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13 janeiro 2016

As obras do Museu na Rua

O Museu Nacional de Arte Antiga teve a iniciativa de surpreender os transeuntes da cidade de Lisboa, ou melhor, de alguns bairros da cidade, com a iniciativa "Coming Out" onde quase 40 reproduções de quadros seus foram colocadas no exterior, com a respectiva moldura e legenda. Ou seja, copiando a forma como estão expostas no museu mas fora de portas, na rua Estamos a falar de obras de pintura antiga e não moderna ou contemporânea, portanto pinturas que foram encomendadas e produzidas a pensar no seu visionamento num espaço interior, a maior parte das vezes público (espaços religiosos). A novidade, o inesperado e uma ideia de democratização do acesso à arte devem ter contribuído para a recepção positiva da iniciativa. 
O desvio de quatro obras para um bairro periférico da grande Lisboa por parte de moradores deste bairro, reclamando desta forma singular o lugar de pertença à Cidade, pertença onde os bairros da Baixa e Chiado se veem também assim reforçados, traz de forma mais aguda à superfície os motivos porque  esta iniciativa pode ser uma má ideia e um serviço público duvidoso. Ação que se encaixa de alguma maneira no caminho trilhado pela atual direção do Museu, que é,  em suma, considerar o espólio de que são responsáveis uma mercadoria. Uma mercadoria é um ativo, passível de se transformar em dividendos que, por sua vez, se transformam no principal meio de subsistência das próprias obras (os custos da sua conservação, do seu estudo e manutenção). Uma ideia não muito diferente da que grassou nos últimos governos para imensos setores públicos da sociedade. Na ciência e investigação, na saúde, no ensino. E a ideologia que subjaz à própria manutenção do sistema, o trabalho que produzimos tem um valor, esse valor é transacionável no mercado de trabalho como se de uma mercadoria se tratasse, com esse valor tentamos subsistir, o que para a maioria da população na Terra significa manter-se capaz de continuar a colocar a sua força de trabalho nesse mercado.


Colocar uma obra de arte, no caso uma pintura, numa parede de um prédio de uma rua na cidade, fora do seu contexto original ou fora de um qualquer contexto (neste caso o do museu) implica que concedemos à obra plástica um valor per si, que o tem também claro, mas que esse valor é suficiente para que a imagem se imponha sem mais e cumpra o seu papel comunicacional e interaja sem mediação com o fruidor. É impôr-lhe, e ao espaço público que irá ocupar e com que vai interagir, um novo lugar. Um lugar de autoridade, muito mais pela moldura dourada e a etiqueta MNAA que traz apensa. Não se trata aqui de colocar em diálogo a pintura de determinada época com o pensamento e o conhecimento que temos dela, aquilo que nos diz sobre o seu tempo, o nosso, e as próprias artes. O diálogo  aqui é a exibição da marca MNAA e o símbolo de autoridade que representa associado a uma reprodução de qualidade numa obra que alguém não terá visto nunca, e talvez nunca tenha visto porque a tal marca de autoridade que cobre, legitima e institucionaliza o Museu, intimida e afasta grande parte da população de o visitar.
Então se as pessoas não vêm ao museu vamos levar o Museu às pessoas não é assim? Sim, fosse este tipo de iniciativa outra coisa diferente da de um claro merchandizing da própria instituição, que procura não aproximar as suas obras e o que elas nos propõem como espaços problemáticos -como todo o conhecimento - mas aumentar o score de visitantes. Principalmente os visitantes estrangeiros e os frequentadores de espaços de consumo mais associados à cultura e com maior poder de compra, a avaliar pela escolha dos bairros onde se espalharam as cópias. Operação de publicidade que de caminho rouba para título um nome com elevada carga política, "Coming Out", como se as obras estivessem escondidas e privadas da liberdade que só encontrariam fora do armário, no caso, na rua. Um caminho feito portanto, também aqui, da banalização e parasitismo de termos que têm um campo de ação presente e significativo na emancipação de tantas pessoas.

