "estão a alterar a nossa terra como se fosse deles" ou "qualquer dia já se fala a lingua deles aqui" ou " querem doutrinar o mundo no Islão" eram parandongas dos jornais diários.
No entanto e depois de tudo isto, o povo Inglês, acalmava, regressava como sempre, á sua boa vizinhança, ao espírito de solidariedade e houve um reprovar frontal ás agitações racistas, apesar de as manifestações anti-Muçulmanos serem recorrentes, mas pouco participadas.

Os povos não são racistas, são as classes opressoras que radicalizam a sociedade á medida das suas necessidades.

Havia sido criado, no entanto um clima de tensão que aos poucos se fazia sentir por entre os Inglêses no geral, fosse em termos dos desempregados, fosse em termos de aceitação da força de trabalho emigrante e as suas culturas próprias. Nas eleições Europeias, O BNP (Partido Nacional Britanico) teve resultados surpreendentes em zonas tradicionalmente Trabalhistas e o UKIP (Independente, nacionalista e Euro-céptico) conseguiu eleger um deputado para o parlamento Europeu, o que já por si, á uma contradição da sua própria base ideológica.

(Em 2009, uma serie de reuniões do meu Partido Político, O SWP e do Unite Against Fascism, em que participei, em Swansea, foram feitas em locais secretos, com a polícia a patrulhar a zona, devido ás ameaças que tinhamos recebido de membros da extrema direita).

Mas em 2010 estava já tudo mais calmo, até porque a eleição de Nick Clegg dos Liberais Democratas, para o governo Inglês em coligação com o Partido Conservador, deu alguma esperança ás políticas sociais porque Nick Clegg é casado com uma Espanhola e esse facto foi de certa forma levado como bandeira de uma certa abertura e desanuviamento a questão da emigração.
Convém também ressalvar que Boris Johnson ocupava então já o cargo de Mayor de Londres e iniciava uma política concertada com a polícia metropolitana, sobre alvos a incidir, no sentido de controlar a criminalidade. Alvos esses, assentes na ídeia que a criminalidade nasce nos bairros sociais mais pobres e em zonas de minorias étnicas, o que fez disparar as acções de controle a determinadas zonas em que a maioria dos residentes era de cor ou de etnia diferente.
Também durante as eleições para o Parlamento, os nùmeros de votos dos Partidos de direita, desceram aos seus valores habituais, perdendo algum do protagonismo e legitimidade das eleições anteriores.

Chegados que somos a 2011, uma cimeira sobre segurança Europeia realiza-se em Munique, patrocinada pela sempre Virgem Chanceler Alemã, Angela Merkel nos dias 3 e 4 de Fevereiro.
David Cameron faz então, nessa cimeira em consonância com Angela Merkel, declarações surprendentes e aterradoras.
Afirmou publicamente que o Multiculturalismo tinha falhado no Reino Unido!!

Que os Jovens Muçulmanos, nao queriam integrar-se na cultura Inglêsa, que estavam radicalizados e eram foco de violência. Que nao aceitavam o modo de vida Inglês, que viviam em segregação cultural, motivada por separatismos culturais e religiosos.
Falou num liberalismo muscular.
Este discurso de um racismo extremo e ignorante, acabou por trazer ao de cima, a verdadeira cor desta coligação. E de David Cameron que em 4 anos alterou de forma radical, ele sim, a sua opinião publica que andou a vender para ganhar eleições. Mas o pior de tudo, está na ajuda que deu á extrema direita e nacionalista, com o seu discurso, dois dias antes de uma manifestação anti-Muçulmanos marcada para Luton. (Fev/2011)

Claro que os lideres racistas e fascistas, apanharam as palavras de Cameron e deram vivas que o Governo estava a dar-lhes razão.
Sao em média 7 milhões de Emigrantes no Reino Unido, aproximadamente 10% da sua população total.
Ha 2,7% de Muçulmanos na população total. (8th October2009 PEW Reserch center Report).
Este discurso irresponsável vai criar mais ódio e confrontos por entre as populações, um clima que para o governo Inglês, trás uma maravilhosa desculpa para criar mais repressão e controle da população.
-Há que controlar as manifestações e protestos da sociedade Inglêsa e para isso é preciso construir uma base de repressão que se possa justificar aos olhos do povo.

