Confesso que já me estava a admirar com a demora.
Com uma
catástrofe de tão grande dimensão no Haiti (país ligado ao estereotipo do
vodu, por sua vez ligado ao estereotipo de culto demoníaco), mais tarde ou mais cedo tinha que aparecer um qualquer tele-evangelista estado-unidense a atribuir a tragédia a um castigo divino.
Foi o que fez
Pat Robertson, com a criatividade suplementar de culpar todo um país e as suas «sucessivas maldições» por um
«pacto com o diabo», feito pelos escravos durante a sua revolta vitoriosa contra os franceses.
Parece que o homem tentou depois emendar a mão, mas as declarações iniciais (e a fraseologia utilizada) não deixam margem para dúvidas.
A maldade quase demoníaca (de tão desumana) presente em tais declarações não me parece resultar de mera estupidez.
Decorre de uma visão do mundo partilhada pela igreja católica há poucos séculos atrás, e que ainda por aí anda entre muito bom padre.
Decorre, afinal, de uma contradição essencial em todos os movimentos que se reclamaram do cristianismo: do facto de as mensagens de Cristo (contraditórias elas próprias, é verdade) serem bem pouco compatíveis com a terrível divindade do Antigo Testamento.
E com o facto de os sucessos evangelizadores massivos (sejam eles mediáticos ou não) estarem ligados, não a deturpações, mas a interpretações legítimas daquilo que de pior nos ficou daqueles escritos mais antigos.
Parece que é mais fácil mobilizar seguidores para uma divindade interveniente, punidora e milagreira e para a responsabilização do diabo pelas nossas maldades e incapacidades, do que para a auto-responsabilização e a bondade.
Torna-se depois fácil ver, na assustadora senhora cuja foto abre este
post, uma adoradora do diabo, portadora do pecado original dos seus revoltosos antepassados.
Sobretudo, se a tirarmos do enquadramento e do contexto - em que ela se torna uma assustada pessoa semi-soterrada em escombros e rodeada de cadáveres, talvez de familiares.
Livre-nos Deus, se existir, dos bem intencionados apóstolos da justiça divina!