Chegados aqui podemos perguntar: então, se as reproduções na rua levaram gente ao Museu e chegada lá pôde ver os originais e entrar no espaço mediado e no contexto da obra, não foi um ganho? Não cumpriu o museu um dos seus papéis que é o aumento do número de visitantes e o aumento diversificado do seu público? Sim, se ao museu coubesse só ou fosse mesmo esta a mais importante das suas funções.

No século XIX a par da filantropia que ajudou a criar os primeiros museus nacionais, herdeiros diretos do romantismo e do advento dos estados-nação, propagava-se a ideia nalgumas áreas do saber (a saúde mental, a criminologia por ex.) de que o contacto com uma obra de arte podia transformar efectivamente um indivíduo. Um autista podia sair da sua doença, um assassino podia ser redimido e arrependido pelo simples bafejar de uma obra de pintura de um mestre consagrado. A estas crenças não foi alheia a própria discussão que se seguiria até ao modernismo do que definiria um obra de arte. Nem é alheio o facto de alguns países manterem ainda hoje o acesso livre aos seus mais importantes espólios. No Reino Unido foi isso que mereceu a gratuitidade nos principais museus, muito mais do que as conquistas democráticas em torno da cultura.

Para além de escolher (adquirir) e preservar, o Museu cria narrativas e através da interação com os seus públicos emite ideologia, o Museu é uma instituição produtora de cultura. A obrigação de criar e aumentar públicos -e de receita - é um entre os seus papéis e não seguramente o mais importante. A ideia de que as reproduções dos quadros do MNAA embelezam uma rua no Bairro Alto mais do que um grafitti um cartaz uma tabuleta de uma loja ou uma janela da mesma rua é beneficiária dessa visão de que a beleza reside nos mestres consagrados pela instituição. E mais totalitária será a ideia de que se virmos determinadas obras asseguramos a nossa pertença a um determinado património (que não é mais do que uma instituição com poder escolheu como tal), da mesma forma que se lermos as obras escolhidas pelo plano nacional de leitura podemos concluir com êxito determinado grau de escolaridade. Ou seja, tornarmo-nos em portugueses e portuguesas. Não uns quaisquer, mas aqueles que entraram nos Jerónimos, que viram as obras X e Y no MNAA. A construção da pátria é uma das narrativas do Museu. Saber que, entre os frágeis desse país se vão escolher as imagens que uma instituição com poder selecionou como construtoras da nossa identidade comum, que a mesma instituição nos impingiu (no museu escolhemos ir vê-las, na rua somos obrigados a vê-las) como suas/nossas, que os excluídos da Cidade pela economia, pela produção, venham buscar e reclamar essas mesmas imagens  para as levar para o seu bairro lembra colonialismos. Não foi o Museu buscar arte à periferia, o etnográfico recolher as estatuetas ou os instrumentos e utensílios da comunidade, foi a comunidade buscar as imagens à metrópole para se redimir e tornar melhor.



As obras que sobraram foram a Leilão esta semana tendo rendido 33 mil euros que serão aplicados na compra do quadro de Domingos Sequeira. 


Actualização a 12 Outubro.
E no trilho de uma certa ideia de colonização pela imagem eis uma iniciativa idêntica do Museu do Prado para as ruas de Costa Rica.

03 agosto 2014

INGRESSOS EM MUSEUS E MONUMENTOS: DESVARIO E MIOPIA LUÍS RAPOSO 2014-05-27


Luís Raposo 27-05-2014 

"O que se passa é que de toda a evidência a mera ideia de gratuitidade deve causar incómodo ao actual poder político, como aliás ao anterior, dominados que estão ambos por meros gestores de mercearia (sem ofensa dos merceeiros, claro) e com total ausência de estadistas. 