Os Muçulmanos são, mais uma vez, o bode expiatório para o que aí vem.
Como se pode declarar o falhanço de uma politica social, de direitos humanos, de respeito pelas culturas e religiões, baseado em percentagens de populacao de 2,7% , plenamente intregrada e envolvida na sociedade.
Como se pode falar em radicalização quando a comunidade Muçulmana vive o seu dia a dia, sem rebentar bombas ou dar tiros e matar inocentes, coisas que os exércitos ocidentais sao conhecidos por fazer nos países Muçulmanos?
Como pode um Homem que afirmou em 2007 que não se podia forçar ninguém a ser inglês, agora vir dizer que todos tem de o ser, á força, senão por motivos estratégicos de interesses políticos e financeiros.
Como pode um Primeiro-Ministro fazer declarações de uma tal irresponsabilidade, antes de uma manifestação neo-nazi e racista, senão para lhe dar protagonismo?

Uma coisa é certa, o discurso de Cameron sobre o Multiculturalismo, deixa mais pessoas revoltadas, porque sabem que num país, todos contam, todos fazem parte.
Todos nós conhecemos um Mohammed, um Sadiq, um Sahid etc etc. São nossos amigos, colegas, vizinhos. Não são Terroristas nem radicais furiosos. São apenas pessoas, trabalhadores.

Como nós...

Oxford, 4th July 2011

Jose Biern Boyd Perfeito

Escrevi este texto na data acima anotada. Nessa altura, não me passou pela cabeça que os protestos pudessem ser tão próximos no tempo.
Não sendo somente a questão multicultural, ela representa sem dúvida parte do ignante que levou á inflamação desta ultima semana. Tal como a repressão que se segue.

David Cameron está a preparar o seu próprio caldo, para nele ser cozido.

Criar um clima de repressão social num clima de repressão económica, é o reagente para uma reacção não só quantitativa, mas também, qualitativa




04 agosto 2010

Ainda as Identidades Assassinas

"A esta forma de complacência acrescenta-se uma outra, também ela infeliz. A dos eternos cépticos que, a cada novo massacre identitário, se apressam a decretar que sempre os houve desde o começo da História e que seria ilusório e ingénuo esperar que as coisas mudem . Os massacres étnicos são, por vezes, tratados, conscientemente ou não, como crimes passionais colectivos, lamentáveis sem dúvida, mas compreensíveis e, em todo o caso, inevitáveis, porque "inerentes à condição humana"

p.44

22 julho 2010

"Não podemos ficar insensíveis ao seu calvário; temos de defender o seu desejo de falar livremente a sua língua, de praticar sem temor a sua religião ou de preservar as suas tradições. Mas da compaixão desliza-se por vezes para a complacência. Aos que sofreram na pele a arrogância colonial, o racismo e a xenofobia, perdoamo-lhes os excessos da sua própria arrogância nacionalista, do seu próprio racismo e da sua xenofobia, desintererrando-nos por isso da sorte das suas vítimas, a menos que o sangue terra jorrado a rodos."
p.43

15 julho 2010

Pré-conceber

"(...) Porque é o nosso olhar que aprisiona muitas vezes os outros nas suas pertenças mais estreitas e é também o nosso olhar que tem o poder de os libertar."


Amin Maalouf, As Identidades Assassinas, Difel, 1998, p.31

06 novembro 2009

Amantes inconfessos

O Paraíso é aquele lugar onde o humor é britânico, os cozinheiros são franceses, os mecânicos são alemães, os amantes são portugueses e tudo é organizado pelos suíços.
O Inferno é aquele lugar onde o humor é alemão, os cozinheiros são britânicos, os mecânicos são franceses, os amantes são suíços e tudo é organizado pelos portugueses...
Recebi esta anedota por e-mail. Não deixa de ser curiosa esta ideia dos portugueses como bons amantes. Uma ideia, como alguém referia recentemente, que a própria literatura reclama contantemente. Nesta anedota empurraram-se os franceses para a cozinha para deixar livre o poema e a prestação amorosa aos portugueses. Se um dos defeitos é fácil de adivinhar a suposta qualidade em destaque não revela, para além dos resquícios de marialvismo, a ausência de outras caracterísiticas a salientar?