Finalmente, existe a questão dos preços estabelecidos. Em geral os valores actualmente praticados, ou são mantidos ou sofrem apenas ligeiros aumentos. Com excepções estranhas, em todo o caso. A visita Santa Clara-a-Velha, em Coimbra, é reduzida em 20% (de 5 para 4 euros), porque, segundo informa a directora regional de Cultura, “as pessoas achavam que o valor de entrada era caro” (Diário de Coimbra, 20-5-2014). Mas nos Jerónimos é estabelecido um aumento de 30% (de 7 para 10 euros), não tanto porque as pessoas achem o preço barato, mas porque existe “necessidade de assegurar condições para a salvaguarda e a protecção do Monumento Património da Humanidade de um desgaste provocado pelo contínuo crescimento de visitantes”, segundo fonte anónima da DGPC (Público, 21-5-2014) – o que lido realisticamente quer apenas dizer que as instituição do Estado português “estão-se nas tintas” para os cidadãos nacionais e o seu poder de compra, sabendo bem que assim poderão extorquir mais dinheiro aos turistas".

O texto completo aqui. 

06 abril 2014

O Património artístico dos Hospitais da colina de Santana: Imperativo de Salvaguarda

Parto do princípio de que o património acumulado nos edifícios do antigo Hospital Miguel Bombarda e nos ainda Hospitais de Santa Marta, Santo António dos Capuchos e São José é não apenas relevante sob o ponto de vista histórico e hospitalar mas também sob o ponto de vista arquitectónico e artístico. Na minha qualidade de historiador de arte e ollisipógrafo, creio que se trata de conjuntos por demais relevantes em termos de arquitectura e de acervos artísticos, e por isso tenho pugnado pela sua salvaguarda integral desde que, acompanhando a desafectação de serviços, surgiram propostas visando a destruição de parte substancial desse património. Para nós, e tomando a definição de bem patrimonial veiculado pelo Arq. José Aguiar, Património é tanto a obra-de-arte a ruína, o objecto-construção, a arquitectura de um edifício (o monumento clássico), como o lugar-ambiente, os núcleos urbanos a que (mal) chamamos centros históricos, ou seja, a cidade antiga e a cidade consolidada. 




É património o território e a paisagem humanizada, enquanto arquitecturas de vasta escala, ou seja, organizações voluntárias do espaço feitas por (e portadoras dos valores dos) homens. É também património (intangível) o saber que permitiu projectar, construir, manter ou alterar». No caso dos quatro hospitais ameaçados, que foram conventos de franciscanos, dominicanos, vicentinos e jesuítas com origens arcanas e mantendo recheios artísticos e científicos de primeira ordem, defendemos desde sempre o caminho da revitalização desses patrimónios sem amputar o existente, ao contrário do que quiseram e querem impôr os projectos da ESTAMO. A valia arquitectónica dos quatro hospitais da Colina é inquestionável e documenta um percurso desde o Maneirismo ao XIX, com corpos da responsabilidade de arquitectos como Nicolau de Frias e Baltazar Álvares, no século XVI, João Antunes no fim do XVII, ou José Maria Nepomuceno, autor do célebre Pavilhão Panóptico do Miguel Bombarda, jóia do racionalismo oitocentista, bem estudado pelo Dr. Vítor Freire, e também colecções preciosas de arte, como a azulejaria que enriquece os quatro conventos – na sua maioria dos séculos XVII e XVIII, estudada por especialistas como Santos Simões, José Meco, Barros Veloso e Isabel Almasqué, já aliás devidamente inventariada pelos técnicos da Rede Temática em Estudos de Azulejaria e Cerâmica João Miguel dos Santos Simões da Faculdade de Letras de Lisboa, com um banco de dados exaustivo. Independentemente da qualidade arquitectónica e artística das propostas de projecto da ESTAMO, e do mérito dos seus proponentes, o que esteve e está em causa é a violação do «espírito de lugar» sacrificado a uma cega lógica especulativa de «rentabilização a todo o custo», como se os edifícios antigos, por existirem, fossem um estorvo para os gabinetes ditos de reabilitação urbana ! Ora, seja qual for o destino que venham a ter estes ex-conventos que foram ex-hospitais, eles têm de ser considerados, à lupa, como mais-valias do tecido histórico-cultural da cidade... Num momento em que as ameaças de destruição estão temporariamente travadas, face à decisão da Assembleia Municipal, é ainda mais urgente e imperioso avançar com propostas de salvaguarda e alternativas de utilização, incluindo as museológicas, mostrando claramente o repúdio por qualquer ‘solução final’ destrutiva, como a que se desenhava – a qual nem sequer respeitava as ZEP's dos edifícios classificados envolvidos no processo e que esquecia mesmo uma proposta de classificação do ex-Miguel Bombarda em análise da DGPC… 




 A incapacidade de saber intervir com sensibilidade, e as más decisões pautadas pelo afã do lucro, originam atentados patrimoniais sem remissão, e este seria de imensas proporções, a ser cumprido, tanto na componente patrimonial e histórico-artística, como no impacto ambiental, na descaracterização da zona e na perda de serviços da comunidade. A ausência de «perspectivas estratégicas» (cuja busca, em princípio, deveria ter envolvido todas as partes, da CML à SEC, Universidades, associações de cultura, historiadores, arqueólogos, comunidade), esteve arredada da parte de quem, face aos dados conhecidos, apenas pretendeu e pretende destruir sem sofismas para «construir com aval em nome do progresso». Mas afinal que progresso é este ? Refutamos que o país histórico só exista à medida da conveniência de grandes interesses. Não é verdade quem diz que só existem duas opções para estes espaços patrimoniais: ou se deixa como está por ditame de um patrimonialismo serôdio, ou se avança com projectos e funcionalidades previamente determinadas, mesmo que estas apaguem as «memórias valorativas» dos espaços. É certo que as cidades crescem, geram dinâmicas e novos patrimónios, mas não se aceita que esse processo se faça destruindo testemunhos históricos tão relevantes, negando-lhes valia, como é o caso dos corpos hospitalares oitocentistas de Rilhafoles e Capuchos condenados pela ESTAMO ao camartelo... Há sempre alternativas sustentadas, que passam decerto por nova construção pontual, em intervenção micro-arquitectónica sustentada, como defende o Arq. José Aguiar como princípio a seguir, mas mesmo essas não poderão prescindir da conservação do existente, respeitando as áreas de protecção dos imóveis classificados e suas linhas de evolução, tomando como base a qualidade dos edifícios, pensando serviços adequados, como centros culturais, laboratórios, pólos de vivenciação, o museu de História da Medicina que se pretende criar, sem deixar de reforçar o Museu de Arte Outsider já instalado no Miguel Bombarda e que é, no seu acervo, um dos mais importantes do mundo... tudo reflectido e pensado, sempre, com respeito pelo princípio do «espírito de lugar», de que uma cidade como Lisboa não pode prescindir. Existe alternativa aos projectos da ESTAMO, que equilibre a reconstrução com a conservação, a pontual demolição de excrescências com a valorização efectiva da Colina como todo, a rentabilização de partes com musealização de outras. É o que se espera da parte da CML para o futuro da Colina – e não o cenário apocalíptico que se quis impõr como facto consumado, depois de apagar a memória histórica e hospitalar das existências. É certo que o futuro não se constrói só a defender o passado, mas seguramente não se constrói se alienarmos esse mesmo passado. Existem sempre alternativas quando os agentes, técnicos e comunidade, sabem destacar o essencial: a dignificação de Lisboa, acima de interesses especulativos e falaciosas argumentações que visam a des-memória do tecido olisiponense. Está em causa, enfim, uma questão que à classe médica é muito querida: a História da Medicina em Portugal e a sua memória, física e museológica. O património comum une passado, presente e futuro numa intimidade de interstícios, pelo que a reabilitação dos lugares históricos só pode mesmo ser cruzada com o sentido da sua dignificação plena. Exige-se perspectiva responsável e aberta, que só faz sentido se Património, Herança e Memória caminharem de mãos dadas. É preciso que a lucidez faça doutrina, inflectindo o processo que ameaça com destruições sem remissão os ex-conventos de Rilhafoles, Santa Marta e Santo António dos Capuchos e o ex-Colégio de Santo Antão. 

 Vítor Serrão
 (texto da minha intervenção no Debate Cívico a 29 de Março, na Sociedade de Geografia, organizado pelo ICOMOS-Portugal, o ICOM-Portugal, a Secção de História da Medicina da Sociedade de Geografia de Lisboa e o Núcleo de História da Medicina da Ordem dos Médicos).