17 setembro 2009

Usos da memória:a «marca Portugal» no jogo das identidades



debate 17 de Setembro 5.ª feira 21h30

O passado histórico português tem sido alvo de inúmeras e distintas apropriações. As lutas pelas memórias da nação, tanto no âmbito da discussão académica como no desenvolvimento de debates políticos e ideológicos, suscitam interpretações do passado muitas vezes realizadas em nome de projectos contemporâneos de sociedade. No número de Setembro de 2009, o Le Monde diplomatique – edição portuguesa publicou um dossiê que pretende realizar um exercício crítico sobre estes «usos da história» que, longe de se confinarem a debates restritos, se projectam sobre formas generalizadas de entender e interpretar o mundo. Com o objectivo de aprofundar a reflexão sobre esta temática convidámos os autores dos quatro artigos que integram esse dossiê.DebateUsos da memória: a «marca Portugal» no jogo das identidades.
Com a participação de Diogo Ramada Curto, João Luís Lisboa, Miguel Jerónimo e Nuno Domingos. O debate terá lugar na zona do bar do Instituto Franco-Português (Av. Luís Bivar, 91 - Lisboa), no dia 17 de Setembro, quinta-feira, às 21h30.
A partir dos artigos sobre o tema publicados na edição de Setembro do Le Monde diplomatique - edição portuguesa: «A memória dos descobrimentos, da expansão e do império colonial, de Diogo Ramada Curto; «10 notas sobre os conflitos no tempo», de João Luís Lisboa; «As marcas de Portugal: ensaios sobre o esquecimento», de Miguel Jerónimo, e «Memória nacional e cultura mediática», de Nuno Domingos.

03 julho 2006

A nossa pátria será outra

"(...)O pior nem foi a enchente. É que havia uma turba que ria para mim e, que me desculpem a afronta, eu estava-me rigorosamente nas tintas. Pensava noutras coisas, incluindo que não havia pão em casa e já não havia tempo de ir a uma loja de conveniência. Pensava na "agenda". Pensava em mais dois ou três assuntos que eu cá sei, a anos--luz do Portugal-Holanda e não respondi a um sorriso. E a distância de toda aquela felicidade deixou-me esquisita, mas ainda não apátrida, o que veio a acontecer no metro.

Como a superfície, o subterrâneo estava atafulhado de gente revestida a verde e vermelho, que acenava bandeiras e gritava. Já passava das 11.00 da noite e, à excepção de mim e de dois "mitras", todos os ocupantes da plataforma (incluindo as criancinhas de colo) irradiavam a vitória.

A coisa piorou quando o circuito de TV da estação passou o hino nacional. E então os heróis do mar da plataforma e o nobre povo do subterrâneo desataram a cantar o imortal hino da nação valente. Todos (menos eu e os dois excluídos) pareciam levantar de novo o esplendor de Portugal. Quando o metro chegou, fiquei aliviada de fugir daquela pátria esquisita para dentro do túnel onde o ruído silencia qualquer acção épica."

Ana Sá Lopes,Apátrida, sim, um bocado, às vezes Diário de Notícias, 28/o6/o6

16 junho 2006

Coesão Nacional



Há dois anos quando se descobria que Portugal estava prestes a ser o país mais pobre da União começou o Campeonato Europeu de Futebol. Ufa! Já que os ordenados não sobem ao menos esta alegria, o povo em delírio nesta festa nacional. E bem durou a festa. Agora os meus vizinhos retiraram as bandeiras debotadas e substituiram pelas cores novas da velha bandeira republicana. Desta vez já são made in Portugal e o merchandizing melhorou. Não há empresas nacionais de porte fora do evento. A Galp, a PT, a Tmn, a Carris, os Unidos da Curraleira, todos estão com a selecção. E como de lá para cá a crise aumentou é bom que o evento também suba de categoria.
O curioso neste papel aglutinador do futebol, e é por isso que funciona como agente de coesão social/nacional (aguenta as rupturas) é ver a maior parte das bandeiras estendidas às janelas dos bairros mais pobres. Num bairro social desta cidade, daqueles que nunca em manual algum terão direito a uma fotografia a não ser num processo de execução sumária dos seus autores, vi o maior número de bandeiras nacionais penduradas, quase todas as janelas e eram muitas janelas. Não pude deixar de pensar em como aquelas pessoas, atiradas para aquele sítio, com as vidas que imaginei terem, conseguem mostrar com orgulho a bandeira de um país em que vivem desta forma. Um país onde estão no último lugarzinho da fila e desse lugar acenam contentes o seu sentimento de pertença.