Imagens obtidas no Hospital Miguel Bombarda em 2010

05 fevereiro 2014

Miró

Presentemente, vivemos sob os auspícios de uma cultura que se caracteriza por um capitalismo obcecado pelo low cost, suportado por uma sociedade em rede, preocupada com a sustentabilidade da velocidade da informação/comunicação, dos MB (mega bites), mas sobretudo viciada nos gráficos impregnados de adrenalina, que tentam demonstrar que os números são o pilar do desenvolvimento da civilização. 
 O Homem tecnológico, cultural, humanista, faz parte de um passado distante e evoluímos para uma nova Era – a do Homem Descartável. Muitos de nós erigimos algumas das questões essenciais postas pelos números, no que se refere aos visitantes dos museus, ao desinvestimento na cultura, e sobretudo ao alheamento da sociedade relativamente ao Património Histórico. 
 Teorias e análises foram faladas e escritas ao longo de décadas, por pensadores, profissionais da cultura e comentadores, sobre as novas necessidades culturais das gerações presentes e vindouras. Mas, infelizmente, mesmo as visões mais apocalípticas falharam. 
O caso das obras de Miró, no nosso estimado Portugal, é paradigma de como se comporta esta geração descartável:

 a) Para com as Instituições, que deveriam ter sido convidadas a analisar a questão, e que simplesmente não o foram – a Secção dos Museus, da Conservação e Restauro e do Património Imaterial (SMUCRI) do Conselho Nacional de Cultura, a Direcção-Geral do Património Cultural / DGPC, a APOM (Associação Portuguesa de Museologia) e o ICOM-Portugal. 

 b) Para com a respectiva área de especialidade - Secretário de Estado da Cultura. 

c) Para com a Lei de Portugal, que obriga a que as obras de arte, ao serem deslocadas para outro país, tenham de obter uma autorização para o efeito. 

 d) Para com os Portugueses, que não tiveram a oportunidade delas usufruírem, nem que fosse por breves momentos numa exposição.

 e) Para com os Museus do Estado, que teriam, porventura, a oportunidade de incorporar algumas obras (já que possamos concordar que, devido à situação actual do País, nem todas pudessem ficar em Portugal). 

 f) Para com a inteligência. A colecção Miró constitui um acervo artístico gerador de riqueza em qualquer parte do mundo, em especial num país turístico como é Portugal, que através de uma política de comunicação/actuação semelhante a outras recentes exposições, poderia ajudar (não a resolver) a remover a imagem da profunda trapalhada ligada ao caso BPN.

 g) Para com Juan Miró, artista universal, nascido no território Ibérico, representativo de uma Era próspera da pintura europeia, um dos mais importantes pintores do século XX, cujas obras não mereceriam tamanha desfeita. Hoje as de Miró, amanhã de outro artista de referência. Não deixa de ser um precedente, tão insólito como preocupante.

 Associação Portuguesa de Museologia
 Presidente    João Neto
 Lisboa, 3 de Fevereiro

03 abril 2013

Consultórios nos museus

Museu Nacional do Traje

Consultório de Museus todas as 4ª feiras
Realização: 4ª feira, das 15h – 17h

Condições de participação; Máximo 2 peças

Tipologia de materiais: traje

Inscrição: prévia, ao cuidado de Dina Dias: dinadimas@mntraje.dgpc.pt
217 567 820



Iniciativa alargada a outros museus (Lamego, Portimão). Excelente, os museus ao serviço da comunidade e do património fora de si.

19 outubro 2011

Cidadania e Receitas. Luís Raposo, de novo

Vejo que o meu bom amigo João Neto concorda com o senhor SEC em acabar com as gratuitidades nos museus e palácios do IMC,IP, em três domingos de manhã. Percebe-se até que o mais correcto, do seu ponto de vista, seria acabar com todas as gratuitidades. Tudo o que tem custo, deve ser pago, a custos reais, a custos reduzidos ou até a custos simbólicos. Claro que existe um pequeno problema jurídico: a Lei-Quadro dos Museus Portugueses obriga os museus públicos a estabelecerem períodos de gratuitidade. A SEC entende agora que quatro horas por mês é suficiente para cumprir a Lei. O João Neto iria mais longe e proporia a alteração de uma Lei aprovada por unanimidade na Assembleia da República. Coisa de somenos. Legislação à parte, existe aqui sobretudo um problema social e político. Logo depois dos domingos de manhã, o João Neto talvez apoiasse o fim das gratuidades para as escolas. Depois ainda para os reformados, etc. etc.Pela mesma ordem de razões, também o acesso a arquivos e bibliotecas deveria ser pago. Como há tempos alguém dizia, já não me lembro onde, as bibliotecas então são especialmente injustas porque dão (a palavra “dar” incomoda, de facto) livros a ler aos leitores, e até os deixam levar para casa, em flagrante concorrência desleal com as livrarias, onde os mesmo livros têm de ser comprados.Estamos neste Mundo de formas diferentes, dir-se-á, porque lá onde o João Neto vê contradições, eu vejo cidadania. O curioso é que vejo eu e vêm os políticos, de esquerda ou de direita, e responsáveis de museus, públicos e privados, que por esse Mundo fora têm feito aumentar, e não diminuir, as práticas controladas da gratuitidade em museus. Fazem-no uns por motivação cívica, como eu próprio; fazem-no outros por estratégia de mercado. Mas fazem-no.Em todo o caso, nem sequer seria aqui preciso invocar grandes debates e opções, porque falamos apenas do mínimo dos mínimos – os domingos de manhã – e estava eu convencido que a disposição constante de Lei-Quadro dos Museus Portugueses colhia a unanimidade entre os profissionais de museus. Afinal há excepções. Quanto aos ganhos financeiros da medida, que mantenho serem residuais, é claro que eu me referi a eles globalmente porque precisamente as receitas de bilheteira sempre foram, e tanto quanto se pode vislumbrar, sempre serão arrecadadas e geridas centralmente. Ou seja, o apoio que o João Neto dá agora à SEC, contrapõe uma realidade concreta, a que temos, a um desejo algo piedoso de um futuro em que os museus arrecadem 60% das suas receitas – medida que deveria, aliás, ser muito mais profundamente amadurecida e que eu pessoalmente teria hesitações em defender. A questão da sustentabilidade financeira dos museus é demasiado complexa e deve ser estuda em detalhe – por isso o ICOM.PT vai organizar uma jornada sobre o assunto, em 7 de Novembro, no Museu Nacional de Soares dos Reis, com oradores que sabemos defenderem os mais díspares pontos de vista, mas desejavelmente todos ancorados na realidade concreta. Ora, todos sabemos como é sempre mais cómodo defender princípios etéreos, sem aplicação real no presente, aproveitando de passagem para dares ares de sensatez e espírito dialogante.[Incidentalmente, não posso deixar de assinalar como a SEC compreendeu e valorizou bem o oportuno apoio que recebeu, a ponto de apressadamente ter concedido à APOM uma audiência aguardada há meses, fazendo-o na véspera de audição parlamentar onde haveria o risco de se dizer que o senhor SEC, apesar de ter afirmado o contrário, não tinha ainda efectivamente recebido nenhuma associação de museus, como não recebeu de arqueologia, do património arquitectónico, etc.]Diz o João Neto que em alguns museus da SEC estas verbas dos domingos de manhã poderão constituir receitas expressivas. Com excepção do Museu Nacional dos Coches, pergunto-me em quais ? Em alguns Palácios Nacionais admito que venham a ser significativas e que não haja até decréscimo dramático de visitantes quando se introduzir o pagamento. A situação existente nesses Palácios em relação ao aproveitamento ilegítimo que as agências de turismo fazem da gratuitidade aos domingos de manhã justificaria, aliás, uma revisão dos termos concretos desta prática. Mas em todos os demais museus, essas receitas não serão assim tão significativas e conduzirão a importante diminuição de visitantes. Basta comparar os números actuais de visitantes durante as manhãs e durante as tardes de domingo para perceber a dimensão do decréscimo expectável.De resto, os cálculos estão feitos e ninguém os desmentiu. Com o número de visitantes actuais as receitas de três domingos de manhã poderão ser na ordem dos 700 a 800 mil euros. Com o decréscimo inevitável que vai ocorrer, poderão diminuir para metade, ou seja, 350 a 400 mil euros. Estes valores representam 2%, ou menos, do orçamento de funcionamento, do IMC,IP. Se tivermos em conta as verbas totais do investimento público nos museus da SEC (verbas nacionais e verbas europeias), então os valores indicados situam-se na ordem das décimas percentuais.Dito tudo isto, subsiste o mais importante: a questão das gratuitidades aos domingos de manhã é um assunto tão, tão secundário que nos não deveria mobilizar e eventualmente dividir. E não o fará, nem institucional, nem pessoalmente. No caso concreto das minhas momentâneas diferenças de opinião com o João Neto então, atentos os laços de amizade que temos desde há anos, já décadas, seria preciso muitíssimo mais para que tal sucedesse.





Luís RaposoPresidente do ICOM Portugal17.10.2011

11 outubro 2011

Novo ataque à cultura

"Museus vão deixar de ser gratuitos aos domingos" diz o secretário de estado da Cultura F.J.Viegas. Nesta entevista à TSF consegue avançar a ideia estapafúrdia de que 80% das entradas dos museus deviam ser pagas para sustentabilidade do próprio museu (aqui até cabe perguntar por que razão então não são pagas as entradas na Fundação Berardo onde o Estado Português acabou de injectar a maior verba de todas dentro dos apoios do Fomento Cultural). Mas o que sabe sobre museus Francisco José Viegas? Ter-se-à perguntado porque é que subsiste ao longo dos anos a entrada gratuita aos domingos de manhã? Terão os agentes sido questionados sobre esta medida radical que implica, não só uma afronta a princípios constitucionais de acesso à cultura e ao património de todos (quem não tem dinheiro nenhum fica impossibilitado de entrar num museu), como é uma afronta à autonomia de um museu que se vê diminuido no objectivo de manter ou aumentar o número de visitantes, número indispensável à instituição para desenvolver projectos e obter apoios (não exclusivamente públicos, a lei do mecenato por exemplo).





Os domingos gratuitos permitem não só trazer visitantes novos (criação de novos públicos a que o programa deste ou de qualquer governo está obrigado pela lei de bases nacional para a cultura) como permitir a visitantes mais interessados em repetir a experiência da visita as vezes que entender. Há obras que não se vêm uma vez mas vêem-se a vida inteira. Fazer disto um luxo é acentuar aquilo que na nossa sociedade se vem tornado mais escandaloso e desavergonhado, o fosso entre os que podem e os que não podem. Uma manhã gratuita nos museus permite igualar no acesso situações tão escandalosamente díspares (garante de Igualdade como a escola pública que este governo tão diligentemente se ocupa também em desmantelar).







As receitas que um museu hoje gera estão ligadas muito mais a actividades protagonizadas na sequência da visita, ao serviço educativo, à oferta de hotelaria ou às recordações numa boa loja. Os museus sabem isto e devem ter apoios para poder investir nesta área onde podem ir financiar-se. A entrada do visitante é um fim-em-si de um Museu. Esta medida, como tantas outras (se não todas) do governo de Passos é demagógica e inútil porque favorece o decréscimo de visitantes do Museu (menos visitantes, menos pessoal necessário no museu, menos cultura, menos economia) não contribui em nada para aumentar receitas (menos visitantes conduz a cada vez menos visitantes, decréscimo de público, pagante e não pagante). Para além de inútil é perigosa, porque transporta este cheiro a júbilo pela oportunidade que FMI e troica deram a uma ideologia de avançar terreno ao ir insidiosamente destruindo o contrato que foi sendo possível construir entre cidadãos (o Estado) ao longo de séculos, para que fosse possível viver-se um pouco longe do salve-se quem puder.


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